Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 698/2024-T
Data da decisão: 2024-10-31   Outros 
Valor do pedido: € 364.878,89
Tema: Contribuição financeira. Âmbito da jurisdição arbitral. Competência dos tribunais arbitrais. Falta de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira. Legitimidade. Ineptidão. Caducidade. Regime da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro.
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Decisão Arbitral

 

Processo n.º 698/2024-T

 

              Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Pedro Guerra Alves e Dr. António Manuel Melo Gonçalves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 06-08-2024, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

    

A..., S.A., titular do Número de Identificação de Pessoa Coletiva ..., com sede no ..., ...-..., ..., Albergaria-a-Velha (doravante abreviadamente designada como «Requerente»),veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), pretendendo a declaração da ilegalidade e anulação parcial das liquidações de Imposto Especial de Consumo (IEC)

– cuja anulação peticionou no pedido de revisão oficiosa que apresentou relativas aos períodos de «10/2019, 11/2019, 12/2019, 01/2020, 02/20220, 03/2020, 04/2020, 05/2020, 06/2020, 07/2020, 08/2020, 09/2020, 10/2020, 11/2020, 12/2020, 01/2021, 02/2021, 03/2021, 04/2021, 05/2021, 06/2021, 07/2021, 08/2021, 09/2021, 10/2021, 11/2021, 12/2021, 01/2022, 02/2022, 03/2022, 04/2022, 05/2022, 06/2022, 07/2022, 08/2022, 09/2022, 10/2022, 11/2022, 12/2022, liquidadas e pagas pela “B..., S.A.” (doravante, B...), NIPC... na parte correspondente à Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) que foi paga (através do mecanismo de repercussão) pela aqui Requerente»;

– «das liquidações de IEC relativas aos períodos 01/2023, 02/2023 e 03/2023, 04/2023,  05/2023, 06/2023, 07/2023, 08/2023, 09/2023 e 10/2023, liquidadas pela B..., na parcela relativa à receita consignada à Infraestruturas de Portugal, S.A. (designada por “Consignação de serviço rodoviário”)».

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 31-05-2024.

Os Árbitros designados pelo Conselho Deontológico do CAAD aceitaram as designações.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 17-07-2024.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 06-08-2024.

A AT apresentou resposta em que suscitou as excepções da incompetência do Tribunal em razão da matéria (por falta de vinculação, por ser pedida a fiscalização da legalidade de normas em abstracto e apreciação da  legalidade de actos de repercussão), da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, ineptidão da petição inicial (por falta de identificação dos actos que são objecto, por ininteligibilidade do pedido e a contradição entre este e a causa de pedir) e caducidade do direito de ação.

Para além disso, , a AT defendeu que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 02-10-2024 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, com possibilidade de a Requerente responder às excepções.

A Requerente pronunciou-se sobre as excepções.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar previamente as excepções suscitadas, começando pela de incompetência, de harmonia com o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

 

              2. Matéria de facto

 

  1. A B... S.A. («B...») é uma empresa fornecedora de combustíveis;
  2. Entre Outubro de  2019 e Outubro de 2023, a Requerentes adquiriu à B... gasolina e gasóleo rodoviário, nos termos que constam, das facturas juntas com   pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 3, cujos teores se dão como reproduzidos  (Documentos n.ºs 2 a 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. A B... apresentou as declarações de introdução no consumo electrónicas referentes ao combustível vendido à Requerente que deram origem a liquidações em que se incluiu de Contribuição de Serviço Rodoviário  (CSR) até ao período 12/2022 e de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) com parcial consignação de serviço rodoviário, nos termos que consta dos quadros de fls. 2 a 10 do pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
  4. A Requerente pagou o combustível adquirido à B..., em que se inclui o valor da CSR até ao período 12/2022, no valor global de € 272.765,57, e o valor do ISP parcialmente sujeito a consignação de serviço rodoviário no valor global de global de € 92.113,32 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5.  Em 31-10-2023, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações referidas, pedindo a sua anulação parcial, nas partes referentes à liquidação de CSR e à consignação de serviço rodoviário;
  6. O pedido de revisão oficiosa não foi decidido até 29-05-2024, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.1. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo.

Não se provou que a Requerente tenha repercutido os IEC que pagou à fornecedora de combustível. Não há qualquer indício disso e a própria Autoridade Tributária e Aduaneira não alega que isso tenha acontecido apenas aventando a possibilidade de isso ter acontecido.

No que concerne à repercussão da CSR e do ISP na Requerente, considera-se que é de presumir, à face das regras da experiência que os Árbitros devem aplicar na apreciação dos factos, de harmonia com o disposto no artigo 16.º, alínea c), do RJAT, em situações em que os fornecedores de combustíveis são sujeitos passivos de ISP.

A repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis é manifestamente pretendida pela lei, ao estabelecer que o financiamento da rede rodoviária nacional «é assegurado pelos respectivos utilizadores» e que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis» (artigos 2.º e 3.º do CIEC na redacção anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro).

A obrigatoriedade da repercussão é confirmada pelo artigo 2.º do CIEC, na redacção da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, ao dizer que "os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária".

O artigo 6.º da mesma Lei atribui natureza interpretativa à nova redacção, pelo que que se impõe a conclusão de que se está perante uma situação de repercussão legal, não só pretendida mas até imposta por lei, e que, quanto à CSR, já como tal se devia considerar antes da Lei n.º 24-E/2022, não só por resultar das anteriores redacções dos artigos 2.º e 3.º desta Lei, mas por essa natureza legal da repercussão ser reforçada pela natureza interpretativa atribuída à nova redacção do artigo 2.º do CIEC.  

Assim, numa situação em que o fornecedor é um sujeito passivo de ISP a quem a Autoridade Tributária e Aduaneira não imputa falta e pagamento da CSR, a existência de repercussão do tributo no consumidor final é de presumir, pois a lei impõe-lhe que efectue a repercussão dos tributos suportados, como sucede com a CSR e o ISP, pois trata-se de uma situação normal, à face das regras da experiência que os árbitros devem aplicar na fixação da matéria de facto [artigo 16.º, alínea e) do RJAT], é o que corresponde ao andamento natural das coisas, ao quod plerumque accidit, que é fundamento das presunções naturais ou judiciais. ( [1] ) A força destas presunções pode ser arredada por simples contraprova, mas, neste caso, nenhuma foi efectuada.

Neste contexto, deve dizer-se que a presunção de que ocorreu efectivamente repercussão quando ela é imposta por lei e não há qualquer facto que permita duvidar da correspondência do facto presumido à realidade, não é incompatível com o Direito da União, designadamente à face do Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no processo C-460/21, que se refere à relevância de presunções, neste contexto da CSR.

O que aí se refere, relativamente a prova de uma situação de enriquecimento sem causa, que constitui excepção ao direito ao reembolso de quantias cobradas em violação do Direito da União,  é que «o direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42)».

Isto é, o que o TJUE considera incompatível com o Direito da União é a utilização exclusiva de uma presunção de repercussão para prova de uma situação excepcional de enriquecimento sem causa, derivada de omissão de repercussão, impedindo ao operador que devia fazer a repercussão a apresentação de elementos de prova destinados a demonstrar que não ocorreu.

Mas, no caso em apreço, o que esta em causa não é a prova de uma situação de excepção, mas sim a prova da situação normal de ter existido a repercussão pretendida por lei e não há obstáculos a que seja apresentada prova de que a repercussão não ocorreu, abalando a operacionalidade da referida presunção natural. O que sucede, é que nenhuma prova foi apresentada que permita entrever que a repercussão não tenha ocorrido.

Por outro lado, é manifesta a acrescida dificuldade de prova positiva da repercussão, em situação em que a Requerente apenas tem na sua posse as facturas em que apenas se indica o preço em que se presume estar incluída a CSR e o ISP, por isso, essa acentuada dificuldade deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina "iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur". ( [2] )

Para além disso, «a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» (artigo 58.º da LGT), pelo que tinha o dever de diligenciar, na sequência da apresentação do pedido de revisão oficiosa, no sentido de apurar quais as liquidações que ela própria emitiu e os pagamentos que recebeu relativas ao pagamento de CSR pela fornecedora de combustíveis e confirmar ou não se foram ou não efectuados os pagamentos das facturas pela Requerente, se necessário através de exame à contabilidade da Requerente e informações bancárias.

É apenas nas situações em que, após a produção das provas e a realização de diligências necessárias para apurar a factualidade relevante para a decisão, subsistem dúvidas sobre factos em que deve assentar a decisão que funcionam as regras do ónus da prova, valorando procedimentalmente as dúvidas contra aquele a quem é atribuído o ónus da prova.

As regras do ónus da prova, no procedimento tributário e no processo tributário  não significam que seja sobre a parte à qual ele é atribuído que recai o dever de trazer ao processo os meios de prova dos factos relevantes para decisão, dispensando a parte contrária de tal tarefa, pois a Administração Tributária nunca está dispensada de, em cumprimento do princípio do inquisitório, antes de aplicar as regras do ónus da prova, «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido», por força do artigo 58.º da LGT.

«No procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares» (artigo 50.º do CPPT), independentemente de o ónus da prova recair ou não sobre o contribuinte.

              A expressão «todas as diligências necessárias» não dá margem para interpretação restritiva quanto aos deveres de realização de diligências que a lei impõe a AT.

O princípio do inquisitório, enunciado este artigo 58.º da LGT, situa-se a montante do ónus de prova (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.

              Por isso, não podem aplicar-se as regras do ónus da prova contra o sujeito passivo, valorando contra ele as dúvidas sobre a matéria de facto, em situação em que não foi cumprido adequadamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira o princípio do inquisitório: se houve omissão absoluta de diligências no procedimento que tinham potencialidade para esclarecer os factos relevantes para a apreciação da causa, a falta de prova tem de ser valorada contra a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

 

3. Questões da competência do Tribunal Arbitral

 

As questões da incompetência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD por falta de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira tem de ser apreciadas separadamente, quanto às liquidações de CSR e às liquidações de ISP  com consignação de serviço rodoviário.

 

3.1. Questão da incompetência por falta de vinculação quanto às liquidações de CSR

 

A Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), pretendendo a declaração da ilegalidade e anulação parcial das liquidações de CSR.

A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, visando financiar a rede rodoviária nacional, tendo-se mantido em vigor até ao presente, com alterações introduzidas pelas Lei n.ºs 67-A/2007, de 31 de Dezembro, 64-A/2008, de 31 de Dezembro, 64-B/2011, de 30 de Dezembro, 66-B/2012, de 31 de Dezembro, 83-C/2013, de 31 de Dezembro, 82-B/2014, de 31 de Dezembro, 7-A/2016, de 30 de Março, sendo substituída pelo ISP com «consignação de serviço rodoviário», pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro.

A AT suscita a questão de incompetência por entender, em suma, que a CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.

A Requerente respondeu à excepção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, dizendo, em suma, que a CSR é um imposto e, por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes para apreciação da legalidade das respectivas liquidações.

 

3.1.2. Apreciação da questão quanto às liquidações de CSR emitidas até final de 2022

 

O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, fixou como possível âmbito da arbitragem «os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária».

O Decreto-Lei n.º 10/2011 (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa, não estendeu o âmbito da jurisdição arbitral tributária a todo o tipo de litígios permitidos pela autorização legislativa, limitando a competência dos tribunais arbitrais à «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», à «declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais» e à «apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior».

A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, restringiu ainda mais o âmbito da arbitragem tributária, eliminado a possibilidade de recurso à arbitragem para declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando dêem origem à liquidação de qualquer tributo, e para apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação.

No entanto, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», veio admitir que, no âmbito das competências dos tribunais arbitrais, o âmbito da arbitragem tributária fosse limitado de harmonia com a vinculação.

Foi em concretização deste desígnio legislativo que foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que definiu o «objecto da vinculação» e os «termos da vinculação» da seguinte forma:

 

Artigo 1.º

Vinculação ao CAAD

 

      Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD — Centro de Arbitragem Administrativa os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:

a) A Direcção-Geral dos Impostos (DGCI); e

b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).

 

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

 

      Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

 

Artigo 3.º

Termos da vinculação

 

      1 – A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a € 10 000 000.

      2 – Sem prejuízo dos requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a vinculação dos serviços referidos no artigo 1.º está sujeita às seguintes condições:

a) Nos litígios de valor igual ou superior a € 500 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de mestre em Direito Fiscal;

b) Nos litígios de valor igual ou superior a € 1 000 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de doutor em Direito Fiscal.

      3 – Em caso de impossibilidade de designar árbitros com as características referidas no número anterior cabe ao presidente do Conselho Deontológico do CAAD a designação do árbitro presidente.

 

              Desta legislação e regulamentação conclui-se que houve uma preocupação em limitar o âmbito da arbitragem tributária:

– na alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei de autorização legislativa admitia-se a possibilidade de nela ser incluída a generalidade dos litígios relativos a liquidação de tributos (inclusivamente os praticados pelos contribuintes) e de fixação de valores patrimoniais que podem ser apreciados em processo de impugnação judicial e o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária;

– no artigo 2.º do RJAT não se incluiu na arbitragem tributária o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária e estabeleceu-se no artigo 4.º, que a vinculação da Administração Tributária, que se reconduz a definição do âmbito da arbitrabilidade de litígios deveria ser efectuada por portaria;

– com a Lei n.º 64-B/2011, impôs-se que na portaria se indicassem o tipo e o valor máximo dos litígios, o que tem como corolário que nem todos os litígios estão abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT;

– a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, limitou a vinculação aos serviços da Administração Tributária estadual e aos tribunais «que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida», com várias excepções.

 

A intenção legislativa de restringir o âmbito da arbitragem tributária em relação ao que foi permitido pela autorização legislativa resulta com evidência destes diplomas e é explicada pelas justificadas dúvidas que, no início da arbitragem tributária, se suscitavam sobre o possível inadequado funcionamento de um meio inovador de resolução de litígios em matéria tributária, bem patentes nas preocupações sentidas pelo Senhor Conselheiro Santos Serra, Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, na sessão de apresentação do novo regime de arbitragem fiscal, que ocorreu em Lisboa, no dia 14-12-2010:

 

Assim, e logo à partida, é preciso que o regime de arbitragem tributária ora constituído consiga afastar receios de que, por via da arbitragem, as partes consigam contornar as imposições legais que sobre si recaem, e que façam letra morta dos princípios da legalidade e da igualdade entre contribuintes em matéria tributária, com a capacidade negocial diferenciada das partes a sobrepor-se ao princípio da tributação de acordo com a sua real capacidade contributiva.[3]

A consciência dos riscos como fundamento das limitações do âmbito foi expressamente explicada pelo Senhor Prof. Doutor Sérgio Vasques (que desempenhava as funções de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao tempo em que foram emitidos o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), em texto publicado na Newsletter n.º 1 do CAAD:

 

A arbitragem tributária, tal como contemplada no Regime da Arbitragem Tributária veio a apresentar âmbito mais estreito relativamente ao que figurava na autorização legislativa do orçamento do estado para 2010, pela consciência de que esta era, e continua a ser, uma experiência inovadora que não vai sem os seus riscos. Foi também com precaução que a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual se vinculou a administração tributária ao regime, impôs vários limites desde logo atendendo à especificidade e ao valor das matérias em causa, associando-se deste modo a Administração Fiscal a este mecanismo de resolução alternativa de litígios nos estritos termos e condições estabelecidos na Portaria». [4]

 

Nos litígios em matéria de direito tributário está em causa o interesse público primacial de um Estado de Direito, que é a obtenção de receitas imprescindíveis ao próprio funcionamento global do Estado, o que justifica que na vinculação se tomassem cautelas.

A arbitragem tributária poderia vir a ser um meio generalizado alternativo de resolução de litígios fiscais, mas, antes de serem dadas provas reiteradas da qualidade e isenção das suas decisões, a necessidade de protecção do interesse público e de assegurar a efectividade dos princípios essenciais da legalidade e da igualdade tributária que o enformam nesta matéria recomendava em 2011 e recomenda actualmente que se avance com cuidado, sem entusiasmos desmedidos, não deixando ao arbítrio dos cidadãos a opção livre e ilimitada por esse meio de resolução de litígios.

Essa cautela é especialmente aconselhada quando, por razões de celeridade, se optou por restringir os meios de impugnação e recurso das decisões arbitrais e, por isso, é menor do que nos tribunais tributários a viabilidade de correcção de possíveis erros de julgamento que sejam lesivos do interesse público.

Por isso se justificava em 2011 e se justifica ainda hoje que haja limitações ao acesso à arbitragem tributária, de forma de compatibilizar a utilização deste meio opcional de acesso à justiça com a obrigação estadual de proteger o interesse público, assegurar a legalidade e igualdade tributária e a arrecadação de receitas imprescindíveis para o funcionamento do Estado.

A esta luz, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que o âmbito da vinculação seria definido por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, atribui-lhes um poder discricionário, para definirem a amplitude da vinculação da forma como entendam que melhor se prossegue o conjunto de interesses públicos cuja concretização está em causa, definição esta que não pode dispensar, naturalmente, a avaliação da verificação da existência das condições de ordem material e humana necessárias para a implementação deste novo regime.

Neste contexto em que havia uma evidente intenção de restringir o âmbito inicial da arbitragem tributária em relação à amplitude permitida pela lei de autorização legislativa, sendo consabido que a Constituição da República Portuguesa (CRP) e a Lei Geral Tributária (LGT) aludem a vários tipos de tributos, que designam como «impostos», «taxas» e «contribuições financeiras» [artigos 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] e 3.º, n.ºs 2 e 3, da LGT], a inclusão da palavra «impostos» na expressão «apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida» contrastando com a referência mas abrangente a «actos de liquidação de tributos» que foi usada na alínea a) do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 3-B/2010 (autorização legislativa) para definir o âmbito da autorização, tem de ser interpretada como expressão precisa da restrição que se pretendeu efectuar.

Na verdade, assente que a intenção legislativa era restringir o âmbito da jurisdição arbitral, se foi utilizada uma expressão com alcance restritivo para indicar o âmbito da restrição, tem de pressupor-se, presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), que se pretendeu restringir nos precisos termos, se não houver razões que imponham que se conclua que houve alguma deficiência na expressão do pensamento legislativo. Uma norma com alcance restritivo deve, em princípio, ser interpretada em termos estritos e não extensivamente, pois a ampliação do seu alcance estará presumivelmente ao arrepio do pensamento legislativo que a interpretação jurídica visa reconstituir (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil).

Como se escreve no Acórdão n.º 539/2015, do Tribunal Constitucional:

«As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).

As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em “As taxas e a coerência do sistema tributário”, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora)».

 

Por outro lado, quando foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que o Governo definiu o âmbito da vinculação à arbitragem tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava tributos com a designação de «contribuição» (designadamente, desde 2008, a contribuição de serviço rodoviário que aqui está em causa, e tinha já sido criada pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a contribuição sobre o sector bancário), pelo que não se pode aventar, com pertinência, que não se colocasse, no momento da emissão daquela Portaria, a necessidade esclarecer com rigor se o âmbito da vinculação abrangia ou não tributos com a designação de «contribuições».

A intenção governamental de afastar da vinculação à arbitragem tributária as pretensões relativas a contribuições é confirmada pela alteração efectuada ao artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2001 pela Portaria n.º 287/2019, de 3 de Setembro, em que se manteve a referência restritiva a «impostos», em momento em que a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava vários tributos com a designação de «contribuições», como, além da CSR e da contribuição sobre o sector bancário, a contribuição extraordinária sobre o setor energético (criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) e a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica (criada pelo artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro).

Por outro lado, utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir também que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que a legislativamente foi adoptada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar mais apropriada, como base em considerações de natureza doutrinal. A classificação de tributos especiais, designadamente para apurar se devem ser ou não tratados constitucionalmente como impostos é, frequentemente, uma tarefa complexa, objecto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não há qualquer razão para crer, em termos de razoabilidade, que o legislador, que tem de se presumir que consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), tivesse optado por impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais, em vez de optar pela identificação clara e segura dos tributos a que pretendeu aludir através da designação que legislativamente foi considerada adequada que, além do mais, se compagina melhor com a celeridade de decisões que se visou atingir com a criação da arbitragem tributária.

Para além disso, nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.

Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considera «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.

No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.

Por outro lado, da relegação da definição do âmbito da vinculação para diploma de natureza regulamentar depreende-se que, subjacente à restrição que se pretendeu efectuar estarão também razões pragmáticas relacionadas com a criação das condições práticas para implementação do novo regime, que normalmente se reservam para diplomas de natureza executiva, como são as relativas à disponibilidade de meios humanos da Administração Tributária com formação adequada para a representarem adequadamente nos processos tributários que exijam formação mais especializada. Neste caso, pelas limitações ao âmbito da jurisdição arbitral que se fazem nas alíneas c) e d) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quanto a litígios relacionados com matéria aduaneira, entrevê-se que estarão razões desse tipo subjacentes a essas restrições à arbitrabilidade de litígios.

Tendo o poder discricionário para definir o âmbito da vinculação sido atribuído aos membros do Governo indicados no artigo 4.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 e não aos tribunais arbitrais, não podem estes substituir-se àqueles na definição do âmbito da jurisdição arbitral. Desde logo porque os tribunais não possuem o conhecimento de todos os elementos de natureza operacional que podem ter levado os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011. E, depois, porque foi a esses membros do Governo e não aos tribunais arbitrais que a lei atribuiu o poder de definir o âmbito da vinculação.

Pelo exposto, a interpretação correcta, alicerçada no teor literal deste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 e nas regras interpretativas que constam do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, mas tendo também em conta as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), é a de que se pretendeu restringir a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a litígios em que estejam em causa tributos legislativamente classificados como impostos ou explicitamente como tal considerados (como sucede com as «contribuições especiais» referidas no n.º 3 do artigo 4.º da LGT), com as excepções arroladas naquela norma.

Assim, é de concluir que não é abrangida pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, a apreciação de litígios que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas à CSR.

Pelo que se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 146/2019-T, a falta de vinculação não implica incompetência absoluta, em razão da matéria, a que alude o artigo 16.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, pois a competência para apreciação da generalidade de actos de liquidação de tributos se insere nas competências dos tribunais arbitrais definidas no artigo 2.º do RJAT.

Mas, está-se perante incompetência relativa por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária [Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ( [5] )], acordo esse que, relativamente à arbitragem tributária, é genericamente exigido e definido no que concerne à Autoridade Tributária e Aduaneira através da vinculação, prevista no artigo 4.º do RJAT.

Tendo esta incompetência sido arguida tempestivamente, na Resposta (artigo 18.º, n.º 4, da LAV), tem de concluir-se que procede, com esta fundamentação, a excepção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Esta interpretação do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 é compaginável com a Constituição, como já decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 545/2019, de 16-10-2019, proferido no processo n.º 1067/2018.

Pelo exposto, procede a excepção a incompetência por falta de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto à apreciação da legalidade das liquidações de CSR emitidas até ao final de 2022.

 

3.1.3. Apreciação da questão quanto às liquidações de ISP emitidas a partir do início de 2023

 

A Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, alterou a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, resultando das alterações que foi eliminada a CSR, passando o financiamento a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S. A. (IP, S. A.) que era efectuado com as suas receitas a ser efectuado com a consignação de uma parte da receita global de ISP.

              Por isso, a nível de impostos especiais de consumo, o tributo que incidiu sobre os combustíveis que a B... vendeu à Requerente a partir de 2023 é apenas o ISP.    

              O ISP é uma prestação de natureza pecuniária, unilateral, definitiva e coactiva, sem cariz sancionatório, tendo como credor o Estado e tendo como destino a afectação à realização de fins públicos ( [6] ), pelo que se enquadra no conceito de «imposto», sendo inclusivamente qualificado legislativamente como tal, co resulta da sua denominação.

              Assim, quanto às liquidações de ISP referentes aos períodos de 2023, não corre aquela como por falta de vinculação da AT, pois esta abrange a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, como resulta do corpo do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

              Pelo exposto não ocorre incompetência por falta de vinculação quanto às liquidações relativas a períodos de 2023.

 

              3.2. Questões da incompetência  do Tribunal Arbitral relativamente à apreciação da ilegalidade de norma em abstracto

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que  a Requerente suscita junto desta instância arbitral é a legalidade do regime da CSR, no seu todo;

-  ao sustentar o seu pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, não obstante com fundamento na sua desconformidade face ao direito europeu, a Requerente vem questionar todo o regime jurídico desta contribuição;

- pelo que, pretendendo a Requerente, em rigor, a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa, visa, com a presente ação, suspender a eficácia de atos legislativos;

- a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação que não consente nem o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação (o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão) - vide artigo 2.º do RJAT.

 

A Requerida parte aqui de um pressuposto errado, que é o de que esteja em causa uma fiscalização da legalidade de normas em abstrato.

Com efeito, é manifesto que a Requerente impugna os actos de liquidação de CSR repercutidos sobre si nas facturas referentes ao combustível  adquirido, invocando como causa de pedir, a desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008.

Assim, não está em causa a fiscalização abstracta da legalidade das normas que criaram e regularam a CSR, mas sim a fiscalização da legalidade concreta de actos que as aplicaram, o que se insere na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, definida no artigo 2.º do RJAT.

De resto, mesmo que estivesse em causa inconstitucionalidade das normas que criarem a CSR, nada obstava a que o Tribunal Arbitral se pronunciasse sobre a questão de constitucionalidade no âmbito do controlo difuso que o artigo 204.° da Constituição impõe a todos os tribunais, ao estabelecer que "nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados".

Neste caso, estando em causa a desconformidade do regime da CSR com o regime previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, não pode deixar de concluir-se, do mesmo modo, pela competência contenciosa do Tribunal Arbitral para a apreciação do litígio.

Com efeito, as normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8.º da Constituição).

A impugnação judicial de um acto de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT), que pode resultar de normas de direito interno ou de direito internacional convencional.

Assim, não existe qualquer obstáculo a que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade dos actos de liquidação baseado em desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida.

Improcede, consequentemente, a excepção invocada.

 

       

3.3. Questão da incompetência o Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade de actos de repercussão de CSR subsequentes a actos de liquidação

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que nunca poderia o tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, que não são atos de tributários e que, para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto.

A repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis é pretendida por lei, pois é a única forma de assegurar que «para financiamento da rede rodoviária nacional» seja «assegurado pelos respectivos utilizadores» e que a CSR seja a «contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis» (artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007 de 31 de Agosto, na redacção anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro).

Por isso, está-se perante repercussão legal, prevista na lei e por ela pretendida, e não perante repercussão económica.

     As dúvidas que pudessem subsistir sobre natureza de repercussão legal foram terem sido dissipadas pelo artigo 2.º do CIEC, na redacção da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, que confirma a obrigatoriedade de repercussão em matéria de impostos especiais de consumo, ao dizer que "os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária".

O artigo 6.º da mesma Lei atribui natureza interpretativa à nova redacção, pelo que se impõe a conclusão de que a repercussão é imposta por lei, quanto a todos os impostos especiais de consumo, inclusivamente a CSR, como já resultava anteriormente, quanto a esta, dos artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto.

De qualquer modo, no pedido de pronúncia arbitral a Requerente apenas pede a anulação parcial das liquidações de IEC, pelo que nem se colocaria a questão da competência deste Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade de actos de repercussão, que não são objecto do processo.

No entanto, no artigo 45.º da sua Resposta às Excepções, a Requerente alude à ilegalidade dos «consequentes atos de repercussão consubstanciados nas faturas», pelo que importa apreciar esta excepção.

A declaração de ilegalidade de actos de repercussão de tributos não está prevista no artigo 2.º do RJAT, que define a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Por isso, este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar a legalidade dos actos de repercussão, o que não prejudica a sua competência para apreciar a legalidade dos actos de liquidação de IEC que lhe estão subjacentes.

Procede, assim, esta excepção, limitada à declaração ilegalidade dos actos de repercussão.

 

 

   4. Questão da ilegitimidade da Requerente

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que

–      apenas o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo a quem foi liquidado o imposto e que efetuou o correspondente pagamento, reúne condições (e pode identificar os atos de liquidação), para solicitar em caso de erro, a revisão desses atos de liquidação com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigo 15º e 16º do CIEC);

–      no âmbito destes impostos, de acordo com o estatuído no artigo 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não são considerados com legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente reembolso do imposto, estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia comercial (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais);

–      a Requerente não é sujeito passivo nem suporta o encargo do imposto por repercussão legal, mas apenas repercussão económica, pelo que não lhe é reconhecida legitimidade pelo artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT;

–      é esse, aliás, o sentido que se pode retirar do entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Processo C-460/21, ao reconhecer a legitimidade do sujeito passivo do imposto, ao reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, que não tenha sido repercutido a jusante;

–      a Requerente quando adquire combustível ao seu fornecedor, o sujeito passivo do ISP/CSR, estabelece uma relação de direito privado entre empresas que é a liquidação do ISP/CSR e o reembolso da CSR alegadamente repercutido no custo de aquisição de combustível;

– poderão ocorrer situações em que a AT se veja obrigada a duplicação de reembolsos.

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

 

– o direito à  proteção jurisdicional efetiva é garantido pela CRP, pela Declaração Europeia dos Direitos do Homem e pelo Direito da União Europeia, permite impugnar todos os actos que lesem a Requerente;

– a aplicação correta da jurisprudência do TJUE, cotejada com os efeitos de contencioso de anulação vigente no plano doméstico, será sempre suficiente para, sem mais, eliminar qualquer situação de duplicação de reembolsos e inerente enriquecimento sem causa;

– caso não se entenda que o Direito da União assegura o direito de a Requerente impugnar as liquidações em causa, deverá efectuar-se reenvio prejudicial  o TJUE.

 

O regime da CSR, na versão anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, foi criado tendo em vista a repercussão nos consumidores das quantias cobradas a esse título pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos.

Na verdade, no artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, vigente em 2018 e 2019) estabelece-se que «o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável» e no n.º 3 do mesmo artigo (na redacção inicial) estabelece-se que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis».

Resulta destas normas que, na perspectiva legislativa, o destinatário do encargo económico resultante da imposição da CSR é o consumidor de combustíveis, sendo as empresas comercializadoras, que devem efectuar o seu pagamento ao Estado, meras substitutas tributárias. Neste contexto, a repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis é uma repercussão legal, já que é pretendida por lei.

O artigo 2.º do CIEC, na redacção da Lei n.º 24-E/2022. De 30 de Dezembro confirma a obrigatoriedade de repercussão, ao dizer que «os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária».

O artigo 6.º da mesma Lei atribui natureza interpretativa à nova redacção.

Trata-se, por isso, de repercussão legal, prevista na lei e pretendida pelo legislador, em termos («sendo repercutidos»), pelo que a legitimidade dos repercutidos é expressamente assegurada pela alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT .

A imposição constitucional do reconhecimento do direito de impugnação a quem for lesado por qualquer acto de natureza administrativa, que resulta do artigo 268.º, n.º 4, da CRP, leva a concluir que, tendo havido repercussão do tributo, é o repercutido o único lesado pela liquidação do tributo, quem tem legitimidade para impugnar os actos que afectaram a sua esfera jurídica, no exercício do direito de impugnação de todos os actos lesivos que lhe é constitucionalmente garantido.

Essa legitimidade do substituído para impugnação contenciosa é assegurada pelo artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT e pelos n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT, aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, na medida em que reconhecem legitimidade procedimental e processual aos contribuintes e a todos que forem obrigados tributários e mesmo a quem for titular de um interesse legalmente protegido.

Na pena de CASALTA NABAIS,

«Tanto é contribuinte o contribuinte directo, em relação ao qual o referido desfalque patrimonial ocorre directamente na sua esfera seja ele ou não o devedor do imposto, como o contribuinte indirecto, em relação ao qual o mencionado desfalque patrimonial ocorre na sua esfera através do fenómeno económico da repercussão do imposto».

A este respeito, costumam alguns autores distinguir entre contribuinte de direito e contribuinte de facto, sendo o primeiro a pessoa em relação à qual se verifica o pressuposto de facto do imposto, e o segundo o que, em virtude da repercussão, suporta economicamente o imposto. Todavia, o conceito de contribuinte é um conceito jurídico e a repercussão, quando legalmente prevista como é a regra dos impostos sobre o consumo, convoca o suportador do imposto não apenas em termos económicos, mas também em termos jurídicos, uma vez que, para além de uma obrigação jurídica de repercussão formal, temos uma de obrigação natural de repercussão material.

Por isso mesmo, não admira que a al. a) do n.º 4 do art. 18º da LGT fale de repercussão legal e reconheça legitimidade processual activa ao consumidor final ou adquirente de serviços para impugnar, administrativa ou judicialmente, o correspondente acto tributário. Um reconhecimento que a nossa jurisprudência já vinha aceitando e que, a nosso ver, é mesmo exigido pelo respeito do princípio da capacidade contributiva, uma vez que a capacidade contributiva, que em tais impostos se visa atingir, é efectivamente a do consumidor final ou do adquirente de serviços e não a do sujeito passivo do IVA» ( [7] )

 

De resto, uma interpretação do artigo 9.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT no sentido da ilegitimidade do substituído para impugnar actos de liquidação que lesem a sua esfera jurídica, será materialmente inconstitucional, por incompatibilidade com aquele n.º 4 do artigo 268.º da CRP. 

Por isso, mesmo que se possa aventar uma interpretação daquele artigo 9.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT no sentido da ilegitimidade, ela seria de rejeitar por haver uma interpretação possível conforme à Constituição, que é a de reconhecer ao substituído o direito de impugnação.

O direito de o substituído impugnar os actos de liquidação subjacentes à repercussão decorre também do regime do artigo 132.º do CPPT, adequadamente interpretado.

Trata-se de um direito à anulação desses actos de liquidação, para obter o reembolso do imposto indevidamente liquidado e não meramente de um direito a indemnização pelo substituto.

Com efeito, embora o artigo 132.º do CPPT se refira expressamente aos casos de substituição com retenção na fonte, esse regime deve aplicar-se a todos os casos de substituição. ( [8] ) Na verdade, como foi esclarecido na redacção do n.º 2 do artigo 20.º da LGT introduzida pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, ao dizer que «a substituição tributária é efetivada, designadamente, através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido», a retenção na fonte do imposto devido é apenas uma das formas de substituição tributária ( [9] ) e os fundamentos do reconhecimento do direito de impugnação do substituído vale manifestamente para todas as situações de substituição.

A aplicação do regime do artigo 132.º, com as adaptações que eventualmente forem necessárias, a todos os casos de substituição tributária, inclusivamente sem retenção na fonte, decorre desde logo, do teor expresso da epígrafe da SECÇÃO VIII, em que está incluído o art. 132.º: «SECÇÃO VIII Da impugnação dos atos de autoliquidação, substituição tributária, pagamentos por conta e dos atos de liquidação com fundamento em classificação pautal, origem ou valor aduaneiro das mercadorias».

Nesta epígrafe nem se faz referência a «retenção na fonte», mas apenas a «substituição tributária», o que revela uma intenção legislativa, que acabou por ser mal traduzida na letra do artigo 132.º, de estabelecer um regime aplicável a todos os casos de substituição tributária.

A confusão dos conceitos, reduzindo os casos de substituição tributária aos de retenção na fonte, já vem do Código de Processo Tributário de 1991, mas poderá ter sido incentivada pelo infeliz artigo 20.º da LGT, na redacção inicial, que dizia que «a substituição tributária é efectivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido», embora fosse evidente que havia casos de substituição sem retenção na fonte, como era, ao tempo, o caso de várias taxas, como, por exemplo, a  «taxa anual de radiodifusão», prevista no Decreto-Lei n.º 389/76, de 24 de Maio, em cujo artigo 2.º, n.º 1, se estabelece que «é instituída uma taxa anual de radiodifusão de âmbito nacional, a cobrar em duodécimos, mensal e indirectamente, por intermédio das distribuidoras de energia eléctrica, a ela ficando sujeitos os consumidores domésticos de iluminação e outros usos».

Outro exemplo, é a «taxa de seguração» criada pelo DL n.º 102/91 de 8 de Março, que opera através de um mecanismo de substituição tributária, nos termos do qual a operadora de transporte aéreo substitui o INAC na cobrança da taxa aos passageiros e substitui-se aos passageiros na entrega do seu valor ao INAC, a que se refere o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-09-2023, processo n.º 67/09.6BELRS.

A Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, acabou por reconhecer expressamente que há substituição tributária sem retenção na fonte ao dizer que «a substituição tributária é efetivada, designadamente, através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido».

Mas, como se referiu, no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-09-2023 acaba por se concluir, embora sem fundamentação explícita, que o artigo 132.º do CPPT, «exprime, no plano processual, um princípio material aplicável a todos os casos de substituição tributária».

Dando alguma solidez hermenêutica a esta conclusão, poderá dizer-se que a regra se aplicará com base numa interpretação extensiva: disse-se «retenção na fonte» no artigo 132.º do CPPT quando pretendia incluir-se na SECÇÃO VIII em que aquele artigo se insere o regime da impugnação dos actos praticados no âmbito de substituição tributária, independentemente de se tratar de casos em que ela opera através de retenção na fonte.

Em última análise, se se entendesse inviável uma interpretação extensiva (apesar do seu suporte expresso na epígrafe referida), em face do reconhecimento constitucional do direito de impugnação de todos os actos lesivos, sempre se teria de concluir que se estaria perante uma lacuna de regulamentação, que importaria preencher através da aplicação do regime do artigo 132.º do CPPT, com as adaptações necessárias, por existir evidente paralelismo das situações de substituição com e sem retenção na fonte, a nível dos direitos de impugnação do substituído, o que seria fundamento para a sua aplicação analógica.

O direito de reembolso do substituído a quem foi repercutido imposto liquidado com violação do Direito da União Europeia, é também assegurado, na interpretação que dele fez o TJUE no despacho do TJUE de 07-02-2022, processo n.º C-460/21:

«39 A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas».

«42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido».

43 «... a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos».

 

Como decorre desta jurisprudência, há uma obrigação de a Administração Tributária reembolsar os tributos cobrados em violação do Direito de União a quem efectivamente os suportou, pelo que no caso de tributos susceptíveis de repercussão, a titularidade do direito ao reembolso dependerá de ela ter sido ou não concretizada.

É corolário desta jurisprudência do TJUE que, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem legitimidade para impugnar os actos que a concretizem ou os que a antecedam, pois apenas o repercutido é afectado na sua esfera jurídica pelo acto lesivo e o substituto só terá legitimidade na medida em que não tenha repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade.

No caso em apreço, deu-se como provado que ocorreu efectivamente repercussão da CSR, pelo que apenas a Requerente é titular do direito ao reembolso.

Assim, não se coloca a questão da plúrima possibilidade de reembolso pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pois, apenas o repercutido tem direito ao reembolso.

De qualquer modo, é manifesto que não há qualquer fundamento legal nem lógico para os direitos económicos e processuais do repercutido, que pagou o tributo indevido, serem prejudicados pelo facto de poder também ser efectuado indevido reembolso do tributo às entidades que o repercutiram.

Pelo exposto, improcede a excepção da ilegitimidade substantiva e processual.

 

 5. Questão da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral

 

A AT defende a que o pedido de pronúncia arbitral é inepto porque, em suma, a Requerente não identifica os actos que são objecto do pedido arbitral, como exige a alínea b) o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, por ininteligibilidade do pedido e a contradição entre este e a causa de pedir.

Diz ainda Autoridade Tributária e Aduaneira que  Requerente formula um pedido de anulação de liquidações e respetivo reembolso de valores alegadamente suportados, no entanto, fazendo-o através da mera impugnação de alegadas repercussões, sem sequer identificar o nexo entre estas e aquelas, (que não existe).o implicará ininteligibilidade do pedido e a contradição entre este e a causa de pedir».

A questão será apreciada apenas relativamente às liquidações relativas ao ano de 2023, a que se limita a competência deste Tribunal Arbitral, como se referiu.

A Requerente defende, em suma, que

– o pedido arbitral, mediante a remissão para os documentos, não só identifica as faturas emitidas pelos fornecedores de combustíveis em que houve lugar à repercussão da CSR, como indica a quantia global suportada a esse título, juntando prova do seu pagamento:

– não sendo a Requerente o sujeito passivo “formal” do imposto, nem o direto responsável pela sua liquidação, mas sim a entidade que suporta o encargo por efeito da repercussão, não lhe compete o ónus de identificação e de comprovação dos atos de liquidação repercutidos, nem a prova da conexão entre os atos de liquidação e as faturas de compra que revelam a repercussão do imposto;

– o contribuinte se encontra na impossibilidade de obter elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade;

– para além de que a identificação dos atos de liquidação não é imprescindível para apurar a legalidade da cobrança da CSR constante das faturas em causa, identificadas no pedido arbitral pela Requerente;

– a AT está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material e ao princípio da colaboração, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade, constituindo um afloramento deste princípio o disposto no artigo 58.º da LGT;

– não obstante os serviços poderem obter a colaboração da fornecedora do combustível e aceder por via oficiosa às declarações de introdução no consumo e aos correspondentes atos de liquidação;

– a Requerente não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível identificar as liquidações a que não pode ter acesso, quando era possível à AT apurar pelos seus próprios meios os atos de liquidação.

 

 

O artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.

Não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

No artigo 186.º, n.º 1, do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:

a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

 

O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que «se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial».

No que concerne à alínea a), não se estando perante uma situação de falta do pedido ou de causa de pedir, apenas se poderá enquadrar a arguição no conceito de inteligibilidade.

No entanto, percebe-se o que a Requerente pretende, nomeadamente quanto à apreciação da legalidade das liquidações de IEC relativas a 2023 (a que se limita a competência deste Tribunal Arbitral), que é que seja declarada a uma ilegitimidade e sejam anuladas parcialmente nas partes correspondentes à consignação de serviço rodoviário prevista na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, na redacção da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro.

Por outro lado, a alegada contradição entre a o pedido e a causa de pedir assenta no pressuposto errado de que a Requerente pede a «anulação de liquidações e respetivo reembolso de valores alegadamente suportados, no entanto, fazendo-o através da mera impugnação de alegadas repercussões».

Na verdade, a Requerente não imputa ilegalidade aos actos de repercussão, mas sim às liquidações de IEC, sendo da ilegalidade destas que resulta a sua lesão ter havido repercussão legal.

Por isso, não há qualquer contradição: a Requerente imputa ilegalidade parcial às liquidações de IEC relativas ao na de 2023, e quer ser ressarcida dos valores que pagou indevidamente em consequência dessa ilegalidade.

Como resulta da matéria de facto fixada, as facturas de venda de combustíveis juntas aos autos relativas ao ano de 2023 incluem o montante do ISP parcialmente sujeito a consignação de serviço rodoviário, que foi entregue ao Estado pela empresa comercializadora e foi repercutido sobre a Requerente, pelo que são, por essa via, apuráveis os montantes cuja anulação a Requerente pretende e que expressamente quantifica.

A eventual dificuldade que a AT possa ter para identificar as liquidações que ela própria emitiu aos fornecedores de combustíveis relacionadas com as facturas em causa, é um problema de organização dos seus serviços, pelo que é ela própria quem deve suportar os seus hipotéticos inconvenientes.

Por outro lado, a liquidação da CSR era efectuada com base nas DIC, que deviam ser processadas até ao final do dia útil seguinte àquele em que ocorra a introdução no consumo (artigo 10.º, n.ºs 1 e 3, do CIEC), pelo que se afigura que não era impossível à AT apurar qual a DIC relacionada com cada factura e a respectiva liquidação que emitiu.

Para além disso, a falta de indicação das liquidações pela Requerente está perfeitamente justificada, pois elas foram emitidas pela AT à empresa que efectuou a introdução no consumo e não foram notificadas à Requerente.

Neste contexto, não era exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a AT emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa, nem essa identificação é necessária para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas facturas em causa.

A exigência de identificação das liquidações, numa situação deste tipo, em que o repercutido não tem possibilidade de as identificar e a identificação não é imprescindível para apurar a legalidade da cobrança de IEC incluído nas facturas, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade, ínsito no artigo 18.º da CRP,  e o direito à tutela judicial efectiva garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnar contenciosamente actos que lhe aplicam tributação e lesam a sua esfera jurídica.

A desproporcionalidade de um juízo no sentido da ineptidão que privaria a Requerente de  obter a apreciação jurisdicional para a sua pretensão  é especialmente evidente numa situação em que a Autoridade Tributária e Aduaneira, que tem poderes de exigir das empresas fornecedoras de combustíveis os esclarecimentos necessários sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiro (artigo 59.º, n.º 4, da LGT), não mostrou ter efectuado qualquer diligência, na sequência do pedido de revisão oficiosa, para identificação das  liquidações conexionadas com as facturas juntas pela Requerente.

Isto é, à face do que consta dos autos, está-se perante uma situação em que a falta de identificação das liquidações de CSR é objectivamente imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, por ser único sujeito processual a quem a lei confere poderes que permitiriam apurar tal identificação. E, por isso, como diz a Requerente, não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a AT se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios. A indevida inércia da Autoridade Tributária e Aduaneira ser fundamento da aplicação à Requerente da sanção processual que a ineptidão da petição inicial consubstancia.

Pelo exposto, improcede a excepção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.

 

6. Questão da caducidade do direito de acção e tempestividade do pedido de revisão oficiosa e do pedido de constituição do tribunal arbitral

 

              Como se referiu, a competência deste Tribunal Arbitral limita-se às liquidações relativas ao ano de 2023.

 

   6.1. Tempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral

 

O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 31-10-2023.

Não houve decisão do pedido de revisão oficiosa até 29-05-2024, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral.

O indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa formou-se em 29-02-2024, quatro meses após a apresentação do pedido, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT e do artigo 279.º, alínea c) ,parte final, do Código Civil.

Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 29-05-2024, pelo que a apresentação foi efectuada dentro do prazo de 90 dias previso no RJAT.

 

6.2. Tempestividade do pedido de revisão oficiosa

 

O prazo para apresentação do pedido de revisão oficiosa era o de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços, previsto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Na verdade, como há muito vem entendendo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, constitui erro imputável aos serviços qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte, isto é, qualquer ilegalidade para a qual não tenha contribuído, por qualquer forma, o contribuinte através de uma conduta activa ou omissiva, determinante da liquidação, nos moldes em que foi efectuada. ( [10] )

No caso em apreço, é manifesto que os erros imputados às liquidações impugnadas não são imputáveis à Requerente, pois não teve qualquer intervenção no procedimento de liquidação.

A Requerente pediu a revisão oficiosa de actos de liquidação de IEC de que foram repercutidos em facturas emitidas em 2023.

Sendo de 4 anos, a contar da liquidação, o prazo de revisão oficiosa, por erro imputável aos serviços, previsto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, é manifesto que o pedido de revisão foi apresentado tempestivamente quanto às liquidações relativas ao ano de 2023.

De resto, sendo aplicáveis à impugnação de actos praticados em substituição tributária o regime do artigo 132.º do CPPT, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no citado  acórdão de 06-09-2023, processo n.º 67/09.6BELRS, o prazo para a reclamação graciosa era de dois anos a contra do termo do ano de 2023, em que foram efectuados os pagamentos considerados pelo Requerente indevidos.

Por isso, a Requerente podia apresentar o pedido de revisão oficiosa até 31-12-2025, com fundamento em qualquer ilegalidade, nos termos da 1.ª parte do artigo 78.º da LGT.

 

7. Questão  da violação do Direito da União quanto as liquidações relativas ao ano de 2023

 

Como se referiu este Tribunal Arbitral apenas tem competência para apreciar a pretensão da Requerente relativamente às liquidações de IEC (ISP) efectuadas em 2023.

A Directiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem directa ou indirectamente sobre o consumo de produtos energéticos (além de doutros) estabelece no n.º 2 do seu artigo 1.º que «os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções».

Relativamente à CSR, que constituía um dos «outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo», no Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Proc. C-460-21 decidiu-se que artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, deve ser interpretado no sentido de que a CSR, cujas receitas ficam genericamente afectadas a uma empresa concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários, não prossegue «motivos específicos», sendo, por isso, um imposto incompatível com a directiva.

A tese da Requerente, quanto às liquidações emitidas no ano de 2023, é, em suma, a de que

– as alterações introduzidas pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, tendo promovido a “extinção” da CSR, nos termos em que até então vigorava, determinaram que a mesma fosse “incorporada” no ISP, mediante integração nas taxas unitárias previstas pelo n.º 1 do artigo 92.º do Código dos IEC;

– aquela Lei passou a prever-se uma “consignação de serviço rodoviário”, cujo montante corresponde exatamente ao que decorria, até então diretamente, da CSR (Cf. Artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 55/2007, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro);

– o efeito económico de um imposto (a CSR) declarado ilegal manteve-se, fruto da sua incorporação direta no ISP, e da previsão de uma consignação de receita que padece exatamente da mesma ilegalidade que a CSR em vigor até 31 de dezembro de 2022.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o TJUE não considerou ilegal a CSR, na e pronunciando especificamente sobre as hipotéticas consequências da alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 24-E/2022.

A Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, alterou a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que estabelecia o regime da CSR.

A Lei n.º 55/2007 estabelecia o seguinte, na redacção vigente até final de 2022, no que aqui interessa:

 

Artigo 1.º

Objecto

A presente lei cria a contribuição de serviço rodoviário, que visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., e determina as condições da sua aplicação.

 

 

Artigo 2.º

Financiamento

1 - O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respectivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.

2 - O disposto na presente lei não é aplicável nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira

 

Artigo 3.º

Contribuição de serviço rodoviário

1 - A contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.

 2 - A contribuição de serviço rodoviário é estabelecida tendo em atenção o disposto no número anterior e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., no que respeita à respectiva concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento.

 3 - A exigência da contribuição de serviço rodoviário não prejudica a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso pela EP - Estradas de Portugal, E. P. E., a outras formas de financiamento.

 

Artigo 4.º

Incidência e valor

1 - A contribuição de serviço rodoviário incide sobre a gasolina, o gasóleo rodoviário e o GPL auto, sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e deles não isentos.

2 - O valor da contribuição de serviço rodoviário é de (euro) 87/1000 l para a gasolina, de (euro) 111/1000 l para o gasóleo rodoviário e de (euro) 123/1000 kg para o GPL auto.

3 - A revisão ou actualização do valor da contribuição de serviço rodoviário é precedida de parecer do InIR - Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I. P., a emitir nos termos da respectiva lei orgânica.

 

 

Artigo 5.º

Liquidação e cobrança

1 - A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.

2 - Os encargos de liquidação e cobrança incorridos pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo são compensados através da retenção de uma percentagem de 2 % do produto da contribuição de serviço rodoviário.

 

Artigo 7.º

Fixação das taxas do ISP

As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário.

 

Aquela Lei estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

Artigo 1.º

Objecto

A presente lei consigna parcialmente a receita do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos ao serviço rodoviário, tendo em vista financiar a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S. A. (IP, S. A.)

 

 

Artigo 2.º

Financiamento

1 - O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.

2 - O disposto na presente lei não é aplicável nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

 

Artigo 3.º

Consignação de serviço rodoviário

1 - Parte da receita do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos é transferida do orçamento do subsetor Estado para a IP, S. A., constituindo receita própria desta.

2 - A receita de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos consignada nos termos do número anterior configura a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, constituindo uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento.

3 - A consignação parcial da receita de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos ao serviço rodoviário não prejudica a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso pela IP, S. A., a outras formas de financiamento.

 

Artigo 4.º

Montante da consignação

1 - O montante a consignar ao serviço rodoviário corresponde a parte da receita efetiva de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos cobrado sobre a gasolina, o gasóleo rodoviário e o gás de petróleo liquefeito (GPL auto) em território continental.

2 - A parte da receita de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos a consignar ao serviço rodoviário é de 87 (euro)/1000 l da receita relativa à gasolina, de 111 (euro)/1000 l da receita relativa ao gasóleo rodoviário e de 123 (euro)/1000 kg da receita relativa ao GPL auto, montantes que integram os valores das taxas unitárias fixados nos termos do n.º 1 do artigo 92.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho.

3 - (Revogado.)

 

 

Como se vê por esta nova redacção da Lei n.º 55/2007,  deixou de existir um tributo autónimo denominado Contribuição de Serviço Rodoviário, sendo eliminadas as normas que, antes da Lei n. 24-E/202, previam a incidência (artigo 4.º), a liquidação e cobrança (artigo 5.º) e a fixação das taxas (artigo 7.º).

Assim, é forçoso concluir que não existe actualmente qualquer tributo especial, distinto do ISP, que incida sobre os produtos petrolíferos.

É a esta luz que há que apreciar a questão da compatibilidade deste novo regime do Direito da União Europeia e, inclusivamente com a jurisprudência do TJUE, adotada no Despacho de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Proc. C-460-21 .

O artigo 1.º da Directiva 2008/118/CE, de 12-12-2008, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 1.º

 

1.   A presente directiva estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem directa ou indirectamente sobre o consumo dos seguintes produtos, adiante designados «produtos sujeitos a impostos especiais de consumo»:

a)

Produtos energéticos e electricidade, abrangidos pela Directiva 2003/96/CE;

b)

Álcool e bebidas alcoólicas, abrangidos pelas Directivas 92/83/CEE e 92/84/CEE;

c)

 

Tabaco manufacturado, abrangido pelas Directivas 95/59/CE, 92/79/CEE e 92/80/CEE.

     

2.   Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.

 

Como decorre do n.º 1, alínea a) deste artigo 1.º, é admitida impostos especiais de consumo que incidem directa ou indirectamente sobre produtos energéticos, designadamente gasóleo rodoviária e gasolina, abrangidos pela Directiva 2003/96/CE, de 27 de Outubro.

Assim, o ISP, como imposto especial de consumo que incide sobre produtos petrolíferos não é incompatível o Direito da União.

Relativamente à CSR, a incompatibilidade com o Direito da União detectada no Despacho de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo C-460-21, resultou de se tratar de um  outro imposto indirecto sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, cumulável com o ISP que, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 1.º só seria permitido se a sua cobrança se baseasse em «motivos específicos».

Foi o facto de a CSR ser um «outro» imposto indirecto com incidência sobre produtos sujeitos «imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos»  (artigo 5.º, n.º 1, da Lei 55/2007, na anterior redacção) e se ter entendido que não existiam os imprescindíveis «motivos específicos» para a sua cobrança que justificaram o juízo negativo sobre a sua compatibilidade com o Direito da União.

Como se refere nesse Despacho,

– o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 «permite que os Estados-Membros estabeleçam, além do imposto especial de consumo mínimo, outras imposições indiretas que prossigam uma finalidade específica (Acórdãos de 4 de junho de 2015, Kernkraftwerke Lippe-Ems, C-5/14, EU:C:2015:354, n.º 58, e de 3 de março de 2021, Promóciones Oliva Park, C-220/19, EU:C:2021:163, n.º 48)»;

– «Em conformidade com a referida disposição, os Estados-Membros podem cobrar outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo desde que estejam preenchidos dois requisitos. Por um lado, estes impostos devem ser cobrados por motivos específicos e, por outro, estas imposições devem ser conformes com as normas fiscais da União aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, bem como à liquidação, à exigibilidade, ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções».

– «Estes dois requisitos, que visam evitar que outras imposições indiretas entravem indevidamente as trocas comerciais, revestem assim caráter cumulativo, como decorre da própria redação do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 (v. Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 36, e, por analogia, Acórdão de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 36).

– «as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental».

 

Na redacção da Lei n.º 55/2007, introduzida pela Lei n.º 24-E/2022, não se está perante uma situação enquadrável no referido n.º 2 do artigo 1.º da Directiva n.º 2008/118/CE, desde logo pelo facto de não existir qualquer outro imposto indirecto sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, para além do imposto especial de consumo mínimo e do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

Por outro lado, não é alegado nem se vê que haja incompatibilidade com o Direito da União em consignar uma parte do imposto especial sobre produtos petrolíferos a uma finalidade específica.

É certo, como defende a Requerente, que «o efeito económico de um imposto (a CSR) declarado ilegal manteve-se, fruto da sua incorporação direta no ISP, e da previsão de uma consignação de receita».

Na verdade, embora a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, não tenha alterado os limites máximo e mínimo das taxas de ISP previstas no artigo 91.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC) para o gasóleo e para a gasolina, que ainda actualmente se mantêm, a fixação destas através de portaria, efectuada na mesma data pela Portaria n.º 312-F/2022, de 30 de Dezembro, foi influenciada pela eliminação da CSR, como expressamente se refere no seu Preâmbulo:

 

Adicionalmente, na sequência das alterações aprovadas ao Código dos Impostos Especiais de Consumo, o montante da contribuição do serviço rodoviário é integrado nas taxas unitárias do ISP, num quadro de neutralidade (ou seja, o montante que era cobrado a título de contribuição de serviço rodoviário passa a ser cobrado a título de consignação do ISP, sem que daí decorra aumento da tributação aplicável).-

 

Assim, apesar de, como se disse, não se estar perante uma situação enquadrável no referido n.º 2 do artigo 1.º da Directiva n.º 2008/118/CE, por não se estar perante «outro imposto indirecto» incidente sobre os produtos energéticos, a questão que se pode equacionar é a de saber se a manutenção da tributação que estava prevista na CSR, agora englobada não ISP, é  incompatível com a referida Directiva.

Não há qualquer suporte para afirmar essa incompatibilidade, não só por não haver qualquer limitação às taxas dos produtos petrolíferos decorrente daquela norma, mas essencialmente por a razão de ser da limitação à criação de outros impostos indirectos não ser imitar o nível de tributação, mas sim «evitar que as imposições indiretas suplementares entravem indevidamente as trocas comerciais» (acórdão do TJUE de 27-02-2014, Transportes Jordi Besora, processo C-82/12  n.º 22, citando os acórdãos de 24-02-2000, Comissão/França, processo C-434/97, n.º 26, e de 09-03-2000, EKW e Wein & Co, processo C-437/97, n.º 46).

Como se acrescenta nestes últimos acórdãos, «é o que sucederia, designadamente, se os operadores económicos estivessem sujeitos a formalidades diferentes das previstas na regulamentação comunitária relativa aos impostos especiais de consumo ou ao IVA, dado que seriam susceptíveis de variar de um Estado-Membro para outro». E acrescenta-se ainda,  no último acórdão, que não se exige aos Estados-Membros «o respeito de todas as regras relativas aos impostos especiais de consumo ou ao IVA em matéria de determinação da base tributável, do cálculo, da exigibilidade e do controlo do imposto. Basta que as imposições indirectas que têm em vista finalidades específicas estejam em conformidade, sobre estes pontos, com a economia geral de uma ou outra destas técnicas de tributação, tal como estão organizadas na legislação comunitária».

Como se infere dos Considerandos (2) e (4) da Directiva 2008/118/CE, a sua finalidade é garantir o funcionamento adequado do mercado interno, mantendo harmonizadas as condições de exigibilidade dos impostos especiais de consumo a que se aplica e assegurar que,  quanto aos outros impostos indirectos para fins específicos, não é comprometido o efeito positivo das normas comunitárias respeitantes aos impostos indirectos.

Desta perspectiva, é manifesto que a eliminação da CSR e a subsequente aplicação generalizada à comercialização de gasóleo e gasolina de um único imposto especial de consumo (ISP), harmonizado estabelecido pela União Europeia, sem alteração das taxas máximas anteriores, não contraria a finalidade da Directiva, antes é a forma preferencial de assegurar os seus objectivos, que é a aplicação de um único imposto especial de consumo à comercialização de produtos petrolíferos.

Por outro lado, o juízo negativo relativo à compatibilidade da CSR com o Direito da União  efectuado no processo C-460-21, Vapo Atlantic, com base no n.º 2 do artigo 1.º da Directiva 2008/118/CE de 16-12-2008, não se baseou em excesso de tributação ou desconformidade da CSR com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, antes se baseou na inexistência de «motivos específicos» para a cobrança de um imposto cumulativo com o imposto especial de consumo.

Por isso, aquela jurisprudência não é transponível para uma situação em que não está em causa a aplicação de um outro imposto, além do imposto especial de consumo incidente sobre a comercialização de produtos.

Pelo exposto, as liquidações de ISP relativas ao ano de 2023 não enfermam do vicio que a Requerente lhes imputa.

 

 

8. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

– julgar parcialmente procedente a excepção da incompetência deste Tribunal Arbitral invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por falta da vinculação exigida pelo artigo 4.º do RJAT, quanto aos pedidos de anulação das liquidações de CSR referentes aos anos de 2019 a 2022, bem como quanto ao pedido de juros indemnizatórios e à anulação do indeferimento tácito nas partes conexionadas com tais liquidações, e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância quanto a esses pedidos;

– julgar improcedentes todas as excepções quanto aos pedidos relativos às liquidações referentes ao ano de 2023;

– julgar improcedentes todos os pedidos quanto às liquidações relativas ao ano de 2023 e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira destes pedidos.

 

 

9. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º -A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 364.878,89 indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

10. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6.120,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

 

Lisboa, 31-10-2024

Os Árbitros

 

 

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(relator)

 

 

 

 

(Pedro Guerra Alves)

 

 

 

 

 

 

 

(Com declaração de voto)

 

(António Manuel Melo Gonçalves)

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

 

1. Subscrevo sem reservas a Decisão Arbitral no que respeita à falta de vinculação da Requerida exigida pelo artigo 4.º do RJAT, concretizada pela Portaria 112-A/2011, de 22 de março, relativa às liquidações de CSR efetuadas no período que vai até 31 de dezembro de 2022 e à conformidade com o direito da União Europeia, posteriormente.

2. Com a publicação da Lei n.º 24 – E/2022, de 30 de dezembro, a reconfiguração do tributo leva a que o Tribunal Arbitral tenha competência para apreciar os pedidos de pronúncia que recaiam sobre liquidações a partir de 1 de janeiro de 2023.

Com a publicação do Regulamento n.º 141/2020, de 20.02.2020, com entrada limite em vigor em 19.08.2020, foi prevista a exigência de menção nas faturas da discriminação dos montantes das imposições pagas por conta das aquisições do produto, onde se inclui necessariamente a CSR, (artigo 8.º conjugado com o artigo 16.º da Lei n.º 5/2019, de 11 de janeiro).

A Requerente não juntou as faturas de aquisição do combustível, tendo-se limitado a identificar num mapa o n.º de fatura, ano, data, fornecedor, NIF, e-dic, liquidação IEC, produto, total de litros e CSR em euros, pelo que não é possível aquilatar nas faturas, pelo menos numa amostra, quais as condições comerciais que acompanharam as referidas transações. Supre tal insuficiente informação com uma declaração emitida por alguém que se identifica e assina pela B... e que refere a repercussão da CSR na Requerente.

3. Considero que o legislador não seguiu o modelo do IVA no que respeita à respetiva repercussão, situação que se manteve na revisão de 2010, deixando-a caracterizar-se simplesmente como económica, e mesmo com a publicação da Lei n.º 24-E/2022, de 30.12.2022, estabeleceu-a em termos genéricos e numa forma muito programática, contrariamente ao que pouco tempo antes tinha feito para a Contribuição extraordinária sobre o setor energético, em que reservou expressa e unicamente o artigo 5.º para a consagrar.

No âmbito do CIEC, e excetuando o caso do tabaco, cuja comercialização de novas marcas fica sujeita a comunicação do preço de venda pretendido, com a adequada fundamentação (artigo 108.º, n.º 3, alínea d)), o legislador não criou normas que impliquem a obrigação de os operadores a que se refere o artigo 4.º imporem a repercussão aos adquirentes dos seus produtos, dos impostos especiais sobre o consumo que pagaram. 

A inexistência de norma legal que a consagre, não impede que, na prática, a regra seja a de incluir os tributos pagos nos preços de venda dos produtos, transferindo-se essa componente para o exclusivo domínio das relações comerciais, em que funciona o jogo da oferta e da procura, e em que as referidas imposições são suscetíveis de ser usadas como instrumento para potenciar a concorrência e o ganho de quota de mercado, por via de, total ou parcialmente, poderem ser absorvidas como custos pelos próprios sujeitos passivos.

No caso presente constata-se que a Requerente, pela designação é igualmente um operador económico na área dos transportes onde exerce uma atividade de prestação de serviços, presumivelmente na área do transporte de mercadorias, pelo que o preço do combustível por si consumido nas estradas, em princípio, está integrado no preço da prestação do serviço de transporte de mercadorias.

Ou seja, aceitando que o depositário autorizado faça uma declaração em que renuncia aos direitos que lhe advém da condição de sujeito passivo, por ter sido ela que pagou o imposto, essa declaração, para além de dever mencionar que repercutiu integralmente a CSR no comprador do produto, devia mencionar as datas das faturas, as quantidades de combustível adquirido e as imposições que recaíram sobre a sua aquisição,  devendo a mesma ser feita em papel timbrado da empresa, como o foi, mas indicando a qualidade e os poderes que advém do responsável que assina para obrigar a empresa na sua declaração de renúncia. 

Uma tal declaração não invalida o escrutínio sobre a natureza do operador económico, designadamente se o mesmo procedeu igualmente à repercussão do imposto.

4. Finalmente, uma nota para referir que, em meu entender, a administração tributária, muito embora não esteja subordinada à iniciativa do autor do pedido, conforme o artigo 58.º da LGT, as realizações de todas as diligências para a descoberta da verdade material não podem ser dissociadas da satisfação do interesse público, e neste caso o interesse é meramente particular, e o inquisitório, tem em vista, essencialmente, a prevenção e repressão da fraude fiscal. 

 

António Manuel Melo Gonçalves



[1] MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216.

[2] Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 17-12-2008, processo n.º 0327/08.

Essencialmente neste sentido, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 203, cujos ensinamentos são seguidos no Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/83, de 11-7-1983, publicado no Diário da República, I Série, de 27-8-1983, e nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17-12-2008, processo n.º 0327/08, e do respectivo Pleno do Pleno de 17-10-2012, processo n.º 0414/12.

[3] Texto reproduzido no Guia da Arbitragem Tributária, 2.ª edição, página 192.

[4] Publicado em https://www.caad.pt/files/documentos/newsletter/Newsletter-CAAD_out_2011.pdf.

[5] No sentido da aplicação subsidiária da Lei de Arbitragem Voluntária à arbitragem tributária, pode ver-se, entre vários, o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de e 21-04-2021, processo n.º 101/19.1BALSB.

[6] CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 38.

[7] CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, páginas 243-244.

[8] Como, no essencial, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 06-09-2023, processo n.º 067/09.6BELR, identificando «o princípio segundo o qual tem direito ao reembolso o substituto em caso de entrega em excesso e o substituído em caso de pagamento ou retenção em excesso».

[9] Como já era entendimento doutrinal anterior, como pode ver-se em CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, página 255, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2011, página 333, e ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal – Lições, 2016, página 73.

[10] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos: de 12-12-2001, processo n.º 026.233; de 06-02-2002, processo n.º 026.690; de 13-03-2002, processo n.º 026765; de 17-04-2002, processo n.º 023719; de 08-05-2002, processo n.º 0115/02; e 22-05-2002, processo n.º 0457/02; de 05-06-2002, processo n.º 0392/02; de 11-05-2005, processo n.º 0319/05; de 29-06-2005, processo n.º 9321/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; e 26-04-2007, processo n.º 039/07; de 21-01-2009, processo n.º 771/08; de 22-03-2011, processo n.º 01009/10; de 14-03-2012, processo n.º 01007/11; de 05-11-2014, processo n.º 01474/12; de 09-11-2022, processo n.º 087/22.5BEAVR; de 12-04-2023, processo n.º 03428/15.8BEBRG.