Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 329/2024-T
Data da decisão: 2024-11-20   Outros 
Valor do pedido: € 194.143,00
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR); competência dos tribunais arbitrais; ineptidão da petição; legitimidade
Versão em PDF

SUMÁRIO:

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é um tributo que se qualifica como imposto e não como contribuição, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar matérias a ela respeitantes.
  2. A falta de identificação dos actos de liquidação de CSR contestados, cuja declaração de ilegalidade e anulação se requer, implica a ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.
  3. A Requerente não suportou o encargo da CSR por repercussão legal, pelo que carece de legitimidade processual para contestar a legalidade dos actos de liquidação daquele imposto.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            Os Árbitros Carla Castelo Trindade, António de Barros Lima Guerreiro e Ana Rita do Livramento Chacim, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

            1. A..., S.A., com o NIPC ..., com sede na Rua ..., ...-... ... (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e nos artigos 99.º e 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e, bem assim, dos actos de liquidação que englobam o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (“ISP”), a Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) e outros tributos, referente ao período compreendido entre Janeiro e Dezembro de 2019, unicamente na parte que respeitante aos montantes liquidados a título de CSR.

 

            2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”) em 11 de Março de 2024.

 

            3. No pedido arbitral a Requerente invocou, em síntese, o seguinte:

  • A aqui Impugnante adquiriu produtos petrolíferos que deu origem a atos de liquidação conjunta de ISP, CSR e outros tributos”;
  • A CSR constitui um imposto incidente sobre os combustíveis rodoviários – gasolina, gasóleo rodoviário e GPL auto – sujeitos também ao ISP”;
  • Porém, sendo o ISP um imposto especial de consumo (IEC), o que tendencialmente acontece é que, apesar de ser o sujeito passivo o obrigado a entregar o montante do imposto, vai ser o consumidor final a suportá-lo efetivamente”;
  • tendo TJUE entendido que a CSR é um imposto e não uma contribuição financeira, por não haver coincidência entre sujeito passivo (introdutor dos produtos no mercado) e o contribuinte (adquirente dos combustíveis), declarou a ilegalidade abstracta, à luz do Direito da União Europeia, do acto de liquidação da CSR”;
  • Tanto o TJUE, como o Tribunal Arbitral, entenderam que o sujeito passivo da relação tributária de CSR tem legitimidade processual ativa para contestar as respetivas liquidações de CSR”;
  • que tem legitimidade a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que está vinculado ao cumprimento da prestação tributária – seja como contribuinte directo, substituto ou responsável e, ainda, a quem suporte o encargo económico do imposto através do mecanismo da repercussão legal”;
  • com a efectiva repercussão legal do imposto, distinta da repercussão meramente económica ou de facto, o pressuposto processual positivo do interesse em agir, transfere-se do repercutente para o repercutido”;
  • Desta forma, os consumidores finais – os repercutidos – terão legitimidade processual activa para contestar as liquidações da CSR, de forma a obter a sua anulação e respetivo reembolso”;
  • Por essa mesma razão, os consumidores finais não carecem da intervenção processual dos sujeitos passivos da CSR para terem legitimidade processual ativa para contestar as liquidações, sendo processualmente desnecessária uma ação concertada entre as operadoras sujeitas a CSR e os consumidores finais, seja em que moldes for, para que estes últimos possam fazer valer os seus interesses”;
  • A CSR serve-se, em parte, das regras que disciplinam o ISP mas constitui um imposto distinto, com enquadramento legal, estrutura e finalidade próprias”;
  • Ao nível europeu, a tributação dos produtos petrolíferos e energéticos é enquadrada pela Diretiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, que fixa a estrutura comum dos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”) harmonizados e pela Diretiva n.º 2003/96, de 27 de Outubro de 2003, que cuida especificamente da tributação dos produtos petrolíferos e energéticos”;
  • À luz da Diretiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, sendo da iniciativa do legislador nacional e onerando produtos já sujeitos ao ISP, a CSR configura um imposto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos aos IEC harmonizados (excisable goods)”;
  • Para prevenir que seja posto em causa o sistema harmonizado dos IEC, a Diretiva 2008/118 subordina a criação destes impostos não harmonizados sobre excisable goods à dupla condição de: (a) respeitarem a estrutura essencial dos IEC e do IVA; e de (b) terem como fundamento um “motivo específico”.”;
  • De acordo com a jurisprudência consolidada do TJUE, este “motivo específico” não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita, sendo que a afectação da receita a despesas determinadas pode constituir um indicador de um “motivo específico” na criação destes impostos”;
  • Porém, entende aquele Tribunal que nem toda a afectação comprova um “motivo específico”, sendo necessária uma ligação direta entre a utilização da receita e a finalidade do imposto, não se verificando essa ligação direta quando a receita gerada pelo imposto esteja afeta a despesas suscetíveis de serem financiadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”.”;
  • Na falta dessa afectação adequada da receita, para que se concluísse existir “motivo específico” seria necessário, em segunda linha, e no entendimento daquele Tribunal, que a estrutura do imposto claramente servisse para desmotivar o consumo que ele queira prevenir”;
  • É certo, porém, que a CSR foi criada por razões de ordem puramente orçamental”;
  • A Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que cria a CSR, não faz apelo a qualquer objetivo de política ambiental, energética ou social”;
  • As razões invocadas pelo legislador para a criação da CSR estão na necessidade de encontrar receitas próprias para financiamento da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, entretanto transformada na Infraestruturas de Portugal, IP, S.A.”;
  • A receita da CSR encontra-se genericamente consignada ao financiamento da Estradas de Portugal, E.P.E.”;
  • A CSR serve, portanto, para financiar despesas suscetíveis de serem custeadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”, como o são a manutenção e alargamento da rede nacional de estradas, não se verificando a afectação adequada da receita que o TJUE exige para concluir pela presença de um “motivo específico”.”;
  • A estrutura da CSR não indicia, tão pouco, que esteja subjacente à respetiva criação qualquer “motivo específico” de política ambiental, energética ou social”;
  • Bem pelo contrário, a incidência objectiva da CSR, a sua incidência territorial e a sua estrutura de taxas, distintas do ISP, atestam que o objetivo subjacente à sua criação está em encontrar receitas próprias e estáveis para uma entidade pública e não em desmotivar um qualquer comportamento por parte dos contribuintes”;
  • Em suma, o legislador português não fixou uma afectação da receita da CSR que comprove que esta tenha sido criada por “motivo específico” distinto de uma finalidade orçamental”;
  • O legislador português tão pouco dotou a CSR de uma estrutura que comprove que a sua criação tenha sido ditada por “motivo específico” distinto de uma finalidade orçamental. Assim, a CSR criada pela Lei n.º 55/2007, deve considerar-se um imposto desconforme ao artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118.”.

 

            4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 30 de Abril de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 9 de Maio de 2024.

 

            6. Tendo sido devidamente notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta e juntou aos autos o processo administrativo, em 20 de Maio de 2024, defendendo-se por excepção e por impugnação, em síntese, com base nos seguintes argumentos:

  • Por excepção começou a Requerida por referir que “A Autoridade Tributária está vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, sendo o objeto desta vinculação definido pelo artigo 2º” de onde resulta “que foi intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD no âmbito de pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, tais como as contribuições”;
  • no caso em apreço está em causa a apreciação da legalidade da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e respetivas liquidações.”;
  • tratando-se de uma contribuição e não um imposto, as matérias sobre a CSR encontram-se, assim, excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal”;
  • independentemente do nomen iuris ou da natureza jurídica da CSR, a verdade é que não é, por definição, um imposto e, portanto, o CAAD não tem competência para decidir sobre esta matéria”;
  • Portanto, estamos perante uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e 577.º, al. a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa.”;
  • Ainda que assim não se entenda (…) sempre existiria a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, por outra via” porquanto “resulta do teor do pedido de pronúncia arbitral, e sua fundamentação, que o que a Requerente suscita junto desta instância arbitral é a legalidade do regime da CSR, no seu todo.”;
  • pretend[e] a Requerente, em rigor, a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa, visa, com a presente ação, suspender a eficácia de atos legislativos”;
  • a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação” que “não consente nem o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação”;
  • Ainda que se considerasse a competência do tribunal arbitral para a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação de ISP/CSR, nunca poderia o tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, que não são atos de tributários e que, para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto”;
  • O que consubstancia uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e nº 2 e 577.º, al. a) do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n. º1, al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa”;
  • apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago”;
  • no âmbito dos impostos especiais de consumo, são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo (…) [p]elo que é a estas que são emitidas as respetivas liquidações de imposto e apenas estas podem identificar tais atos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigos 15.º e 16.º do CIEC).”;
  • tal como ocorre no âmbito dos IEC, e em outros tipos de impostos, as disposições especiais previstas nos respetivos códigos prevalecem sobre as normas gerais previstas na LGT e no CPPT”;
  • de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto (…) porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica dos repercutidos económicos ou de facto”;
  • Ora, “não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não têm legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral”;
  • Ainda que assim não se entenda (…) carece igualmente para o efeito a Requerente de legitimidade atendendo igualmente ao disposto no artigo 18.º, n.º 4, alínea a), do Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de dezembro (Lei Geral Tributária – LGT), pois não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal”;
  • Perdendo a sua natureza de tributo aquando eventual incorporação no PVP pelo sujeito passivo, assumindo então a natureza de um custo”;
  • ao contrário do que sucede com a estatuição da repercussão legal prevista em sede de IVA, conforme artigo 37.º do Código de IVA e em sede de Imposto de Selo, (IS), conforme artigo 3.º do Código do IS”;
  • não existe no âmbito da CSR um ato tributário de repercussão legal, subsequente e autónomo do(s) ato(s) de liquidação de ISP/CSR, sendo que as faturas não corporizam atos de repercussão de CSR, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis, e que o valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelos adquirentes dos combustíveis”;
  • Saliente-se que os documentos juntos pela Requerente não identificam qualquer montante relativo a CSR e até contêm um campo no qual estão indicados descontos, sem que se compreenda que tipo de descontos estão em causa. Terá sido o desconto da CSR? Ou, pelo menos, tal desconto não recaiu sobre a CSR alegadamente suportada? Não se sabe.”;
  • dada a natureza da repercussão da CSR, ainda que o sujeito passivo de ISP/CSR “repasse” o custo da CSR, ou parte dele, no preço de venda dos combustíveis, os seus clientes não são, necessariamente, quem suporta, a final, o encargo do tributo”;
  • entende-se, pois, que não foi o legislador despiciendo ao mencionar expressamente no artigo 18.º, sob a epígrafe “Sujeitos”, n.º 4 alínea a) da LGT apenas os repercutidos legais e no artigo 9.º, sob a epígrafe “Legitimidade”, n.º 1 do CPTT o interesse legalmente protegido, (não se fazendo qualquer referencia à repercussão ou interesse económico).”;
  • Considerando-se, assim, que a repercussão económica ou de facto, a não prevista na lei e contabilisticamente calculada no PVP (custo), não atribui legitimidade procedimental e processual a quem venha eventualmente a suportar o encargo do imposto/custo”;
  • Face ao que antecede, é de concluir que a Requerente não é sujeito passivo de ISP/CSR e não integra a relação tributária subjacente à liquidação contestada, não sendo o devedor, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado, que está a jusante do sujeito passivo na cadeia económica, que em termos jurídicos não é um terceiro substituído, que não suporta a contribuição por repercussão legal, nem tão pouco corresponde ao consumidor final, pelo que não tem legitimidade nem para apresentar o pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral, nos termos do n.º 2, do artigo 15.º do CIEC, artigo 9.º n.º 1 do CPPT e dos n.º 3 e 4, al. a), do artigo 18.º da LGT.”;
  • Por tudo exposto, inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, carece a Requerente de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e nº 2, 577.º, al. e) e 578.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância.”;
  • Ou, caso, assim se não entenda (…) [c]arece a Requerente de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 576.º n.º 1 e n.º 3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido.”;
  • A identificação do(s) ato(s) tributário(s) objeto do pedido é condição essencial para a aceitação do pedido de constituição do tribunal arbitral”;
  • analisado, quer o pedido arbitral, quer a documentação a ele anexa, em lado algum se encontra identificado qualquer ato tributário”;
  • Requerente limita-se a identificar documentos (em princípio contabilísticos) dos seus fornecedores, alegando que terá sido esta entidade que, na qualidade de sujeito passivo de ISP/CSR, terá procedido à introdução no consumo dos produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente”;
  • Sem, no entanto, em qualquer dos casos, identificar quaisquer atos de liquidação de ISP/CSR praticados pela administração tributária e aduaneira, nem as Declarações de Introdução no Consumo (DIC) submetidas pelos alegados sujeitos passivos de imposto”;
  • a identificação das liquidações não é feita pela Requerente, nem é possível à AT suprir tal omissão, dada a impossibilidade absoluta em estabelecer qualquer correlação/correspondência (datas, quantidades de produto, valores) entre os documentos apresentados pela Requerente e os atos de liquidação que, a montante, estiveram subjacentes à introdução no consumo (DIC) dos produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente às suas fornecedoras”;
  • Por todo o exposto, verifica-se a exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário, violando o requisito da al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b) e 278.º, nº 1, al. b), do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT, devendo, consequentemente, determinar-se a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância”;
  • Requerente formula um pedido de anulação de liquidações que não identifica através da mera impugnação de alegadas repercussões, sem sequer identificar o nexo entre estas e aquelas, (que não existe)”;
  • fá-lo, com assento na ideia errada de que vigora para a CSR um regime de repercussão legal e de que, a referida repercussão (que como já se viu é meramente económica) possa ser presumida (…) [a]presentando depois como causa de pedir a desconformidade da CSR ao Direito da União”;
  • Termos em que, ainda que a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial seja de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 196º do CPC (aplicável ex vi da al. e) do n.º 1 do artigo 29º do RJAT), invoca-se a mesma na presente sede por uma dupla razão: a não-identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral, o que compromete irremediavelmente, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º, a finalidade da petição inicial, e a contradição entre o pedido e a causa de pedir, levando à nulidade de todo o processo nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 186.º e da alínea b) do artigo 577.º, ambos do CPC”;
  • a Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral em 08-03-2024, do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 11-08-2023 junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, designadamente Alfândega de Leixões”;
  • tomando por referência o alegado pela Requerente, aquisições no ano de 2019, em 11-08-2023, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º 1, primeira parte da LGT”;
  • Ademais, e sem conceder, no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do CIEC”;
  • Pelo que, a acrescer ao facto de a Requerente não ser sujeito passivo de ISP/CSR e ao facto de não lograr provar o pagamento dos respetivos valores, em 11-08-2023, já teria terminado o prazo de 3 (três) anos previsto no nº 3 do artigo 15.º do CIEC para requerer o reembolso do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR, pelo menos no que se refere a todas as aquisições efetuadas pela Requerente em datas anteriores a 11-08-2020”;
  • mesmo que apenas parcialmente, constata-se a caducidade do (alegado) direito de ação por parte da Requerente, o que consubstancia uma exceção perentória, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido”;
  • No entanto, e ainda que assim não se entenda, sempre consubstanciará uma exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.º1, 2 e 4 al. k) do Código do Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), devendo, nessa medida, ser a Requerida absolvida do pedido ou da instância”;
  • Por impugnação, defendeu que “não logra a Requerente fazer prova do que alega, designadamente que a Requerente pagou e suportou integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão (…) sendo que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque”;
  • Nem é admissível que, atenta a regra geral prevista no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, se diga que incumbe à AT fazer a prova da não repercussão, entendendo a jurisprudência que, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, a maior complexidade da prova de factos negativos necessitará de ter como resultado uma menor exigência probatória por parte do magistrado, mas não uma inversão do ónus da prova”;
  • Sendo que, de acordo com o artigo 344.º do Código Civil – CC - (Inversão do ónus da prova), as regras do ónus da prova (previstas nos artigos 342.º e 343.º) só se invertem quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine ou quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, situações que não se verificam no caso em concreto”;
  • Pelo que, exigir que seja a Requerida a fazer prova de que não houve repercussão, isto é, fazer prova de facto negativo, configura uma exigência de prova diabólica, a qual é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade, da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo, preceituados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, e do direito ao contraditório e à ampla defesa”;
  • Concluiu por referir que “considera-se que nenhum dos elementos de prova apresentados, sustentam qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nomeadamente que o valor pago pelos combustíveis que a Requerente adquiriu, tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem constitui prova bastante quanto aos valores alegadamente pagos/suportados a título de CSR, o que deve ser devidamente valorado em termos de prova, sendo certo que impendia sobre a Requerente o ónus de tal prova”;
  • Tal como impendia sobre a Requerente o ónus de provar que o preço dos serviços prestados aos seus clientes, não comportou, a jusante, a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo daquele tributo/custo”;
  • Referiu ainda que “em momento algum o TJUE considera ilegal a CSR (…) [n]ão existindo qualquer decisão judicial nacional transitada em julgado que declare a CSR ilegal (…) [n]ão estando o ordenamento jurídico português em contradição ou antinomia com o Direito da União Europeia”;
  • existe e existia à data dos factos na CSR objetivos/finalidades não orçamentais, estando subjacente à sua criação e afetação motivos específicos distintos de uma finalidade orçamental, nomeadamente finalidades de redução de sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, sendo, pois, a referida CSR conforme ao direito comunitário”;
  • Nestes termos, requer que seja “pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente, por infundado e não provado”.

 

            7. Em 24 de Junho de 2024, foi a Requerente notificada para exercer o direito ao contraditório quanto à matéria de excepção invocada pela Requerida na sua resposta e, bem assim, para proceder à identificação dos actos de liquidação de CSR contestados no presente processo.

 

            8. Por requerimento de 9 de Julho de 2024, veio a Requerente exercer o direito ao contraditório quanto à matéria de excepção, em síntese, nos seguintes termos:

  • A competência contenciosa do Tribunal Arbitral, em matéria tributária, tal como resulta do Art.º 2.º do RJAT, compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”;
  • Já o Art.º 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, com as suas subsequentes alterações (…) fixa, um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral”;
  • por um lado refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais e (…) a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária”;
  • Haverá de concluir-se, nestes termos, que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no n.º 1, do Art.º 2.º, do RJAT, que respeitem a impostos - com a exclusão de outros tributos – e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária”;
  • contrariamente ao alegado pela A.T., que a CSR não constitui uma contribuição financeira”;
  • Como se refere no Acórdão proferido no Proc. n.º 269/2021-T, corroborado pelo Acórdão proferido no Proc. n.º 304/2022-T (…) Não exist[e] (…) qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos”;
  • Pugna ainda a A.T. pela incompetência em razão de matéria por outra via, indicando, erroneamente, que o que a “Requerente suscita junto desta instância arbitral é a legalidade do regime da CSR, no seu todo” e a sua própria conformidade constitucional”;
  • No entanto tal não encontra correspondência no pedido formulado”;
  • A aqui Requerente formulou um pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do ato de liquidação de CSR (…) Invocando, para tal, como causa de pedir, a desconformidade da CSR com a Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao Regime Geral dos Impostos Especiais de Consumo”;
  • Não tendo suscitado em termos processualmente adequados a inconstitucionalidade de qualquer das normas do respetivo regime jurídico”;
  • Ainda que o tivesse feito, não podemos deixar de referir que a Constituição “admite o controlo difuso de constitucionalidade pelos tribunais (Art.º 204.º) e prevê o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos Tribunais que recusem a aplicação de norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (Art.º 280.º, n.º 1)”;
  • De referir que as “normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8.º da Constituição)”” sendo que “A impugnação judicial de um ato de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito convencional”.”;
  • devendo ser considerada improcedente a invocada exceção de incompetência do tribunal em razão da causa de pedir”;
  • A Autoridade Tributária alega ainda que se verifica a ilegitimidade processual da Requerente tendo em consideração que apenas os sujeitos passivos que declararam a introdução dos produtos para consumo e efetuaram o pagamento do imposto, podem solicitar a anulação das liquidações e o reembolso por erro na liquidação.”;
  • Como resulta da alínea a), do n.º 4, do Art.º 18.º da LGT, quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronuncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os atos de liquidação que geram a repercussão.”;
  • Para além da legitimidade ativa da Requerente se encontrar prevista pela referida norma da alínea a), do n.º 4, do Art.º 18.º da LGT, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral plasmada no n.º 1 do Art.º 9.º, do CPPT”;
  • Face ao exposto, a alegada excepção de ilegitimidade ativa, é manifestamente improcedente”;
  • Alega ainda a Autoridade Tributária que, à luz do regime especial dos Art.ºs 15.º e 16.º do CIEC, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e que provem o pagamento do ISP e da CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago e, como tal, os adquirentes dos produtos, com a aqui Requerente, não têm legitimidade para solicitar da a revisão do acto tributário e o consequente pedido de reembolso”;
  • No entanto há que ter em conta, que o n.º 1, do Art.º 5.º, da Lei n.º 55/2007, o qual que criou a Contribuição de Serviço Rodoviário, apenas remete para o CIEC o procedimento de liquidação e cobrança do imposto”;
  • Por outro lado, o regime previsto no Art.º 15.º e ss. do CIEC abrange o reembolso com fundamento em erro na liquidação ou em caso de expedição ou exportação”;
  • ao passo que o que está em causa no presente processo arbitral não é um qualquer pedido de reembolso, mas a declaração de ilegalidade dos atos tributários de repercussão do imposto por violação do direito europeu”;
  • Assim, a legitimidade ativa terá de ser analisada à luz das regras processuais aplicáveis e não do regime específico do reembolso do imposto que consta das citadas disposições do CIEC”;
  • Na teoria da AT, a P.I. não respeita a alínea b,) do n.º 2, do Art.º 10.º, do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido, uma vez que não identifica o acto ou actos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral”;
  • No entanto, não pode a aqui Requerente concordar, uma vez que as faturas juntas e emitidas pelos fornecedores de combustíveis, confirma que houve lugar à repercussão da CSR, como indica a quantia global suportada a esse título”;
  • De acordo com a alínea a), do n.º 4, do Art.º 18.º, da LGT, não é sujeito passivo quem (…) não estiver sujeito diretamente a uma obrigação fiscal, como é o caso do consumidor final de bens ou serviços”;
  • Mas admite que da repercussão do imposto possa resultar a violação de um interesse legalmente protegido e, nesse sentido, confere ao repercutido o direito à impugnação administrativa ou judicial como meio adequado de reação contra a repercussão ilegal do imposto, o que se justifica, no plano de política legislativa, por razões de similitude com a lesão que seja causada por um ato ilegal de liquidação”;
  • Nada obsta, por conseguinte, que a Requerente possa deduzir um pedido de pronúncia arbitral contra os atos tributários de liquidação da CSR.”;
  • Por outro lado, esses actos encontram-se identificados e documentados pelo único meio possível, a emissão de faturas pelo fornecedor do combustível que consubstancia a repercussão do encargo tributário na esfera jurídica dos adquirentes”;
  • Mais se dirá que, os serviços da Autoridade Tributária, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, não levaram a cabo quaisquer diligências que permitissem verificar a existência dos atos de liquidação de imposto e a sua correlação com as faturas onde o imposto se encontra repercutido”;
  • Acresce que a AT poderá a qualquer momento solicitar a colaboração da fornecedora do combustível e aceder por via oficiosa às declarações de introdução no consumo e aos correspondentes atos de liquidação”;
  • ““O certo é que o contribuinte não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios (sobre todos estes aspetos, cfr. o acórdão proferido no Processo n.º 467/2020-T)”.”;
  • Mais alega a Requerida que há ineptidão da P.I., uma vez que há inteligibilidade do pedido e contradição deste com a causa de pedir”;
  • No entanto e, salvo outra opinião, entendeu muito bem, a Requerida, qual o pedido, dada a extensa argumentação e experiência com processo de igual índole.”;
  • Mais se dirá que, nos termos do n.º 3 do Art.º186.º do C.P.Civil a Petição não é inepta quando a Requerida interpreta convenientemente a petição inicial.”;
  • De referir que as faturas juntas, incluem, como não poderia deixar de ser, o montante correspondente à CSR e, que a Requerente pagou ao Estado, pelo que são, por essa via, apuráveis os montantes cuja anulação a Requerente pretende”;
  • A exigência de identificação das liquidações, numa situação deste tipo, em que o Repercutido não tem possibilidade de as identificar e a identificação não é imprescindível para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas facturas, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efectiva (garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP), pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnar contenciosamente actos que lhe aplicam tributação e lesam a sua esfera jurídica”;
  • a alegada falta de identificação dos actos de liquidação não pode ser imputada à Requerente, sendo que esta não dispõe de legitimidade processual para impugnar esses atos tributários, pelo que não pode daí extrair-se a intempestividade do pedido de revisão oficiosa”;
  • Como se afirma, “entre outros, nos acórdãos do STA de 14 de Março de 2012 (Processo n.º 01007/11) e de 8 de Março de 2017 (Processo n.º 01019/14) – a revisão oficiosa do ato tributário pode ser efetuada a pedido do contribuinte no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago) quando houver erro imputável aos serviços, devendo entender-se como tal o erro material, o erro de facto ou o erro de direito, independentemente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação”.”;
  • tendo sido invocado um erro imputável aos serviços e verificando-se que o pedido de revisão oficiosa foi recebido a 11 de Agosto de 2023 e, que o mesmo se reporta a actos de repercussão da CSR no período compreendido entre Janeiro de 2019 a Dezembro do mesmo ano, no momento da apresentação dos pedidos de revisão oficiosa não tinha ainda decorrido o prazo de quatro anos a que se refere o artigo 78.º, n.º 1, da LGT”;
  • Já o pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito a 11 de Março de 2024, dentro do prazo de 90 (noventa) dias após o decurso do prazo para a apreciação do pedido de revisão oficiosa, o pedido arbitral é igualmente tempestivo”;
  • Razão pela qual não e pode concordar com a exceção invocada”.

 

            9. Em 12 de Setembro de 2024, foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações, remetendo-se para a decisão final a apreciação da matéria de excepção, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.

 

II. SANEAMENTO

 

            10. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT e nos artigos 1.º a 3.º da Portaria de Vinculação.

 

            11. Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar as excepções de (i) incompetência do Tribunal Arbitral, (ii) ineptidão do pedido de pronúncia arbitral (iii) ilegitimidade da Requerente e (v) caducidade do direito de acção por intempestividade do pedido de revisão oficiosa, o que será feito por esta ordem lógica, a título prévio, no âmbito da análise do mérito da causa, logo após a fixação da matéria de facto provada e não provada.

 

II. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Factos provados

 

            12. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial que actua na área da construção civil e obras públicas, entre outros;
  2. No ano de 2019 a Requerente adquiriu gasóleo para a prossecução da sua actividade, designadamente para abastecer frota e máquinas, pelo valor de € 4.621.932,48;
  3. Em 11 de Agosto de 2023, a Requerente apresentou, nos termos da 2.ª parte, do n.º 1, do artigo 78.º, da LGT, pedido de revisão dos actos tributários de liquidação de ISP, CSR e outros tributos, na parte respeitante à liquidação da CSR referente ao período compreendido entre Janeiro e Dezembro de 2019;
  4. Até à presente data, não foi proferida decisão expressa de indeferimento do referido pedido de revisão oficiosa;
  5. Em 8 de Março de 2024, a Requerente apresentou o pedido arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

§2 – Factos não provados

 

            13. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, não se consideram provados os seguintes factos:

  1. Que as fornecedoras de gasóleo da Requerente entregaram ao Estado, enquanto sujeitos passivos da relação jurídico‐tributária, qualquer montante a título de CSR;
  2. Que as fornecedoras de combustível, no período compreendido entre Janeiro e Dezembro de 2019, repercutiram à Requerente a CSR correspondente a cada um dos consumos de gasóleo, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado a título de CSR, a quantia global de € 194.143,00.
  3. A Requerente não repercutiu o encargo económico da CSR que alegou ter suportado no preço dos bens e serviços prestados aos seus clientes.

 

§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

14. O Tribunal Arbitral tem o dever de seleccionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e nos artigos 596.º, n.º 1 do CPC e 607.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

15. O Tribunal formou a sua íntima e prudente convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados nos artigos 16.º, alínea e) do RJAT e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

16. Os factos assentes nas alíneas a) e d) foram invocados pela Requerente e não impugnados pela Requerida, motivo pelo qual foram dados como provados. O facto assente na alínea b) foi dado como provado com base nos documentos n.º 2 a 64 juntos pela Requerente aos autos. O facto assente na alínea c) foi dado como provado com base no documento n.º 1 junto pela Requerente aos autos. O facto assente na alínea e) encontra-se certificado pelo sistema de gestão processual do CAAD.

 

17. Relativamente ao facto dado como não provado no ponto 1), considerou este Tribunal Arbitral que a falta de junção aos autos das DIC globalizadas submetidas pelas fornecedoras de combustível, dos consequentes actos de liquidação emitidos pela AT e dos respectivos comprovativos de pagamento, que não foram também associados às facturas e documentos que titulam o consumo juntos aos autos, não permitem certificar a efectiva liquidação e pagamento da CSR pela introdução no consumo do gasóleo adquirido pela Requerente.

 

18. Quanto ao facto dado como não provado no ponto 2) supra, impõe-se desde logo registar que a prova da repercussão pressupõe inevitavelmente como ponto de partida a demonstração de que a CSR foi inicialmente liquidada e paga pelos sujeitos passivos daquele tributo aquando da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos – o que, conforme se viu, não foi demonstrado pela Requerente.

 

19. Acresce que a Requerente não cumpriu o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no processo n.º C‑460/21. Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte:

 

“(…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).

45 Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26).

46 O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42).

(…)

48 Nestas condições, há que responder à segunda e terceira questões que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.”. (destaque nosso)

 

            20. Da aplicação da jurisprudência do TJUE ao presente caso resulta que a repercussão da CSR sobre terceiros – que não decorre de qualquer imposição legal prevista na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto que instituiu a CSR, sendo tão só “expectável” perante o regime e funcionamento deste tributo –, não pode ser em qualquer caso presumida.

 

            21. O que é compreensível, se se tiver em consideração que a repercussão opera aqui como um fenómeno económico, com uma configuração e amplitude variáveis. Como explica Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 399:

 

A repercussão (…) pod[e] operar por mais que uma forma sobre os preços. A forma mais comum é a da repercussão descendente, que se verifica quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem, fazendo com que o comprador o suporte: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes sobem o preço na mesma medida, fazendo com que os consumidores o suportem. A repercussão transversal verifica-se quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem diferente daquele que é onerado pelo tributo: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes diluem esse aumento através do agravamento do preço da generalidade das bebidas alcoólicas. Enfim, a repercussão ascendente verifica-se quando o vendedor subtrai o tributo ao preço de um bem de que é comprador, obrigando os fornecedores a suportar-lhe o peso económico: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes obrigam as empresas cervejeiras a baixar o preço nessa mesma medida.

A repercussão constitui um fenómeno que depende em larga medida das condições económicas que rodeiem uma transacção”.

 

            22. Portanto, a ocorrência do fenómeno de repercussão descendente não pode simplesmente ser presumida por mais que tenha sido querida na lógica de funcionamento do tributo. Pelo contrário, impõe-se uma análise do contexto e dos vários factores que conformam cada transacção comercial para daí extrair a conclusão de que o encargo da CSR foi total ou parcialmente “repassado” ao longo dos vários intervenientes do circuito económico até atingir o consumidor final.

 

            23. Ora, este exercício de prova da repercussão não foi realizado pela Requerente, que se limitou a juntar aos autos facturas e comprovativos de pagamento referentes a aquisições de gasóleo, como se daí decorresse sem mais a prova da repercussão da CSR. Certo é que apenas com base naqueles documentos não é possível fazer a correspondência entre as operações praticadas e as declarações de introdução no consumo dos combustíveis transaccionados; não é possível estabelecer a relação entre as transacções e as DIC com as correspondentes liquidações emitidas pela AT e, finalmente, não é possível demonstrar a incorporação do encargo da CSR nas vendas de gasóleo à Requerente, nem tão pouco em que grau e/ou medida tal incorporação se processou.

 

            24. Acresce que mesmo que a Requerente tivesse demonstrado que suportou o encargo da CSR por repercussão, não logrou esta demonstrar que esse encargo se cristalizou na sua esfera jurídica. Dito de outro modo, não provou a Requerente que em última instância foi a entidade onerada com o tributo em causa, porquanto não incorporou o seu custo no preço dos serviços prestados aos seus clientes. Foi por isso que não se deu como provado o facto constante do ponto 3) supra.

 

            25. Por fim, regista-se que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

IV.1. Questões prévias – saneamento

 

§1 – Incompetência do Tribunal Arbitral

 

            26. Quanto à apreciação da competência material deste Tribunal Arbitral para conhecer dos pedidos formulados pelas Requerentes, seguem-se aqui de perto as conclusões a que chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 29 de Fevereiro de 2024, no processo n.º 467/2023‑T.

 

            27. Assim, impõe-se em primeiro lugar aferir se, em termos gerais, o pedido formulado pelas Requerentes é arbitrável, isto é, se a apreciação de pretensões referentes à CSR se encontra ou não inserida no âmbito de competência material da arbitragem tributária.

 

            28. Ao que aqui importa, a competência dos Tribunais Arbitrais é delimitada no RJAT nos seguintes termos:

Artigo 2.º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”. (negrito nosso)

 

29. Âmbito material este que é por sua vez circunscrito na Portaria de Vinculação, da seguinte forma:

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.

 

            30. Apesar de a concatenação das referidas normas jurídicas não apresentar uma resposta incontestável quanto à arbitrabilidade de actos de liquidação de contribuições, que parecem ter sido em parte excluídos do âmbito material da arbitragem tributária pela Portaria de Vinculação – o que tem reflexo na jurisprudência arbitral que não é uniforme nesta matéria –, certo é que resulta incontroversa a inclusão no âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais a apreciação da legalidade de actos de liquidação de impostos.

 

            31. Revela-se, assim, necessário, qualificar a CSR enquanto “contribuição” ou “imposto”, para daí extrair as necessárias consequências quanto à competência material deste Tribunal Arbitral. Esta análise tem sido amplamente discutida e desenvolvida pela jurisprudência, que importa aqui considerar em cumprimento do desiderato de interpretação e aplicação uniforme do direito que emana do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.

 

            32. Nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T e 520/2023-T a CSR foi qualificada como uma contribuição, o que levou aqueles Tribunais Arbitrais a julgar procedente a excepção de incompetência material. No acórdão proferido em 16 de Novembro de 2023, no processo n.º 520/2023-T, referiu-se a este respeito o seguinte:

 

“(…) nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.

Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considera «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.

No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.”.

 

33. Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022‑T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e 410/2023-T, que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável. Por todos, cita‑se nesta sede o acórdão proferido em 24 de Outubro de 2023, no processo n.º 644/2022-T, que registou a este respeito o seguinte:

 

Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coactivo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto.

Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspectividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.

Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou colectiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito activo respectivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspectividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).

Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da actividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua concepção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.

Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…)

Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respectiva natureza.

Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a excepção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.

 

            34. Cabendo tomar posição, e evitando repetições desnecessárias e contrárias à economia processual que se exige, acompanha este Tribunal Arbitral a jurisprudência que qualifica a CSR como um imposto, já que este é um tributo que efectivamente não reúne as características de bilateralidade difusa e de responsabilidade de grupo inerente às contribuições. Por conseguinte, nem se revela necessário indagar se as contribuições se inserem ou não no âmbito material da arbitragem, uma vez que resulta incontroverso do RJAT e da Portaria de vinculação que tal âmbito abrange a apreciação da legalidade de questões referentes a impostos.

 

35. Apesar de, em termos gerais, as matérias referentes à CSR serem arbitráveis, para se concluir pela competência material do Tribunal Arbitral é ainda necessário analisar e confrontar o concreto pedido formulado pelas Requerentes com a delimitação que resulta do RJAT e da Portaria de Vinculação.

 

36. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente concluiu com a formulação dos seguintes pedidos:

 

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. TÃO DOUTAMENTE SUPRIRÃO DEVE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO SER JULGADA PROCEDENTE E: A) SER DECLARADA A ILEGALIDADE DO ATO DE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE REVISÃO OFICIOSA REFERENTE AOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO EM CAUSA; B) SER DECLARADA A ILEGALIDADE DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO IMPUGNADOS NO QUE RESPEITA AO MONTANTE LIQUIDADO A TÍTULO DE CSR; C) SER A REQUERIDA CONDENADA A REEMBOLSAR A REQUERENTE PELO VALOR TOTAL DE CSR INDEVIDAMENTE PAGO, RELATIVAMENTE AOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO JUNTOS AOS AUTOS, NO MONTANTE DE € 194.143,00 (CENTO E NOVENTA E QUATRO MIL, CENTO E QUARENTA E TRÊS EUROS), COM AS DEMAIS COMINAÇÕES LEGAIS; D) SER A REQUERIDA CONDENADA AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E DEMAIS ENCARGOS”.

 

37. Constata-se, portanto, que a Requerente não peticionou a declaração de ilegalidade do regime da CSR como um todo, nem tão pouco a declaração de ilegalidade de actos de repercussão de CSR, conforme invocou a Requerida, mas sim a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de IEC (CSR), o que integra o âmbito material da arbitragem tributária previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e no artigo 2.º da Portaria de Vinculação.

 

            38. Em face do exposto, julga-se improcedente a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral invocada pela Requerida.

 

§2 – Ineptidão do pedido de pronúncia arbitral e Ilegitimidade

 

            39. Invocou também a Requerida na sua resposta a ineptidão do pedido de pronúncia arbitral por falta de objecto e por ininteligibilidade do pedido e a contradição entre este e a causa de pedir.

 

            40. Quanto a este tema, pronunciaram-se já de forma extensa e cuidada os Tribunais Arbitrais, cuja jurisprudência cumpre aqui considerar em respeito do já mencionado artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil. Em concreto, adere-se aqui às seguintes considerações do Tribunal Arbitral, proferidas no acórdão de 12 de Junho de 2024, referentes ao processo n.º 848/2023-T:

 

47. A título de contextualização, cumpre começar por sublinhar que o contencioso tributário é um contencioso de plena jurisdição que confere aos particulares uma tutela jurisdicional efectiva quanto a todas as lesões de direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária. Ainda assim, esta plena jurisdição é “mitigada”, porquanto reconhece limitações no que respeita aos poderes condenatórios e substitutivos que assistem aos Tribunais.

 

48. No que em concreto respeita ao domínio da impugnação judicial e da arbitragem tributária que lhe é alternativa, o contencioso tributário continua a ser essencialmente de mera anulação, com excepção dos poderes condenatórios de reembolso do imposto indevidamente pago, de condenação no pagamento de juros indemnizatórios e de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.

 

49. Para além disso, no domínio daqueles meios processuais o contencioso tributário continua a ser de mera legalidade, de tipo, natureza ou matriz “objectivista”, que tem no acto tributário, maxime de liquidação, o seu elemento central (neste sentido vide Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 5.ª ed., Coimbra Editora, 2014, pp. 292-293).

 

50. Significa isto que a impugnação judicial e o pedido arbitral são meios processuais que não visam uma tutela da relação jurídico-tributária globalmente considerada, mas tão só dos concretos actos tributários contestados. Consequentemente, aqueles meios processuais dependem necessariamente da imputação de vícios a um determinado acto tributário previamente praticado e devidamente identificado que consiste no objecto do processo, cuja anulação ou declaração de nulidade ou inexistência se requer.

 

51. Neste mesmo sentido, referiu-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) de 16 de Dezembro de 2020, proc. n.º 0545/13.2BEVIS, que “o contencioso tributário é de mera apreciação da legalidade, consistindo na formulação de um pedido jurisdicional tendo em vista a anulação de um acto jurídico (tributário – liquidação) da administração, ou seja é um contencioso de anulação, e não de substituição”.

 

52. Dada a primazia que assume o acto tributário, torna-se particularmente relevante o cumprimento pelos particulares dos requisitos da petição inicial e do pedido de constituição de Tribunal Arbitral/pedido de pronúncia arbitral no que respeita à identificação dos actos de liquidação contestados.

 

53. Assim, determina-se no CPPT o seguinte:

 

“Artigo 108.º

Requisitos da petição inicial

1 - A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.”. (destaque nosso)

 

54. Já no RJAT estabelece-se, ao que importa, o seguinte:

 

“Artigo 10.º

Pedido de constituição de tribunal arbitral

(…) 2 – O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via electrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar:

(…) b) A identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral;”. (destaque nosso)

 

55. Compreende-se que em concretização do princípio do dispositivo a lei faça recair o ónus de identificação dos actos de liquidação sobre quem exerce o impulso processual de os impugnar. Se assim não fosse, isto é, se quem tomasse a iniciativa de contestar a legalidade de um acto de liquidação não tivesse o dever de o identificar e caracterizar, bem como de invocar os elementos essenciais que conformam o pedido e a causa de pedir, poder-se-ia verificar o prosseguimento de uma acção com um objecto processual inexistente ou, pelo menos, não devidamente delimitado.

 

56. Tal hipótese não pode, naturalmente, ser admitida. Por um lado, porque é em função do objecto processual que o Tribunal afere o cumprimento dos pressupostos que lhe permitem apreciar o mérito, designadamente a competência material, a legitimidade das partes, a tempestividade do pedido e a competência em razão do valor. Por outro lado, porque sem objecto o processo será inútil, já que no limite a acção poderá prosseguir sem que o Tribunal consiga aferir perante o concreto acto de liquidação contestado a verificação dos vícios invocados pelo impugnante. Isto sem contar que a final a decisão não terá efeito útil prático, já que o Tribunal não poderá declarar a ilegalidade e consequente anulação de um acto que desconhece.

 

57. Vejam-se a este respeito as seguintes conclusões a que chegou o STA no acórdão de 07 de Fevereiro de 2018, proc. n.º 01400/17:

 

“A única questão a decidir consiste em saber se está correcta a decisão ora sindicada que se decidiu pelo indeferimento liminar da petição de impugnação com fundamento no facto de a petição inicial ser inepta, por falta de objecto e, ainda, por ininteligibilidade do pedido, determinante da sua nulidade, a qual entendeu ser do conhecimento oficioso do tribunal, de harmonia com o disposto nos artigos 98.º do CPPT, 195.º n.º 1 e 186.º, n.º 2, alínea a), estes últimos do CPC, aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

Importa saber se foram cometidos erros de julgamento de direito, e se terá sido violado o princípio da cooperação, consagrado no artigo 7º, n.º 1, do CPC, e, bem assim, o direito de acesso à justiça e aos tribunais, proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP.

(…)

Dispõe o artigo 108º do CPPT o seguinte:

Artigo 108.º

Requisitos da petição inicial

1 – A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o acto impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.

2 – Na petição indicar-se-á o valor do processo ou a forma como se pretende a sua determinação a efectuar pelos serviços competentes da administração tributária.

3 – Com a petição, elaborada em triplicado, sendo uma cópia para arquivo e outra para o representante da Fazenda Pública, o impugnante oferecerá os documentos de que dispuser, arrolará testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes.

A impugnante não identificou o acto impugnado e, não incumbia ao tribunal a quo substituir-se à Impugnante na identificação e junção do ato impugnado. Ocorre total ausência de indicação do acto de liquidação passível de ser impugnado, no âmbito da presente impugnação judicial e daí decorre a falta de objecto da impugnação e a ininteligibilidade do pedido apresentado na petição inicial. A ora recorrente concede, aliás que a sua petição inicial era imprecisa (vide supra conclusão e)), mas nada fez, nem quando notificada para a tornar precisa, desde logo neste elemento essencial – indicação do acto lesivo para si ou seja o acto impugnado que constituiria o objecto da acção que dirigiu ao tribunal.

É exacto que atenta a falta de objecto da impugnação e, bem assim, a ininteligibilidade do pedido formulado na petição inicial, o tribunal “a quo” nunca poderia emitir primeiro uma decisão sobre a tempestividade da impugnação, que obedece aos prazos previstos no artº 102º do CPPT e depois, caso se verificasse a tempestividade da mesma, uma decisão de mérito, por não ter sido materializado o ataque a um qualquer ato de liquidação de um tributo com indicação de causa(s) de pedir inteligíveis.

Esta é uma situação bem distinta de outros casos apreciados por este STA onde se expressou que o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.

Mas no presente caso nem sequer estamos imediatamente numa situação de evidência da improcedência da pretensão do autor. Estamos ainda a montante, na omissão de identificação do próprio acto impugnado e daí que o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, sendo que a concretizar-se redundaria em manifesto desperdício de actividade judicial. Nestas circunstâncias não se contraria o sentido decisório dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.05.2014, recurso 69/14, de 6.03.2014, recurso 509/13, de 26.09.2012, recurso 377/12, de 16.05.2012, recurso 212/12, de 12.01.2011, recurso 766/10 e de 24.02.2011, recurso 765/10, todos in www.dgsi.pt.

No caso apreço, consideramos que o entendimento veiculado na decisão recorrida justifica o despacho de indeferimento liminar por impossibilidade da lide sendo correcta a fundamentação, supra destacada, em que se sustenta a decisão e que também para aqui se aporta.

Permitimo-nos ainda destacar aqui a asserção do Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA inserta no seu parecer, consistente em que:

“(…) da simples leitura da fundamentação do despacho de indeferimento liminar, emerge que não foi proferida uma decisão atentatória dos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da promoção do acesso à justiça ou pro actione, consagrados no artigo 20.º da CRP.

A não ser assim, inexistiriam decisões de natureza meramente formal, o que, por absurdo, levaria ao prosseguimento de ações, à partida, sem a mínima viabilidade, desperdiçando os meios materiais e humanos disponíveis e os dinheiros públicos, já de si escassos e, ademais, ocupando artificialmente os tribunais, já tão assoberbados, com questões de antemão condenadas ao insucesso”.

Acresce referir que atenta a falta de indicação e de junção do ato impugnado, que, necessariamente, o deveria instruir, por parte da Impugnante, não se impunha à Meritíssima Juíza do TAF de Sintra que interviesse de novo, no processo antes de proferir o despacho ora sindicado pois que o convite foi feito logo com a cominação do que sucederia caso não fosse satisfeito o convite formulado. Em consequência, não houve qualquer decisão surpresa para a ora recorrente e também não ocorreu violação do princípio da cooperação.

Finalmente cremos que o Mº Juiz não violou qualquer dever de «gestão processual», princípio que permite ao juiz dirigir activamente o processo, tomando as providências necessárias ao seu andamento célere e legal, o que inclui a adopção dos actos indispensáveis à regularização da instância.

É que, perante petição inicial, ostensivamente deficiente de elementos exigidos por lei, tomou a iniciativa própria e adequada traduzida na notificação/convite para identificação/junção aos autos do acto impugnado lesivo dos direitos da impugnante. Saíram goradas as suas diligências, por manifesta falta de colaboração da própria impugnante que erradamente entendeu que podia transferir para o Tribunal a obrigação de juntar aos autos um documento que não identificou, e não alegou que estivesse em poder da parte contrária, atinente ao acto impugnado também não identificado, sendo que a existir a sua junção estava no âmbito do princípio do dispositivo que à parte assiste não sendo caso para aplicação do disposto no artº 429º do novo CPC.

Nestas circunstâncias muito bem andou a Meritíssima Juiz de Direito do TAF de Sintra, ao decidir indeferir liminarmente a presente petição de impugnação judicial.”. (destaque nosso)

 

58. Num sentido próximo, vejam-se as considerações do Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 28 de Setembro de 2021, proc. n.º 693/2020-T:

 

“Analisado o pedido Arbitral na globalidade, verifica-se, em primeiro lugar, que a Requerente se limita, no pedido final, e de forma abstracta, a dizer que deve ser decretada “a anulação do ato tributário impugnado com todas as consequências legais”, ficando o intérprete sem saber muito bem qual seja esse acto tributário, porquanto o mesmo não é identificado de forma clara, nem ao longo do articulado nem a afinal.

(…)

O RJAT não contém regime próprio em matéria de excepções e nulidades processuais, aplicando-se, nesta matéria, a título subsidiário, o disposto no CPPT, no CPTA e no CPC, como decorre do previsto no art. 29.º, n.º 1, a), c) e e) do RJAT.

De acordo com o estabelecido no art. 186.º, n.º 2, do CPC, há lugar a ineptidão da petição inicial quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir e quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

Na presente instância, a imprecisão quanto à identificação do pedido e a omissão dos factos correspondentes à identificação e caracterização dos actos tributários em causa, representam factualidade essencial, por isso integrante da causa de pedir. Trata-se, além do mais, de conteúdo que, pela sua essencialidade, deve, nos termos do estabelecido no art. 10.º, n.º 2, b), do RJAT, constar necessariamente do pedido de pronúncia arbitral.

Com efeito, o pedido é um elemento da petição inicial que, para além de ser importante para o réu (de modo a devidamente poder conformar a sua defesa), assume carácter essencial para o tribunal, na medida em que é com base no pedido que o tribunal aquilata o tipo de actividade jurisdicional que lhe é solicitada e define as balizas e objecto de conhecimento do mérito que lhe são permitidos e devidos. Conclusões que, no presente caso, em face do teor da petição inicial, e, em particular, da ausência, nela, da formulação de pedido, o tribunal não consegue apurar, não se reunindo, pois, as condições mínimas para que este possa conhecer do mérito.

Verifica-se, portanto, um dos tipos de deficiências “de carácter substancial, que irremediavelmente” comprometem “a finalidade da petição inicial” (ANTUNES VARELA, SAMPAIO e NORA e Miguel BEZERRA, Manual de Processo Civil, 1985, Coimbra Editora, p. 244), constituindo causa de ineptidão da petição inicial. Esta consubstancia, por seu turno, irregularidade geradora da nulidade de todo o processo (cfr. art. 186.º, n.º 1 do CPC), cuja previsão legal, enquanto excepção dilatória, consta do art. 89.º, n.º 4, b) do CPTA. Representa, por outro lado, nulidade insanável, como decorre do estipulado no art. 98.º, n.º 1, a), do CPPT, determinando, consequentemente, a absolvição da Requerida da instância (cfr. art. 576.º, n.º 2 do CPC).” (destaque nosso)

 

59. Retomando ao presente processo, constata-se que a Requerente peticiona a final a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de CSR praticados pela AT, porém, não identifica quais os específicos e concretos actos em causa nem junta aos autos qualquer prova, rectius documental, onde tal identificação seja feita.

 

60. Dos elementos probatórios produzidos pela Requerente apenas constam facturas que titulam aquisições de gasóleo rodoviário, bem como uma declaração da entidade fornecedora de combustível onde esta afirma que, enquanto sujeito passivo de CSR, repercutiu integralmente a totalidade do encargo do imposto na Requerente.

 

61. Por muito que as facturas e a mencionada declaração da fornecedora de combustível titulassem actos de repercussão de CSR – o que não ficou provado –, certo é que aquelas não são actos de liquidação, o que significa que a Requerente não cumpriu o ónus legal que lhe é imposto pelo artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

 

62. Incumprimento este que a Requerente não supriu, apesar de ter sido devidamente notificada para o efeito. Numa tentativa de colmatar a falta de identificação dos actos de liquidação, no pedido de pronúncia arbitral e no exercício do contraditório, a Requerente remeteu para que a AT o incumprimento do ónus da prova, invocando para o efeito a inversão decorrente do n.º 2, do artigo 74.º, da LGT.

 

63. Ora, tal como se referiu, o dever de identificação das liquidações impugnadas recai sobre a Requerente por força do princípio do dispositivo associado ao impulso processual de impugnação (artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT), sem contar que o incumprimento deste ónus é processualmente valorado contra a Requerente por ser esta que tem de demonstrar os factos constitutivos dos seus direitos (artigo 74.º, n.º 1 da LGT). Em todo o caso, e sem prejuízo de não existir fundamento para transferir para a AT a obrigação de identificação e junção aos autos das liquidações contestadas, a verdade é que inexistem elementos no processo que permitam à AT – e muito menos ao Tribunal Arbitral – estabelecer um nexo causal entre as facturas que alegadamente titulam a repercussão da CSR e as liquidações que lhe estão a montante.

 

64. Tal como evidenciou a Requerida, a B... apresenta declarações de DIC’s diárias em diferentes alfândegas, sendo cada uma delas competente para emitir a DIC globalizada e consequente liquidação (artigos 10.º, n.º 6, 10.º-A e 11.º do Código dos IEC ex vi artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto). Portanto, as facturas a que alude a Requerente podem corresponder a qualquer uma das DIC globalizadas submetidas pela B...  nas diferentes alfândegas.

 

65. Isto sem contar que a liquidação e pagamento da CSR situam-se no circuito económico a montante das vendas de combustíveis rodoviários efectuadas pela B... à Requerente, inexistindo uma correspondência temporal entre liquidações e facturas emitidas. O que implica que as facturas a que alude a Requerente podem estar associadas a várias das liquidações que foram emitidas à B..., sem que a factura de um determinado mês corresponda à liquidação globalizada desse mês.

 

66. Isto sem contar ainda que no giro comercial é comum que um operador económico declare para introdução no consumo a partir de um seu Entreposto Fiscal produtos que são propriedade de outro fornecedor de combustíveis. Nestas situações, o operador económico que apresenta a DIC é o sujeito passivo a quem é liquidada a CSR, ainda que seja o outro fornecedor de combustíveis quem irá vender, através do Entreposto Fiscal do sujeito passivo que apresentou a DIC, os produtos aos seus clientes. Portanto, as facturas a que alude a Requerente podem respeitar a liquidações de que foi objecto a B... ou qualquer outro fornecedor de combustíveis a quem aquela possa ter solicitado a declaração para introdução no consumo.

 

67. Conclui-se, assim, que a identificação dos actos de liquidação pela AT seria excessivamente difícil ou até mesmo inviável, já que as facturas juntas pela Requerente aos autos poderiam corresponder a qualquer uma das DIC globalizadas e a qualquer uma das liquidações emitidas nas diferentes alfândegas no período compreendido entre Abril de 2019 e Dezembro de 2022. Isto, sem contar que poderá nem sequer existir coincidência entre o sujeito passivo de CSR e a fornecedora de combustível à Requerente, que pode não ter sido a responsável pela introdução no consumo e pelo pagamento da CSR liquidada. A identificação dos actos de liquidação carecia de ser feita pelos verdadeiros sujeitos passivos de CSR, que não são parte no processo e sobre os quais este Tribunal Arbitral não dispõe de poderes de autoridade, pelo que não seria possível recorrer ao regime previsto no artigo 429.º do CPC.

 

68. Esta impossibilidade prática de identificação dos actos de liquidação pela Requerente é mais facilmente compreensível se for tido em consideração, em primeiro lugar, que nos termos do artigo 15.º do CIEC a legitimidade para contestar a legalidade das liquidações de CSR apenas assiste aos sujeitos passivos deste imposto e, em segundo lugar, que o ordenamento jurídico prevê formas específicas de tutela dos direitos dos repercutidos, concretamente através de acções de repetição do indevido contra os repercutentes. É este, de resto, o entendimento que tem sido sufragado pela jurisprudência arbitral, designadamente nos processos n.ºs 296/2023-T, 375/2023-T, 332/2023-T e 408/2023-T já citados.

 

69. Para efeitos elucidativos, atente-se no seguinte excerto do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral em 1 de Fevereiro de 2024, proc. n.º 296/2023-T:

 

“III.7. A possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem actos de liquidação (inerentemente ligados a actos de repercussão) por solicitação dos repercutidos

Numa passagem do seu manual , Sérgio Vasques afirma que “Se o repercutido estará à margem da relação tributária, não estará por isso à margem do direito.”, referindo que a LGT lhe reconhece o direito “à reclamação, recurso, impugnação ou pronúncia arbitral” .

  Qualquer que seja a posição a adoptar em tese geral – e, salvo disposição legal em contrário, não há razões para pôr em causa a possibilidade de os contribuintes de facto serem admitidos a invocarem perante os Tribunais, incluindo arbitrais, a ilegalidade dos impostos que efectivamente pagaram –, tem de se ter em conta o quadro legislativo, e este foi invocado pela AT na sua Resposta para pôr em causa a possibilidade de a repercutida poder vir pedir a revisão de liquidações que lhe eram alheias . Fê-lo a coberto do argumento da ineptidão do PPA por não incluir “A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;”, como expressamente exigido na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT; fê-lo também com base na caracterização da relação da Requerente com a sua Fornecedora de Combustível como “uma relação comercial de direito privado entre empresas, à qual a administração tributária é estranha” (o que era especialmente relevante para a questão anterior); mas fê-lo igualmente com base numa alegada restrição legal do círculo de sujeitos que podem solicitar o reembolso da CSR, fazendo a equiparação desses pedidos de reembolso a pedidos de revisão (…)

A questão é: pode ela suscitar a revisão das liquidações de CSR em que não teve intervenção – e que, aliás, não consegue identificar – ainda que apenas na medida em que tais liquidações contendam com os pagamentos por ela feitos? Rectius: pode ela, supondo que todo o iter procedimental que desembocou no PPA cumpre os requisitos (o que ainda teria de se apurar) – pode a Requerente, perguntava-se, suscitar a revisão das liquidações conjuntas (e acumuladas) de ISP e CSR no segmento que invoca dizer-lhe respeito?

A questão está em saber se, portanto, no quadro processual que ficou descrito, pode este Tribunal declarar a ilegalidade das “liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva Fornecedora de Combustíveis”, ainda que delimitando o âmbito da ilegalidade de tais liquidações pela correspondência aos “atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente no decurso do ano de 2021” – uma vez que, em tudo o que as exceda, não foi formulada qualquer pretensão arbitral.

(…) qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”), assim redigida:

 “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto.”.

Por sua vez, as disposições relevantes desse artigo 4.º (epigrafado “Incidência subjectiva”), para as quais tal norma remete, têm a seguinte redacção:

“1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:

a) O depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado;

(…)

2 - São também sujeitos passivos, sem prejuízo de outros especialmente determinados no presente Código:

a) A pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação;”

Desde a redacção inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, também a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjectiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.

  Quer dizer que só os sujeitos passivos aí identificados – e só quando preencham requisitos adicionais – podem suscitar questões sobre, como se escreve no n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”.”.

 

70. A idêntica conclusão, ainda que com fundamentos diversos, chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 15 de Janeiro de 2024, proc. n.º 375/2023-T:

 

“37. Em resultado do acima exposto, conclui-se, em síntese, o seguinte:

i. A referida Lei n.º 55/2007 define o sujeito passivo e devedor da CSR, mas não contém qualquer regra de repercussão legal, nem se pronuncia sobre a sua repercussão económica;

ii. As ora Requerentes não são consumidoras finais, o que significa que os gastos em que incorrem são presumivelmente, de acordo com as regras da experiência comum, repercutidos no elo subsequente do circuito económico até atingirem os consumidores finais, esses sim, onerados com o encargo económico do imposto e demais gastos incorridos na produção dos bens e serviços;

iii. Se a CSR foi economicamente repercutida pelos distribuidores de combustíveis às Requerentes, não há razões para crer que estas, no exercício de uma atividade económica que visa o lucro e dentro dessa racionalidade, não tenham também repassado de alguma forma o encargo da CSR, no todo ou em parte, para os seus clientes, os quais nem sequer são os consumidores finais (os próprios clientes).

 

38. Ora, não sendo as ora Requerentes os sujeitos passivos da CSR, nem repercutidos legais desta contribuição, não lhes assiste legitimidade processual, a menos que, como interessadas, aleguem e demonstrem factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, i.e., a menos que evidenciem a existência de um interesse direto e legalmente protegido na sua esfera, passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo, ónus que sobre as mesmas impende.

 

39. Contudo, o único facto que as Requerentes alegam para este efeito é o de lhes ter sido repercutida a CSR. Qualificam esta repercussão, erradamente, como legal, embora não indiquem onde está prevista essa repercussão – que, a ser “legal”, sempre teria de constar de uma norma com essa natureza (a qual, porém, não existe).

 

(…) 41. Acresce que, sem prejuízo de a CSR ter sido consagrada como “contrapartida” da utilização da rede rodoviária nacional, a Lei não indica ou sequer sugere sobre quem é que deve constituir encargo, contrariamente ao que as ora Requerentes afirmam (nas suas palavras, o apontado “consumidor de combustíveis”, que, todavia, na realidade, a Lei não aponta...).

 

42. Rigorosamente, as ora Requerentes são tão-só clientes comerciais dos sujeitos passivos que liquidaram a CSR. Não são os sujeitos passivos dos actos tributários – de liquidação de CSR – impugnados. Não integram, nem são parte da relação tributária, nem são repercutidos legais. E também não se descortina, nem disso foi feita prova, que tenham sido as Requerentes a suportar economicamente o imposto, para o que seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:

i. Que a CSR foi repercutida às ora Requerentes, quais os montantes e em que períodos;

ii. Que, por sua vez, o preço dos serviços de transportes que prestam aos seus clientes não comportam a repercussão de CSR (ou a medida em que não a comportam, se se tratar de repercussão parcial), por forma a poderem sustentar que suportaram, de forma efectiva, o encargo do imposto e o respetivo quantum.

 

43. As ora Requerentes limitaram-se a juntar declarações genéricas dos seus fornecedores de combustíveis, as quais estão longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto. Não lograram, por isso, atestar que suportaram o tributo contra o qual reagem. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhes poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente acção arbitral, tendo em conta que não são sujeitos passivos, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutidos legais da CSR.

 

44. Aliás, compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. Ou seja, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável e mapeável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.

 

45. Por fim, não se diga que as ora Requerentes ficaram desprovidas de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunirem os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspectiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (vd. artigo 20.º da Constituição).

 

46. De assinalar, adicionalmente, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao actual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (vd. Acórdão de 1/10/2003, processo n.º 0956/03).”. (destaque nosso)

 

71. Percebe-se, assim, que a Requerente não tenha logrado identificar os actos de liquidação de CSR cuja legalidade pretende contestar. É que tal impugnação apenas pode ser feita pelos sujeitos passivos a quem as liquidações foram dirigidas, sendo tal restrição de justificada pelas dificuldades práticas que resultariam de uma atribuição irrestrita de legitimidade. Resulta, assim, das citadas decisões arbitrais que mesmo que a Requerente lograsse identificar os actos de liquidação de CSR, sempre lhe faltaria legitimidade processual para contestar a respectiva legalidade por força do disposto no artigo 15.º do CIEC e no artigo 18.º, n.ºs 3 e 4, alínea a), da LGT. Solução que, conforme se referiu, não obsta à efectivação do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, concretizada através de acção de restituição do indevido.

 

72. Pelo que sempre estaria verificada a excepção dilatória de ilegitimidade da Requerente, o que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

 

73. Em face de tudo o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, julga este Tribunal Arbitral procedente a ineptidão da petição inicial por falta de objecto, o que consubstancia uma nulidade insanável e determina a absolvição da Requerida da instância arbitral por procedência de excepção dilatória, nos termos conjugados do artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, do artigo 89.º, n.º 4, alínea b) do CPTA e dos artigos 186.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea b), do CPC.

 

41. Ora, no presente processo o pedido da Requerente é dirigido à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de ISP, CSR e outros tributos, na concreta parte liquidada a título de CSR. Para identificar as referidas liquidações, a Requerente limita‑se a juntar aos autos as facturas emitidas pelas sociedades fornecedoras de combustíveis e outros documentos de suporte dos consumos efectuados. Acontece que, pelas razões enunciadas no referido acórdão às quais se adere e dão por reproduzidas, não resulta da mera junção desses documentos e do cálculo da CSR alegadamente repercutida, a suficiente identificação das liquidações contestadas. O que significa que, neste caso, a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial opera em termos absolutos, o implica consequentemente a absolvição da Requerida da instância nos termos conjugados dos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

 

42. Acresce ainda, acompanhando uma vez mais o teor do citado acórdão, que a Requerente não logrou demonstrar que suportou economicamente o encargo da CSR por força de repercussão legal, nem que reúne os critérios atribuídos de legitimidade previstos no artigo 15.º do Código dos IEC e no artigo 18.º, n.ºs 3 e 4, alínea a), da LGT, o que implica a procedência da excepção dilatória de ilegitimidade processual activa, com a consequente absolvição da Requerida da instância nos termos dos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

 

            43. Em face do decidido, fica prejudicada, porque inútil, a apreciação das demais questões suscitadas no processo.

 

V. DECISÃO

 

            44. Termos em que se decide:

  1. Julgar improcedente a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar actos de liquidação de CSR;
  2. Julgar procedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade e, em consequência, absolver a Requerida da instância;
  3. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

           

            45. Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 194.143,00.

 

VII. CUSTAS

 

            46. Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.672,00, a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de Novembro de 2024

 

Os árbitros,

 

 

Carla Castelo Trindade

(Presidente e Relatora)

 

 

António de Barros Lima Guerreiro

(Vogal)

 

 

Ana Rita do Livramento Chacim

(Vogal, com declaração de voto em anexo)

Declaração de Voto

Com o devido respeito, que saliento, acompanho a decisão de improcedência do pedido arbitral, embora com uma fundamentação diversa. Em concreto, discordo da decisão ao julgar procedente a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, pelas razões que sucintamente explico.

  1. Entendo que improcede a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial por não se mostrarem verificados os respetivos pressupostos. Considerando o disposto no artigo 186.º,
    n.º 2, do Código do Processo Civil - aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), e igualmente no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT - «Diz-se inepta a petição: a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.» O nº 3 do mesmo artigo estabelece que “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.

No caso em apreço é igualmente manifesto que a ineptidão arguida pela Requerida não se enquadra nas referidas alíneas b) e c), pelo que se questiona o seu enquadramento na alínea a). No que concerne à alínea a), não se estando perante uma situação de falta do pedido ou de causa de pedir, apenas se poderá enquadrar a arguição no conceito de inteligibilidade. Entendo que, resulta claro que se pretende a declaração da ilegalidade das liquidações respeitantes à CSR praticadas pela Requerida com base nas DIC submetidas pelos fornecedores de combustíveis, com consequente (declaração de) ilegalidade da liquidação da CSR consubstanciada nas faturas de aquisição de gasóleo pela Requerente. Com respeito à exigência de identificação das liquidações, entende este Tribunal que tal exigência não poderá ser aqui imposta, na medida em que o repercutido nunca teria a possibilidade de as identificar, considerando os termos legalmente definidos pelo próprio regime jurídico que aprova a CSR. Considerar que a respetiva apreciação de legalidade se encontra dependente da identificação das respetivas liquidações não respeitaria o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efetiva garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnar contenciosamente atos que lhe aplicam tributação e lesam a sua esfera jurídica [neste sentido, perfilho o entendimento exposto nas decisões prolatadas nos processos n.º 676/2023-T, n.º 534/2023-T e 848/2023-T, na respetiva declaração de voto].

  1. Sobre a legitimidade processual ativa da Requerente, aqui Repercutida, entendo que a exceção dilatória deve igualmente improceder, concordando aqui com o entendimento exposto nas decisões prolatadas nos processos n.º 1048/2023-T, 977/2023-T, dos quais fui signatária, n.º 848/2023-T, na respetiva declaração de voto, em linha com as decisões prolatadas nos processos n.º 113/2023-T, 676/2023-T, 24/2023-T. Fundamento o meu entendimento na análise conjugada do disposto nos artigos 18.º, n.º 4, alínea a), 2.ª parte da Lei Geral Tributária (LGT) «Não é sujeito passivo quem: a) suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias;» em articulação com o artigo 54.º, n.º 2 da LGT segundo o qual, «As garantias dos contribuintes previstas no presente capítulo aplicam-se também à autoliquidação, retenção na fonte ou repercussão legal a terceiros da dívida tributária, na parte não incompatível com a natureza destas figuras.» Neste mesmo sentido, o artigo 9.º, n.º 1 do CPPT, vem consagrar uma abrangência alargada no que concerne à determinação de legitimidade no procedimento tributário, definindo que, «Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido». Neste sentido, refere-se ainda o disposto no artigo 65.º da LGT que, sob a epígrafe “Contribuintes e outros interessados”, vem estabelecer que «Têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.» Ora, entendo assim que aquele que suporta o ónus financeiro do tributo (CSR) terá sempre “interesse legítimo” em contestar o impacto (decréscimo) patrimonial ilegal em que incorre enquanto repercutido do mesmo. Não existindo dúvidas sobre o sentido da decisão do TJUE quanto à desconformidade da CSR para com o direito da União Europeia, impõe-se ao Estado assegurar a eficácia do direito da União Europeia, garantindo-se o cumprimento do direito à tutela jurisdicional efetiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 268.º, n.º 4, da CRP).
  2. Segundo entendo, decorre do quadro legal identificado, que o repercutido legal ainda integra a relação jurídica tributária num sentido amplo, no qual se integram os contribuintes de facto, pagadores das faturas de aquisição de combustível. A repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis não é apenas uma repercussão económica ou de facto, mas uma verdadeira repercussão legal, sendo pretendida pela lei ao estabelecer que o financiamento da rede rodoviária nacional «é assegurado pelos respectivos utilizadores» e que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis» (artigos 2.º e 3.º do CIEC na redacção anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro).» Desta forma, o mecanismo de repercussão legal e económica da CSR não pode determinar, por si, uma mera relação de Direito Privado, geradora de uma consequente ilegitimidade processual passiva do contribuinte pagador de facto. Nesta matéria, entendo que, sendo a repercussão fiscal da CSR um facto positivo, o ónus da prova impende sobre quem o invoca, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada pelo encargo tributário. Desta forma, a prova da repercussão deve ser objetivamente demonstrada por documentos que identifiquem o efetivo pagamento do imposto, não podendo assentar em juízos presuntivos. Não se mostram aqui suficientes os elementos probatórios produzidos pela Requerente, em concreto, faturas que não contêm a especificação do valor da contribuição que tenha sido paga com a aquisição dos combustíveis, para efeitos de comprovação pelo tribunal da factualidade invocada, ou o mapa resumo que é apresentado com o pedido arbitral, pelo qual se indica o cálculo do valor da contribuição referente às quantidades de combustível que tenham sido adquiridos, o que não é em si demonstrativo da ocorrência da repercussão do imposto.

Acompanho assim o entendimento exposto na decisão prolatada no processo n.º 452/2023-T ao referir que «Termos em que o reconhecimento da legitimidade de ação do contribuinte consumidor final no imposto indireto – CSR - e o equilíbrio entre o direito material e direito processual, exige a clara e rigorosa demonstração dos elementos essenciais para decisão, em especial, meios de prova detalhados que permitam apurar inequivocamente quem efetivamente suportou o imposto, ou seja, a presença de elementos completos sobre o facto tributário subjacente às liquidações do imposto.»

 

Ana Rita Chacim