Sumário
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A falta de apresentação, no prazo legal, da Declaração Modelo 22, determina que a AT, nos termos da alínea b) do n. 1 do artigo 90.º do CIRC, empreenda liquidação oficiosa de IRC e notifique o respetivo destinatário que incumpriu as suas obrigações declarativas.
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A declaração de rendimentos tardiamente apresentada não beneficia da presunção de verdade estabelecida no artigo 75.º da Lei Geral Tributária.
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A entrega tardia da declaração de rendimentos não implica automaticamente a anulação da liquidação oficiosa de IRC na parte correspondente à diferença. Isso ocorre porque os valores declarados não são presumidos verdadeiros apenas pela sua apresentação.
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Não se aplicando a presunção quanto à declaração de substituição de IRC apresentada, vale a regra geral sobre a repartição do ónus da prova que consta do artigo 74.º n.º 1 da LGT, que estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque», em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Paulo Ferreira Alves designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 27 de agosto de 2024, decide o seguinte:
I. Relatório
A... LDA, com o NIPC ..., com sede na Rua..., n.º ..., ... -... ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.
A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato tributário do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), n.º 2024..., de 09/02/2024, do qual resultou imposto a pagar de € 16.584,13 (dezasseis mil quinhentos e oitenta e quatro euros e treze cêntimos), acrescido de juros compensatórios no montante €321,68 (trezentos e vinte e um euros e sessenta e oito cêntimos), referente ao ano de 2021.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Em 16 de junho de 2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificada a AT.
De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o ora árbitro para formar o Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação não manifestaram vontade de a recusar.
O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 27 de agosto de 2024.
Em 28 de agosto de 2024, a Requerida foi notificada para apresentação da sua Resposta no prazo de 30 (trinta) dias, previsto no artigo 17.º do RJAT.
Por despacho de 9 de outubro de 2024, foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, as Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas facultativas no prazo simultâneo de 15 (quinze) dias, bem como foi fixado o prazo para a prolação da decisão.
Por despacho de 18 de outubro de 2024, a Requerida foi notificada para juntar aos autos o processo administrativo (“PA”), dando-lhe cumprimento.
As Partes apresentaram alegações escritas no prazo concedido.
Posição da Requerente
A Requerente formula a sua pretensão arbitral da seguinte forma:
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A AT não notificou o sujeito passivo para o exercício do direito de audição, não lhe transmitindo qualquer projeto de decisão de liquidação oficiosa de IRC do ano de 2021, dando-lhe a conhecer previamente tal acto de liquidação e da fundamentação na sua origem.
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Assim, impediu que o sujeito passivo pudesse participar e contraditar o projeto de decisão administrativa que tivesse em vista a formação da decisão final de liquidação oficiosa de IRC do ano de 2021, o que poderia fazê-lo, através da junção de novos elementos que a AT teria de analisar e sopesar na formação da decisão final de liquidação adicional ou qualquer outra que fosse de ter em função de tais elementos.
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Pelo que, ao não dar a possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita ao sujeito passivo, sem que fundamente sequer tal preterição, no mínimo, tal, constitui vício de forma, por deficiência de fundamentação, suscetível de levar à anulação da decisão do procedimento, pelo que deverá promover-se a anulação da decisão final/liquidação.
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Sem prejuízo, também não houve qualquer fundamentação que permita aferir as razões de facto e de direito que determinaram tal liquidação oficiosa.
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Ora, deste modo, e sem prescindir de tais ilegalidades, que têm consequências legais inerentes, designadamente, geram a nulidade de tal decisão de liquidação adicional nos termos do disposto da al. l) do nº2 do artigo 161 do CPA.
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Sustenta a Requerente, a ilegalidade da liquidação por falta de fundamentação.
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No caso em apreço, constata-se, evidentemente, que a liquidação está, ferida de falta de fundamentação de facto e de direito e que padece de obscuridade.
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E, in casu, a liquidação oficiosa de IRC de 2021, é totalmente omissa quanto à fundamentação de tal tributação.
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Inclusivamente, da análise à referida demonstração de liquidação, é totalmente omissa quanto à origem dos montantes nela inscritos.
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A título de exemplo, o sujeito passivo, não consegue decifrar como alcançou, a AT, os valores nela inscritos, designadamente, e a título de exemplo, o montante inscrito a título de lucro tributável.
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Pelo que, da demonstração da liquidação de IRC do ano de 2021, a AT, em nada fundamenta a sua origem e apuramento dos montantes nela inscritos.
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Em clara violação ao direito/dever de fundamentação dos atos tributários.
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Desta forma, e tendo presente que a fundamentação do ato tributário é escrita e contemporânea ao mesmo, não sendo admissível fundamentação a posteriori, dúvidas, não subsistem que o acto de liquidação se encontra totalmente desprovido de fundamentação
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Alega ainda, que por mera hipótese académica se aceitassem os argumentos aduzidos pela AT para justificar a sua atuação, e os mesmos fossem, considerados bastantes para preencher a fundamentação formal e substancial (que não são), nunca seriam suscetíveis de colmatar tal ilegalidade, porquanto, deveriam ter sido contemporâneos ao ato de liquidação, denotando-se uma clara fundamentação à posteriori, vedada pela lei.
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Pelo que, a AT, agindo de forma ilegal, em desrespeito ao princípio da legalidade estrita, deve a liquidação adicional em objeto seja declarada nula, nos termos da al. d) e l) do nº2 do art. º161 do CPA
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Sobre a ilegalidade da liquidação, sustenta a Requerente que a AT, não pode nem deve olvidar que recai, sobre si, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito sobre quem o invoque (artigo 74º da LGT e 342º do C.C), era sobre o AT que recaía o ónus de demonstrar o direito a liquidar oficiosamente o IRC de 2021, nos termos e moldes em que o fez, no entanto, não cumpriu minimamente tal ónus.
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Ora, a AT, para decidir como decidiu deveria ter procedido a mais diligências no sentido de tentar apurar da existência de factos que autorizem a tributação ou a tributação com uma dimensão diversa da resultante das declarações entregues pelo sujeito passivo, o que não fez, chegando inclusive a retirar conclusões de premissas (desconhecidas da Requerente) que obteve através de meras presunções, sem qualquer suporte legal.
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Ou seja, a AT, foi negligente, deixou de diligenciar todos os comportamentos que estavam ao seu alcance no sentido de apurar a verdade material, designadamente, comprovar que todos os valores constantes da declaração e comprovados documentalmente pelo sujeito passivo estavam, efetivamente, em conformidade legal.
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Pelo que, a AT, com tal avidez de alcançar a tributação do sujeito passivo, não reuniu qualquer prova referente à suposta obrigação contributiva diferente da declarada, até mesmo em sede de outros impostos e/ou outras obrigações declarativas, fazendo todo o procedimento de forma levianamente, e nem tão pouco foram pedidos quaisquer esclarecimentos à Requerente, o que lhe era exigido.
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Neste contexto, e porque, à Requerente, também foi liminarmente sonegado/vedado, pela AT, sem qualquer justificação, a possibilidade de atestar e comprovar que a situação tributária era diferente daquela que consta do entendimento da AT e de acordo com o seu manifesto fiscal, feito de forma regular e atempada.
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Pelo que, a AT, no mínimo, foi negligente, agindo de forma ilegal, em desrespeito ao princípio da legalidade estrita, devendo ser declarados nulos todos os actos de liquidação, nos termos da al. d) e l) do nº2 do art. º161 do CPA
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Deste modo, só se poderá concluir que a presente liquidação foi determinada de forma ilegal, o que terá como consequência legal a sua anulação.
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Nestes termos e nos melhores de direito, requer a V. Exa. que se digne a dar como provada e procedente o presente pedido, porquanto demonstrados os seus vícios e a ausência de requisitos legais das liquidações adicionais, pelo que, e em consequência deverão ser anuladas as liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios do ano de 2021, com todas as legais consequências.
Posição da Requerida
A Requerida apresentou a sua Resposta, sustentando o seguinte:
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No que se refere ao período tributário de 2021, a Requerente não submeteu a declaração de rendimentos, e também continua sem apresentar a declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES/DA).
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Consequentemente, e uma vez verificada a falta, foi aquela notificada para proceder à apresentação da MOD. 22, nos termos supra resumidos, através do aviso n.º ..., de 09-11-2022 enviado para o domicílio fiscal eletrónico da requerente em 12-11-2022 e notificado em 30-11-2022.
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De notar que sendo a Requerente subscritora do Via CTT, por força do disposto no nº 12 do art. 19º da LGT, as notificações são efetuadas obrigatoriamente por via eletrónica, através de envio das mesmas para a sua caixa postal eletrónica Via CTT e para o endereço eletrónico Via CTT de que é titular, comunicado pela Requerente à AT nos termos da referida norma.
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Face à inércia da ora Requerente, e estando os órgãos e agentes administrativos subordinados à Constituição e à Lei (art.º 266º n.º 2 da CRP), a AT está obrigada/legitimada a cumprir o disposto no art.º 90º, n.º 1, al. b) do CIRC.
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Assim, em cumprimento desta norma, foi emitida a liquidação oficiosa aqui controvertida.
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É que, se por um lado está vedado à AT sobrepor-se ao sujeito passivo na elaboração das suas peças contabilísticas e determinação do resultado fiscal, cabendo a este a comprovação e quantificação direta e exata das operações realizadas e apuramento da matéria tributável, por outro, perante a inação do SP quanto ao cumprimento das obrigações declarativas, no caso a declaração de rendimentos Mod.22, a AT está obrigada e legitimada a substituí-lo, em cumprimento estrito do consignado do art.º 90.º do CIRC.
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Ainda que a Requerente tenha apresentado, em momento posterior, a respetiva declaração, esta por si só, não tem a virtualidade de produzir efeitos.
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A declaração do sujeito passivo apresentada fora do prazo legal não goza da presunção de verdade e boa-fé contida n.º 1 do artigo 75.º da LGT
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Acresce salientar que a submissão da declaração Modelo 22 por parte da Requerente não pode ser entendida como a apresentação da Modelo 22 de substituição, por ausência de apresentação do primeiro Modelo 22 original (que teria de ser apresentada nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC), e como tal, não é subsumível ao disposto no n.º 5 do art.º 59.º do CPPT
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Verifica-se assim que a liquidação oficiosa ora controvertida não se encontra inquinada de qualquer ilegalidade, tendo a AT atuado no estrito cumprimento do princípio da legalidade a que está obrigada.
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Contudo, tal não significa que o apuramento do lucro/matéria coletável subjacente à mesma Declaração Modelo 22 do IRC, apresentada fora de prazo esteja incorreta, ou não reflita a real situação contributiva da Requerente.
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Mas, em conformidade com o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, cabe à Requerente demonstrar que o valor da liquidação de IRC contestada não corresponde à realidade.
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Quando está em causa uma liquidação oficiosa emitida pela AT, em resultado da omissão de entrega da Declaração Modelo 22 do IRC (ao abrigo do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC), recai sobre o sujeito passivo o ónus de provar que os rendimentos assumidos pela AT não correspondem à sua real situação tributária.
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Sobre a violação do direito de participação antes da liquidação, sustenta a Requerida, na situação em apreço, que a liquidação oficiosa foi emitida depois da Requerente ter sido devidamente notificada para a apresentação da declaração de rendimentos em falta (Aviso n.º ... de 09-11-2022 enviado para o domicílio fiscal eletrónico da Requerente em 12-11-2022 e notificado em 30-11-2022), não o tendo feito.
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Deste modo, à luz do disposto no art.º 60.º, n.º 2, al. b) da LGT, a audição da Requerente é dispensada.
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Não tem assim razão a Requerente quando pretende devolver à AT o ónus de apurar a sua situação tributária invocando o princípio do inquisitório e da verdade material quando a própria Requerente, na posse dos elementos necessários para o efeito, não diligenciou no sentido que lhe era legalmente exigível também ao abrigo do seu dever de colaboração com a AT.
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Sobre a alegada falta de fundamentação da liquidação, sustenta a Requerida, uma vez analisado o Aviso n.º ... de 09-11-2022, que levou ao conhecimento da Requerente o facto de estar em falta quanto à entrega da declaração de rendimentos Mod.22, e em articulação com a liquidação que lhe foi devidamente notificada, verifica-se que o ato tributário se encontra devidamente fundamentado, de forma clara e suficiente, sem ambiguidades nem obscuridades, nem qualquer contradição.
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Para efeitos de fundamentação, o que releva não é a extensão ou pormenor dessa exposição, mas sim a clareza da mesma e sua aptidão à respetiva compreensão por parte do destinatário, para assim dotá-lo das ferramentas necessárias a uma tomada de posição fundamentada sobre o ato ficando desta forma em condições de contra ele reagir, se o entender.
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E no caso dos autos, atento o teor dos normativos legais que determinam que se proceda à liquidação controvertida e atenta a defesa que a Requerente apresenta contra a mesma, resulta evidente que a Requerente, enquanto destinatária daquela liquidação, compreendeu corretamente as razões de facto e de direito que a sustentam, resultando claro o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela AT para decidir como decidiu, ainda que com ela não concorde.
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Na verdade, a Requerente não descreve ou simplesmente indica algo no teor da liquidação e respetiva fundamentação que considere ser obscuro, incongruente ou insuficiente, ou porque concretamente entende que aquela fundamentação não acautela os seus direitos de defesa.
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Sobre a injustiça grave e notória, a Requerida alega, que a Requerente invoca, mas não demonstra, importa sublinhar que o presente processo é um processo de legalidade e que o Tribunal Arbitral está impedido de decidir de acordo com a equidade.
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Ou seja, de acordo com o disposto no nº 2 do art. 2º do RJAT está vedado ao Tribunal Arbitral decidir de acordo com a equidade, não cabendo ao Tribunal Arbitral aferir se a situação em apreço redundou numa situação materialmente injusta para a Requerente, aplicando a lei segundo a interpretação que entende mais justa ou conveniente.
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Conclui a Requerida, sustentando:
“Concluindo, importa sublinhar que no seu pedido de pronúncia arbitral a Requerente não colocou minimamente em causa os pressupostos de facto e de direito em que assentou a liquidação controvertida, o que podia ter feito.
Atenta a factualidade apurada e o seu enquadramento legal, entende-se não ser razoável exigir à AT diligências inspetivas, ao abrigo do dever do inquisitório e da procura da verdade material, quando a própria Requerente, devidamente notificada e informada, não cuidou de apresentar um pedido de reclamação graciosa ou de revisão oficiosa contra a liquidação ora controvertida, pedido esse devidamente suportado em documentação contabilística idónea a demonstrar um excesso de quantificação daquela liquidação em face do seu rendimento real.
Não obstante a jurisprudência invocada pela Requerente, entende-se não ser razoável exigir à AT que desencadeie ações inspetivas e instrutórias em resultado da simples entrega pela Requerente de uma declaração modelo 22, em momento posterior a uma declaração oficiosa de iniciativa dos serviços, quando essa declaração de iniciativa do contribuinte não é acompanhada de um pedido de reclamação administrativa ou de revisão oficiosa devidamente instruído pela Requerente para o efeito.
A entender de outro modo estaríamos, em boa verdade, a refletir sobre a liquidação oficiosa da iniciativa da AT vícios que são posteriores à sua emissão, ainda que decorrentes de uma eventual violação do princípio do inquisitório, e que, enquanto tal, não se afiguram minimamente suscetíveis de ferir a legalidade de um acto – a liquidação oficiosa prévia - cuja prática lhe é anterior.
Ou seja, se o Tribunal Arbitral entender que não se verificam os vícios de forma e de violação de lei invocados pela Requerente como causa de pedir, deverá, então, manter a liquidação impugnada na ordem jurídica uma vez que a Requerente não cuidou de comprovar qualquer excesso de quantificação na determinação da matéria coletável relativo à liquidação oficiosa controvertida.
A entender de outro modo, ou seja, centrando-se “essencialmente na conclusão de que a AT violou o princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material” o Tribunal Arbitral estaria, então, e em consequência, a “ presumir que o apuramento do lucro/matéria coletável subjacente às declarações Modelo 22 do IRC apresentada(s) pela Requerente fora de prazo estivesse(m) correta(s) ou incorreta(s), ou que refletisse(m) ou não a real situação contributiva da Requerente” (transcrito, com adaptações, do voto de vencido no processo nº 785/2023-T do CAAD).
Todavia, a Requerente não cuidou de trazer aos presentes autos qualquer elemento probatório destinado a comprovar que a liquidação oficiosa controvertida incorre em excesso de quantificação e, “em conformidade com o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, cabia à Requerente demonstrar que o valor da liquidação de IRC contestada se encontra efetivamente incorreto” (transcrito do voto de vencido no proc. nº 785/2023-T do CAAD)”
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Termina a Requerida, peticionado que deve o pedido ser indeferido, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação impugnada.
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Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação do ato tributário do IRC (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque foi apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Fundamentação de Facto
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Factos Provados
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam por provados:
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A Requerente é uma sociedade por quotas, residente em território português, que no período tributário em causa encontrava-se enquadrada no regime geral de tributação. Cf. PA.
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Dedica-se à atividade de contabilidade e auditoria - consultoria fiscal. Cf. PA.
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Conforme consulta ao Sistema Electrónico de Citações e Notificações (SECINNE), com data de 09-11-2022, foi enviado em 12-11-2022, através da plataforma ViaCTT, para o domicílio fiscal eletrónico da Requerente, o Aviso n.º ..., dando-lhe conhecimento de que se encontrava em falta a entrega da declaração Mod. 22 referente ao período tributário de 2021, podendo suprir a falta no prazo de 30 (trinta) dias, contados continuamente após o 15º (vigésimo quinto) dia posterior ao registo da sua disponibilização na caixa postal eletrónica [n.º 9 do art.º 38º e n.º 10 do art.º 39º, ambos, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)]. Cf. PA.
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A Requerida, alertou a Requerente de que caso não procedesse à dita entrega seria emitida pelos serviços uma liquidação oficiosa, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 90.º do Código do IRC, a qual terá por base o maior dos seguintes valores: (i) A matéria coletável determinada, com base nos elementos de que a AT disponha, de acordo com as regras do regime simplificado, com aplicação do coeficiente de 0,75 ou (ii) A totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada. Cf. PA.
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O aviso foi depositado na caixa postal da Requerente em 12-11-2022. Cf. PA.
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A Requerente foi considerada notificada em 30-11-2022 nos termos do n.º 10 do art.º 39.º do CPPT. Cf. PA.
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Com referência ao período tributário de 2021, e uma vez verificada a não entrega da declaração de rendimentos Mod. 22, foi emitida liquidação oficiosa à qual foi atribuído o n.º ...2022..., tendo sido apurada a matéria coletável nos termos do previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, de acordo com as regras do regime simplificado, aplicando o coeficiente de 0,75 ao montante da base tributável das faturas emitidas e declaradas no sistema “E-Fatura” em 2021 menos o total da base tributável das Notas de Crédito emitidas e declaradas igualmente no sistema “E-Fatura para 2021, resultando o apuramento da matéria coletável em 2021 de €78 972,05 (setenta e oito mil novecentos e setenta e dois euros e cinco cêntimos), de acordo com a subalínea 1) da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC. Cf. PA.
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Tal deu origem à liquidação n.º 2024..., emitida em 09-02-2024, aqui controvertida, remetida para o domicílio fiscal eletrónico Via CTT da Requerente em 2024-02-17. CF. PA.
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A Requerente entregou, posteriormente, com data de 14-06-2024, uma declaração Mod. 22, refente ao período tributário em causa, a qual ficou registada como Doc. N.º ...2024..., tendo inscrito um lucro tributável e matéria coletável de €16.584,13 (dezasseis mil quinhentos e oitenta e quatro euros e treze cêntimos), tributações autónomas de €449,47 (quatrocentos e quarenta e nove euros e quarenta e sete cêntimos) e apurado imposto a pagar de € 3.268,77 (três mil duzentos e sessenta e oito euros e setenta e sete cêntimos), tendo ficado na situação “Não liquidável”. CF. PPA.
2. Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão a proferir.
No que se refere aos factos provados, a convicção do Árbitro fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.
Não existem factos alegados com relevância para a apreciação da causa que devam considerar-se não provados.
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Do Mérito
A Requerente, alega em suma que, a liquidação oficiosa, padece de violação do direito de audição e falta de fundamentação, da qual resultou uma errónea qualificação e quantificação dos factos tributários. Alega ainda, que subsiste dúvida sobre a existência do facto tributário por erro nos pressupostos de facto e de direito, bem como as demais ilegalidades cometidas no âmbito do procedimento, a qual se traduz, a final, numa injustiça grave e notória.
A Requerida, contra-alegou, no sentido de que à luz do disposto no art.º 60.º, n.º 2, al. b) da LGT, a audição da Requerente é dispensada. Defende que não há falta de fundamentação da liquidação, ou injustiça grave e notória. Mais defende que quando está em causa uma liquidação oficiosa emitida pela AT, em resultado da omissão de entrega da Declaração Modelo 22 do IRC, ao abrigo do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, recai sobre o sujeito passivo o ónus de provar que os rendimentos assumidos pela AT não correspondem à sua real situação tributária.
A matéria de facto está fixada e provada, razão pela qual vamos agora determinar o direito aplicável aos factos controvertidos, dando prioridade, em cumprimento do disposto na alínea a) do nº 2 do artº 124º do CPPT, aos vícios cuja procedência determine uma mais estável e eficaz tutela dos interesses das partes.
O art.º 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem a seguir no conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
No caso de vícios geradores de anulabilidade, a alínea b) do n.º 2 daquele artigo 124.º estabelece que se deve atender prioritariamente à ordem indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade.
No caso em apreço, a Requerente alega os vícios, de falta fundamentação do ato de liquidação, e violação do direito de audição, e por fim, vício atinente à ilegalidade do ato tributário de IRC.
Atenta à posição das Partes, cumpre, pois, apreciar e decidir as seguintes questões:
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Questões prévias:
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da falta de fundamentação do ato de liquidação;
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da violação do direito de audição prévia.
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A declaração de ilegalidade do ato tributário, por erro na quantificação do rendimento subjacente à liquidação de imposto.
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Da falta de fundamentação do ato de liquidação
Ora, a fundamentação dos atos tributários constitui uma imposição constitucional (cfr. artigo 268.º, n.º 3, da CRP) e legal (cfr. artigos 77.º da LGT e 153.º do CPA). Do artigo 268.º, n.º 3, da CRP resulta que os atos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos “carecem de fundamentação expressa e acessível”.
Sobre a fundamentação dos atos de liquidação, encontra-se expresso no artigo 77.º, n.º 1 e 2, da Lei Geral Tributária, o seguinte:
1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
E dispõe o artigo 153.º, n.ºs 1 e 2, do CPA:
“1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.
2 - Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.”
Há, sobre a mesma questão, abundante jurisprudência que se seguirá de perto, em particular o Acórdão 51/14.8YFLSB do Supremo Tribunal Administrativo que expõe que (i) a fundamentação do ato administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto; (ii) a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação; (iii) um ato tributário encontra-se fundamentado quando o sujeito passivo, colocado na posição de um destinatário normal possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese; (iv) não ocorre o vício de fundamentação deficiente quando o sujeito passivo revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido.
Em igual sentido, vejam-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 10-02-2010, processo n.º 01122/09: “Este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.”
- de 30-01-2013, processo n.º 0105/12: “não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido”.
- de 23-04-2014, processo n.º 01690/13: “O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efetivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.”
- de 27-01-2016, processo n.º 0174/15: “Apesar da não indicação expressa do preceito legal aplicável, a exigível fundamentação de direito do acto tributário será suficiente com a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, desde que, em qualquer caso, se possa concluir que aqueles eram conhecidos ou cognoscíveis por um destinatário normal colocado na posição em concreto do real destinatário.”
- de 29-09-2016, processo n.º 0956/16: “IV - A fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto. Ponto é que a fundamentação responda às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. V - Está suficientemente fundamentado o acto administrativo que, complementado com informação para que remete, permite atingir esse objetivo.”
Da jurisprudência arbitral resulta que a fundamentação de um ato de liquidação é suficiente quando o sujeito passivo mostre compreender os concretos fundamentos usados pela AT, conforme resulta, entre outras, das seguintes Decisões Arbitrais:
- de 12-10-2021, processo n.º 97/2020-T: “A fundamentação vertida pela AT mostra-se suficiente desde que sujeito passivo mostre compreender os concretos fundamentos usados pela AT.”
- de 17-01-2022, processo n.º 521/2021-T: “para a fundamentação ser considerada suficiente basta que sejam percetíveis as razões por que se decidiu no sentido em que se decidiu.”
- de 22-03-2022, processo n.º 730/2021-T: “O dever de fundamentação formal do ato de liquidação, encontra-se preenchido quando se revela a compreensão pelo sujeito passivo do fundamento que permitiu a elaboração da liquidação adicional.”
Como é entendimento jurisprudencial corrente, a fundamentação do ato tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, sendo que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu num certo sentido e não de forma diferente.
Isso mesmo se colhe do entendimento reiterado do STA nesta matéria e de que a decisão de 11.11.1998, no âmbito do processo n.º 31339 é exemplo “(…) o dever de fundamentação exige que um destinatário normal, colocado na posição do recorrente, face ao teor expresso do acto, possa apreender o percurso lógico-jurídico trilhado pela autoridade recorrida para chegar a tal decisão, por forma a poder determinar-se, conscientemente, no sentido da impugnação ou não impugnação.”.
A fundamentação deve consistir, por isso, numa exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão. As razões de facto e os fundamentos de direito da decisão devem ser percetíveis, claras e congruentes para o sujeito passivo.
Resulta assim de primacial exigência que ao sujeito passivo seja dada a possibilidade de alcançar e perceber as razões subjacentes a essa mesma decisão, para que sobre a mesma possa estar apto a, em tese, formular um juízo sobre o seu mérito e não que a decisão não é uma pura demonstração de arbítrio ou de discricionariedade.
Ora, nos presentes autos, resulta que no seguimento da notificação pela AT à Requerente para apresentar a liquidação de IRC do ano de 2021, a Requerente não a apresentou, por conseguinte, a AT, seguiu o tramites previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e emitiu a liquidação nos termos aí previstos.
Assim, resulta que a fundamentação contida nos atos é clara e percetível, foi suficiente para permitir à Requerente aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela AT do ato para proferir a decisão.
Conclui-se, assim, que a AT cumpriu o seu dever de fundamentar a liquidação de IRC em apreço, nos termos dos artigos 268.º, n.º 3, da CRP, 77.º da LGT e 153.º do CPA, com a consequente improcedência do vício invocado pela Requerente de falta de fundamentação.
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Da violação do direito de audição prévia
Perante o exposto a questão que se discute é a de saber se estamos perante a violação do direito de audição da Requerente e consequente violação do princípio de participação previsto no art. 60º da LGT.
Ora, atendendo à legislação aplicável, prevê o artigo 60.º n.º 1 aliena a) “1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:a) Direito de audição antes da liquidação;”
O disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT, densifica a garantia constitucional de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito, em particular as impositivas, concedendo aos contribuintes o direito de serem ouvidos previamente à emissão dos atos tributários de liquidação.
Acresce salientar que a doutrina e a jurisprudência são pacíficas quanto à violação do direito de audição, reconhecendo que consubstancia preterição de formalidade essencial geradora de invalidade do ato.
Caso não seja dada ao contribuinte a possibilidade de exercício desse direito, o ato final é anulável por padecer de vício formal – cf. acórdãos do STA, processos n.ºs 0671/10, de 10 de novembro de 2010, e 0337/07, de 26 de novembro de 2008.
Refira-se que o direito de audição como manifestação do princípio da colaboração não é absoluto, podendo ser dispensado nalgumas situações, conforme prevê o n. º 2 do artigo 60.º da LGT. Estipula a alínea b) do n.º 2 do artigo 60.º da LGT, o seguinte:
“2 - É dispensada a audição: (…)
b) No caso de a liquidação se efetuar oficiosamente, com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.”
Retomando o caso controvertido, conforme factualidade assente, a AT, notificou corretamente a Requerente para apresentar a sua declaração de IRC em falta, contudo, a Requerente optou por não o fazer.
Efetivamente a AT emitiu as liquidações de 2021, nos termos do previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC.
Por conseguinte, do disposto anteriormente, o tribunal entende que a dispensa do direito de audição é admissível nos termos da al. b) do n. º2 do artigo 60.º da LGT, com a consequente improcedência do vício invocado pela Requerente.
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Da ilegalidade do ato tributário, por erro na quantificação do rendimento subjacente à liquidação de imposto
Conforme resulta da factualidade assente, a Requerida procedeu à emissão da liquidação oficiosa nos termos do previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e posteriormente, a Requerente submeteu uma liquidação (de substituição), que a AT tornou não liquidável.
Aqui chegados, a questão em apreciação, consiste em determinar se há erro na quantificação do rendimento subjacente à liquidação de imposto, e se a declaração apresentada pela Requerente anula (ou substitui) a liquidação oficiosa.
Para esse efeito, torna-se necessário analisara a questão em três partes, primeiro, qual o efeito jurídico da declaração apresenta pela Requerente face à declaração oficiosa emitida previamente pela AT, segundo, se a declaração da Requerente está abrangida pela presunção de veracidade que consta do artigo 75.º, n.º 1, da LGT e a quem compete o ónus da prova dos factos tributários, e por ultimo, se o ónus da prova está devidamente cumprido e se há ou não erro na quantificação do rendimento subjacente à liquidação de imposto.
Assim, vejamos qual o efeito jurídico da declaração apresentada face à declaração oficiosa emitida previamente pela AT, para esse efeito, seguimos de perto, em especial, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03-02-2021, no processo n.º 0416/09.7BECBR, que se pronunciou sobre uma situação muito semelhante ao presente caso, e do sumario consta o seguinte:
“I - Contrariamente ao que sucede nos casos em que a declaração de rendimentos é apresentada nos termos previstos na lei - aí se incluindo o prazo legal para a sua apresentação, pois que os termos previstos na lei o incluem também -, a declaração de rendimentos tardiamente apresentada não beneficia da presunção de verdade estabelecida no artigo 75.º da Lei Geral Tributária, sendo livremente valorada.
II - A entrega tardia da declaração de rendimentos não tem necessariamente por efeito a anulação da liquidação oficiosa da liquidação de IRC na medida da diferença para menos, como julgado, pois que os valores aí declarados, por si só, não se presumem verdadeiros.”
Mais diz o referido Acórdão:
“Assim, efetuada oficiosamente uma liquidação, esta só poderá ser anulada, nomeadamente por inexistência de facto tributário ou excesso de liquidação se o contribuinte reclamar ou impugnar tal liquidação e demonstrando que “in casu” não existiu facto tributário ou se verificou excesso de liquidação.
Tal significa que a simples apresentação tardia de uma declaração de rendimentos da qual vem a resultar inexistência de imposto ou imposto diverso do anteriormente liquidado não anula automaticamente a anterior liquidação, por tal não resultar do artigo 95º acima citado, pois que, a ser assim, bastaria um contribuinte não apresentar a sua declaração de rendimentos em tempo e depois apresentava uma declaração de rendimentos em que não declarasse rendimentos e a liquidação oficiosa ficaria pura e simplesmente anulada.
Ora, não é esse o sentido da lei. A liquidação só poderá ser anulada oficiosamente, nos casos previstos na lei, pela Administração Tributária na sequência de decisão proferida em reclamação graciosa ou por determinação de Tribunal Tributário.
(…)
Assim, efetuada oficiosamente uma liquidação, esta só poderá ser anulada, nomeadamente por inexistência de facto tributário ou excesso de liquidação se o contribuinte reclamar ou impugnar tal liquidação e demonstrando que “in casu” não existiu facto tributário ou se verificou excesso de liquidação.
Tal significa que a simples apresentação tardia de uma declaração de rendimentos da qual vem a resultar inexistência de imposto ou imposto diverso do anteriormente liquidado não anula automaticamente a anterior liquidação, por tal não resultar do artigo 95º acima citado, pois que, a ser assim, bastaria um contribuinte não apresentar a sua declaração de rendimentos em tempo e depois apresentava uma declaração de rendimentos em que não declarasse rendimentos e a liquidação oficiosa ficaria pura e simplesmente anulada.
Ora, não é esse o sentido da lei. A liquidação só poderá ser anulada oficiosamente, nos casos previstos na lei, pela Administração Tributária na sequência de decisão proferida em reclamação graciosa ou por determinação de Tribunal Tributário.”
Conforme resulta da jurisprudência enunciada, e aplicando-a in casu, a declaração de substituição apresentada pela Requerente em 14-06-2024, não substitui ou anulou (automaticamente) a liquidação oficiosa, competindo à Requerente, por via administrativa, ou impugnação judicial, impugná-la. E nessa instância competia à Requerente o ónus da prova dos rendimentos por si declarados na declaração de substituição.
Revertendo ao presente caso, não tendo sido aceite pela AT a declaração de rendimentos, a AT poderia fazer valer o n.º 5 do artigo 59.º do CPPT, e convolar a declaração não aceite (não liquidável) em reclamação graciosa, como o impõem o normativo, e solicitar ao sujeito passivo a documentação necessária para suportar as suas declarações de rendimentos. Ou não tendo a AT convolado a declaração, então a Requerente sempre podia recorrer à via administrativa ou judicial para o fazer.
Em jeito de conclusão, a declaração entregue pela ora Requerente, não substitui automaticamente a declaração oficiosa anterior.
Encontrando-se resolvida a primeira questão, passemos assim à análise da segunda questão, se a declaração apresentada pela Requerente, beneficia da presunção de veracidade que consta do artigo 75.º, n.º 1, da LGT e a quem compete o ónus da prova.
O artigo 75.º, n.º 1, da LGT estabelece que «presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos».
Como decorre do teor expresso desta norma, a presunção de veracidade, não tem aplicabilidade quando a Requerente não apresente a declaração inicial de IRC, nos termos e nos prazos legais.
Efetivamente, a declaração de rendimentos tardiamente apresentada não beneficia da presunção de veracidade estabelecida no artigo 75.º da Lei Geral Tributária, ficando assim respondida a segunda questão enumerada.
Passemos assim, para a última questão supra mencionada, concretamente a quem compete o ónus da prova dos factos.
Vejamos, a entrega tardia da declaração de rendimentos não implica automaticamente a anulação da liquidação oficiosa de IRC na parte correspondente à diferença. Isso ocorre porque os valores declarados não são presumidos verdadeiros apenas pela sua apresentação.
Consequentemente, não se aplicando a presunção quanto à declaração de substituição de IRC apresentada, vale a regra geral sobre a repartição do ónus da prova como consta do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, que estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque», em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.
Não há dúvida, que impende sobre a Requerente, a comprovação dos elementos e rendimentos por si declarados na declaração que submeteu em 14 de junho de 2024.
Acresce que sobre a questão do ónus da prova, existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca (vide Processo Arbitral nº 236/1014-T de 4 de maio de 2015).
Nesse mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11: “Nos casos em que a correção da matéria tributável declarada decorra do facto de a AT ter considerado que determinadas despesas não podem integrar o valor de aquisição a considerar no apuramento das mais-valias porque respeitam a ativos que não foram transmitidos (motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correções aritméticas”, expurgou tais despesas do valor de aquisição), à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação no sentido da correção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a concluir que aquelas despesas não se referem aos ativos transmitidos), só depois competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no apuramento das mais-valias.”
Impende sobre a Requerente, o ónus da prova sobre a verificação dos pressupostos legais (vinculativos) legitimadores da sua atuação, ou seja, compete-lhe a prova do facto por si invocado, especificamente, os factos constantes na declaração de rendimentos apresentada.
Aliàs, conforme o referido acórdão (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03-02-2021, no processo n.º 0416/09.7BECBR), compete ao sujeito passivo, ora Requerente, o ónus da prova, vejamos:
“Nessa medida, é inequívoco que, ao contrário do que pretende a Recorrente, recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova do excesso da quantificação dessa matéria tributável, ónus esse que não é satisfeito com a mera apresentação de uma declaração de rendimentos, porquanto, como já ficou dito, tal declaração, “in casu”, não beneficia da presunção de veracidade consagrada no nº 1 do artigo 75º, da LGT, por não ter sido apresentada no prazo previsto no artigo 112º do CIRC.
Não se olvide ainda que, na situação em apreço, em bom rigor, nem sequer se pode falar em “declaração de substituição”, pois não estamos perante nenhum dos casos previstos no então artigo 114º do CIRC (atual 122º).”
Aplicando o exposto ao presente caso, e como já ficou assente, a declaração da Requerente não beneficia da presunção de verdade estabelecida no artigo 75.º da Lei Geral Tributária, naturalmente, sendo o sujeito passivo quem invoca o interesse, impende-lhe o ónus da prova do excesso da quantificação dessa matéria tributável, por outras palavras, a Requerente tem de demonstrar os factos constantes na sua declaração de rendimentos, de forma a poder anular a liquidação oficiosa previamente emitida e em vigor.
Assim, a declaração da Requerente só pode ser considerada se forem acompanhadas de documentação e outros meios de prova que permitam avaliar a veracidade e a conformidade dos dados apresentados com a realidade.
No presente caso, a Recorrente não efetuou esse esforço probatório, inclusive não juntou qualquer documento de suporte para a sua pretensão.
Face ao exposto, e em resposta à última questão, inicialmente enunciada - se o ónus da prova está devidamente cumprido – impende sobre a Requerida, o ónus da prova sobre a verificação dos pressupostos legais (vinculativos) legitimadores da sua atuação. Assim, conclui-se que a Requerente não cumpriu com o ónus da prova que lhe compete, não logrando demonstrar os rendimentos e factos por si declarados na declaração de IRC entregue em 14-06-2024, consequentemente não lhe permite anular a liquidação oficiosa.
Face ao exposto e às invocadas normas legais, decide-se pela improcedência do pedido da Requerente.
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Decisão
De harmonia com o supra exposto, o Tribunal Arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronuncia arbitral e, em consequência:
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Absolver a AT do pedido;
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Condenar a Requerente no pagamento integral das custas do processo.
VI. Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de 16.905.81€ (dezasseis mil novecentos e cinco euros e oitenta e um cêntimos), indicado pela Requerente, respeitante ao montante das liquidações cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
VII. Custas
Custas no montante de 1.224,00€ (mil duzentos e vinte e quatro euros), a suportar integralmente pela Requerente, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.
Notifiquem-se as Partes.
Lisboa, 06 de novembro de 2024
O árbitro,
Paulo Ferreira Alves