Sumário:
A revogação do ato tributário objeto do PPA após a constituição do Tribunal Arbitral, que dá satisfação à pretensão formulada pelos Requerentes, inclusive, considerando o pagamento dos juros indemnizatórios, é causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277.º, e), CPC, ex vi art. 29.º, 1, e), RJAT.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A. Dinâmica processual
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A..., NIF..., e B..., NIF ... ambos residentes na Rua ..., ..., ..., ...-... Sintra, (“Requerentes”), apresentaram pedido de pronúncia arbitral ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo art. 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), para que seja declarada a ilegalidade do ato de liquidação relativo ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2024..., referente ao período tributário de 2020 e, consequentemente, anulado, e efetuado o reembolso correspondente, acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.
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No dia 12 de julho de 2024 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado aos Requerentes e à AT.
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Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, 1, e artigo 11.º, 1, b), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 9 de setembro de 2024 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 20 de setembro de 2024.
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Por despacho de 23 de setembro de 2024 foi concedido prazo para a Requerida responder, querendo, no prazo legal.
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No dia 3 de outubro de 2024, a Requerida apresentou requerimento informando os autos do despacho de 30 de setembro de 2024, da Subdiretora-Geral da área do Relações Internacionais, de revogação do ato em apreciação.
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No dia seguinte foi proferido despacho para os Requerentes se pronunciarem no sentido de informar se pretendiam prosseguir com o presente PPA.
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No dia 4 de outubro de 2024 os Requerentes vieram informar que não pretendiam o prosseguimento do presente PPA, por ser supervenientemente inútil.
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No dia 11 de novembro de 2024 foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, bem como a de apresentação de alegações escritas. Mais foi indicado que a decisão final seria notificada até ao dia 30 de novembro de 2024.
B. Posição das partes
Para fundamentar o seu pedido alegam os Requerentes, em síntese, que a Requerida lhes tributou rendimentos por ela já tributados, pois ambos são titulares de obrigações da C..., obrigações da D... SA (não sujeita a qualquer retenção do Estado na fonte) e de unidades de participação no fundo E..., todos custodiadas no F... (Louxembourg) SA.
Os Requerentes cumpriram com as suas obrigações fiscais, nomeadamente apresentaram declaração Mod 3 tendo aí inscrito os seus rendimentos de capitais estrangeiros não sujeitos a tributação no Estado da fonte. Não o fizeram com relação aos rendimentos obtidos com as obrigações da C... porque a isso não estavam obrigados, considerando que eles estão sujeitos a tributação à taxa liberatória de 28%.
Em fevereiro de 2024 os Requerentes foram notificados do ofício do qual resultava que estes tinham obtido rendimentos de capitais no Luxemburgo.
Não concordando com o teor do referido ofício, explicaram os Requerentes, em sede de audiência prévia, que os valores indicados diziam respeito ao declarado no campo 8 do Anexo J e que não tinha sido possível declarar o montante relativa aos juros de obrigações pagos pela C... porque o sistema não permite a inserção do código 620 correspondente ao Estado da fonte desse rendimento (Portugal).
Apesar das várias tentativas, nomeadamente, com o preenchimento oficioso de dois anexos J, pela própria AT, certo é que os Requerentes não conseguiram evitar uma duplicação de rendimentos e no consequente pagamento de imposto sobre os mesmos em duplicado.
Por estas razões, deve a Requerida anular a liquidação em causa, por duplicação de coleta.
Notificada por despacho arbitral de 23 de setembro de 2024, nos termos e para os efeitos previstos no art. 17.º, RJAT, a AT apresentou, em 3 de outubro de 2024, requerimento juntando cópia do Despacho da Senhora Subdiretora-Geral da Área das Relações Internacionais, datado de 23 de setembro de 2024, nos termos do qual se determinou a revogação da liquidação de IRS objeto nos presentes autos, de acordo com o Despacho do DS RELAÇÕES INTERNACIONAIS n.º ..., de 23 de setembro de 2024, tendo sido reconhecido o direito dos Requerentes a juros indemnizatórios, nos termos do art 43.º, LGT, e art. 13.º, 5, RJAT.
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 1, a), 5.º, 6.º, 1, e 10.º, 1, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. arts. 4.º e 10.º, 2, RJAT, e art. 1.º, Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Não foram invocadas exceções que ao tribunal arbitral compra apreciar e decidir.
III FUNDAMENTAÇÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
A) Os Requerentes efetuaram o pagamento integral da liquidação de IRS n.º 2024..., melhor identificado no PPA, no valor de €5.765,80.
B) O pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 10 de julho de 2024, tendo sido aceite dois dias depois.
C) O PPA foi automaticamente notificado à Requerida AT a 12 de junho de 2024.
D) O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 20 de setembro de 2024 tendo sido de imediato notificado às partes.
E) Por despacho da DS RELAÇÕES INTERNACIONAIS n.º ..., de 23 de setembro de 2024, da Senhora Subdiretora-Geral da Área, foi determinada a revogação da liquidação de IRS objeto nos presentes autos, tendo sido reconhecido o direito dos Requerentes a juros indemnizatórios.
F) Consta o seguinte na informação de suporte ao referido despacho:
G) Em 3 de outubro de 2024, a AT comunicou aos autos o teor do Despacho da Senhora Subdiretora-Geral da Área antes mencionado.
H) Notificado pelo despacho arbitral de 21 de setembro de 2024 para no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre o teor da comunicação da Requerida, designadamente informar se pretende prosseguir ou não com o presente PPA, vieram os Requerentes dizer que "não pretendem o prosseguimento do presente procedimento".
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não foram identificados outros factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, 2, CPPT, e art. 607.º, 3, CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, 1, a), e e), RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior art. 511.º, 1, CPC, correspondente ao atual art. 596.º, aplicável ex vi art. 29.º, 1, e), RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do art. 110.º, 7, CPPT, e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DE DIREITO
B.1 Da inutilidade superveniente da lide
A presente ação arbitral tem por objeto pronuncia que se subsume na previsão do art. 2.º, 1, a), RJAT, pois os Requerentes pretendem que seja declarada a ilegalidade do ato de liquidação relativo ao IRS n.º 2024..., referente ao período tributário de 2020, da competência dos Tribunais Arbitrais constituídos sob o regime jurídico do CAAD.
De acordo com o disposto no art 13.º, 1, RJAT, a AT dispõe de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, para proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, iniciando-se então a contagem do prazo para constituição do tribunal arbitral, de acordo com o artigo 11.º, 1, c), RJAT.
A revogação do ato tributário em apreciação após constituição do Tribunal Arbitral, dando satisfação à pretensão formulada pelos Requerentes quanto à sua anulação, constitui causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277.º, e), CPC, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi art. 29.º, 1, e), RJAT.
Com efeito, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, a inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, “por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por ter encontrado satisfação fora do esquema da providência pretendida" — cf. acórdão do STA, de 08 de junho de 2022, proc. n.º 02321/17.4BEPRT.
Além disso, in casu, para além do pedido de anulação da liquidação de IRS melhor identificada, os Requerentes formularam o pedido acessório de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, enquadrável nos termos do art. 43.º, 1, LGT.
Pelo Despacho da Senhora Subdiretora-Geral da DS RELAÇÕES INTERNACIONAIS, de 23 de setembro de 2024, foi revogada a liquidação de IRS impugnada, na medida do peticionado pelos Requerentes.
Além disso, do referido despacho resulta que lhe foi igualmente reconhecido o direito a juros indemnizatórios.
Considerando a revogação bem como o reconhecimento aos juros indemnizatórios, deve concluir-se terem os pedidos formulados pelos Requerentes obtido satisfação integral.
O processo arbitral tributário, tal como o processo de impugnação judicial, tem a natureza de ação constitutiva, dado ter “como objetivo a modificação ou anulação de um ato administrativo” (...) que “tem sempre como pressuposto um interesse em agir, o que atinge a sua expressão mais nítida sempre que se verifica, por parte da administração, a produção de um determinado ato tributário considerado pelo contribuinte como estando em desconformidade com a lei" — cf. Saldanha Sanches, Princípios do Contencioso Tributário, Editorial Fragmentos, Lisboa, 1987, págs. 78 e 80.
A ausência superveniente de interesse processual, por ter sido obtida extra-processo a satisfação da pretensão dos Requerentes, gera a absolvição da instância da Requerida.
Tendo a Requerida dado causa à inutilidade superveniente da lide, fica então responsável pelas custas do processo, nos termos do art. 536.º, 3, CPC.
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar:
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Extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide;
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Absolver da instância a Requerida;
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Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €5.765,80, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto no artigo 22.º, n.º 4, RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 18 de novembro de 2024
O Árbitro Singular
(Ricardo Marques Candeias)