SUMÁRIO:
A - A norma transitória do artigo 21.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, é inconstitucional, no segmento em que se refere ao cálculo, liquidação e pagamento do imposto do ano de 2021, tendo por base o apuramento efetuado no segundo semestre de 2020, por violação da proibição da retroatividade dos impostos, consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.
B - As normas constantes dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contidas no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, aplicáveis ao cálculo do imposto do ano de 2021, são inconstitucionais por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária, a que se referem os artigos 13.º, n.º 1 e 104.º n.º 2, respetivamente, da Constituição da República Portuguesa.
DECISÃO ARBITRAL
I - RELATÓRIO
1. A A..., S.A., com o NIPC ..., com sede na Rua ... n.º ..., ...-... Lisboa, doravante designada por Requerente, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que instituiu o Regime jurídico da arbitragem em matéria tributária (RJAT), solicitando, a final, a anulação do ato de autoliquidação do Adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB) do ano de 2021, e a restituição do montante pago indevidamente, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.
Em apoio do pedido, juntou a documentação pertinente e uma cópia de um parecer elaborado pelo Professor Doutor Casalta Nabais, a pedido da Associação Nacional de Bancos.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT, em 19.06.2024.
Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação dada pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em conformidade com o disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 06.08.2024.
Decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral, em coletivo, ficou constituído em 27.08.2024.
Nessa mesma data, por despacho arbitral, a Requerida foi notificada para efeitos de contestar, tendo apresentado Resposta e juntado o processo administrativo em 24.09.2024.
Por despacho de 27.09.2024, foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e facultar a possibilidade de as partes, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo de 20 dias, tendo as mesmas usado da referida faculdade.
Nessas alegações, a Requerente reiterou, no essencial, a fundamentação constante do Pedido de Pronúncia Arbitral e a Requerida chamou a atenção para o facto de em sede de Tribunal Constitucional, dos 13 conselheiros, apenas cinco se pronunciaram sobre a constitucionalidade do imposto, tendo três votado a favor da inconstitucionalidade e dois contra.
3. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março), e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
II – POSIÇÃO DAS PARTES
4. Em linha gerais, a posição das Partes foi exposta nos seguintes termos:
4.1 A Requerente sustenta em abono da sua pretensão a tese de que o ASSB é um imposto e não qualquer outra categoria tributária. Assim:
a) Não obstante o ASSB ser intitulado um «adicional», entende que não subsistem dúvidas que é um verdadeiro imposto, citando a decisão arbitral proferida no processo n.º 504/2021-T, de 16.05.2022, pois «é uma prestação pecuniária, unilateral, definitiva e coativa exigida a quem seja detentor da capacidade contributiva definida na lei, a favor de entidades que exerçam funções ou tarefas públicas para a realização dessas funções, não tendo caráter sancionatório, nem correspondendo a qualquer contraprestação a favor do contribuinte».
b) Também no processo arbitral n.º 328/2023-T, de 16.10.2023, o tribunal concluiu que «o ASSB é um imposto especial sobre o setor bancário».
c) Não se coaduna com as características de um verdadeiro adicional por ser totalmente autónomo de qualquer tributo vigente no sistema fiscal português esclarecendo o jurisconsulto Casalta Nabais que apenas estaremos perante verdadeiros adicionais quando estes incidem sobre a coleta dos impostos principais, exprimindo em parecer junto aos autos, «estamos perante um inequívoco tributo unilateral ou imposto totalmente autónomo da CSB».
d) Não se sabe e a lei não esclarece a que tributo se encontra adicionado e, conforme se assinala no processo arbitral n.º 598/2022-T, «E assim, ao contrário do que sucede com a Contribuição sobre o Sector Bancário que foi consensualmente caracterizada como uma contribuição financeira (cfr. Por último o acórdão do STA de 25 de janeiro de 2023 processo 1622/20 e a jurisprudência nele citada), não pode ser atribuída essa mesma natureza ao ASSB, na medida em que não existe conexão entre os objetivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário, como também não há uma relação especifica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e o ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer beneficio para o grupo por efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado. E nesses termos não se verificam os requisitos típicos de homogeneidade, responsabilidade e utilidade de grupo que possam justificar a caraterização do ASSB como contribuição financeira».
e) Tanto a doutrina como a jurisprudência citada convergem no sentido de concluir que o ASSB não pode, em qualquer circunstância, assumir a natureza de um adicional, dado que a respetiva estrutura de incidência é apenas uma verdadeira repetição do previsto no regime do CSB, incidindo, todavia, as respetivas taxas sobre uma matéria coletável que é autónoma e em momento algum a respetiva coleta se relaciona ou depende da que se encontra prevista no regime deste último.
f) Discorre sobre as características das diversas categorias de tributos, impostos, taxas, contribuições especiais e contribuições financeiras, para concluir pela natureza jurídica de imposto, citando o acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.º 149/2024, de 27.02.2024, de que «o ASSB só pode qualificar-se como imposto…», e a doutrina resultante de considerações expendidas pelos Professores Doutores Saldanha Sanches, Casalta Nabais e Sérgio Vasques.
g) No seu entender, o ASSB visa tributar entidades que integram o setor bancário, pura e simplesmente por essa circunstância, alheando-se total e necessariamente de qualquer outra circunstância que podia e deveria ser jurídico tributariamente relevante.
h) Considera que o regime está afetado de graves desconformidades constitucionais, as quais determinam a anulação da liquidação do ato tributário.
Assim, está em causa a:
– Violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva;
– Violação do princípio da capacidade contributiva;
– Violação do princípio da proporcionalidade;
– Violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal;
– Violação do princípio da não consignação.
Em detalhe:
i) - A violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva ocorre por o legislador imputar apenas ao setor bancário o ónus de «reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social», tendo exclusivamente por base a despesa fiscal associada à «isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras».
Ora a isenção do IVA não poderia ter sido tida como fundamento para a criação do tributo nos moldes em que o foi, e não existe qualquer relação entre a despesa fiscal associada às isenções de IVA aplicáveis a serviços e operações financeiras e a parcela da receita do ASSB que se encontra afeta ao FEFSS, o designado IVA social, disso tendo dado conta o Relatório de Apreciação à proposta do Orçamento Suplementar feito pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) de «que não se entende a necessidade de justificar publicamente a criação do imposto como sendo uma compensação por o setor das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras estar isentas de IVA nas transmissões efetuadas».
O ASSB não permite colmatar uma isenção de IVA própria do setor bancário, pois existem isenções em vários outros setores de atividade como é o caso dos seguros, da saúde, ensino.
As operações isentas no setor bancário não conferem o direito à dedução pago a montante pelos prestadores de serviços, o que gera o designado IVA oculto que é suportado por estes últimos, e que corresponde ao valor do imposto que não conseguem recuperar. Por isso, as isenções de IVA não constituem vantagens fiscais, antes pelo contrário encargos fiscais para os seus destinatários, redundando numa violação do princípio da igualdade fiscal.
j) O ASSB viola o princípio da capacidade contributiva pois embora se configure como um imposto não apresenta qualquer parametrização ou vinculação a critérios reveladores de capacidade contributiva, como decorre da conclusão do Acórdão n.º 217/2015, do TC, de que deve impedir que um determinado imposto «atinja uma riqueza ou rendimento que não exista, vedando a exação de uma capacidade de gastar que verdadeiramente não se verifica». Não existe uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, afirmando Casalta Nabais «não se sabe que manifestação de capacidade contributiva das entidades bancárias se visa atingir com o ASSB».
O disposto no artigo 3.º, do Anexo VI a que se refere o artigo 18.º do ASSB, na interpretação segundo o qual o passivo apurado e aprovado e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado correspondem a uma forma de tributação de rendimento, consumo ou património, padece de um vício de inconstitucionalidade material face ao princípio da capacidade contributiva decorrente do disposto no artigo 104.º, n.º 2 a 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
l) A violação do princípio da proporcionalidade existe em razão de um fenómeno de dupla tributação setorial, por via da sujeição e não isenção simultânea a CSB e ASSB, em relação ao passivo apurado e aprovado e ainda ao valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado, dando origem a uma verdadeira dupla tributação, como resulta igualmente evidente que adquire contornos excessivamente onerados e de dimensão desproporcional.
O ASSB padece de um vício de inconstitucionalidade material na interpretação segundo a qual o passivo apurado e aprovado e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado estão simultaneamente sujeitos e não isentos a CSB, por violação do princípio da proporcionalidade, na sua vertente enquanto proibição do excesso, tal como previsto no artigo 18.º, n.º 2 da CRP.
m) A violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal ocorre, tendo em conta o disposto no n.º 3, do artigo 103.º da CRP e a norma transitória constante do artigo 21.º da Lei n.º 27-A/2020, no que respeita á tributação do ASSB do ano de 2021. Com efeito, tem a sua incidência parcialmente reportada a factos que ocorreram antes da entrada em vigor do respetivo regime. Por isso, na parte em que prevê a liquidação do ASSB, com base nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, padece de inconstitucionalidade material.
n) Finalmente, ocorre a violação do princípio da não consignação, o qual vem consagrado na Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), lei de valor reforçado, que prevê no artigo 17.º, n.º 2, que as receitas são especificadas por classificador económico e fonte de financiamento e no artigo 16.º, n.º 3, que as receitas que sejam por razão especial afetas a determinadas despesas, por expressa estatuição legal ou contratual, devem ter caráter excecional e temporário, o que objetivamente não se verifica.
o) Termina com o pedido de devolução do ASSB pago e dos devidos juros indemnizatórios.
4.2 Por seu turno, a Requerida veio defender-se por impugnação e dizer o seguinte:
a) A criação do ASSB está indissociavelmente relacionada com o conteúdo histórico da pandemia e foi uma das medidas fiscais que visaram mitigar os impactos económicos e sociais decorrentes da resposta á crise sanitária.
b) Conceptualmente, o ASSB apresenta-se como um tributo que assume a natureza de imposto indireto na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras, e não concorda que a sujeição das instituições de crédito ao ASSB, enquanto forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços financeiros, implique uma diferenciação arbitrária do setor financeiro em relação aos demais setores, rebatendo a violação do princípio da igualdade.
c) Sobre o princípio da igualdade, cita o Acórdão n.º 526/2016, de 04.10.2016, do TC, de que todos os poderes públicos, incluindo o legislador, «estão obrigados a tratar de modo igual situações de facto essencialmente iguais e de modo desigual situações intrinsecamente desiguais, na exata medida dessa desigualdade», transcrevendo o desenvolvimento nesta matéria efetuado pelo TC no acórdão n.º 569/2008, de 26.11.2008, sobre as duas dimensões do princípio da igualdade a que se refere o artigo 13.º, n.º 1 da CRP, concretamente a proibição do livre arbítrio legislativo e a proibição da discriminação, ambas vistas na perspetiva negativa do princípio da igualdade.
d) Especificamente em relação à proibição do arbítrio, cita Gomes Canotilho/Vital Moreira, de que a «vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa» e de «Só quando os limites externos da discricionariedade legislativa são violados, isto é, quando a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma «infração» do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio» e, em matéria jurisprudencial, transcreve passagens do acórdão n.º 545/2019, de 16.10.2019, do TC, sobre a forma como a dimensão do referido princípio, atua como um princípio negativo do controlo da atividade do legislador.
e) Considera inequívoco que a opção do legislador assentou num critério distintivo, objetivo, razoável e materialmente justificado e não configura qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do sector financeiro em geral e em particular das instituições de crédito.
f) No âmbito da sua liberdade conformadora, ou discricionariedade legislativa, o legislador quis reduzir a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela mais penosa que onera os demais setores de atividade sujeitos e não isentos de IVA.
g) Considerando que o IVA constitui, per se, uma das fontes de financiamento da Segurança Social através da consignação de uma parcela da sua receita para essa finalidade, a criação do ASSB como forma de contrabalançar a isenção de IVA associada aos serviços e operações financeiras, com a consequente consignação da sua receita ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, apresenta-se como uma opção natural e, certamente coerente do legislador.
h) É razoável, e materialmente justificado, que um sector reconhecidamente sub tributado em matéria de fiscalidade indireta, como é o caso do setor financeiro e, em concreto, das instituições de crédito, seja também ele chamado a contribuir para o sistema de segurança social.
i) A razão de ser da isenção do IVA aplicada genericamente aos serviços e operações financeiras não decorre, como na generalidade das isenções de IVA, da prossecução de objetivos específicos de política económica social ou ambiental, mas tão somente da dificuldade técnica em determinar o valor tributável na maioria desses serviços e operações, não sendo esta isenção inócua, pois evita um aumento do custo do crédito ao consumo.
j) O entendimento de que o setor financeiro é prejudicado com as isenções simples ou incompletas de IVA assenta numa lógica falaciosa, uma vez que a isenção de IVA desonera objetivamente de tributação o valor acrescentado a final no setor bancário, em detrimento de outros setores cujas atividades estão sujeitas e não isentas de tributação indireta em sede de IVA que contribuem para o FEFSS através do denominado «Iva social».
l) Só uma parte diminuta da atividade financeira das instituições de crédito está sujeita a tributação indireta, mais concretamente em imposto de selo, cujo funcionamento é semelhante ao do IVA, porquanto o imposto é liquidado e entregue ao Estado pelo sujeito passivo e repercutido no adquirente, todavia, a receita em imposto de selo é consideravelmente mais baixa do que aquela que seria arrecadada com a tributação em sede de IVA, do valor acrescentado pela atividade bancária e não está, nem parcialmente, consignada à Segurança Social, diversamente do que sucede com o IVA e o ASSB.
m) Atenta a relevância económica do setor financeiro na produção de riqueza em Portugal, a não incidência de tributação indireta sobre uma parte relevante das suas operações suscita não só questões de perda de receita fiscal e de distorção e desigualdades entre operadores, como também de desigualdade na distribuição do esforço tributário.
n) Uma comunicação da Comissão Europeia sobre a tributação do setor financeiro, de 07.10.2020, assinala as vantagens de uma adaptação do sistema fiscal que contribua de forma justa e substancial para os orçamentos públicos.
o) A justificação do legislador para sujeitar as instituições de crédito tem como fundamento material a ideia de justiça fiscal, mais concretamente de reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo-se assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo sector financeiro e aquela mais penosa que onera os demais setores de atividade, atenta a isenção de IVA de que os serviços e operações financeiras beneficiam e que é apenas parcialmente colmatada pelo imposto de selo.
p) O ASSB apenas violaria o princípio da igualdade se os setores não financeiros não estivessem sujeitos a uma tributação indireta equivalente ou pelo menos comparável.
q) Não viola o princípio constitucional da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio nem qualquer outro princípio constitucional, designadamente o princípio da capacidade contributiva enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária, citando em seu abono a posição de Casalta Nabais sobre os pressupostos e os critérios de tributação e a jurisprudência do TC dimanada do processo n.º 84/2003, de 12.02.2003, pois para um sistema fiscal equitativo é crucial que todos sejam chamados a contribuir e que todas as manifestações de riqueza lhe fiquem sujeitas.
r) Citando o entendimento de Vital Moreira/Gomes Canotilho «a lei pode criar paralelamente ao IVA (ou cumulativamente com ele) outros impostos sobre o consumo, incidentes sobre o consumo de certos bens ou serviços» e o ASSB assume-se como um imposto que visa colmatar a ausência de IVA.
s) A incidência objetiva abarca operações registadas no passivo e instrumentos financeiros derivados fora do balanço coincidentes com a CSB, induzindo significativos ganhos de eficiência, sendo o critério mais razoável.
t) A experiência internacional mostra que os impostos sobre as atividades financeiras utilizam vários indicadores objetivos que permitem estabelecer uma correlação com o valor acrescentado, entre outros, os salários pagos pelas entidades financeiras e o seu lucro calculado em termos de fluxo de caixa, devendo a escolha do legislador recair sobre realidades economicamente relevantes que tradicionalmente se reconduzam ao rendimento, ao património e ao consumo.
u) O passivo das instituições de crédito mostra-se particularmente revelador da dimensão da sua presença no mercado, inclusivamente em termos que permitem corelacioná-lo com o valor acrescentado que gera e com o montante de operações realizadas no retalho, enquanto o volume de negócios não é um conceito útil no caso das instituições de crédito, ao contrário o passivo e o valor nocional dos derivados assomam como critérios mais acertados - os derivados , em termos de volume de operações são uma fatia muito relevante que, não sendo tributados em IVA, sobre eles não incide qualquer tributação indireta.
Segundo o acórdão n.º 348/97, de 29.04.1997, do TC, «A tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para o objeto do imposto …».
v) O legislador agiu dentro do escopo de liberdade de conformação fiscal, conforme acórdão n.º 100/2022, de 03.02.2022, do TC, sendo que o princípio da capacidade contributiva tem necessariamente de ser analisado em conjugação com outros princípios. O ASSB, enquanto imposto que visa compensar a isenção do IVA nas operações financeiras, permite atingir adequadamente as formas de expressão da capacidade contributiva que se propõe.
x) Neste sentido, considera que o Pedido de Pronúncia Arbitral deve ser julgado improcedente, porque o artigo 2.º do anexo VI a que se refere o artigo 18.º, da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, não é inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária, na sua dimensão de exigência da generalidade dos impostos, e por violação do princípio da proporcionalidade legislativa, nem por qualquer outro princípio constitucional.
z) Relativamente ao pedido de juros indemnizatórios deve ser indeferido, porque não existe erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, e cautelarmente, dado que a aplicação do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da Lei Geral Tributária (LGT) é ilegal e inconstitucional por violar os artigos 281.º, 282.º e 18.º da CRP.
III – FUNDAMENTAÇÃO
A - Matéria de facto
5. O Tribunal Arbitral estabelece a seguinte matéria de facto:
a) A Requerente é uma instituição financeira com sede em Portugal que assume a forma de Caixa Económica Bancária, operando no território nacional sob a designação comercial de Banco B... .;
b) Enquanto instituição financeira, a Requerente está abrangida pelo disposto no artigo 18.º e pelo anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que procedeu à segunda alteração da Lei n.º 2020, de 31 de março, que aprovou o Orçamento de Estado para 2020;
c) A Requerente apresentou em 15.12.2021, a Declaração Modelo 57, relativa ao ASSB do ano de 2021, e a coberto do documento n.º ... procedeu à autoliquidação de 1 467 134,81 €, (um milhão quatrocentos e sessenta e sete mil e cento e trinta e quatro euros e oitenta e um cêntimos), tendo procedido ao respetivo pagamento na mesma data; (documento junto com o pedido de pronuncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
d) Em 15.02.2023, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa contra o referido ato tributário na Unidade dos Grandes Contribuintes da AT, tendo o mesmo dado origem ao processo n.º ...2023...;
e) Sobre a referida reclamação, pronunciou-se o referido serviço, tendo o Chefe de Divisão de Justiça Tributária, ..., por delegação e subdelegação de competências (Despacho n.º .../2023, inserto no Diário da República n.º .../2023, de 25.10.2023), em 13.03.2024, indeferido a pretensão da Requerente (documento junto com o pedido de pronuncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
f) A sustentar o indeferimento, a Informação 66-AIR3/2024 analisou a reclamação nos seguintes termos:
«12. Como referido, é pretensão da Reclamante ver anulado o ato tributário identificado, com a natural e respetiva restituição do locupletado, com fundamento na suposta inconstitucionalidade material do tributo designado por «Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário» (ASSB), através das suas diversas normas, introduzido no ordenamento jurídico tributário pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, diploma que promove várias alterações ao Orçamento de Estado para 2020.
13. Faz-se notar que nenhum fundamento ou argumento avançado pela Reclamante respeita à ilegalidade por erro quanto aos pressupostos da aplicação das normas a que se refere o regime do ASSB, nem da interpretação ilegal destes serviços ou na sua aplicação, ainda que com fundamento em inconstitucionalidade.
14. Dito isto, e a respeito da conformidade constitucional do ASSB ou das normas que integram o seu regime, ou de qualquer outra figura tributária diga-se, tem sido a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não se pronunciar sobre o mérito e de facto nenhuma outra posição poderá ser tomada.
15. Com efeito, a AT, como órgão da administração pública sob direção do Governo, não tem competência no foro da apreciação da conformidade constitucional de normas jurídicas, ou sequer da atividade legiferante, pelo que qualquer pronúncia decisória encontrar-se-ia ela mesmo ferida de ilegalidade institucional.
16. Resulta pois do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 26 de Dezembro, diploma que aprova a orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, no seu artigo 2,º n.º 1 que «(a) AT tem por missão administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos, bem como exercer o controlo da fronteira externa da União Europeia e do território nacional para fins fiscais, económicos e de proteção da sociedade, de acordo com as políticas definidas pelo Governo e o Direito da União Europeia. [sic].
17. O n.º 2 do mesmo preceito, elenca as diversas atribuições ou tarefas que se configuram como administrativas incumbidas à AT, que no fundo aprofundam apenas o conceito de administração dos impostos, referido no número anterior, e, naturalmente, nenhuma faz qualquer referência ao controlo legal ou constitucional de normas tributárias.
18. Isto, porque o controlo legal ou constitucional de normas tributárias não se insere no escopo da função administrativa.
19. Essa função é sim, assegurada pelo Tribunal Constitucional conforme o disposto no artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que veda essa matéria em exclusivo a este órgão, e claro, à própria Assembleia da República e ao Governo no exercício da sua função legislativa.
20. Acrescente-se também que a Administração Pública, da qual a AT faz parte, não goza das mesmas prerrogativas dos tribunais, isto é, de desaplicar uma norma jurídica em caso concreto com fundamento na sua inconstitucionalidade e que no fundo será sempre uma suposição até pronúncia por parte do Tribunal Constitucional, conforme o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP.
21. É de facto uma questão relativamente pacífica que na arquitetura jurídico administrativa nacional que os órgãos administrativos, pelo dever de obediência (ao Governo) que lhes é imposto pela lei fundamental, não podem rejeitar a aplicação da lei com esse fundamento.
22. A este respeito, veja-se as considerações de Vieira de Andrade, da sua obra «Direito Constitucional», Almedina, 1977, página 270 … «(…)»,
23. E no mesmo sentido vem João Caupers, na sua obra «Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição», 1985, página 157… « (…)».
24. Ora não se encontrando prevista nas leis orgânicas da AT ou até do Ministério das Finanças a competência para o controlo legal ou constitucional de normas tributárias, nenhuma decisão nossa sobre o mérito do presente pedido poderá ser proferida sob pena de nulidade.
25. Deste modo, não obstante, possuirmos uma posição nesta matéria, qualquer pronúncia nossa, favorável ou não aos interesses da Reclamante, pecará sempre por inutilidade da mesma, razão pela qual nos abstemos de quaisquer demais considerações para além das já enunciadas.
26. Nestes termos, deverá ser assim rejeitada a pretensão formulada.».
g) Em 17.06.2024, a Requerente apresentou no CAAD um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral.
B - Factos não provados
6. Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham dado como provados.
C. Fundamentação da matéria de facto dada como provada
O Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre todas as questões emergentes da matéria de facto alegadas pelas Partes, devendo selecionar os factos que relevem para a decisão e discriminar a matéria que julgue provada e declarar a que considera não provada, conforme resulta dos artigos 124.º, n.º 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente em sede arbitral (Documentos 1, 2 e 3) e no processo administrativo junto pela Requerida.
Não existe controvérsia sobre a matéria de facto.
IV – MATÉRIA DE DIREITO
A – Questões a decidir e ordem de conhecimento dos vícios
7. Em função da matéria de facto e do direito aplicável e da configuração do pedido e da causa de pedir, constata-se que a Requerente fundamenta o seu pedido em violação de leis de valor reforçado e em violações de normas constitucionais.
Como decorre do artigo 124.º do CPPT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, julgado procedente um vício que assegure a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao ato impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
De harmonia com o disposto no referido artigo 124.º, n.º 2, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que segundo o prudente critério do julgador, confira maior estabilidade e eficácia à tutela dos interesses ofendidos.
A Requerente optou por alegar vícios de violação de lei e vícios de inconstitucionalidade, pelo que se impõe começar por estes últimos, pois, em conformidade com o artigo 204.º da CRP «Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados».
No âmbito da atividade jurisdicional os tribunais têm, em razão da sua competência, o dever de examinar se as normas relevantes para a decisão da questão submetida à sua apreciação estão ou não em conformidade com as normas e princípios constitucionais, ou seja, «(…) a questão ou questões constitucionais que se colocam na decisão do caso a resolver pelos tribunais devem ser por eles conhecidas e respondidas.», e «(…) a obrigação de não aplicar normas inconstitucionais vale para todos os tribunais, incluindo os tribunais arbitrais …», (cfr Gomes Canotilho/Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, Anotada, Volume II, 4.ª Revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, páginas n.º 517 a 521).
8. Nestes termos, o Tribunal Arbitral irá iniciar a sua análise da impugnação pelas inconstitucionalidades invocadas e, só após, pela violação de lei de valor reforçado, antecedido do necessário enquadramento decisório. Assim:
- Legalidade do indeferimento da reclamação graciosa;
- Natureza jurídica da ASSB;
- O regime do ASSB aplicável ao ano de 2021 face ao princípio constitucional da irretroatividade dos impostos;
- O princípio da igualdade aplicável ao regime da ASSB visto na dimensão da capacidade contributiva e da proibição do arbítrio;
- A inconstitucionalidade do pagamento de juros indemnizatórios pela Requerida em caso de procedência do pedido de pronúncia arbitral;
- A violação da Lei de Enquadramento Orçamental, enquanto lei de valor reforçado.
B – A Legislação
9. 1 O «Adicional de solidariedade sobre o setor bancário» foi aprovado pelo anexo VI, a que se refere o artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.
Segundo o artigo 1.º, n, º 2, do referido Anexo VI, o ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais sectores.
Nos artigos 3º e 4.º foi estabelecida a incidência objetiva e a quantificação, nos seguintes termos;
«Artigo 3.º
Incidência objetiva da base de incidência
O adicional de solidariedade sobre o setor bancário incide sobre:
a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro;
b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.
Artigo 4.º
Quantificação da base de incidência
1 - Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, entende-se por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção dos seguintes:
a) Elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios;
b) Passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido;
c) Os depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos;
d) Passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados;
e) Receitas com rendimento diferido, sem consideração das referentes a operações passivas; e
f) Passivos por ativos não desreconhecidos em operações de titularização.
2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, observam-se as regras seguintes:
a) …
b) …
3 - Para efeitos do disposto na alínea b) do artigo anterior, entende-se por instrumento financeiro derivado o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente.
4 - A base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.».
9.2 Para os anos de 2020 e 2021, o legislador estabeleceu no artigo 21.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, uma disposição transitória de aplicação do regime com o seguinte conteúdo:
«Artigo 21.º
Disposição transitória
1 - Em 2020 e 2021, a liquidação e o pagamento do adicional de solidariedade sobre o setor bancário previsto no regime que consta do anexo VI à presente lei efetua-se de acordo com as seguintes regras:
a) A base de incidência apurada nos termos dos artigos 3.º e 4.º do regime é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, e nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2021, publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas;
b) A liquidação é efetuada pelo próprio sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que deve ser enviada até ao dia 15 de dezembro de 2020 e 2021, respetivamente;
c) O adicional de solidariedade sobre o setor bancário deve ser pago até ao último dia do prazo estabelecido na alínea anterior, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 40.º da lei geral tributária, aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro.
2 - Na ausência da publicação das contas relativas ao primeiro e segundo semestres de 2020, conforme referido na alínea a) do número anterior, a base de incidência é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, e nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2021, a comunicar pelo sujeito passivo à Autoridade Tributária e Aduaneira até ao dia 15 de dezembro de 2020 e 2021, respetivamente.
3 - ….
4 - …».
C - O indeferimento da reclamação graciosa
10. O processo administrativo revela que a reclamação graciosa apresentada pela Requerente na Unidade dos Grandes Contribuintes da Requerida pretende a anulação integral do ato tributário de liquidação com fundamento em violação de lei constitucional e do Direito da União Europeia.
Entende a Requerente que esta espécie tributária se encontra ferida de ilegalidade por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, da proporcionalidade, da não consignação e do princípio basilar da proibição de retroatividade da lei fiscal, assim como da violação do direito da União Europeia (n.ºs 9 e 10 da Decisão sobre a Reclamação Graciosa).
A Requerida não vislumbra na reclamação graciosa que tenha sido identificada qualquer norma concreta do ASSB que suporte a ilegalidade da tributação e a anulação do ato tributário, intuindo-se que tenha sido denunciado o regime em bloco.
Na sua análise, a Requerida faz notar que «nenhum fundamento ou argumento avançado pela Reclamante respeita a ilegalidade por erro quanto aos pressupostos da aplicação das normas a que se refere o ASSB, nem de interpretação ilegal pelos serviços na sua aplicação, ainda que com fundamento em inconstitucionalidade».
Refere a AT que «a respeito da conformidade constitucional da ASSB ou das normas que integram o seu regime, ou de qualquer outra figura tributária diga-se, tem sido a posição da AT não se pronunciar sobre o mérito e de facto nenhuma outra posição poderá ser tomada.».
Justifica que «como órgão da administração pública sob direção do Governo, não tem competências no foro da apreciação da conformidade constitucional de normas jurídicas, ou sequer da atividade legiferante, pelo que qualquer pronúncia decisória encontrar-se-ia ela mesmo ferida de legalidade institucional».
11. As questões colocadas pela Requerente na reclamação graciosa e enunciadas sumariamente no «Pedido e causa de Pedir» não chegaram a ser objeto de análise pela AT, não por razão de não terem obedecido à observância dos pressupostos processuais, mas pelo facto de, enquanto órgão executor das políticas governamentais, considerar que não comete qualquer erro quando aplica a legislação que se encontra em vigor.
De acordo com o artigo 56.º, n.º 1 da LGT, a AT está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo, não existindo o dever de decisão em determinadas circunstâncias, ao caso não aplicáveis.
A AT não possui as mesmas prerrogativas dos tribunais, isto é, a faculdade de desaplicar uma norma jurídica em caso concreto com fundamento na sua inconstitucionalidade, e sendo o braço executivo do Governo na execução da política fiscal não lhe cabe rejeitar a aplicação da lei com esse fundamento, todavia, não está impedida e, em certa medida, até está obrigada, a fazer a sua melhor defesa possível.
12. Os termos da reação da Requerida, consubstanciados no indeferimento do pedido de revisão, constituem um ato administrativo de incidência fiscal que não analisou nem deu resposta às concretas questões de suposta ilegalidade tributária colocadas pela Requerente, não, por não possuir «uma opinião vincada nesta matéria», como fez questão de assinalar no n.º 25 da informação que apreciou a reclamação graciosa, mas por entender que a respetiva resposta extravasa a legalidade formal de que se reveste o funcionamento dos seus serviços.
Nos seus efeitos, tal neutralidade, que a própria Requerida qualifica como abstenção, deve ser equiparada a um indeferimento tácito, ou seja, as objeções formuladas pela Requerente contra a liquidação foram rejeitadas, sendo certo que muito embora não possa ser assacado aos serviços da Requerida qualquer erro na tramitação que, por si, tenha determinado o pagamento do ASSB, o mesma é suscetível de comportar uma ilegalidade.
Com efeito, não estava na sua disponibilidade agir de forma diferente daquela em que agiu, por estar sujeita ao princípio da legalidade (artigo 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT) e não poder deixar de aplicar o regime com um fundamento de inconstitucionalidade ou de violação de um direito superior, todavia, a Requerente para obter uma tutela judicial efetiva sobre o ato tributário que se teria revelado de suposta ilegalidade, em momento em que já tinham decorrido os prazos normais de que dispunha para o fazer, por via de impugnação judicial ou reclamação graciosa, necessitava de apresentar previamente um pedido de revisão do ato tributário à referida entidade, a fim de ficar habilitada a impugnar o seu indeferimento.
Donde, em face da atitude decisória omissiva, este Tribunal Arbitral tomará posição sobre o referido indeferimento, em função da análise da argumentação desenvolvida pela Requerente, visando demonstrar as supostas ilegalidades que afetam a autoliquidação do ASSB.
Nesse sentido, impõe-se averiguar a natureza jurídica do ASSB e a projeção das suas normas em termos de inobservância da legalidade.
D – A natureza jurídica do ASSB
13. O Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, no artigo 3.º, n.º 2 estabelece uma classificação para os tributos, segundo a qual «Os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas.».
O adicional, como o legislador o entendeu designar, não tem uma exata correspondência com a referida classificação, tanto podendo ser incluído na categoria de impostos, como nas outras espécies tributárias criadas por lei.
O legislador não foi taxativo e usou a palavra «designadamente», para admitir que, para além dos que enuncia, pode existir outro tipo de imposições de caráter legal.
14. Esta formulação legislativa surge no seguimento da revisão constitucional de 1997, em que no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, se estabeleceu uma reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República relativamente aos impostos e sistema fiscal e ao regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, constitucionalizando-se esta última categoria.
15. Sobre a distinção entre imposto e taxa, discorreu o TC no acórdão n.º 344/2019, de 04.06.2019, no sentido de que «se o pressuposto de facto gerador do tributo é alheio a qualquer prestação administrativa ou se traduz numa prestação meramente eventual, estamos perante um imposto; se o facto gerador do tributo consubstancia uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada por um grupo em que o sujeito passivo se integra, estamos perante uma contribuição; se o facto gerador do tributo é constituído por uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo causador ou beneficiário ou por um facto que, de acordo com as regras da experiência, constitui um indicador seguro da existência daquela prestação, estamos perante uma taxa.».
16. Na esfera da doutrina, as contribuições financeiras tem sido vistas como um «tertium genus» de receitas fiscais, em que «a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), as quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas (Gomes Canotilho/Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa, Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, página 1095).
Já no que respeita às taxas, conforme Sérgio Vasques, (in Manuel Direito Fiscal, página 287), são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas, e que no dizer de Filipe Vasconcelos Fernandes se baseiam num princípio de equivalência estrita ou individual, e que, nessa medida, são uma categoria de tributo cujo facto tributário se constitui em função de um nexo bilateral derivado para o qual influem os sujeitos passivos do grupo a que pertencem. (O Imposto Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, páginas 86 e 87 e nota 132)
17. Em termos literais, a palavra adicional, do latim adicio, significa ajuntar, unir a, aumentar, e, no contexto, em que foi publicado, só poderia ser entendido como se reportando à contribuição extraordinária criada para o setor bancário (CSB), pelo artigo 141.º, da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, que aprovou o OE para 2011, pois o mesma subjetiva e objetivamente foi recortado praticamente com a mesma incidência e parecia ser um ajustamento marginal a nível da carga fiscal que recai sobre o setor bancário.
Sucede que esta legislação foi publicada num contexto de profunda crise financeira a nível global, gerada pela falência de importantes instituições financeiras mundiais que criaram instabilidade no sistema bancário europeu, e que obrigou as instituições europeias a refletir sobre a forma de criar mecanismos de defesa do contágio dessas crises, tanto importadas, como geradas dentro do próprio sistema financeiro nacional por via de gestões danosas e má gestão.
Foi o prenúncio de um processo legislativo desenvolvido a nível da União Europeia que se veio a converter na Diretiva 2014/59/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, e de que a comunicação da Comissão Europeia de 2010 – «Fundos de resolução de crises nos bancos», dirigida ao Conselho Europeu e ao Parlamento Europeu, já fazia eco.
18. Sobre esta matéria já se pronunciou o Tribunal de Justiça no processo C- 340/22, interpretando a Diretiva 2014/59/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento, no sentido de que as contribuições pagas por estas instituições não constituem impostos mas, pelo contrário, procedem, de uma lógica baseada num sistema de garantias, assente na existência de um fundo ou uma bolsa que ampara e suporta dificuldades financeiras que as mesmas possam revelar, de forma a evitar crises sistémicas.
19. Afastada está também a sua classificação como taxa, uma vez que não existe um sinalagma entre o valor da prestação e o benefício recebido, conforme o n.º 2 do artigo 4.º da LGT, de que «…assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares».
20. Posto isto, este Tribunal Arbitral considera que há uma certa convergência entre a Requerente e a Requerida no sentido de que este Adicional se reconduz a um verdadeiro imposto com características autónomas em relação à CSB, se bem que a Requerida lhe atribua a natureza de imposto indireto, compensador de determinadas particularidades ou insuficiências a nível da tributação em IVA.
É o artigo 1.º, n.º 2 do ASSB que proclama que tem como objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção do IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro às dos demais setores da sociedade, referência que mereceu, desde logo, reparos da UTAO, aquando da sua apreciação da proposta de alteração da lei orçamental para o ano de 2020.
Na verdade, não existe uma conexão entre os objetivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário assim como também não há uma relação especifica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e o ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por o efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado. Não obstante ter sido criada como uma contribuição extraordinária, ou seja, fora dos parâmetros da tributação da economia, dita normal, houve alguma infelicidade do legislador na sua caracterização como adicional.
Em função do elemento objetivo, para ser adicional teria de incidir sobre a coleta do imposto principal e esse imposto seria o CSB. Todavia, o CSB não tem a natureza jurídica de um imposto, mas de uma contribuição financeira, como o declarou em termos definitivos o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.01.2023, Processo 01622/20, pelo que, desde logo, não existe uma uniformidade concetual entre os dois tributos.
Como se salienta na Decisão Arbitral n.º 502/2021-T, de 24.05.2022, o «Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário apresenta um cariz de imposto especial sobre o setor bancário que não se confunde com a Contribuição do Serviço Bancário», afirmação com que se concorda.
E – Violação do princípio da não retroatividade do ASSB do ano de 2021
21. Suscita a Requerente a questão da legalidade da norma constante do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, no segmento que se refere ao cálculo do ASSB de 2021, por referência ao segundo semestre de 2020, por alegadamente violar a irretroatividade da lei fiscal.
22. A clarificação de que o ASSB é um imposto assume relevância pois a regra da proibição da retroatividade postula que a sua análise deva decorrer à luz do disposto no artigo 103.º, n.º 3 da CRP.
Nos termos desta disposição, «Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».
Em termos de ASSB, a regra geral em matéria de quantificação da base de incidência é o cálculo por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte – n.º 4, do artigo 4.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.
A liquidação é efetuada pelo próprio sujeito passivo segundo as taxas em vigor e deve ser enviada e paga até ao último dia do mês de junho do ano seguinte ao das contas a que respeita o adicional.
Todavia, transitoriamente, para os anos de 2020 e 2021, o legislador estabeleceu uma exceção a essa regra.
Concretamente, para o ASSB devido no ano de 2021, o legislador estabeleceu que a liquidação e o pagamento seriam efetuados tendo em conta a base de incidência apurada nos termos dos artigos 3.º e 4.º do regime por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas, devendo a liquidação ser efetuada pelo próprio sujeito passivo, através de declaração enviada até ao dia 15 de dezembro de 2021, com data limite de pagamento até ao referido dia.
Caso não tivesse sido criada esta disposição transitória, e fosse aplicado o regime geral, o pagamento ocorreria até 30 de junho de 2022, todavia, com este artificio, o Estado antecipou em seis meses e meio a receita fiscal do ASSB.
23. Mutatis mutandi, aplicável ao ano de 2021, pronunciou-se o TC no acórdão n.º 149/2024, de 27.02.2024, relativamente ao ano de 2020, em que julgou inconstitucional a norma do regime transitório em apreciação, nos seguintes termos:
« 2.5 Recordemos, antes de mais, que a norma transitória sub judice prevê que a base de incidência no Regime do ASSB, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020 publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas.
Considerando que o ASSB foi criado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que entrou em vigor em 25.07.2020, salta à vista que os factos tributários principais se situam no passado relativamente à publicação e entrada em vigor daquele diploma.
A recorrida AT invoca que «[…] o que releva na formação do facto tributário sujeito a ASSB é o momento do apuramento e aprovação das contas e não o «facto material de contabilisticamente ser apurada a existência de passivo» e que […] a formação do facto tributário no ASSB só se verifica com o apuramento e aprovação das contas». O argumento, porém, não convence. Poderia, eventualmente, relevar se o imposto não tivesse de ser pago ainda no ano de 2020, até 15 de dezembro (artigo 21.º n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho), o que implica, naturalmente, que o facto tributário se encontre totalmente verificado. Não vale, pois, para esta hipótese, designadamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (referida no Acórdão n.º 268/2021, ao apreciar a questão prévia da utilidade do recurso), relativa à Contribuição sobre o Setor Bancário.
Afirmar, como faz a AT, que a «formação do facto tributário do ASSB relativo ao primeiro semestre de 2020, não se prescinde dessas «complexas operações de avaliação», nem se pode deixar de ter em conta os «ajustamentos posteriores á data de balanço», que se verificam com o apuramento e aprovação das contas», quando essas contas apenas podem ser aprovadas em 2021, após o encerramento do exercício anual (cfr. Artigo 65.º do Código das Sociedades Comerciais) e o imposto tem de ser liquidado em dezembro de 2020 é um contrassenso. Ao situar a liquidação ainda em 2020, o legislador não pode invocar um facto tributário ainda em formação, porque a liquidação, enquanto ao final que determina o montante de imposto a pagar, pressupõe necessariamente um facto tribuário já formado. De todo o modo, é impossível ao contribuinte certificar as contas mediante um ato que ainda não praticou. Na verdade, a norma transitória contida no artigo 21.º n.º 1 alínea a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, é incompatível com a previsão do regime do ASSB que a AT usa na sua argumentação, porque o artigo 4.º, n.º 4, daquele regime estabelece a base de incidência«[…] por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte», o que se mostra simplesmente inconciliável com os prazos previstos na norma transitória. Aliás, se assim não fosse, a norma transitória seria inútil.»
… «Em suma, é apenas o apuramento contabilístico do saldo médio do primeiro semestre de 2020 – e não o seu reflexo nas contas anuais – que releva para a incidência do imposto, pelo que a respetiva tributação por lei entrada em vigor em 25/07/2020 só pode ter-se como irremediavelmente retroativa e, consequentemente, violadora do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.».
24. Do acima enunciado, e com base na referida fundamentação, este Tribunal Arbitral conclui pela violação do disposto no artigo 103.º, n.º 3 da CRP.
Com efeito, o ASSB foi publicado em 24 de julho de 2020 e entrou em vigor no dia seguinte, ou seja, 25 de julho de 2020.
Entre o dia 1 de julho de 2020 e 24 de julho de 2020, inexistia qualquer obrigação fiscal sobre o setor financeiro para além dos impostos a que estava sujeito a atividade (IRC, IVA, CSB e Imposto de Selo).
Contata-se que o legislador fixou o cálculo da base de incidência do ASSB para o ano de 2021, abrangendo um período em que os destinatários não tinham conhecimento que sobre a atividade financeira que estavam a exercer, estava a ser criada uma base de incidência sobre a qual iria recair uma tributação. Como se refere no acórdão n.º 149/2024, atrás referido «…salta à vista que os factos tributários principais se situam no passado relativamente à publicação e entrada em vigor daquele diploma».
Embora não se possa considerar que são necessariamente todos os factos tributários principais, ainda assim, 24 dias num contexto de seis meses, são o suficiente para que o sujeito passivo naquele período tivesse estado impedido de se ajustar à tributação, de forma a dela poder tirar o máximo de benefício ou a menor penalização possível, seja pelo uso dos instrumentos financeiros em uso na instituição, seja pelo ajustamento dos próprios fundos próprios, que não é possível realizar num prazo tão curto, (seis dias, até ao fim do mês de julho), bastando um dia, para que a irretroatividade da norma não deixe de se verificar.
O artigo 12.º, n.º 1 da LGT, uma emanação da CRP, estabelece que «As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados impostos retroativos», inexistindo, neste caso, anteriormente, um regime de imposto em que a publicação destas novas normas sejam um desenvolvimento de um determinado quadro legal, tendo em conta que a CSB, como já se concluiu, não é um imposto mas uma contribuição financeira.
O facto tributário é de formação sucessiva, uma vez que mês a mês se determina um montante que determinará no final do ano, através de uma operação aritmética, e com alguns ajustamentos, o montante a liquidar, todavia, muito embora esse apuramento se reporte ao último dia do mês, 31 de julho de 2020, antes de 25 de julho inexistia qualquer regime legal de impostos.
Não se tratou de uma auto-revisibilidade da lei. O legislador não está impedido de alterar o quadro legal afetando relações jurídicas constituídas no domínio de anterior legislação, todavia, no presente caso, trata-se de legislação «ex-novo» que é suscetível de frustrar o princípio geral da confiança dos cidadãos no Estado de Direito, pois não permitiu às empresas adequarem-se atempadamente às regras da nova situação. Aliás, nos termos do artigo 10.º da referida lei, não é considerado um encargo dedutível para efeitos da determinação do lucro tributável em IRC, mesmo quando contabilizado como gastos do período de tributação, pelo que tem uma efetiva repercussão no cumprimento do planeamento financeiro anual e no balanço, e embora se projete de forma uniforme e não discriminatória nas instituições financeiras nacionais, tem um impacto no exterior suscetível de se refletir nas opções dos investidores.
A proibição da lei fiscal retroativa não deriva de uma base ponderativa, como o TC o fazia até 1997, mas regula-se em termos essencialmente objetivos, que vão da retroatividade pura à fraca.
25. Embora seja do conhecimento geral, e em especial do setor bancário, a existência de um processo legislativo de harmonização da tributação financeira a nível da União Europeia, esse processo arrasta-se há cerca de 14 anos, pelo não era expetável que as instituições financeiras se defrontassem com uma legislação nacional inopinada que, ainda que sob o pretexto das consequências económicas da pandemia e a necessidade de reforçar o financiamento da segurança social, as tribute de forma excecional, com a agravante de lhe conferir um certo grau de retroatividade, ao arrepio do n.º 3 do artigo 103.º da CRP.
F – Violação do princípio da igualdade na dimensão da proibição do livre-arbítrio
26. O legislador ficcionou uma base de incidência com pressupostos económicos que não tem correspondência com a realidade a que é aplicável, além de que não tem uma conexão direta com os propósitos que o legislador pretendeu, de reforçar a capacidade financeira do sistema de segurança social.
A média semestral dos saldos médios finais de cada mês do segundo semestre de 2020, não tem em conta a dinâmica e a realidade do setor bancário e necessariamente não tem correspondência com a média anual dos saldos médios de cada mês do ano de 2021, com os ajustamentos legalmente admitidos.
O mercado bancário é condicionado por múltiplos fatores, a começar pela ação de entidades internacionais e nacionais que regulam o setor financeiro, Banco Mundial, Banco Central Europeu, Banco de Portugal, pela legislação comunitária e nacional e pelos reflexos da própria dinâmica da economia mundial.
Também a concorrência entre as instituições financeiras nacionais constitui outro fator a ter em conta na correlação e no estabelecimento de alterações estratégicas na condução da administração dos bancos.
Múltiplas variáveis interferem na formação dos passivos, quer por via da alteração dos fundos próprios, fusões, alteração das taxas de juro de remuneração dos depósitos, das maiores ou menores comissões, do valor nocional dos instrumentos financeiros derivados ou da divulgação pública de maiores ou menores irregularidades por parte das suas administrações ou no seu funcionamento interno, com a consequente perda de confiança e consequente fuga de depósitos por parte dos clientes.
27. A suposta capacidade contributiva assente em saldos médios dos meses do segundo semestre do ano de 2020 não é a mesma resultante dos saldos médios mensais do ano de 2021 porque não tem em conta um critério assente em números reais, devidamente aprovados, tratando-se, no fundo, de um critério arbitrário, pois nenhuma razão se apresenta suficientemente válida para justificar que a tributação do ASSB de 2021 não tivesse ficado subordinada ao regime geral que acabava de ter sido instituído.
A tributação do ASSB ficou subordinado a uma disposição transitória, ou seja, transitoriamente seriam aplicáveis as mesmas regras que enformavam o regime de 2020, quando o que está em causa é uma norma extraordinária, aplicada a um período de tributação que só se iniciaria no dia 1 de janeiro do ano seguinte.
Não adiantaria à administração tributária procurar a descoberta da verdade material para efeitos do ASSB, como lhe impõe o artigo 58.º da LGT, pois a realidade que o legislador lhe impôs foi a verdade formal do segundo semestre de 2020.
28. No momento da aprovação do diploma vivia-se uma crise mundial de saúde publica, por via do Covid 19, o que determinou uma maior imprevisibilidade nas movimentações financeiras, seja porque os particulares por receio do futuro e da maior sedentarização, tendem a uma maior poupança, seja porque as empresas se retraem nos seus investimentos enquanto não exista uma clarificação da resolução dessa crise, por via da descoberta das vacinas adequadas.
29. Casalta Nabais afirma que «não se sabe que manifestação de capacidade contributiva das entidades bancárias se visa atingir com o ASSB», e o Tribunal Arbitral não pode deixar de reconhecer que há uma certa falta de inteligibilidade sobre a forma como o legislador, à luz da CRP, instituiu os critérios, base tributável e taxas, conducentes à obtenção de uma determinada receita, supostamente minimizadora das consequência da aplicação, em muitas operações financeiras, de um regime mais favorável em matéria de aplicação do regime do IVA.
A intenção do legislador de afetar receita ao sistema de segurança social é louvável, mas não se vislumbra razões válidas para que o setor bancário seja solicitado especificamente para, através de um adicional (supostamente à CSB), assegurar esse reforço de receitas, ademais quando o enquadramento temporal poderia ter justificado a adoção de medidas extraordinárias mas a superação da emergência de saúde pública foi ultrapassada e a economia retomou os níveis de crescimento que sempre permitiram a manutenção da estabilidade do regime.de segurança social.
30. No acórdão n.º 469/2024, de 19.06.2024, o TC pronunciou-se em termos de que «a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado», concluindo «Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência da igualdade tributária.», daqui decorrendo a violação do princípio da capacidade contributiva, entendimento que o Tribunal Arbitral não pode deixar de corroborar.
F – Violação do princípio da capacidade contributiva
31. Como resulta do disposto no artigo 4.º, n.º 1 da LGT, em linha com o artigo 104.º da CRP «os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património», pelo que são esses os indicadores
possíveis do critério de repartição dos impostos. Neste mesmo sentido, Sérgio Vasques considera que, em razão do princípio da capacidade contributiva, «os impostos devem adequar-se à força económica do contribuinte e por isso o seu alcance mais elementar está na exigência de que o imposto incida sobre manifestações de riqueza e que todas as manifestações de riqueza lhe fiquem sujeitas». E sublinha que, para que o imposto corresponda à força económica de quem o paga, é forçoso que incida sobre realidades economicamente relevantes, realidades que se podem reconduzir sinteticamente ao rendimento, ao património e ao consumo» (Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, página 295).
Filipe Vasconcelos Fernandes considera que no ASSB não está em causa qualquer modalidade de tributação do rendimento, assim como não se trata da oneração de atos de despesa, que pudesse reconduzir-se a um imposto sobre atividades financeiras ou sobre transações financeiras. E, por outro lado, ainda que pudesse dizer-se do ponto de vista contabilístico e financeiro, que os elementos do passivo que são objeto de tributação por via do AASSB integram o balanço dos sujeitos passivos, não poderá entender-se que estamos aí perante modalidade de tributação do património.
A ausência de uma cabal correspondência entre o ASSB e um concreto índice de valoração de capacidade contributiva coloca em causa a viabilidade constitucional do imposto, na medida em que impossibilita o estabelecimento de qualquer tipo de relação causal entre o objeto da tributação que é imposto aos sujeitos passivos e um efetivo incremento de capacidade contributiva, sobretudo quando não está em causa uma contrapartida pela prevenção de riscos sistémicos em que as instituições de crédito possam estar envolvidas (como sucedia com a CSB), mas uma exclusiva medida de angariação de receita.
32. A liberdade de conformação do legislador nas soluções que encontra para promover a tributação, designadamente tentando aproveitar as sinergias de uma contribuição cujos sistemas informáticos declarativos e de cobrança se encontravam montados e em execução, não pode perder de vista que as instituições financeiras, como empresas que são, devem ser objeto de uma tributação que incida fundamentalmente sobre um rendimento real, o que não acontece com o sistema tal como foi instituído.
33. De resto, e no caso concreto da tributação do ASSB do ano de 2021, o que sucedeu é que em função das taxas que recaíram nas bases de incidência mencionadas nas alíneas a) e b) do artigo 3.º do Anexo VI, da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, há um valor tributável ficcionado, obtido a partir da delimitação de factos tributários que nada tem a ver com o período de tributação, não sendo evidente que tal valor tenha correspondência com o rendimento real.
34. Como se refere no acórdão do TC n.º 17/15, o princípio da capacidade contributiva assume um valor paramétrico fundamentalmente como condição da tributação, de molde a impedir que determinado imposto atinja uma riqueza ou rendimento que não existe, vedando a exação de uma capacidade de gastar que verdadeiramente não se verifica. Em termos idênticos, o acórdão do TC n.º 142/2004 refere que a capacidade contributiva preenche o critério unitário da tributação, entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos se deverá fazer segundo a capacidade económica ou capacidade de gastar de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício).
34. Do exposto, o Tribunal Arbitral considera que há uma violação do artigo 104.º, n.º 2 da CRP.
G – A violação do princípio da proporcionalidade
35. A Requerente afirma que no ASSB está em causa a violação do princípio da proporcionalidade, pois existe um fenómeno de dupla tributação setorial, por via da sujeição e não isenção simultânea da CSB e da ASSB, em relação ao passivo apurado e aprovado e ainda ao valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado, dando origem a uma verdadeira dupla tributação, que adquire contornos excessivamente onerados e dimensões desproporcionais.
Na Recomendação n.º 4/B/2023, de 12 de setembro de 2023, da Provedora de Justiça, foi recomendado «Que em futuras Leis do Orçamento de Estado, não sejam incluídas normas que sustentem a cobrança do ASSB, sob esta ou outra designação».
36. À luz da conformidade com o direito da União Europeia, o Tribunal de Justiça no processo C- 340/22, de 21.12.2023, pronunciou-se no sentido de que a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos de financiamento de medidas de resolução. As contribuições pagas por estas instituições não constituem impostos, mas procedem, pelo contrário, de uma lógica baseada na garantia.
37. O Tribunal Arbitral sobre essa questão tem presente que em matéria de tributação a Diretiva IVA, de 1977, através do artigo 135 (1), providenciou uma isenção para os principais serviços financeiros e fundos de investimento, não podendo, no entanto, ser deduzido o IVA nos serviços que tenham sido requeridos, o chamado «irrecoverable VAT problem». Num documento da Comissão Europeia, de 07.10.2010, (COM (2010) 549 final) da «Taxation of the Financial Sector», é assinalada a dificuldade de tecnicamente ser definido um preço específico para as operações financeiras, e que cerca de 2/3 de todos os serviços financeiros são baseados em margens que tornam muito difícil a implementação de um sistema de fatura-crédito do IVA. (ponto 2.3).
38. Como assinala a Requerida, a justificação do legislador para sujeitar as instituições de crédito tem como fundamento material a ideia de justiça fiscal, mais concretamente de reposição da igualdade fiscal através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo-se, assim, a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e a suportada pelos demais setores da atividade económica.
Independentemente de o legislador ter pretendido justificar no normativo a razão de ser do referido adicional, como uma fonte de receita do FEFSS, justificação que teria todo o acolhimento num preâmbulo de um decreto lei em que se utilizasse uma autorização legislativa, numa lei orçamental, como assinalou a UTAO, tal referência foi despropositada, pois havendo razões para que o setor financeiro possa ver agravado o regime tributário de que tem beneficiado, não há razões específicas para que tenha de ser esse sector a contribuir para a sustentação das contas da segurança social.
39. Estando afastada a possibilidade de desconformidade com o direito da União Europeia, também a interpretação do artigo 104.º n.º 2 da CRP, quando refere a palavra «fundamentalmente» retira a exclusividade da tributação em IRC, podendo serem admissíveis outras modalidades de tributação dos operadores do setor financeiro, aliás à semelhança dos operadores económicos abrangidos pelos impostos especiais sobre o consumo, contanto, todavia, que não se perca de vista o objetivo da tributação do rendimento real.
A inexistência de um imposto sobre as transações financeiras a nível nacional não é uma inevitabilidade, dependendo tal questão unicamente da ação e vontade política.
Com efeito, a proposta de diretiva do Conselho, de 28.09.2011, que alterava a Diretiva 2008/7/CE, e posteriormente a proposta de diretiva de 2013, visavam criar um imposto sobre as transações financeiras (ITF) realizadas em mercados organizados e sobre as transações financeiras realizadas em OTC (over the counter), com determinadas isenções em mercados primários e também aos bancos centrais e de supervisão, mas não obtiveram consenso dos Estados-Membros.
A pretendida harmonização não foi conseguida, pelo que inexiste um quadro comunitário sobre a matéria. Aliás, era do interesse das instituições comunitárias dispor desse imposto, até porque uma parte das suas receitas reverteria para o próprio Orçamento da EU.
Caso a proposta tivesse sido acolhida e entrado em vigor, os Estados Membros deixariam de estar autorizados a manter outros impostos sobre transações financeiras, e então, aí, nessas circunstâncias, o ASSB violaria mesmo o direito comunitário e não poderia coexistir com o ITF.
Não tendo sido alcançada a uniformização das transações financeiras a nível da União Europeia, tal facto não impediu que, no âmbito da soberania fiscal, diversos países europeus, por sua própria iniciativa, tenham adotado um Imposto sobre as Transações Financeiras (ITF), casos da Áustria, Bélgica, França, Holanda, Chipre, Grécia e Polónia.
40. Por isso, o Tribunal Arbitral considera que os contornos excessivamente onerados e de dimensões desproporcionais da tributação do setor bancário, alegados pela Requerente não se verificam, não pela avaliação da «vox populi», mas pelas referências e evidências objetivamente expressas em documentos das instituições europeias, tudo relacionado com a tributação em IVA que, mau grado os quase 50 anos decorridos sobre a vigência da diretiva IVA e os avanços tecnológicos alcançados em termos informáticos e de computação, o legislador comunitário teima em conservar nos precisos termos.
No entender do Tribunal Arbitral o argumento da violação do princípio da proporcionalidade não procede, dado que as tributações da CSB e do ASSB, se bem que tenham bases tributáveis aproximadas, são tributos de diferentes naturezas e objetivos.
A forma atípica de tributar certos produtos financeiros através do imposto de selo, apenas subsiste, porque, de facto o legislador nacional não adotou um ITF.
41. Do anteriormente exposto resulta a declaração de ilegalidade da autoliquidação que é objeto do presente processo, por vício que impede a renovação do ato, pelo que fica prejudicado, por inutilidade (artigos 130.º e 608.º n.º 2 do Código de Processo Civil) o conhecimento da violação da Lei de Enquadramento Orçamental, também avançado pela Requerente.
H – Da constitucionalidade dos juros indemnizatórios
42. A Requerida suscitou, no caso de não ser procedente a contestação à impugnação, o que se verifica, a questão da ilegalidade da condenação do pagamento de juros indemnizatórios, conforme decorre do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, invocando, para tanto, a violação dos artigos 281.º, 282.º e 18.º da CRP, tudo com base no facto de não ter poderes legais para decidir de modo diferente.
41. Em termos legislativos, o artigo 43.º subordinado à epígrafe «Pagamento indevido da prestação tributária» dispõe que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido e em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade de uma norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
42.1 Subordinada à epígrafe «Fiscalização abstrata da constitucionalidade e da legalidade, o artigo 281.º preceitua que o TC aprecia e declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de quaisquer normas e pode ser requerida ao TC a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória geral – n.º 2, e o TC aprecia e declara ainda, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos – n.º 3.
42.2 O artigo 282.º sobre os «Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade», no que interessa, preceitua:
«1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.
2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infração de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última.
3. …
4. …».
42.3 Finalmente, o artigo 18.º, com a epígrafe «Força jurídica», estabelece que:
1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
43. A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal. Com estes pressupostos, pode dizer-se que a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual.
Responsabiliza os serviços tributários na medida em que não lhe dão procedência, não obstante, em muitos casos, não poderem agir doutra maneira, pelo simples facto de ser a entidade executora da política governamental em matéria tributária, sendo esta da autoria de órgãos do Estado, sujeitos ao escrutínio da legalidade constitucional da sua atividade.
44. Sobre esta matéria, não pode o sujeito passivo ser lesado na tributação, por a mesma se revelar ilegal à face da CRP ou do direito da União Europeia, e ver inviabilizada a possibilidade de ser ressarcido pelos prejuízos financeiros que resultaram do pagamento de um tributo indevido, sob pena de o processo não se revelar equitativo. Os montantes indevidamente cobrados proporcionaram vantagem financeira ao Estado, que dela dispôs da forma que melhor entendeu, mas se no referido período tivessem continuado na propriedade do sujeito passivo, essa vantagem de disposição teria revertido para ele, que não teria sofrido, assim, o prejuízo de temporalmente se ver privado desses montantes.
Atento o princípio da igualdade constante do artigo 13.º, da CRP, seria infundado restringir o pagamento de juros compensatórios, pois deve ser tratado de forma igual, aquilo que é substancialmente igual.
Colocada judicialmente em causa a liquidação e cobrança de um imposto, por não atendimento da reclamação graciosa relativamente a uma invocada ilegalidade no pressuposto de direito que lhe subjaz, uma decisão judicial desfavorável relativamente à mesma justifica a obrigação do pagamento de juros indemnizatórios, assim foi acordado pelo Pleno do Supremo Tribunal de Justiça, nos processos n.ºs 0890/16, de 18.01.2017, e 093/21, de 29.06.2022.
45. A Requerida não pode assumir apenas a responsabilidade pelos erros materiais, detetáveis com uma maior ou menor facilidade, mas tem igualmente de assumir os erros de direito, que tem que ver com a interpretação das normas pelos órgãos da justiça na sua atividade jurisdicional.
As falhas de legalidade legislativa não são da sua responsabilidade, mas os atos tributários praticados por conta dessas falhas são da sua responsabilidade e compete-lhe arcar com as consequências desses atos legislativos.
A missão e as funções que desempenha em nome do Estado constituem-na na obrigação de reparar erros (de direito) alheios, mas tem sempre ao seu alcance a possibilidade de se fazer ressarcir deles por conta do próprio Estado nos respetivos orçamentos anuais da instituição, seja demonstrando a necessidade do próprio Ministério das Finanças proceder a reforços financeiros para suprir a necessidade de pagamento de juros indemnizatórios e custas judiciais, seja, embora já com custos próprios, transferindo montantes entre rúbricas de despesa.
46. Assim, dos artigos invocados pela Requerida não se vislumbra que qualquer deles fundamente uma recusa legal para que não suporte os referidos juros indemnizatórios, pelo que improcede a invocada inconstitucionalidade do pagamento de juros indemnizatórios.
VII – REEMBOLSO E JUROS INDEMNIZATÓRIOS
47. A Requerente, além do reembolso da importância que pagou em sede de ASSB, peticionou igualmente o pagamento de juros indemnizatórios.
Na sequência da anulação do ato de autoliquidação o Requerente tem direito a ser reembolsado da quantia paga, o que é consequência da anulação.
48. A Requerente formula ainda pedido de pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3 d) da LGT em cujos termos são devidos (os referidos juros) “em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.
A Requerida defende que que não são devidos juros indemnizatórios, alegando:
“A AT está vinculada ao princípio da legalidade previsto no art. 55º da LGT, e o art. 3º n.º 1 do CPA (que é aplicável subsidiariamente às relações jurídico-tributárias ex vi alínea c) do art. 2.º da LGT) especifica que “Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins.”
é inequívoco, que a AT está obrigada a aplicar os diplomas legais criados pela Assembleia da República e pelo Governo, estando-lhe, consequentemente, vedado anular a autoliquidação em crise, dado que não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (arts. 281º e 282º da CRP), ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (art. 18º da CRP), o que não é o caso.
Pelo que, contrariamente ao afirmado pela Requerente, o erro não pode ser imputável à AT, mesmo tendo sido chamada a pronunciar-se em sede de Reclamação Graciosa, e tendo decidido indeferir o pedido feito pelo Requerente naquela.
Assim, a ser procedente a impugnação judicial, o que somente se concebe por hipótese de raciocínio, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43º n.º 1 da LGT é totalmente ilegal, porque inexistiu erro imputável aos Serviços
Acrescidamente, afigura-se ainda que também a AT não pode ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43º n.º 3 al. d) da LGT, por esta condenação ser ilegal, decorrente da inconstitucionalidade daquela norma, por violação dos arts. 281o, 282o e 18o da CRP, nos termos supra referidos, dado que a AT não tinha disponibilidade legal de decidir de modo diferente, sob pena de violação dos identificados preceitos constitucionais.
Nesta exata medida, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, em caso de vencimento na impugnação, é violadora do princípio da proporcionalidade (art. 18º n.º 2 da CRP), uma vez que não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu, sendo, contudo, sancionada com o pagamento de juros indemnizatórios.
Ou seja, há falta de correspondência entre o objetivo dos juros indemnizatórios, que é reparar a privação indevida de meios financeiros do Contribuinte, e uma atuação da AT que lhe impute culpa na privação desses meios financeiros.
Assim, afigura-se que em caso de vencimento do Requerente, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios deve ser indeferido, porque não existe erro imputável aos serviços, nos termos do art. 43º n.º 1 da LGT, e cautelarmente, dado que a aplicação do art. 43º n.º 3 al. d) da LGT é ilegal e inconstitucional, por violar os arts. 281º, 282º e 18º da CRP, nos termos supra contestados.
Vejamos
49. O direito à indemnização consagrado no artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa encontra-se concretizado no regime resultante da conjugação dos artigos 43.º, 100.º e 102.º da LGT e 61.º do CPPT, por via da previsão de juros indemnizatórios.
50. O Artigo 61.º n.º 5 do CPPT determina que:
“Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos.”
51. O artigo 100.º LGT estabelece que, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, a Administração Tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo a liquidação de juros indemnizatórios.
52. O artigo 43.º da LGT, ao reconhecer o direito a juros indemnizatórios, não vem reconhecer um direito novo em consequência de um ato da AT, antes vem consagrar uma forma especifica de concretização do direito indemnizatório constitucionalmente garantido.
De acordo com o citado artigo 43.º da LGT o direito a juros indemnizatórios implica a verificação cumulativa dos respetivos seguintes:
1° Que haja um erro na liquidação de um tributo;
2° Que tal erro seja imputável aos serviços;
3° Que a sua existência seja determinada em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial e
4° Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
53. O artigo 43, n.º 3 d) determina que são também devidos juros indemnizatórios em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
54. Nesta última situação, foi a Lei 9/2019, de 01/02 (em vigor a 02/02/2019), por via do seu artigo 2.º aditou a alínea d) ao n.º 3 do artigo 43.º da LGT, nos termos da qual são, também, devidos juros indemnizatórios, Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determina a respetiva devolução”.
55. Aderimos ao decido no STA de 23-10-2024, proferido no Processo 0430/22.7BEBRG:
“II- Por considerarmos que a aplicação do 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, não exige que exista uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, concluímos que estão reunidos os pressupostos legais para que seja devido à recorrente o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento indevido do tributo até à data do processamento da respetiva nota de crédito (nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT e da Portaria n.º 291/2003, de 08.04, aprovada ao abrigo do disposto no artigo 558.º, n.º 1, do CC, aplicável ex vi dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
(...)
“A recorrente veio ainda requerer o pagamento de juros indemnizatórios. Com efeito, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, são também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução.
Consideramos que a disposição que referimos não exige, para ser aplicada, que exista uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, como decorre, aliás, da jurisprudência deste Supremo Tribunal, designadamente do recente acórdão de 2 de outubro, processo n.º 91/23.6BEBJA, de cuja fundamentação nos apropriamos:
«…a norma em apreço não contempla a exigência de uma declaração com força obrigatória geral (sendo de notar que o contribuinte não terá legitimidade para desencadear um processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade ao abrigo do artigo 281º nº 3 da CRP, estando esse impulso processual apenas na disponibilidade dos Juízes Conselheiros ou do Ministério Público, nos termos do artigo 82.º da LTC, podendo o mesmo, no limite, solicitar ao Ministério Público que promova esse processo) e, muito menos, uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto (até porque as próprias partes podem conformar-se com a pronúncia deste Tribunal em função daquilo que é, nesta altura, a jurisprudência do Tribunal Constitucional), o que repugna ao simples bom senso, dado que, tendo sido reconhecida a bondade da pretensão das Recorrentes nos termos e pelos fundamentos apontados, não faz sentido recusar a aplicação da norma em análise - art. 43º nº 1 al. d) da LGT…»
Para concluirmos, também, que estão reunidos os pressupostos legais para que seja devido à recorrente o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento indevido do tributo até à data do processamento da respetiva nota de crédito (nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT e da Portaria n.º 291/2003, de 08.04, aprovada ao abrigo do disposto no artigo 558.º, n.º 1, do CC, aplicável ex vi dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
56. De mencionar o Acórdão do TCAS de 24-01-2024, proferido no Processo 905/10.0 BELRS, que consta do sumário:
“I - À luz do disposto na alínea d) do n.º 3, do art.º 43.º da LGT, preceito aditado à LGT pela Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, é hoje inquestionável que, em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução, são devidos juros indemnizatórios.”
(...)
O STA tem, todavia, entendido, de forma reiterada e consistente, que não pode ser considerado “erro imputável aos serviços” a emissão de liquidação com base em normas que venham a ser judicialmente desaplicadas com fundamento na sua inconstitucionalidade, na medida em que a Administração Tributária não pode recusar-se a aplicar uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral ou esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias [Cfr. Acórdãos de 12/10/2011, processo n.º 860/10, e, seguindo a mesma orientação, entre outros, Acórdãos de 22/03/2017, processo n.º 0471/14; de 30/10/2019, processo n.º 1344/11.1BELRS; e de 27/11/2019, processo n.º 02000/07.0BEPRT].
Nestes casos, afirma o STA que “não podendo a Administração Tributária decidir de outro modo, também não lhe pode ser assacada a responsabilidade por decidir no sentido em que decidiu” e, consequentemente, “não pode ser condenada no pagamento dos juros indemnizatórios, por falta de um dos requisitos de que depende a atribuição deste direito: a imputação do erro respetivo aos serviços” [Cfr. Acórdão de 30/10/2019, processo n.º 1344/11.1BELRS].
Neste conspecto, cabe julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios formulado pela Impugnante, o que se fará igualmente no dispositivo da sentença.».
Que dizer?
A questão a dirimir consiste em saber se a anulação da liquidação baseada na inconstitucionalidade da norma legal em que se fundou aquele acto tributário confere à impugnante o direito a juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º da LGT.
A questão, que suscitou controvérsia está, hoje, legislativamente resolvida pela introdução no n.º 3 daquele artigo – «São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias» – de uma alínea d), com o seguinte teor: «Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução».
A introdução desta alínea d) no n.º 3 do art.º 43.º da LGT foi efectuada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro (vd. seu art.º 4.º), ou seja, anteriormente à prolação da sentença recorrida, sendo aplicável à situação dos autos.
Assim, não há que chamar à colação a disposição de direito transitório prevista no art.º 3.º da Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, segundo a qual, «A redação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica -se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011», cujo escopo é alargar o novo regime às decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor (2 de Fevereiro de 2019, de acordo com o respectivo art.º 4.º).
Por outro lado, se bem interpretamos, referindo a norma do art.º 43.º, n.º3 alínea d), da LGT, «…decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária…», não permite restringir o seu campo de aplicação ao juízo de inconstitucionalidade efectuado pelo Tribunal Constitucional, abrangendo antes todas as decisões judiciais, nelas se incluindo a dos tribunais tributários, em que tal juízo seja feito a título concreto incidental, com efeitos inter partes, nos termos do art.º 204.º da CRP, que foi o caso.
Em face dos preceitos legais transcritos, é hoje inquestionável que, em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução, são devidos juros indemnizatórios.
Como assim, é de conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida no segmento em que julgou improcedente o pedido de juros indemnizatórios
IV - DECISÃO
Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e reconhecer serem devidos à impugnante, ora Recorrente, juros indemnizatórios nos precisos termos estatuídos no art.º 43.º/3/ d) da LGT, desde o pagamento indevido do tributo, nos termos do estatuído no art.º 61.º/5 do CPPT.”
57. Neste processo está em causa a declaração de ilegalidade de um ato de autoliquidação do ASSB em resultado da declaração de inconstitucionalidade das normas em que aquele se fundamenta.
E, de acordo com o disposto no artigo 24.º b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
58. Pelo exposto entende este Tribunal Arbitral que na sequência da declaração de inconstitucionalidade da norma em que se fundou o ato de autoliquidação do ASSB, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
VIII - DECISÃO
59. Nestes termos, este Tribunal Arbitral decide:
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Declarar a ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa proferido em 13.03.2024, pelo Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes, ..., em delegação e subdelegação de competência, e proceder à sua anulação;
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Declarar a ilegalidade do ato de autoliquidação da ASSB efetuada pela Requerente, por inconstitucionalidade contida no artigo 21º, n.º 1, alíneas a), b) e c), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, no segmento que se refere ao cálculo, liquidação e pagamento do imposto referente ao ano de 2021, tendo por base o apuramento efetuado no segundo semestre de 2020, por violação da proibição da retroatividade fiscal, conforme decorre, do artigo 103.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa;
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Estender essa declaração de ilegalidade, igualmente por inconstitucionalidade, às normas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, expressas no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio e do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária, a que se referem os artigos 13.º n.º 1 e 2 e 104.º n,º 2, respetivamente, da Constituição da República Portuguesa;
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Condenar a Requerida à restituição da prestação tributária indevidamente recebida com base na referida autoliquidação;
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Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, d) da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).”
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
IX – VALOR DO PROCESSO
60. De harmonia com o disposto nos artigos n.º 306.º, n.º 2, do CPC, e 97.º - A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em 1 467 134,81 € (um milhão e quatrocentos e sessenta e sete mil e cento e trinta e quatro euros e oitenta e um cêntimos).
X - CUSTAS
61. Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante de Taxa Arbitral em 19 584 € (dezanove mil quinhentos e oitenta e quatro euros), nos termos da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
XI – NOTIFICAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
62. O disposto no artigo 17.º, n.º 3 do RJAT preceitua que sempre que seja recusada a aplicação de uma norma por inconstitucionalidade de ato legislativo, o tribunal arbitral notifica o representante do Ministério Público, junto do tribunal competente para o julgamento da impugnação, tendo em vista o recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional), pelo que, tendo sido recusada a aplicação de norma, determina-se essa notificação.
Lisboa, 14 de novembro de 2024
Os Árbitros
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(Doutora Regina de Almeida Monteiro - Presidente)
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(Pedro Miguel Bastos Rosado - Adjunto)
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(António Manuel Melo Gonçalves - Adjunto e relator)