Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 298/2024-T
Data da decisão: 2024-11-14  IRC  
Valor do pedido: € 840.950,58
Tema: IRC – OIC Não Residente; Dividendos; Liberdade de Circulação de Capitais; Discriminação proibida.
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SUMÁRIO:

 

 

  1. A liberdade de circulação de capitais é estabelecida pelo artigo 63.º do TFUE como uma liberdade fundamental do mercado interno, dotada de relevância constitucional no âmbito do Direito da União Europeia, que impõe a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-membros e entre Estados-membros e países terceiros, como os EUA.
  1. A liberdade de circulação de capitais goza da primazia normativa sobre o direito interno, cabendo aos poderes públicos legislativos e administrativos a tomada das medidas internas de transposição, execução e aplicação, consoante os casos, do direito primário e secundário relevante, de forma a assegurar a efectividade da livre circulação de capitais.
  2. As normas do n.º 1, parte final, e n.º 3 do artigo 22.º do EBF, interpretadas conjugadamente, ao estabelecerem um tratamento fiscal diferenciado para os OIC´s que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa, em relação aos organismos equiparáveis que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, violam o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
  3. A retenção na fonte em IRC de 25% sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s estabelecidos noutros Estados-Membros da União Europeia ou de países terceiros, simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC’s estabelecidos e domiciliados em Portugal, é desconforme com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE que garante a liberdade de circulação.

 

Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Magda Feliciano e Ricardo Rodrigues Pereira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, acordam o seguinte:

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

A..., fundo de investimento constituído ao abrigo da lei dos Estados Unidos da América, com sede em ..., ..., ..., Estados Unidos da América, com o número de contribuinte fiscal americano ... e com o número de contribuinte fiscal português ..., representado pela sua entidade gestora B..., LLC, sociedade de direito norte-americano, com sede em ..., New ... ..., Estados Unidos da América, com o número de contribuinte fiscal americano..., (doravante Requerente) veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (daqui em diante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante “AT” ou “Requerida”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e dos actos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”), a título definitivo, sobre dividendos de fonte portuguesa, entre 2020 e 2021, no montante €840.950,58 (Oitocentos e quarenta, novecentos e cinquenta Euros e cinquenta e oito cêntimos).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 4 de Março de 2024 pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

O Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 14 de Maio de 2024.

A Requerida, tendo sido notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, para apresentar a sua resposta, veio sustentar, em 19 de Junho de 2024, a improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral e a manutenção na ordem jurídica dos actos tributários impugnados e a sua absolvição do pedido

Tendo, por lapso, não sido remetido pelo Requerente o documento identificado como n.º 6 na petição arbitral, o TA notificou o Requerente para juntar tal documento aos autos, o que este fez através de requerimento apresentado em 2 de Outubro de 2024.

Por não ter sido requerida pelas partes e ser considerada desnecessária, o TA dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, através de despacho proferido em 3 de Outubro de 2024.

A 7 de Outubro de 2024, a AT veio, no exercício do contraditório, pronunciar-se relativamente ao aludido documento n.º 6 junto pelo Requerente, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

 

II – ARGUMENTOS DAS PARTES

  1. Os argumentos trazidos aos autos centram-se, fundamentalmente, na questão da conformidade da aplicação da taxa de retenção na fonte aplicável aos dividendos de fonte portuguesa distribuídos ao Requerente com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
  2. O Requerente alega que os actos de retenção na fonte violam a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE com os fundamentos que a seguir se sintetizam:
  1. No entender do Requerente, os OIC´s não residentes são objecto de uma discriminação contrária ao TFUE, na medida em que o regime previsto no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, é aplicável apenas aos OIC´s residentes em Portugal que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional – i.e. ao abrigo da Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que transpõe a Directiva 2009/65/CE –, não permitindo o Estado português que os OICVM não residentes, acedam a tal regime, ainda que demonstrem que cumprem no seu Estado de residência exigências equivalentes às contidas na lei portuguesa;
  2. Face ao teor literal do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, o regime em referência não é aplicável aos dividendos de fonte portuguesa auferidos por OICVM não residentes em Portugal, ainda que constituídos e a operar noutro Estado-Membro de acordo com a Directiva 2009/65/CE, ou seja, em condições equivalentes às aplicáveis aos OIC residentes em Portugal.
  3. Concretamente no que respeita aos presentes autos, os dividendos auferidos pelo Requerente em Portugal, em 2020 e 2021, foram sujeitos a tributação em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.os 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, e 87.º, n.º 4, do Código do IRC;
  4. No entanto, tais dividendos, se auferidos por um OIC constituído e a operar de acordo com a legislação nacional, estariam excluídos de tributação;
  5. O tratamento discriminatório operado pelos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do Código do IRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, encontra-se em violação do decidido pelo TFUE, ao constituir uma restrição às liberdades fundamentais e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, por violação do primado do Direito Comunitário sobre o Direito interno, facto que deverá determinar a anulação das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas e a consequente restituição do imposto indevidamente liquidado ao ora Requerente;
  6. A jurisprudência do TJUE tem vindo constantemente a opor-se a restrições à circulação de capitais no âmbito das relações entre Estados-membros e países terceiros, assim admitindo, no que ora releva, a aplicação de uma das liberdades fundamentais consagradas no TFUE nas relações com países terceiros (cfr. acórdão Sanz de Lera, FII Group Litigation e Emerging Markets Series);
  7. De acordo com a Jurisprudência do TJUE, “A circunstância de os fundos de investimentos não residentes não fazerem parte do quadro regulamentar uniforme da União criado pela diretiva OICVM que regula as modalidades da criação e funcionamento dos fundos de investimento na União, conforme transposta para o direito interno pela lei polaca sobre fundos de investimento, não basta por si só para demonstrar que as situações referidas são diferentes. Com efeito, na medida em que a directiva OICVM não se aplica aos fundos de investimento estabelecidos em países terceiros, uma vez que se encontram fora do âmbito de aplicação do direito da União, exigir que estes últimos sejam regulamentados de forma idêntica relativamente aos fundos de investimento residentes privaria a liberdade de circulação de capitais de todo o efeito útil.” – Cfr. Acórdão Emerging Market Series, Processo C-190/12, de 10.04.2014.
  8. Atento o exposto, no contexto da matéria de facto em apreço, o Requerente entende que as liberdades fundamentais previstas no TFUE se opõem à aplicação do regime resultante dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.os 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, do qual resulta a tributação, por retenção na fonte, dos dividendos pagos por uma sociedade portuguesa a um OICVM constituído e a operar nos EUA (no caso, o Requerente), na medida em que não existe qualquer tributação sobre os dividendos pagos, nas mesmas condições, a um hipotético OICVM com residência em Portugal, e colocado quanto ao mais numa situação análoga à do Requerente;
  9. Para aferir da existência de um tratamento discriminatório é conveniente ponderar quatro elementos que, de acordo com a doutrina, compõem o conceito de discriminação, quais sejam: i) a existência de duas situações; ii) sujeitas a tratamento diferenciado; iii) apesar de comparáveis, iv) e de que resulta um tratamento desvantajoso para uma das situações;
  10. Decorre do acima exposto a verificação do elemento (i) supra, pois sob análise estão duas situações, a saber: a tributação de dividendos de origem nacional auferidos pelo Requerente, fundo de investimento não residente, por um lado, e a tributação de dividendos de origem nacional (quando) auferidos por um fundo de investimento residente em Portugal, por outro lado.
  11. O elemento (ii) supra também se encontra verificado na medida em que a lei nacional impõe às situações acima identificadas um tratamento diferenciado em matéria de tributação de dividendos.
  12. No que concerne ao elemento comparabilidade, refere-se na decisão arbitral proferida no processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019, a qual se debruçou sobre a disciplina legal vertida no artigo 22.º do EBF, que “(…) os fundos residentes e não residentes são colocados numa posição comparável a partir do momento em que Portugal opta por tributar os não residentes de maneira menos favorável do que os residentes, dissuadindo aqueles, na qualidade de accionistas, de investirem nas empresas residentes distribuidoras de dividendos e dificultando a obtenção de capital no exterior por parte destas mesmas empresas.”
  13. Esta posição tem vindo a ser reiterada pela jurisprudência arbitral, designadamente, pelas decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 528/2019-T, n.º 548/2019-T, n.º 926/2019-T, n.º 11/2020-T, n.º 922/2019-T, n.º 68/2020-T, n.º 716/2020-T, n.º 166/2021-T, n.º 32/2021-T, n.º 215/2021-T, n.º 345/2021-T, n.º 133/2021-T, n.º 214/2021-T, n.º 127/2021-T, n.º 821/2021-T, n.º 593/2021-T, n.º 134/2021-T, n.º 382/2021-T, n.º 368/2021-T e n.º 817/2021-T, n.º 370/2021-T, n.º 623/2021-T, n.º 622/2021-T, n.º 621/2021-T, n.º 734/2021-T e n.º 129/2022-T, n.º 115/2022-T, n.º 620/2021-T, n.º 121/2022-T, n.º 545/2021-T, n.º 624/2021-T, n.º 816/2021-T, n.º 83/2021-T, n.º 746/2021-T, n.º 128/2022-T, n.º 135/2022-T, n.º 116/2022-T, n.º 114/2022-T e 658/2022-T, entre outras;
  14. Para concluir pela existência de um tratamento discriminatório resta averiguar se também o elemento (iv) supra se encontra verificado, ou seja, se a legislação nacional em apreço traduz um tratamento desvantajoso dos fundos de investimento não residentes, como é o caso do Requerente;
  15. A legislação nacional, concretamente o artigo 22.º, n.º 3 do EBF, consente efectivamente um tratamento desvantajoso dos fundos de investimento não residentes, excluindo de tributação os dividendos auferidos por fundos de investimento residentes em território nacional, daí resultando que um fundo de investimento não residente, porquanto sujeito a uma carga fiscal mais elevada, em comparação com um fundo de investimento residente em território nacional, está sujeito a um tratamento manifestamente desvantajoso;
  16. Esta diferença de tratamento claramente desvantajosa e discriminatória é susceptível de dissuadir investidores, residentes em países terceiros ou noutros Estados-membros, de investir em sociedades com sede em território português.
  17. Conclui-se, assim, pela existência de um tratamento claramente discriminatório em matéria de tributação de dividendos de origem nacional, em razão da residência do fundo de investimento que os aufere;
  18. Este tratamento discriminatório constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida pelo supra citado artigo 63.º do TFUE;
  19. O artigo 65.º, n.º 1 do TFUE consagra, no entanto, uma derrogação ao princípio da livre circulação de capitais nos seguintes casos:
  1. Se a diferença de tratamento se verificar em relação a situações não objectivamente comparáveis;
  2. Se a restrição se justificar por uma razão imperiosa de interesse geral.

 

  1. O TJUE tem sublinhado que “Esta disposição, na medida em que constitui uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, deve ser objeto de interpretação estrita. “(cf. acórdão Pensioenfonds Metaal en Techniek, processo C-252/14, de 02.06.2016);
  2. Conclui-se que os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do Código do IRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, consubstanciam uma restrição discriminatória à livre circulação de capitais, contrária ao artigo 63.º do TFUE e, bem assim, ao artigo 8.º, n.º 4, da CRP;
  3. Entende o Requerente que, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, lhe assiste o direito ao ressarcimento do prejuízo resultante da indisponibilidade do montante pago, no valor de €840.950,58, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios;
  4. Enuncia o Requerente que tal direito a juros tem vindo a ser defendido pela jurisprudência do TJUE (cf. neste sentido, entre outros, o acórdão Mariana Irimie, de 18.04.2013, processo n.º C-565/11), bem como pela jurisprudência nacional (cf. neste sentido, entre outros, decisão arbitral proferida no processo n.º 114/2022-T);
  5. No que respeita ao termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios, estando em causa um acto de retenção na fonte e tendo sido apresentada reclamação graciosa, deverá a administração tributária ser condenada no pagamento de tais juros desde a data em que se deveria ter pronunciado sobre a reclamação graciosa (cf. artigo 57.º, n.º 1, da LGT), isto é, até 16.09.2022;
  6. Subsidiariamente, alude o Requerente que, caso se considere não proceder o supra exposto quanto ao termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios, ainda assim, sempre tais juros indemnizatórios serão devidos nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, ou seja, desde dia 16.05.2023.Por sua vez a AT defende, em suma, o seguinte:
  1. O Requerente não é o beneficiário efectiva dos rendimentos objecto de tributação, não sendo, em consequência, titular do direito de anulação dos actos que impugna, porque os pagamentos de dividendos não foram feitos ao Requerente mas sim à C...;
  2. Como o Requerente reconhece, trata-se de uma sociedade constituída de acordo com as leis dos Estados Unidos da América, conforme atesta a autoridade fiscal competente do Estado de residência, pelo que, desde logo, o artigo 22º do EBF não lhe é aplicável;
  3. Também não existe nos autos qualquer prova de que o Requerente tenha a mesma natureza que os OIC portugueses e que cumprem as exigências equivalentes às contidas na lei interna, para efeitos de eventual aplicação do regime de tributação do art.º 22.º do EBF;
  4. Optou-se por uma tributação na esfera do Imposto do Selo tendo sido aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) a Verba 29 de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos;
  5. Refira-se também que estas entidades estão sujeitas a tributação autónoma nos termos previstos no artigo 88.º do Código do IRC, conforme estipulado no n.º 8 do artigo 22.º do EBF;
  6. Ou seja, a sujeição a Imposto do Selo, a par da tributação autónoma prevista no artigo 88.º n.º 11 do CIRC (ex vi do artigo 22.º, n.º 8, do EBF), serão então a contrapartida da não sujeição a IRC dos lucros distribuídos, prevista no n.º 3 do artigo 22.º do EBF;
  7. Importa referir que a situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável e que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas;
  8. No caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português;
  9. Também o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no âmbito do Processo nº 0654/13, de 27 de Novembro referiu que “Resulta da jurisprudência comunitária que embora da legislação nacional decorra, em abstracto, uma restrição à livre circulação de capitais não consentida pelo art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia (actual art. 63º TFUE), importa averiguar se essa restrição, consubstanciada em maior tributação de entidade não residente, será neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.”;
  10. Por isso, no presente caso, e com o devido respeito, não parece estarmos em presença de situações objectivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelo Requerente;
  11. E ainda que, por mera hipótese, o Requerente não conseguisse recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado não possa vir a ser recuperado pelos investidores;
  12. No âmbito da apreciação da conformidade das normas do Código do IRC e do EBF, atinentes aos dividendos com o princípio da liberdade de circulação de capitais, o Requerente convoca o artigo 63.º do TFUE que estabelece o seguinte: “1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros” 2.”No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as retenções aos pagamentos entre Estados-Membros e países terceiros.”
  13. Por sua vez, prescreve o Artigo 65.º do TFUE:

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

  1. - (…)

As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º”.

  • Para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC’s abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é susceptível de afectar o investimento em acções emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos;
  • Além do mais, o imposto retido ao Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera do Requerente, bem como na esfera dos investidores;
  • A verdade é que o Requerente não esclareceu/provou (apenas alegou) se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera do próprio Requerente ou dos investidores.
  • Assim, contrariamente ao afirmado pelo Requerente, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objectivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelo Requerente, antes, pelo contrário;
  • Assim, no caso sub judice, em face da matéria de facto e dos documentos juntos aos autos entende-se que o Requerente não fez prova da discriminação proibida.
  • E ainda que o Requerente não conseguisse recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência (Estados Unidos da América), também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Requerente não possa vir a ser recuperado pelos investidores.
  • Assim sendo, considera a AT que, à luz do disposto no artigo 348.º do Código Civil, segundo o qual àquele que invocar direito estrangeiro compete fazer prova da sua existência e conteúdo, o Requerente não fez prova da discriminação proibida, pelo que só se pode defender a improcedência do pedido, por falta de prova da impossibilidade de neutralização da discriminação contestada.
  • Recorda a AT a este propósito os Acórdãos do STA proferidos nos processos n.º 1192/13, de 21.05.20215, n.º 1435/12, de 9.07.2014, n.º 884/17, de 12.09.2018, e o já citado proc. 19/10.3BELRS, de 7.05.

III – SANEAMENTO

  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
  2. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, e 5.º, n.º 3, alínea b), todos do RJAT.
  3. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
  4. O processo não padece de nulidades ou de quaisquer outros vícios que o invalidem, podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.
  5.  É admitida a cumulação de pedidos, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, porquanto a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
  6. Serão apreciadas prioritariamente as excepções que cumpra apreciar.

 

IV– DA EXCEPÇÃO DEDUZIDA

IV.1. ILEGITIMIDADE

A AT alega que o Requerente não é a beneficiária efectiva dos rendimentos objecto de tributação, não sendo, em consequência, titular do direito de anulação dos actos que aqui se peticiona porque o pagamento dos dividendos não foi feito ao Requerente, mas sim à C...

 

Contudo, resulta dos documentos juntos pelo Requerente (cfr. Documento n.º 4), que o beneficiário efectivo dos rendimentos, é D..., isto é, o Requerente, sendo, portanto, parte legitima no presente processo, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 9.º do CPPT.

 

Improcede, portanto, a excepção de ilegitimidade invocada pela AT na sua resposta.

 

V – DO MÉRITO

V.1. QUESTÃO DECIDENDA

A questão decidenda consiste em determinar a conformidade das normas relevantes do Código do IRC e do EBF, em vigor à data dos factos tributários, relativas ao regime de tributação dos dividendos auferidos pelo OIC em presença com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE que garante a liberdade de circulação de capitais. Por outras palavras, em causa está saber se a retenção na fonte em IRC sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s estabelecidos em países terceiros (in casu, nos EUA), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC’s estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, ou não, o artigo 63.º do TFUE.

 

V.2. MATÉRIA DE FACTO

V.2.1. Factos provados

  1. O Requerente é um fundo de investimento mobiliário constituído e a operar de acordo com o direito norte-americano (cfr. Documentos n.º 1 e n.º 2);
  2. O Requerente reúne capital de investidores que, por sua vez, investe em acções de empresas sedeadas fora dos Estados Unidos da América (EUA) (cfr. Documentos n.º 1 e n.º 2);
  3. Os riscos do investimento são partilhados pelos investidores (Cfr. Documentos n.º 1 e n.º 2);
  4. A gestão do Requerente é levada a cabo pela entidade gestora (Cfr. Documentos n.º 1 e 2);
  5. Em 2020 e 2021 o Requerente era residente, para efeitos fiscais, nos Estados Unidos da América (cfr. documento n.º 3);
  6. O Requerente é qualificado pelo direito norte-americano como Regulated Investment Company (RIC), beneficiando do tratamento fiscal previsto para os RIC no subcapítulo M do Internal Revenue Code;
  7. O Requerente investiu em participações sociais de sociedades com sede em Portugal;
  8. Em 2020 e 2021, o Requerente auferiu dividendos da sua participação no capital social daquelas sociedades (Cfr. documento n.º 4);
  9. Os dividendos auferidos pelo Requerente, entre 2020.05 e 04.2021, foram objecto de retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 35%;
  10. O Requerente pediu o reembolso parcial do imposto retido na fonte superior a 15%, através do Modelo 22-RFI, ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre o Estado Português e os Estados Unidos da América;
  11. Nos EUA, o exercício fiscal do Requerente de 2019 decorreu entre 01.11.2019 e 31.10.2020;
  12. Em 2020, o Requerente não deduziu nos EUA o imposto retido na fonte em Portugal (cfr. documento n.º 5);
  13. Nos EUA, o exercício fiscal do Requerente de 2020 decorreu entre 01.11.2020 e 31.10.2021;
  14. Em 2021, o Requerente não deduziu nos EUA o imposto retido na fonte em Portugal (cfr. documento n.º 6);
  15. Em 16.05.2022, o Requerente deduziu reclamação graciosa contra os actos de retenção na fonte, consubstanciados nas guias n.º ... e n.º ...;
  16. Em 26.10.2023, o Requerente foi notificado do projecto de indeferimento da reclamação graciosa;
  17. Em 04.12.2023, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
  18. Em 01.03.2024, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

V.2.2. Factos não provados

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

V.2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

V.3. MATÉRIA DE DIREITO

Com o presente processo cabe aferir a conformidade da retenção na fonte em IRC de 15% sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s estabelecidos num país terceiro (in casu, EUA), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC’s estabelecidos e domiciliados em Portugal, com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE que garante a liberdade de circulação de capitais.

 

V.3.1. Da Liberdade de Circulação de Capitais

  1. Para o efeito, cumpre referir que o Requerente, na qualidade de OIC não residente, em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos, os quais foram sujeitos a tributação por retenção na fonte à taxa liberatória de 15% prevista no artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC e do artigo 10.º do ADT Portugal-USA.
  2. Ora, a liberdade de circulação de capitais é arvorada pelo artigo 63.º do TFUE como uma liberdade fundamental do mercado interno, dotada de relevância constitucional no âmbito do Direito da União Europeia, que impõe a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-membros e entre Estados-membros e países terceiros, como os EUA.
  3. Enquanto liberdade fundamental, a liberdade de circulação de capitais goza da primazia normativa sobre o direito interno, cabendo aos poderes públicos legislativos e administrativos a tomada das medidas internas de transposição, execução e aplicação, consoante os casos, do direito primário e secundário relevante, de forma a assegurar a efectividade da livre circulação de capitais.
  4. Conforme tem sido entendido pelos Tribunais arbitrais constituídos no CAAD (Cfr. entre outros, Processo 215/2021, de 16.12.2021, Processo 368/2022, de 28.04.2022, Processo 661/2022, de 14.04.2023), por exemplo, no Processo n.º 528/2019-T, de 27.12.2019:

“36. Existem pelo menos quatro aspetos fundamentais de regime jurídico que se revestem de grande relevância hermenêutica e metódica, e que por esse motivo devem ser salientados. O primeiro diz respeito à aplicabilidade direta do artigo 63.º TFUE e da inerente proibição de restrições injustificadas da liberdade de circulação de capitais. O segundo refere-se ao facto de as liberdades fundamentais do mercado interno terem como principais destinatários os Estados Membros, que devem abster-se de adotar medidas legislativas, administrativas e jurisdicionais de restrição das mesmas. O terceiro aspeto prende-se com a relação de complementaridade – e por vezes de sobreposição – que a liberdade de circulação de capitais estabelece com as liberdades de circulação de mercadorias e de pessoas, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços. Um quarto ponto tem que ver com o reforço progressivo da importância da liberdade de circulação de capitais no mercado interno, especialmente a partir da criação da União Económica e Monetária (UEM). Um dos principais objetivos da UEM consiste, precisamente, em facilitar a livre transferência de capital entre os Estados-Membros no quadro do mercado interno e das relações económicas e financeiras com Estados terceiros. A criação de um mercado interno supõe, por definição, a gradual e efetiva abolição dos diferentes mercados nacionais, em favor de um único mercado interno, de forma a potenciar o crescimento económico à escala europeia através da mais fácil disponibilização de capital.

Âmbito normativo e tributação

37. O âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais do artigo 63.º do TFUE abrange vários domínios (v.g. movimento físico da moeda; investimento em propriedade imobiliária e títulos de crédito), sendo um deles, justamente, o do tratamento fiscal dos movimentos de capitais, que cai sob alçada da respetiva aplicabilidade direta. Embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados-Membros, a mesma deve ser exercida no respeito do direito da União Europeia, sem de qualquer discriminação em razão da nacionalidade ou da residência.

 

  1. Tem sido entendido pelo TJUE que as restrições à circulação de capitais são proibidas, também, no âmbito das relações entre Estados-membros e países terceiros, como os EUA (Cfr. acórdão Sanz de Lera, processos apensos C-163/94, C-165/94 e C-250/94, de 15.12.1994, acórdão FII Group Litigation, processo C- 446/04, de 12.12.2006 e acórdão Emerging Markets Series, processo C-190/12, de 10.04.2014).
  2. Assim, resultando dos autos que o Requerente coloca em causa o direito à liberdade de circulação de capitais, no âmbito da distribuição de dividendos devidamente identificada, verifica-se que a situação é de facto subsumível no âmbito daquele direito e liberdade.

 

V.3.2. Da Comparabilidade

  1. Conforme resulta dos casos Focus Bank, ACT GLO, Denkavit, Amurta, Truck Center, Aberdeen Property, Comissão v. Países Baixos, Comissão v. Portugal, Santander Asset Management e Sofina SA, o TJUE tem entendido que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes – v.g. imputando aos investidores residentes um crédito de imposto e sujeitando as entidades não residentes a retenção de imposto sem imputação, retendo imposto sobre dividendos pagos a não residentes e não retendo no caso de dividendos pagos a residentes, configura, em princípio, uma violação da liberdade de circulação de capitais e nalguns casos também da liberdade de estabelecimento, pondo em causa o funcionamento do mercado interno.
  2. No caso dos autos está provado que, em 2020 e 2021, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, que foram sujeitos a uma taxa efectiva de IRC de 15%.
  3. Resulta da legislação fiscal portuguesa, em especial do artigo 22.º, n.º 1, 3 e 10 do EBF que os dividendos de fonte portuguesa pagos a OIC´s residentes em Portugal não são sujeitos nem a retenção na fonte nem a tributação, em sede de IRC.
  4. Deste modo, à luz da jurisprudência europeia (por exemplo caso C-493/09, Comissão v. Portugal, 06.10.2011), não pode deixar de se entender que esta diferença de tratamento entre OIC´s residentes e não residentes tem por efeito dissuadir os OIC´s não residentes de investir em sociedades portuguesas.
  5. Nem vale o argumento da AT de que o crédito de imposto do Requerente possa ser transferido para os investidores proporcionalmente aos rendimentos distribuídos ou imputados anualmente, cumprindo assim um dos objectivos do regime de transparência fiscal que é o de assegurar a neutralidade na tributação dos rendimentos dos investimentos realizados directamente pelos investidores ou por intermédio desse tipo de instrumentos financeiros, conquanto:
  6.  Está esclarecido pelo TJUE que quando um Estado-Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório ou não da referida regulamentação – Cfr. Casos C-338/11 a C-347/11, Santander Asset Management SGIIC SA, 10.05.2012
  7. Mais se tem entendido que a comparabilidade das situações – entre OIC´s Residentes e Não residentes relativamente a uma retenção na fonte de 25% sobre dividendos distribuídos a não residentes, reduzida a 15% por uma CDT – há de ter em conta o exercício fiscal de distribuição dos dividendos para comparar a carga fiscal que incide sobre esses dividendos e a que incide sobre os dividendos distribuídos a uma sociedade residente – Cfr. Caso C-575/17, Sofina, Rebelco e Sidro, 22.11.2018;
  8.  À luz da jurisprudência europeia e nacional, a situação do Requerente e de um fundo de investimento com sede em Portugal é comparável, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objecto de uma dupla tributação económica ou de uma tributação em cadeia (v., neste sentido, acórdãos de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 62; Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, já referido, n.° 113; de 20 de outubro de 2011, Comissão/Alemanha, C-284/09, Colet., p. I-9879, n.° 56; e Santander Asset Management SGIIC);
  9. Mais se tem entendido, contrariamente ao defendido pela AT, que para efeitos de comparabilidade, não é relevante a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respectivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos respectivos investidores, já que do ponto de vista do Estado Membro os fundos residentes e não residentes estão numa situação comparável se ambos estão sujeitos à respectiva tributação (Vide Acórdão do STA, n.º 7/2024, de 26.02.2024).
  10. Assim, não obstante o interesse que a tributação incidente sobre os investidores e não sobre os OIC´s possa ter, para efeitos de garantia da liberdade de circulação de capitais, em especial, para determinar se existe ou não discriminação em função da residência, a comparação tem de ser estabelecida entre OIC´s e não entre investidores individuais.
  11.  Decorre da Lei comunitária que as liberdades de circulação de capitais e de estabelecimento requerem a igualdade de tratamento fiscal dos dividendos pagos a residentes e não residentes pelo Estado-Membro anfitrião, no caso de ambos estarem sujeitos a tributação de dividendos, como sucede no caso em análise.
  12. No caso de fundos de investimento residentes nos EUA, de acordo com a CDT, o imposto retido na fonte, com carácter definitivo pode ser à taxa de 15%.
  13. O Requerente pode ter investidores estrangeiros, incluindo portugueses, e os fundos fiscalmente residentes em Portugal podem ter investidores estrangeiros, pelo que o que deve relevar é o impacto directo que as normas tributárias têm na actividade dos fundos e não o efeito indirecto na situação fiscal dos investidores individualmente considerados.
  14.  Acresce que, o Requerente é o Fundo e não os investidores, sendo certo que a própria base legal portuguesa em análise (artigo 22.º do EBF) não estabelece nenhuma ligação entre o tratamento fiscal dos dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC — residentes ou não residentes — e a situação fiscal dos seus detentores de participações.
  15. Esclareceu-se no Acórdão do TJUE, de 17 de Março de 2022, AllianzGIFonds AEVN, o seguinte:

53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54 Além disso, como salientou a advogada-geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C-252/14, EU:C:2016:402).

55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.”

  1. É, portanto, comparável a situação do Requerente, enquanto OIC não residente, com a situação dos fundos residentes, em Portugal, sendo a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório ou não da referida regulamentação.

 

IV.3.3. Da Discriminação Proibida

  1. Concluindo-se pela comparabilidade da situação do Requerente e de um OIC residente em Portugal importa agora saber se a discriminação efectuada pela Lei portuguesa pode ser justificada, à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, nomeadamente por se tratar de uma medida indispensável para impedir infracções às leis e regulamentos nacionais, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras
  2. Ora, o artigo 65.º alínea a) do TFUE prevê a possibilidade de os Estados-Membros aplicarem disposições pertinentes de direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência ou ao lugar onde o capital é investido.
  3. No entanto, essa previsão deve ser atenuada pelo requisito do artigo 65.º, n.º 3, do mesmo Tratado, segundo o qual qualquer excepção não pode constituir um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida pelo artigo 63.º do TFUE.
  4. Ora, é o Estado português que, no exercício da sua jurisdição fiscal, opta deliberadamente por diferenciar entre fundos residentes e fundos não residentes, isentando os primeiros da retenção de imposto sobre a distribuição de dividendos e sujeitando à mesma os segundos, colocando-os numa situação comparável, e em seguida tratando-os de forma diferente.
  5. Essa diferenciação não é justificável à luz da prevenção da evasão fiscal, não é necessária, podendo ser conferido o mesmo tratamento aos residentes e não residentes, sendo certo que existem alternativas de tributação menos restritivas potencialmente aplicáveis.
  6. Acresce que, a garantia da coerência do sistema fiscal português também não pode ser invocada para justificar a diferenciação de regime da retenção, na medida em que a jurisprudência do TJUE exige uma ligação directa entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem através de uma imposição específica, situação que não se verifica necessariamente através da eventual sujeição dos OIC’s às taxas de tributação autónoma de IRC e da Verba 29 da Tabela Geral do Imposto Selo, sendo este um tributo de natureza e lógica patrimonial.
  7. Neste caso, está-se perante uma discriminação arbitrária, pois não se vislumbra qualquer fundamento para a fazer, sendo certo que é a AT que defende que um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa e um Fundo de Investimento constituído ao abrigo das normas de outro Estado, não estão em situações comparáveis para efeitos de averiguar se existe um tratamento discriminatório em termos fiscais e uma clara restrição à liberdade de circulação de capitais;
  8. Sucede que, actuando o Requerente segundo a legislação nacional, encontra-se, quanto à sua actividade geradora de tributação em IRC, em situação idêntica à das sociedades constituídas segundo o direito nacional.

 

  1. Como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 08.02.2017, proferido no processo n.º 0678/16, “para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral” se “aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação”.

 

  1. Neste caso, a CDT entre Portugal e os EUA não permite neutralizar totalmente a maior tributação do Requerente em relação às sociedades constituídas segundo a legislação nacional, o que constitui facto assente no processo, encontrando-se assim demonstrado que o Requerente suportara uma tributação mais elevada no seu conjunto (cfr. Acórdão Gerritse, de 12 de Junho de 2003 (Processo C- 234/01).

 

  1. De harmonia com o exposto, considera-se inadmissível a discriminação efectuada pela Lei portuguesa entre OIC´s residentes e não residentes, com base no artigo 22.º, n.º 1, do EBF na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo as sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia ou de países terceiros, como os EUA.

 

  1. Assim, tem de se concluir que os actos tributários sub judice enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

  1. Nestes termos, conforme resulta de todo o exposto, verifica-se a desconformidade da aplicação da norma constante do artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC – da qual resultou uma retenção na fonte em IRC de 15% – sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal ao Requerente (OIC estabelecido nos EUA), com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE que garante a liberdade de circulação de capitais.

 

  1. Pelo que, julga-se procedente a pretensão do Requerente, estando a AT obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio.

 

VI – JUROS INDEMNIZATÓRIOS

  1. Nos termos do disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
  2. O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estabelecer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
  3. Este entendimento decorre do princípio da tutela jurisdicional efectiva e da correspondente ampliação dos poderes conformadores da jurisdição administrativa e tributária.
  4. Por isso, o Requerente tem o direito de ser reembolsado do imposto pago e juros indemnizatórios por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
  5. Tendo sido apresentada reclamação graciosa dos actos sub judice, e em face do pedido de anulação dos actos de retenção na fonte, são devidos à Requerente juros indemnizatórios desde a data do termo do prazo fixado por lei para a decisão de reclamação graciosa, isto é, desde 16.09.2022, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e artigo 61.º, n.º 5 do CPPT (Acórdão do STA, Proc. 140/23.8BALSB, Recurso para Uniformização de Jurisprudência, de 24.01.2024).

 

VII – DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

1) Julgar improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa suscitada pela Requerida;

2) Declarar ilegais e anular os actos tributários de retenção na fonte, por violação da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE;

3) Condenar a Requerida à restituição da quantia de € 840.950,58 relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos entre 2020 e 2021, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do Código do IRC e 22.º do EBF;

4) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios a partir da data do termo do prazo fixado na lei para a decisão da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, isto é, 16.09.2022, nos termos do artigo 43.º n.º 1 da LGT e artigo 61.º, n.º 5 do CPPT.

 

VIII – VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 840.950,58, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

IX – CUSTAS

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 11.934,00 a cargo da Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Lisboa, 14 de Novembro de 2024

 

 

O Tribunal Arbitral Colectivo,

 

 

 

Carla Castelo Trindade

(Presidente)

 

 

 

Magda Feliciano

(Árbitra Adjunta e Relatora)

 

 

 

Ricardo Rodrigues Pereira

 

(Árbitro Adjunto)

 

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990)