Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 833/2024-T
Data da decisão: 2024-10-18  IVA  
Valor do pedido: € 78.384,43
Tema: IVA. Isenção. Locação. Cessão de exploração de estabelecimento. Comercial
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Decisão Arbitral

 

 

           Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. António Cipriano da Silva e Prof. Doutor Francisco Nicolau Domingos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-09-2024, acordam no seguinte:

 

          

           1. Relatório

 

A..., LDA., com o número de identificação de pessoa coletiva... e com sede na..., ... ..., (doravante designada como  “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação da  liquidação adicional de IVA n.º ..., referente ao período 2212M, bem como a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa  n.º ...2024..., que dessa liquidação deduziu.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 04-07-2024.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 21-08-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 10-09-2024.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 14-10-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

 

  1. Foi realizada uma inspecção à Requerente em que foi elaborado Relatório da Inspecção Tributária (RIT) junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

  Após análise dos referidos elementos, constatou-se que os valores inscritos nas correspondentes declarações periódicas de IVA estão de acordo com os registos contabilísticos e de faturação do sujeito passivo, sendo que os documentos de suporte cumprem as formalidades legais descritas no artigo 36.° e 40° ambos do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), encontrando-se todos eles diretamente relacionados com a atividade comercial desenvolvida pelo sujeito passivo.

Importa salientar que após esta análise foi detetado na conta 45316 "Investimentos em curso -Ativos Tangíveis em Curso", no saldo inicial do ano de 2022, a importância de 1.288.336,99€, sendo que a maior parte desta quantia diz respeito a obras efetuadas no ..., que é o nome do empreendimento turístico que o sujeito passivo estava construindo.

Foi também verificado na contabilidade que o sujeito passivo emitiu uma fatura identificada pelo n.º FT FA.2022/60, emitida na data de 2022-12-29 à empresa B... Unipessoal, Lda, NIPC..., no valor total de 12.000,00€, referente a um "Arrendamento de espaço no centro ...", isento de IVA, tendo sido mencionado na respetiva fatura " IVA-Regime de Isenção", junta-se em anexo 2 a respetiva fatura:

 

 

Foi solicitado ao sujeito passivo o contrato de arrendamento relativo à n.º FT FA.2022/60, emitida na data de 2022-12-29, ao que o mesmo nos forneceu o "CONTRATO DE PROMESSA DE ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS", celebrado entre o sujeito passivo e a empresa B..., Sociedade Unipessoal, Lda, NIPC... que se destina exclusivamente à promessa de arrendamento para exploração de: Área comum de apoio ao Centro ..., sendo que nesta área funcionará o serviço de restauração, com inicio em 02-12-2022 e o termo em 02/12/2023, renovando-se automaticamente, pelo prazo de 10 (dez) anos, vidé anexo 1 o respetivo contrato. No mesmo é referido na sua cláusula terceira que o contrato definitivo deverá ser realizado no prazo máximo de 180 dias a contar da assinatura do contrato de promessa. Foram-nos ainda exibidos documentos emitidos pela Câmara Municipal de ..., anexo 3 que demonstram que em 15/03/2022 a A... ainda não disponha de licenciamento para funcionamento. Verifica-se que o arrendamento do restaurante conforme se pode comprovar pelo contrato de arrendamento e pela fatura acima aludida, foi efetuado com isenção de IVA, nos termos do n° 29° do artigo 9° do CIVA "Estão isentos de imposto as locações de bens imóveis".

Na sequência do que foi explanado anteriormente, foi solicitado um Despacho externo com o nº DI202300507, emitido em 18-04-2023, com extensão para os anos de 2019, 2020, 2021 e períodos de janeiro a outubro de 2022, a fim de averiguar as deduções relativas à construção do imóvel e/ou áreas comuns, uma vez que o sujeito passivo auferiu rendimentos provenientes do arrendamento de um imóvel, o qual considerou

como isentos de IVA nos termos do art.° 9.° do código do IVA.

Foi-nos enviado através do email de 6 de abril de 2023 que se junta em anexo 4 a fatura n° 1 2023/3 emitida pelo C..., Ldª no montante de 5.454,59€, referente ao fornecimento de Software Algarsoft e Equipamento Prossegur e no mesmo email foi-nos informado o seguinte:

"De modo a enquadrar a fatura que envio, inicialmente houve uma empresa – C...", que foi a primeira empresa que era para ter arrendado o espaço. Devido a todas as limitações já explicadas do licenciamento, esta empresa montou todo o restaurante, mas nunca chegou a abrir e desistiu do negócio, nunca  quis funcionar sem a licença emitida. O combinado com esta empresa foi que quem ia pegar no negócio ficava com todo o recheio por reles comprado. Foi quando entrou a empresa B... que apenas esteve no espaço o mês de dezembro, e não chegou a fazer negócio com o C... e consequentemente em Fevereiro passou para a D... que fez as contas com a C... e que resulta nos documentos em anexo. Tenho conhecimento que entre estas duas empresas ficou combinado liquidarem ainda investimento no final do verão"

 

Foi-nos também exibido um anexo que disseram fazer parte da fatura da C... para a D..., com a descrição do equipamento faturado, que se junta em anexo 5.

Em 04/04/2023 foi efetuada uma visita pelos inspetores às instalações do Centro ..., tendo sido verificado que o restaurante estava em pleno funcionamento, mas a empresa que o estava a explorar era a empresa D..., Lda, nesse mesmo dia o sujeito passivo enviou-nos por e-mail o "CONTRATO DE PROMESSA DE ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS" celebrado com a D...

UNIPESSOAL, LDNIPC ..., datado de 01 de março de 2023.

Pela análise dos documentos até então apresentados chegou-se à conclusão que de facto se trata de um arrendamento do espaço destinado a restaurante e dado que o restaurante está inserido num Centro ... que contém para além de um restaurante, vários alojamentos, piscinas, bar e toda a área envolvente, foi efetuada uma notificação ao sujeito passivo, no dia 02 de maio do corrente ano, na pessoa do seu sócio gerente, para apresentar-"Nos termos do artigo 23°do Código do imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), apresentar um critério objetivo que permita determinar o grau de utilização dos bens e serviços em operações sujeitas a imposto e em operações não sujeitas, referentes ao Centro ... ( Restaurante, Alojamento, Centro ...-Área Envolvente)".

Em 11 de maio de 2023 foi recebida a resposta à notificação (anexo 6), onde para além do solicitado, o sujeito passivo, vem referir que continua a aguardar a conclusão do licenciamento por parte da Câmara Municipal de ..., e que a empresa C... viria aproveitar o investimento realizado e concluir a compra de alguns equipamentos em falta no restaurante.

Refere ainda na resposta à notificação que "Para a A... o investimento no Centro ... sempre foi desenhado num modelo de Cedência de Exploração.", e no dia 15 de maio de 2023 envia-nos o CONTRATO DE PROMESSA DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO, (anexo 7) que diz ter retificado com a empresa B..., sendo que este contrato de cessão de exploração está datado de 1 de dezembro de 2022, enquanto que o CONTRATO DE PROMESSA DE ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS, está datado de 2 de dezembro de 2022.

Mediante esta nova versão dos factos apresentada pelo sujeito passivo, interessa aqui analisar, se de facto se trata de um arrendamento isento de IVA nos termos do n° 29° do artigo 9° do CIVA ou de uma cessão de exploração sujeita a IVA e dela não isenta nos termos previstos na alínea a) do n.° 1do artigo 1.° e n.º 1 do artigo 4.°, ambos do Código do IVA, sendo que não releva a forma contratual adotada pelas partes, mas sim a realidade dos factos de cada operação em obediência ao princípio da substância sobre a forma.

De acordo com o nº 1 do artigo 1109 do Código Civil, o contrato de cedência de exploração consiste na transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou de parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado.

Pelo que se depreende que o objeto da cedência de exploração não é o imóvel em si mas sim o estabelecimento como bem unitário.

A noção de estabelecimento comercial compreende os bens corpóreos, como por exemplo inventários, equipamentos, instrumentos de trabalho e os bens incorpóreas, como sejam o nome do estabelecimento, clientela, entre outros, organizados para a prática de uma atividade comercial.

Já o artigo 1022 do Código Civil refere que "Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição".

O n.º 2 do artigo 11.° da Lei Geral Tributária, refere que "Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.", ou seja, uma vez que se trata de um conceito de direito civil e por

este não se encontrar definido pelo Código do IVA, deve ser interpretado no mesmo sentido que lhe é atribuído pelo Código Civil.

A informação vinculativa referente ao Processo n.º 19 426, por despacho de 28-01-2021,da diretora de serviços do IVA (por subdelegação), refere no seu ponto "71.2 para beneficiar de isenção, a locação deve traduzir-se na colocação passiva do imóvel à disposição do locatário, estando ligada ao decurso do tempo e não gerando qualquer valor acrescentado significativo, não sendo acompanhada de quaisquer prestações de serviços que retirem à locação o caráter de preponderância na operação em causa."

Mesmo em locações em que do imóvel faça parte integrante a locação de equipamentos ou máquinas, pode-se considerar que estamos perante uma única prestação na qual a prestação principal é a colocação à disposição do bem imóvel, podendo, podendo neste caso, beneficiar da isenção do imposto, mas o que está sempre em causa é determinar quando é que a locação do imóvel é a prestação principal e a locação de demais bens assume um caráter meramente acessório. No caso concreto, trata-se de uma locação do imóvel, ainda que dele possa fazer parte os bens constantes do anexo 1 ao contrato que pretenderam substituir, datado de 1 de dezembro de 2022, contudo configura uma única operação, sendo a locação do espaço a prestação principal e consequentemente enquadrada na isenção do nº 29 do artigo 9ª do CIVA.

Da análise dos contratos verifica-se que se trata de uma «cedência passiva», ou seja, pode-se enquadrar no conceito de arrendamento tal como estabelecido no Código Civil (artigo 1022.°).

A locação do espaço em causa não é acompanhada de outros serviços, nomeadamente serviços de limpeza, comunicação, eletricidade, etc., em conjunto com as instalações e os bens e equipamentos que integrem a locação não consistam numa locação independente da principal são apenas um meio para que o locatário usufrua em melhores condições do imóvel.

Em dezembro de 2022, quando da cedência do um espaço à B... este não estava devidamente preparado para o exercício de uma atividade económica, atendendo a que o mesmo não disponha de licença, o recheio não pertencia ao sujeito passivo, mas sim a outra empresa C...", que por sua vez o vende à empresa que está a explorar o restaurante -"D... ".

 

(...)

Foi efetuada uma análise às aquisições de bens e serviços, nomeadamente da conta imobilizado 45316 "Investimentos em curso -Ativos Tangíveis em Curso, verificando-se que a maior parte das aquisições destes bens e serviços são utilizados para a realização do Centro ... .

Nos quadros em anexo 8 são identificados os valores de IVA suportado nos bens e serviços adquiridos para a realização em comum do centro ..., os dados foram retirados do SAF-T da contabilidade e da verificação das referidas faturas (junta-se em anexo 8 relação das faturas das partes comuns assim como algumas faturas que através da designação conseguiu-se apurar que as mesmas correspondiam apenas ao restaurante). Foram retiradas desta relação todas as faturas que se conseguiu identificar que pertenciam a outros serviços prestados inclusivamente do Centro ... .

(...)

o dia 25 de setembro do corrente ano, o sujeito passivo, através de comunicação dirigida ao email institucional da Direção de Finanças de Faro (Anexo IX), veio exercer o direito de audição sobre o Projeto de Relatório, alegando o seguinte:

- "Quando o sujeito passivo procedeu à dedução de IVA suportado, na parte imputável ao restaurante o entendimento da Autoridade Tributária constante de diversas instruções administrativas, era que uma locação de um imóvel já equipado para determinada atividade não era considerada uma locação de "paredes nuas" e como tal não beneficiava da isenção prevista na alínea 29° do artigo 9%do CIVA"

- "Em boa verdade, a Autoridade Tributária apenas comunicou a mudança do seu entendimento, através da Informação Vinculativa relativa ao processo nº19426 com despacho de 28/01/2021"

- "Ora os sujeitos passivos não podem ficar sujeitos às alterações de entendimento da Autoridade Tributária, sem que o mesmo derive da alteração da lei."

 

Na presente ação de inspeção, ao sujeito passivo, as correções propostas têm subjacente o facto de ter sido realizado um investimento na construção de um Centro ..., nas antigas instalações do sujeito passivo, no qual estaria incluído, além de outros, uma área para restauração, em que foi exercido o direito à dedução do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços incorridos na execução da obra, ao que tendo ocorrido a afetação deste espaço a uma atividade isenta de IVA deveria ter sido regularizado o imposto deduzido nos termos do art. 24.° do CIVA.

O sujeito passivo vem aqui alegar ter seguido o entendimento da Autoridade Tributária "(... ) que uma locação de um imóvel já equipado para determinada atividade não era considerada uma locação de paredes nuas" (...)", no entanto este veio, no decorrer do procedimento inspetivo, reportar junto destes Serviços que o local não se encontra licenciado para essa atividade, tendo-se ainda concluído que, nunca tendo ocorrido a efetiva exploração do estabelecimento por parte do sujeito passivo, foi uma outra entidade a adquirir o equipamento necessário para a prossecução da atividade.

Efetivamente, o sujeito passivo celebrou um contrato de promessa de arrendamento para fins não habitacionais com a empresa "B..., SOCIEDADE UNI PESSOAL, LDA", NIPC ..., emitindo-lhe na data de 2022/12/29 a fatura n.° FT FA.2022/60, no valor total de 12.000,00€, referente a "Arrendamento de espaço no centro ...", isento de IVA, tendo inclusive sido mencionado na respetiva fatura "IVA - Regime de Isenção".

No que atende à informação vinculativa com o nº 19426 aludida pelo sujeito passivo, a mesma configura um ato administrativo através do qual é definido a posição da Administração Fiscal relativamente a uma situação individual e concreta de um contribuinte concreto, que não o sujeito passivo em apreço, e que à data dos factos relatados no presente relatório já era possível o conhecimento do seu teor por parte do sujeito passivo.

Para além disso quando o sujeito passivo começou a deduzir o IVA referente às obras de construção do complexo onde está inserido o restaurante, mais propriamente em 2019, o sujeito passivo tinha conhecimento que:

Exercendo do direito à dedução do IVA do imposto previsto nos artigos 19.° e 20.° do Código do IVA, encontrando-se no artigo 21 .º do mesmo diploma as exclusões do direito à dedução, daí decorre que para ser dedutível o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços estas devem ter uma relação direta e imediata com as operações a jusante que conferem esse direito. Assim, confere direito à dedução integral o imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações que, integrando o conceito de atividade económica para efeitos do imposto, sejam tributadas, isentas com direito a dedução ou, ainda, não tributadas que conferem esse direito, nos termos da alínea b), ll, do n.° 1 do artigo 20.° do Código do IVA.

Caso o imposto seja suportado na aquisição de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações sujeitas a imposto, mas sem direito a dedução ou a operações que em sede de IVA estão isentas de imposto ao abrigo do artigo 9° do CIVA, não é, naturalmente, admissível o exercício do direito à dedução, tudo isto já foi referido no ponto V.1.2 do presente relatório.

Para além disso, o sujeito passivo poderia ter regularizado a sua situação tributária, na declaração de dezembro de 2022, data em que afetou o dito local a uma atividade isenta.

 

  1. Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período 2212M, junta com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  2. A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação, que veio a ter o n.º ...2024...;
  3. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 27-03-2024, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais, o seguinte:

 II.II - APRECIAÇÃO e PARECER

A liquidação ora reclamada teve origem numa ação de inspeção desencadeada pelo pedido de reembolso efetuado pelo sujeito passivo na declaração do período 2023/01, tendo sido efetuadas correções que têm na sua génese a realização de um investimento na construção de um Centro ..., no qual estaria incluído, além de outros, uma área para restauração, em que foi exercido o direito à dedução do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços incorridos na execução da obra, ao que, tendo ocorrido a afetação desse espaço a uma atividade isenta de IVA, deveria ter sido regularizado o imposto deduzido, conforme estipulado no artigo 24.° do Código do imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA).

Considerando o exposto no relatório de inspeção e que aqui se dá por integralmente reproduzido, andaram bem os serviços de inspeção ao considerarem que efetivamente se tratava de uma locação do imóvel, e consequentemente enquadrada no n.º 29) do artigo 9,° do CIVA, porquanto a reclamante apenas cedeu o espaço, que não estava devidamente preparado para o exercício de uma atividade económica, atendendo a que não dispunha de licença para funcionar, acrescendo ainda o facto de que o recheio não pertencia ao reclamante, mas sim a uma outra empresa (C...) que por sua vez o veio a vender à empresa que está a explorar o restaurante (D...).

Ora, uma vez que nunca ocorreu a efetiva exploração do estabelecimento por parte do reclamante e que foi uma outra entidade a adquirir o equipamento necessário para a prossecução da atividade, não poderá a cedência do espaço enquadrar-se no conceito de cessão de exploração (ou locação de estabelecimento) previsto no artigo 1109.° do Código Civil (CC), que define que o contrato de cessão de exploração ou de locação de estabelecimento é aquele pelo qual uma pessoa transfere, temporária e onerosamente, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial, industrial ou de serviços nele instalado.

Refira-se ainda que o espaço não possuía o respetivo licenciamento por parte da Câmara Municipal competente para o efeito.

No caso concreto, o reclamante apenas possui o imóvel e não o estabelecimento, pelo que sendo o objeto do contrato de cessão de exploração o estabelecimento como bem unitário, não poderá a mera cedência do espaço ser considerada uma cessão de exploração.

Desta forma, não obstante o facto de, no decurso do procedimento inspetivo, ter sido apresentado inicialmente o "contrato de promessa de arrendamento para fins não habitacionais", datado de 02/12/2022 e posteriormente, em 15/05/2023, o "contrato de promessa de cessão de exploração" datado de 01/12/2022, deverá atender-se ao princípio da substância sob a forma, ou seja deve ser tida em conta a realidade dos factos e não meramente a forma legal que reveste a operação (neste caso 'a forma contratual adotada pelas partes).

Relativamente às correções das deduções, efetuadas em sede de procedimento inspetivo, aqui reclamadas, convém referir que quando o sujeito passivo começou a deduzir o IVA referente às obras de construção do complexo onde está inserido o restaurante, mais propriamente em 2019, tinha conhecimento que para ser dedutível o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços estas devem ter uma relação direta e imediata com as operações a jusante que conferem esse direito, de acordo com o previsto nos artigos 19,°, 20.°e 21.º do CIVA.

O reclamante ao reconhecer a operação como isenta, sabia que não poderia deduzir na totalidade o IVA suportado nas obras efetuadas no empreendimento do Centro..., onde se incluía o espaço destinado ao restaurante, pelo que deveria na declaração de dezembro de 2022, data em que afetou o dito local a uma operação isenta, ter regularizado o IVA deduzido correspondente ao restaurante e a uma proporção do IVA deduzido respeitante às áreas comuns, nos termos do artigo 24° do CIVA.

Acresce ainda referir que da consulta ao sistema informático da AT, se verifica que a fatura emitida e subjacente ao "contrato de promessa de arrendamento para fins não habitacionais" não se encontra anulada, nem foi emitida qualquer fatura respeitante ao "contrato de promessa de cessão de exploração" apresentado no decurso do procedimento inspetivo.

De salientar que o valor das correções foi apurado tendo em consideração o disposto no n.° 2 do artigo 23.° do CIVA, sendo que o critério objetivo ali referido foi facultado pelo próprio sujeito passivo.

Face ao exposto, sou de parecer que a pretensão do reclamante não pode ser atendida, mantendo-se vigente a liquidação resultante das correções efetuadas pela Inspeção tributária.

 

  1. O contrato-promessa de arrendamento celebrado pela Requerente e a B... UNIPESSOAL LDA, datado de 02-12-2022, tem o teor que consta do anexo I ao RIT, cujo teor se dá como reproduzido;
  2. Em 29-12-2022, a Requerente emitiu à  B... SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA a factura FT FA.2022/60, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, o «arrendamento de espaço no centro... », o valor de € 12.000,00 e «IVA – Regime de isenção»;
  3. A empresa «C... » tencionava arrendar o espaço referido e adquiriu o equipamento para nele funcionar um restaurante , mas desistiu do negócio por não estar emitida licença de funcionamento;
  4.  Na sequência da desistência ficou acordado entre a Requerente e a «C... » que a empresa que viesse a arrendar o espaço ficaria com o recheio adquirido pela  empresa C...;
  5. A B... apenas esteve no espaço arrendado durante o mês de dez de 2022 e  não chegou a fazer negócio com o C...;
  6. Em Fevereiro de 2023, o espaço arrendado passou para a empresa D..., que o estava a explorar como restaurante em 04-04-2023, quanto o espaço foi visitado pela inspecção tributária;
  7. Em maio de 2023, o espaço referido ainda não dispunha de  licenciamento para nele funcionar um restaurante (RIT e seu anexo VII);
  8. O espaço referido estava a funcionar como restaurante, quando do efectuada a inspecção tributária (RIT);
  9. Em 2019, a Requerente começou a deduzir o IVA na totalidade referente às obras efetuadas no empreendimento do Centro ..., onde se inclui o espaço referido (informação em que se baseou a decisão da reclamação graciosa);
  10. Em 27-03-2024, quando foi elaborada a informação em que se baseou a decisão da reclamação graciosa, a factura emitida pela Requerente à B... não tinha sido anulada, nem tinha sido emitida qualquer fatura respeitante ao "contrato de promessa de cessão de exploração" apresentado no decurso do procedimento inspetivo (informação que consta do processo administrativo);
  11. Em 02-07-2024, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

2.2.1 Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo. 

 

2.2.1. Não se provou que a empresa «C... » tivesse montado o restaurante no espaço a que se refere o contrato-promessa de arrendamento;

 

2.2.2. Não se provou que o «contrato promessa de cessão de exploração», datado de 01-12-2022, que consta do anexo VIII ao RIT tivesse sido elaborado antes da notificação efectuada pela inspecção tributária à Requerente em 02-05-2023.

 

2.2.3. Não se provou que, quando celebrou o contrato-promessa datado de 02-12-2022, o espaço objecto do contrato tivesse os equipamentos que se indicam no anexo ao «contrato de cessão de exploração» datado de 01-12-2022, apresentado ela Requerente em Maio de 2023.

Não é feita qualquer referência a tais equipamentos no contrato-promessa e não foi apresentada qualquer prova de eles estivessem no espaço objecto do contrato.

 

2.2.4. Não se provou que a Requerente tivesse regularizado a factura emitida à B..., nem que tenha liquidado o IVA correspondente a uma operação não isenta.

Até 27-03-2024 não o tinha feito, como consta da informação em que se baseou a decisão reclamação graciosa e não foi sequer alegado que essa regularização tivesse sido efectuada.

 

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente deduziu integralmente IVA relativamente as obras de construção de um empreendimento turístico em que se inclui um espaço destinado a restaurante.

Relativamente a esse espaço destinado a restaurante, a Requerente celebrou um contrato-promessa de arrendamento que celebrou com a B..., em 02-12-2022, e, em 29-12-2022, emitiu uma factura a esta empresa, com o descritivo «arrendamento de espaço no centro  ...». 

Embora se trate de um denominado «contrato-promessa»,  na cláusula SEGUNDA n.º 2 do contrato estabelece-se que o início do arrendamento é em 02-12-2022, que é  a data do própria «contrato-promessa», pelo que é inequívoco que com este contrato se iniciou imediatamente uma relação de arrendamento. Essa natureza de contrato de arrendamento é confirmada pela factura emitida em que se refere que o valor facturado se reporta a «arrendamento de espaço no centro  ...».

Assim, deve concluir-se que, independentemente da validade formal do contrato e da sua denominação, estabeleceu-se com base nele uma relação de arrendamento de um espaço destinado a funcionamento de um restaurante, sendo isso que é relevante para efeitos fiscais, uma vez que a qualificação jurídica do negócio jurídico efectuada pelas partes não é  vinculativa (artigo 36.º, n.º 5, da LGT).

Nessa factura não foi liquidado IVA, sendo nela referida aplicação do regime de isenção.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, tratando-se de uma operação de locação de imóvel isenta, nos termos do n.º 29) do artigo 9.º do CIVA, não podia ter sido deduzido o IVA suportado nas obras de construção, pelas seguintes razões, em suma:

Exercendo do direito à dedução do IVA do imposto previsto nos Código do IVA, encontrando-se no artigo 21 .º do mesmo diploma as exclusões do direito à dedução, daí decorre que para ser dedutível o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços estas devem ter uma relação direta e imediata com as operações a jusante que conferem esse direito. Assim, confere direito à dedução integral o imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações que, integrando o conceito de atividade económica para efeitos do imposto, sejam tributadas, isentas com direito a dedução ou, ainda, não tributadas que conferem esse direito, nos termos da alínea b), ll, do n.° 1 do artigo 20.° do Código do IVA.

Caso o imposto seja suportado na aquisição de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações sujeitas a imposto, mas sem direito a dedução ou a operações que em sede de IVA estão isentas de imposto ao abrigo do artigo 9° do CIVA, não é, naturalmente, admissível o exercício do direito à dedução.

 

Não é questionado pela Requerente que é este o regime legal aplicável às operações de locação de imóveis, designadamente que, se for aplicável isenção ao arrendamento, o IVA suportado nas obras de construção do empreendimento, não era dedutível, na pare respectiva.

Mas, a tese da Requerente é de que não era aplicável a isenção por se estar perante uma cessão de exploração de estabelecimento comercial, a que não se aplicará isenção, por força da excepção à regra da isenção da locação de bens imóveis, prevista na alínea c) do n.º 29) do artigo 9.º do CIVA para a «locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial». E, consequentemente, a não se tratar de uma operação isenta, não haveria obstáculo à dedução do IVA suportado nas obras de construção, à face dos artigos 19.° e 20.° do CIVA.

No presente processo a Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição assumida na decisão da reclamação graciosa.

 

   3.1. Questão da aplicação ou não da isenção

 

A jurisprudência do TJUE tem restringido a aplicação da isenção em causa às situações em que  há uma mera locação do imóvel, consubstanciada na sua colocação passiva à disposição do locatário, «um direito precário de ocupação do mesmo imóvel em contrapartida do pagamento de uma retribuição fixada principalmente em função da superfície ocupada» ( [1] ).

           Como se refere no n.º 18 do acórdão do TJUE de 28-02-2019, processo C-278/18, «o Tribunal de Justiça definiu em numerosos acórdãos a locação de bens imóveis, na aceção desta disposição, como o direito conferido pelo proprietário de um imóvel ao locatário de, mediante remuneração e por um período acordado, ocupar esse imóvel como se fosse o proprietário e de excluir qualquer outra pessoa do benefício desse direito (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de outubro de 2001, «Goed Wonen», C-326/99, EU:C:2001:506, n.º 55, e de 6 de dezembro de 2007, Walderdorff, C-451/06, EU:C:2007:761, n.º 17 e jurisprudência referida)».

 Por outro lado, neste aresto esclarece-se que a justificação desta isenção para a locação está no facto de se tratar de uma actividade relativamente passiva, que não gera um valor acrescentado significativo, e que é aplicável independentemente da forma como o locatário utiliza o bem em causa.

É perfeitamente elucidativo o n.º 19 deste aresto em que se refere o seguinte:

 

“19 O Tribunal de Justiça também precisou que a isenção prevista no artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva se explica pelo facto de a locação de bens imóveis, embora sendo uma atividade económica, constituir habitualmente uma atividade relativamente passiva, que não gera um valor acrescentado significativo. Tal atividade deve assim distinguir-se de outras atividades que têm quer a natureza de negócios industriais e comerciais, como as abrangidas pelas exceções referidas nos n.ºs 1 a 4 desta disposição, quer um objeto que se caracteriza melhor pela realização de uma prestação do que pela simples colocação à disposição de um bem, como o direito de utilizar um campo de golfe, o direito de atravessar uma ponte mediante o pagamento de uma portagem ou ainda o direito de instalar máquinas de venda automática de tabaco num estabelecimento comercial (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de outubro de 2001, «Goed Wonen», C-326/99, EU:C:2001:506, n.ºs 52 e 53, e de 18 de novembro de 2004, Temco Europe, C-284/03, EU:C:2004:730, n.º 20).

 

           Não ocorre essa mera colocação passiva do imóvel à disposição do locatário imóvel nas situações em que é disponibilizada ao locatário a exploração de um estabelecimento completamente equipado e preparado para funcionar como tal, o que se reconduz à cessão de exploração de um estabelecimento comercial, como se entendeu na decisão arbitral de 22-09-2021, proferida no processo n.º 212/2021-T.

Mas, no caso em apreço, resulta da prova produzida que não existia qualquer restaurante instalado no local no momento em que a Requerente celebrou o contrato-promessa de arrendamento com a B..., o que se reconduz a que a actuação da Requerente se reduziu a uma actividade relativamente passiva, que não gerou um valor acrescentado significativo, limitando-se ela a auferir uma quantia pela mera cedência de um espaço.

Neste circunstancialismo não se está perante a cessão de exploração de um estabelecimento comercial ou industrial, designadamente de restaurante, pois a Requerente não detinha qualquer estabelecimento instalado no local, designadamente um bem constituído por uma universalidade cuja estrutura organizativa revele a existência de uma actuação que excede a mera disponibilização do espaço.

«A cessão de um estabelecimento comercial representa a celebração de um negócio jurídico que tem com objecto mediato uma universalidade de direito. Vale por dizer, que estamos em presença de um conjunto de bens, móveis ou ( e) imóveis, direitos ou (e) obrigações  de natureza patrimonial ou não.

(...)

Trata-se de uma organização de conjunto, inteirada pelas virtualidades expansivas que comporta, imprimindo coerência de funcionalidade e unidade de fim - o que constitui um valor novo, acrescido e autónomo, em relação ao conjunto dos elementos singulares integrantes». ( [2] )

 

Não é essencial, para se estar perante um estabelecimento comercial, que ele já esteja em funcionamento, mas tem de existir uma estrutura organizativa que esteja potencialmente apta à funcionalidade económica ou ao destino comercial ou industrial, que tenha aptidão para entrar em movimento, como se entendeu, além do acórdão citado, também nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de  03-04-2003, processo 02A3040, e de 08-01-2004, processo n.º 03B3093.

No caso em apreço, a Requerente não cedeu uma universalidade de direito e organização adequada a funcionamento como restaurante, desde logo por nem sequer estar licenciado para tal efeito, nem a Requerente ter cedido a utilização do mínimo indispensável ao funcionamento de um restaurante, como o mobiliário e máquinas, que mesmo que estivessem no espaço arrendado, não eram detidos pela Requerente, mas por uma empresa que tencionou arrendar o espaço.

A actuação da Requerente, assim, reduziu-se a uma intervenção relativamente passiva, limitando-se a ceder a utilização do espaço.

              Os termos do contrato promessa de arrendamento evidenciam isso ao referirem que a promessa se refere à exploração «Área  comum de apoio ao Centro ..., com ocupação de terreno de 529 m2, sendo que nesta área funcionará o serviço, de restauração» e «Áreas comuns, com ocupação de terreno de 783 m2».

              Isto é, a Requerente cedeu a exploração de áreas, uma delas destinada a serviços de restauração, e não a exploração de qualquer estabelecimento comercial de restauração, que não existia ainda.

Mesmo que o arrendamento do espaço objecto do contrato-promessa de 02-12-2022 tivesse sido acompanhado dos equipamentos arrolados no anexo ao «contrato de cessão de exploração» (o que não se provou),  é manifesto que não constituíam o equipamento mínimo necessário para o funcionamento de um restaurante, nem bastavam para vislumbrar a estrutura organizativa necessária para a existência de um estabelecimento comercial.

Assim, a Requerente não era detentora de um estabelecimento comercial quando efectuou o contrato com a B... e, por isso, o que cedeu a esta foi o direito à utilização temporária do espaço, o que consubstancia uma locação de imóvel de que não resultou a «transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial» exigida pela alínea c) do n.º 29) do artigo 9.º do CIVA para afastamento da isenção.

Por isso, a locação referida estava isenta de IVA, pelo que Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão, ao entender que a Requerente não tinha direito a dedução do IVA suportado na construção do empreendimento, na parte respeitante ao imóvel destinado a restaurante, por os bens adquiridos não terem sido utilizados pela Requerente para a realização de operações de «transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas», como exige o artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, a permitir o direito a dedução.

          

           3.2. A questão da relevância das orientações administrativas  

 

           Assente que na situação dos autos era aplicável a isenção, resta saber se a existência de orientações administrativas da Autoridade Tributária e Aduaneira, pode justificar a anulação da liquidação, que se reporta aos valores do IVA que foi deduzido, suportado na construção do empreendimento.

           O artigo 55.º da LGT estabelece que «a administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários».

Esta norma é concretização no âmbito tributário do princípio geral da actividade administrativa enunciado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP de que «os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé».

           O princípio da boa-fé, densificado no artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo, é corolário do princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático,  tem eficácia autónoma invalidante de actos tributários mesmo quando é confrontando com o princípio da legalidade específica prevista para determinada situação, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo:

 

I – O princípio da boa fé, na sua vertente de tutela da confiança, visa salvaguardar os sujeitos jurídicos contra actuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem.

   II – No âmbito da actividade administrativa são pressupostos da tutela de confiança um comportamento gerador de confiança, a existência de uma situação de confiança, a efectivação de um investimento de confiança e a frustração da confiança por parte de quem a gerou.

   III – A violação pela administração tributária dos deveres procedimentais de colaboração e de actuação segundo as regras da boa fé, pode consistir em vício autónomo de violação de lei (acórdão de 21-09-2011, processo n.º 0753/11). ( [3]  )

 

              É, essencialmente, a violação deste princípio que a Requerente invoca, ao referir uma alteração do entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira e defender que os sujeitos passivos não podem ficar sujeitos às alterações de entendimento da Autoridade Tributária, sem

que o mesmo derive da alteração da lei.

A Requerente diz, em suma:

– que, quando procedeu à dedução do IVA suportado imputável à parte do restaurante, o entendimento da AT que era seguido pela generalidade dos sujeitos passivos, era de que uma locação de um imóvel, já equipado para determinada atividade, não era considerada uma locação "de paredes nuas" e como tal não beneficiava da isenção revista na alínea 29) do artigo 9.º do Código;

– que a Autoridade Tributária e Aduaneira  passou a «a considerar que o arrendamento de um prédio mobilado e equipado para o exercício de uma determinada atividade, estará isento de IVA nos termos da referida alínea 29) do artigo 9.º, a não ser que a locação seja acompanhada de serviços prestados»;

– que «antes deste entendimento, a AT considerava que, para beneficiar da referida isenção, o imóvel locado não poderia estar mobilado e equipado para o exercício de uma determinada atividade, já que apenas estaria isenta de IVA uma locação “de paredes nuas”»;

– «este novo entendimento da AT apenas ficou claro com a disponibilização da Informação Vinculativa resultante do despacho de 28-01-2021, da Diretora de Serviços do IVA (por subdelegação), exarado no processo nº 19426, em que foi considerado que, para beneficiar da isenção de IVA, a locação deve traduzir-se na colocação passiva do imóvel à disposição do locatário, estando ligada ao decurso do tempo e não gerando qualquer valor acrescentado significativo, não sendo acompanhada de quaisquer prestações de serviços que retirem à locação o carácter de preponderância na operação em causa»:

– «quando procedeu à dedução do IVA suportado, imputável à parte do restaurante, o entendimento da AT que era seguido pela generalidade dos sujeitos passivos, era de que uma locação de um imóvel, já equipado para determinada atividade, não era considerada uma locação "de paredes nuas" e como tal não beneficiava da isenção prevista na alínea 29) do artigo 9.º do Código».

             

Não se vê, porém, como a invocada alteração de entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, nesta situação concreta,  pode ter afectado a confiança que a Requerente poderia ter depositado na manutenção da anterior orientação administrativa.

Na verdade, a Requerente entende que se está perante uma cessão de exploração de estabelecimento (artigo 42.º do pedido de pronúncia arbitral, entre outros) e, nestas situações, quer antes quer depois da alteração de entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira,  é seguro que não se aplica a isenção, pois tal resulta inequivocamente do teor expresso da alínea c), do n.º 29) do artigo 9.º do CIVA.

O que fundamenta a aplicação da isenção quanto ao contrato em causa é  que não se está perante uma cessão de exploração, por não existir um estabelecimento que fosse objecto de locação, como se referiu.

Por outro lado, não tem relevância, para este efeito, o entendimento imputado à Autoridade Tributária e Aduaneira de que, à face da anterior orientação administrativa,  não seria aplicável a isenção quando o imóvel está «mobilado e equipado para o exercício de uma determinada atividade», pois, no caso em apreço, a Requerente não cedeu o imóvel nessas condições.

Isto é, não estando o imóvel equipado para o exercício da actividade de restauração, quer à face do entendimento antigo da Autoridade Tributária e Aduaneira como do actual, é aplicável a isenção, por não se estar perante uma situação de cessão de exploração de um estabelecimento.

Por isso, a mudança de orientação da Autoridade Tributária e Aduaneira é irrelevante, pois à face de qualquer das orientações era aplicável a isenção e, consequentemente, não havia direito de dedução do IVA suportado na construção empreendimento, na parte correspondente ao espaço destinado a restaurante.

De resto, a emissão da factura sem liquidação de IVA, invocando a isenção, que não foi objecto de qualquer correcção, confirma que, em última análise, a Requerente entendia que era aplicável a isenção, o que está em sintonia com a anterior e actual orientação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Para além disso, a Requerente refere que o novo entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira «apenas ficou claro com a disponibilização da Informação Vinculativa resultante do despacho de 28-01-2021, da Diretora de Serviços do IVA (por subdelegação), exarado no processo nº 19426», mas o certo é que o que está em causa é  a dedução de IVA em 2022, quando já estavas publicitado o novo entendimento.

Por outro lado, se é certo que a Requerente não tem a obrigação de estar a procurar quotidianamente as publicações da Autoridade Tributária e Aduaneira, também o é que, no caso de empresas com dimensão considerável (como é a Requerente com capital social de 1.000.000,oo e pedido de reembolso de IVA de € 310.000,00),  é obrigatória a disponibilidade de contabilista certificado que tem o dever de estar informado dessas publicações que até lhe são normalmente disponibilizadas pelos serviços da respectiva Ordem, como é  do conhecimento geral.

Finalmente, o facto de a Requerente ter emitido a factura relativa ao pagamento da renda invocando isenção, que não corrigiu, indicia que estava ciente de que se estava perante um contrato de arrendamento isento de IVA.

Pelo exposto, na situação concreta em apreço, não houve violação dos princípios da boa-fé e da confiança.

 

 

4. Decisão        

 

              De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 78.384,43, indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Sujeito Passivo.

 

Lisboa, 18-10-2024

 

  Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(relator)

 

 

 

(António Cipriano da Silva)

 

 

 


(Francisco Nicolau Domingos)

 

 



[1] Acórdão do TJUE de 18-11-2004, processo C-284/03.

[2] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-04-2002, processo n.º 02B538.

[3]                Jurisprudência reiteradamente reafirmada nos acórdãos de 06-07-2011, processo n.º 0589/11; de 08-08-2012, processo n.º 0806/12; de 11-09-2013, processo n.º 01334/13; e de 03-02-2016, processo n.º 01037/14.