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Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Maria Isabel Guerreiro e Prof.ª Doutora Sónia Martins Reis (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05-08-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., LDA., com sede na Rua ..., ...-... Lisboa, com o número de identificação fiscal n° ... (doravante designada por "A..." ou "Requerente") apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação da declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento com o n.º 2023... (em que se incluem liquidações de juros compensatórios), bem como a anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa que daquela liquidação apresentou.
A Requerente pede ainda reembolso do imposto que pagou, com juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 22-05-2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 16-07-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 05-08-2024.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Em 31-10-2024, realizou.se ma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e o Tribunal é competente.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
-
A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que tem por objeto social o comércio, importação e exportação de alimentos, bebidas alcoólicas, materiais de construção civil, bens não alimentares, produtos para o sector agrícola, como sementes, pesticidas, alfaias e outros equipamentos para agricultura, viaturas ligeiras e pesadas, agrícolas e não agrícolas (depoimento da testemunha João Paulo Delgado Tavares);
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A Requerente atua principalmente na área do comércio de diversos tipos de mercadoria como, fertilizantes para agricultura, alimentos, sementes agrícolas, maquinaria para diferentes aplicações (depoimento da testemunha B...);
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O principal mercado da Requerente é o mercado angolano, para onde exporta ou a partir de onde importa bens e mercadorias que são objeto do seu comércio (depoimento da testemunha B...);
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Foi realizada uma acção inspectiva à Requerente de ação inspetiva externa de âmbito parcial em sede de IRC, IVA e Retenções na Fonte de IRC, referentes ao período de 2019, credenciada pela Ordem de Serviço nº 012022...;
-
Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º- 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que, além do mais, foi efectuada uma correção relativa a retenções na fonte não efectuadas pela Requerente;
-
No RIT refere-se, além do mais, o seguinte:
V.1.2.3 -IRC/IMPOSTO/RETENÇÕES NA FONTE
Foram registadas na conta "62213-F.S.T. / serviços especializados/outros mercados", diversas importâncias que totalizam 911.443,43 € - Anexo 9.
Em 2019, a A... procedeu ao registo contabilístico do pagamento de parte destes serviços no montante de 599.794,56 €, conforme se discrimina no quadro a seguir apresentado:
DESCRIÇÃO DOS REGISTOS CONTABILÍSTICOS RESPEITANTES AO PAGAMENTO DESTES SERVIÇOS
Transferências bancárias
As faturas registadas pelos lançamentos 100.060, 110.003, 110.030, 120.034 e 120.105, todos do diário 30, foram pagas por transferência bancária. Juntam-se os documentos comprovativos dos pagamentos destes serviços -Anexo 9, referindo-se que parte dos pagamentos foi efetuado em dólares, através de contas bancárias cujos extratos se encontram nessa moeda, o que justifica a diferença entre os valores contabilizados e os
montantes que constam nos extratos bancários.
Pagamentos registados em contas de terceiros
Os pagamentos dos serviços faturados pela C..., Lda e a D..., Lda, ambas sociedades sediadas em Angola, encontram-se registados na contabilidade por contrapartida de diversas subcontas da conta 278 -outros devedores e credores.
C..., Lda
As faturas emitidas pela C..., Lda totalizam 281.529,88 € (33.375,60 € + 10.000,00 € + 98.745,75 € + 139.408,53 €) - Anexo 9 e a conta 22113528811 -C..., Lda, encontra-se saldada pelos lançamentos 120.047 e 120.049, ambos do diário 90.
Apresentam-se seguidamente os lançamentos que constam na contabilidade, respeitantes ao pagamento dos serviços prestados por esta sociedade com sede em Angola:
D..., Lda
A fatura emitida pela D..., Lda à A... totaliza o montante de 10.254,04 € Anexo 9, tendo a conta deste fornecedor sido saldada pelo lançamento 120.050 do diário 90, que se apresenta seguidamente:
E...,Lda
As duas faturas registadas na conta 62213 - F.S.T. / serviços especializados/outros mercados, emitidas pela E..., Lda-Anexo 9, apresentam os valores de 138.285,90 € e 142.530,00 €, respetivamente.
A fatura no montante de 138.285,90 € foi paga da seguinte forma:
- 108.285,95 € - montante registado em contas de terceiros de acordo com o lançamento 120.040 do diário 90, que se apresenta seguidamente:
► 30.000,00 € - Transferência bancária efetuada em 03/05/2019 (lançamento 50.106 do diário 90).
Relativamente à fatura da E..., Lda no montante de 142.530,00, apenas foi paga em 2019 a quantia de 76.099,87 €, da seguinte forma:
► 20.000,00 € - Transferência bancária efetuada em 03/05/2019 no valor de 50.000,00 € (lançamento 50.106 do diário 50).
► 9.483, 15 € - Transferência bancária efetuada em 13/05/2019 no valor de 26.000, 00 € (lançamento 50.118 do diário 509. A diferença, no montante de 16.516,85 € encontra-se registada na conta 278110020 – E..., Lda;
► 46.616,72 € - Encontro de contas, efetuado por débito da conta 22113216569 -F..., Lda, por crédito da conta 21113216569 -E..., Lda (lançamento 120.045 do diário 90).
DESCRIÇÃO DOS SERVIÇOS PRESTADOS
As faturas supramencionadas, registadas na conta 62213 -F.S.T. / serviços especializados / outros mercados, pagas em 2019, apresentam os seguintes descritivos:
O IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos rendimentos obtidos em território português enumerados no artigo 94° do CIRC, nomeadamente os referidos na alínea g) do nº 1: "rendimentos provenientes da intermediação de quaisquer contratos e rendimentos de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português, com exceção dos relativos a transportes, comunicações e atividades financeiras".
De acordo com o n2do mesmo artigo (94° do CIRC), consideram-se obtidos em território português, para efeitos do disposto no número anterior, os rendimentos mencionados no nº 3 do artigo 4°, excetuados os referidos no nº 4 do mesmo artigo.
O nº 3 do artigo 4° do CIRC dispõe que para efeitos do disposto no número anterior (nº 2 do artigo 4°, que estabelece que as pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede, nem direção efetiva em território português, ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos), consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam:
c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado:
7) Os derivados de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português, com exceção dos relativos a transportes, comunicações e atividades financeiras (sublinhado nosso);
Por outro lado, o nº 4 do artigo 4° do CIRC dispõe o seguinte: Não se consideram obtidos em território português os rendimentos enumerados na alínea e) do número anterior quando os mesmos constituam encargo de estabelecimento estável situado fora desse território relativo à atividade exercida por seu intermédio e, bem assim, quando não se verificarem essas condições, os rendimentos referidos no n.0 7 da mesma alínea, quando os serviços de que derivam, sendo realizados integralmente fora do território português, não respeitem a bens situados nesse território nem esteiam relacionados com estudos, projetos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultoria, organização, investigação e desenvolvimento em qualquer domínio (sublinhado nosso).
Assim, de acordo com a subalínea 7) da alínea c) do nº 3 do artigo 4° do CIRC, os rendimentos derivados de outras prestações de serviços, não mencionados nas restantes alíneas do artigo, realizados ou utilizados em território português, encontram-se sujeitos a tributação em Portugal, com exceção dos relativos a transportes, comunicações e atividades financeiras, mesmo que obtidos por entidades não residentes em território português.
E o nº 4 do mesmo artigo do CIRC, estabelece que não se consideram obtidos em território português, os referidos na subalínea 7 da alínea c) do nº 3 do mesmo artigo, quando os serviços de que derivam, sendo realizados integralmente fora do território português, não respeitem a bens aí situados, nem estejam relacionados com estudos, projetos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultoria, organização, investigação e desenvolvimento em qualquer domínio.
No caso em apreciação, os serviços pagos em 2019 pelo Sujeito Passivo, respeitam a documentos emitidos por G... LLC, H..., C... Lda, I..., F... Lda, J..., K... Lda e L..., entidades não residentes em território português.
Os serviços prestados por estas entidades, de acordo com o descritivo das faturas, respeitam a consultadoria e prestação de serviços de angariação de clientes, acompanhamento dos processos de importação e exportação, desenvolvimento de projetos e outros.
Pela natureza dos serviços em questão, o benefício económico da consultoria verifica-se em Portugal, pois é neste País que os conhecimentos obtidos com a aquisição destes serviços são utilizados.
Assim, os serviços em causa foram utilizados neste território, pelo que se enquadram no disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 4° do CIRC, conjugado com o nº 4 do mesmo artigo.
De referir que apenas os serviços que se enquadram na subalínea 7) da alínea c) do nº 3 do artigo 4° do CIRC, que não se encontram previstos no nº 4 do mesmo artigo e satisfeitas as demais condições, não se consideram obtidos no território nacional.
Face ao exposto e nos termos do disposto na alínea g) do nº 1, conjugado com o nº 2 do artigo 94° do CIRC, os rendimentos pagos em 2019 às entidades não residentes: G... LLC, H..., C... Lda, I..., F... Lda, J..., D... Lda e L..., são objeto de retenção na fonte.
O Sujeito Passivo foi notificado -Anexos 4 e 5, para apresentar os formulários e outros documentos de prova, previstos no nº 2 do artigo 98° do CIRC, que justifiquem a não aplicação de qualquer taxa de imposto, a utilização de taxas reduzidas ou outras situações, respeitantes aos rendimentos pagos ou colocados à disposição de não residentes, no ano de 2019.
Em 10/11/2022 e 14/11/2022, o Sujeito Passivo procedeu ao envio da seguinte documentação -Anexo 9:
■ G... LLC -Documento datado de 2019 emitido pelas Autoridades do Estado de Maryland, certificando que todos os impostos e encargos conhecidos devidos ao Estado se encontram regularizados. A restante documentação respeita ao exercício de 2014;
■D..., Lda -Foi enviada certidão da Conservatória do Registo Comercial;
■ H..., S.A. -Foi enviada certidão da Conservatória do Registo Comercial com data de 13/05/2022 e certidão emitida pelo Chefe Adjunto da Primeira Repartição Fiscal de Luanda em 20/06/2016;
■ C..., Lda -Foram enviados os estatutos da sociedade;
■F..., Lda -Foi enviado documento emitido em Angola, pelo Instituto de Gestão de Ativos e Participações do Estado (IGAPE) e certidão da 3ª Repartição Fiscal da Administração Geral Tributária, válida até 03/03/2022 (a certidão tem o prazo de 90 dias a contar da data de emissão), comprovativa de que o Contribuinte dispunha à data da sua emissão da situação tributária regularizada;
■ M... S.A. -Foi enviada certidão da 2ª Repartição Fiscal da Administração Geral Tributária, válida até 30/01/2023 (a certidão tem o prazo de 90 dias a contar da data de emissão), comprovativa de que o Contribuinte dispunha à data da sua emissão da situação tributária regularizada.
Os serviços adquiridos pela A... a este fornecedor em 2019 não foram pagos nesse exercício.
Posteriormente, em 16/11/2022 e 28/11/2022 foram enviados por correio eletrónico, os seguintes modelos 21-RFI -Anexo 9:
■ H..., S.A. - O documento não tem data e não se encontra certificado pelas Autoridades Fiscais competentes do Estado de residência do Beneficiário efetivo;
■ C..., Lda - O documento não tem data e não se encontra certificado pelas Autoridades Fiscais competentes do Estado de residência do Beneficiário efetivo;
■ D..., Lda -O documento não tem data e não se encontra certificado pelas Autoridades Fiscais competentes do Estado de residência do Beneficiário efetivo;
■ F..., Lda - O documento não se encontra certificado pelas Autoridades Fiscais competentes do Estado de residência do Beneficiário efetivo e apresenta data de 15/11/2022;
■ G...-O documento não se encontra certificado pelas Autoridades Fiscais competentes do Estado de residência do Beneficiário efetivo e apresenta data de 15/11/2022;
■ J... - O documento não tem data e não se encontra certificado pelas Autoridades Fiscais competentes do Estado de residência do Beneficiário efetivo;
■ Foram ainda apresentados os modelos 21-RFI das seguintes entidades: N..., SA; O..., Lda; M..., SA; P....
Os serviços adquiridos pela A... a estes fornecedores não foram pagos no ano de 2019, pelo que não era neste exercício que deveriam ter sido efetuadas as retenções e entregues nos cofres do Estado.
Resulta da análise à documentação enviada, que a mesma não corresponde à documentação prevista no nº 2 do artigo 98° do CIRC (apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças, acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado) justificativa da não aplicação de qualquer taxa de imposto ou a utilização de taxas reduzidas, pelo que o apuramento das retenções na fonte será efetuado com a aplicação da taxa prevista no nº 4 do artigo 87° do CIRC -25%.
Nos casos em apreciação, os formulários apresentados não estão certificados pelas Autoridades Competentes do Estado de residência dos beneficiários dos rendimentos, nem foram apresentados documentos emitidos pelas Autoridades Competentes do Estado de residência dos beneficiários dos rendimentos que ateste a sua residência e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado.
Quando não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente, que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis, as retenções na fonte têm carácter definitivo, conforme disposto na alínea b) do nº 3 do artigo 94° do CIRC, sendo aplicáveis, de acordo com o nº 5 do citado artigo, as taxas previstas no artigo 87° do CIRC.
A obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data em que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código do IRS ou, na sua falta, na data de colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas e essa entrega ser feita, nos termos estabelecidos no Código do IRS, conforme dispõe o nº 6 do artigo 94° do CIRC.
Do exposto resulta o apuramento de IRC em falta, no montante de 149.948,66 €, nos termos da alínea g) do nº 1 do artigo 94°, conjugado com o nº2 do mesmo artigo e com o nº4 do artigo 87°, ambos do CIRC, com a seguinte discriminação:
O imposto em falta apresenta a seguinte discriminação por período de imposto:
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Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de retenções na fonte de IR com o n.º 2023..., com o valor total de € 170.306,01, que inclui € 149.948,66 em imposto a pagar referente a retenções na fonte relativas aos meses de Janeiro, Maio, Junho e Dezembro de 2019 e €20.357,35 de juros compensatórios (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Requerente apresentou Reclamação Graciosa, requerendo a anulação do ato de liquidação de retenções na fonte de IR n.º 2023 ... (Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A reclamação graciosa não foi decidida até 20-05-2024, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo;
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Por despacho de 21-09-2024, proferido pela Senhora Subdirectora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira foi anulada parcialmente a liquidação, quanto à retenção na fonte no montante de € 53.596,46, relativa aos serviços de angariação de clientes prestados pela E..., Lda., que considerou terem sido prestados e realizados em território angolano (documento junto em 07-10-2024, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Requerente procura ter uma boa relação comercial com os seus clientes, procurando fidelizá-los e acedendo às suas solicitações e procurando parceiros para satisfazerem as suas necessidades (depoimento da testemunha B...);
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A Q..., Lda. é cliente da Requerente e fabrica utensílios de grande dimensão em plástico, adquirindo as máquinas de produção e a matéria-prima à Requerente (depoimento da testemunha B...);
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A fim de formar os seus colaboradores a manusearem tais máquinas na fábrica em Angola, a Q... Lda, solicitou à Requerente que encontrasse o melhor parceiro para esta formação (depoimento da testemunha B...);
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Para esse fim, a Requerente contactou a G... LLC, uma empresa dos Estados Unidos da América, que enviou colaboradores a Angola para auxiliarem e darem formação aos funcionários da Q..., Lda. (depoimento da testemunha B...);
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Os serviços da G... LLC foram apenas prestados em Angola, não tendo sido prestados quaisquer serviços em Portugal (depoimento da testemunha B...);
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A R... Lda. é uma cliente da Requerente com sede em Angola, que solicitou auxílio na formação dos seus colaboradores na sua fábrica (depoimento da testemunha B...);
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A Requerente, em contrapartida pela aquisição de variadas matérias-primas e pela boa relação comercial com este cliente, subcontratou a H..., uma empresa angolana, para formar os colaboradores da R... Lda., em Angola (depoimento da testemunha B...);
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Os serviços prestados pela H... não foram utilizados em Portugal, mas sim em Angola (depoimento da testemunha B...);
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A C... Lda. (C...), é uma empresa angolana (depoimento da testemunha B...);
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A Requerente subcontratou os serviços da C... para acorrerem a diversas necessidades de vários dos seus clientes (depoimento da testemunha João Paulo Delgado Tavares);
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A fatura da C... no valor de € 33.375,60 relativa a "Prestação de serviços - Acompanhamento nos processos administrativos e operacionais de importação e exportação, reporta-se a serviço de acompanhamento nos processos operacionais de importação e exportação foram prestados à F..., cliente da Requerente, com formação «on the job» de funcionários desta empresa (depoimento da testemunha B...);
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A fatura da C... no valor de € 10.000,00 relativa a "Prestação de serviços Instalação de ..." refere-se à instalação de um sistema de videovigilância em ... (Província de Luanda) realizada pela C... a um cliente angolano da Requerente (depoimento da testemunha B...);
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A C... também prestou serviços de acompanhamento de projetos na província do Bengo e Kwanza Norte à cliente da Requerente, S..., Lda. (depoimento da testemunha B...);
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A S..., Lda. adquiria quantidades elevadas de sementes à Requerente e solicitou-lhe ajuda para a diversificação de plantações, nomeadamente, estudar quais os melhores produtos a cultivar, serviços que foram prestados pela C..., que dispõe de quadros com várias valências, e fez deslocar a Angola um engenheiro agrónomo e organizou uma viagem a Itália para quadros seniores da S... para estudarem empresas que faziam alfaias agrícolas a análise de solo (depoimento da testemunha B...);
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Em 2019, também foram prestados serviços pela C... em benefício da cliente da Requerente, à T..., no apoio e desenvolvimento de casas sociais pré-fabricadas, de fácil montagem e que solucionassem o problema de habitação no mercado angolano (depoimento da testemunha B...);
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Os serviços prestados pela C... não foram utilizados em Portugal, mas sim em Angola (depoimento da testemunha B...);
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A U... Lda., com sede em Angola, é cliente da Requerente e solicitou um estudo sobre a viabilidade de produção em aquicultura de água doce em Angola (depoimento da testemunha B...);
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A Requerente, tendo em vista em aumentar as vendas de ração para peixes à U... Lda, subcontratou a I..., para analisar a possibilidade de produção em aquicultura (depoimento da testemunha B...);
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Os serviços prestados pela I... não foram utilizados em Portugal, mas sim em Angola (depoimento da testemunha B...);
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A V... Fabrica de Tubos e Acessórios em PVC e PEAD é uma empresa angolana cliente da Requerente, que solicitou o seu apoio no acompanhamento, montagem, verificação e controlo de qualidade de maquinaria e equipamentos fornecidos pela própria Requerente (depoimento da testemunha B...);
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Com a perspectiva de fidelizar a V..., a Requerente subcontratou a J..., para prestar formação aos funcionários da V... em Angola (depoimento da testemunha B...);
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Os serviços prestados pela J... não foram utilizados em Portugal, mas sim em Angola (depoimento da testemunha B...);
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A W... é uma empresa angolana, cliente da Requerente, que actua no setor de alimentação em Angola, na venda e distribuição de produtos a granel (depoimento da testemunha B...);
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A Requerente, a pedido do cliente, contratou a D..., Lda., cujo sócio-gerente tem grande experiência nos processos de desalfandegamento e negociação de produtos chegados ao porto de Luanda, para que auxiliasse a W... na gestão da chegada de produtos alimentares, na negociação de condições de compras, e nas operações logísticas no porto de Luanda (depoimento da testemunha B...);
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Os serviços prestados pela D..., Lda não foram utilizados em Portugal, mas sim em Angola (depoimento da testemunha B...);
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A L..., foi o parceiro que a Requerente contratou para instalar softwares de contabilidade, gestão e organização de mercadorias nos seus clientes em Angola (depoimento da testemunha B...);
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A Requerente viu interesse comercial em fornecer esta instalação de softwares informáticos nos sistemas dos seus clientes (depoimento da testemunha B...);
-
Os serviços prestados pela L... não foram utilizados em Portugal, mas sim em Angola (depoimento da testemunha B...);
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A Requerente não procedeu ao pagamento voluntário da quantia liquidada, na sequência do que foi citada para o processo de executivo n.º ...2023... pelo valor de € 172.074,87 (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Requerente solicitou o pagamento em prestações que foi deferido e pagou parte delas (documento n.º 8).
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
2.2.1. Os factos foram dados como provados com base na prova testemunhal, nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.
A testemunha B... aparentou depor com isenção e com conhecimento directo dos factos que foram dados como provados com base no seu depoimento.
2.2.2. Não se provou que parte da quantia liquidada foi paga pela Requerente em prestações nem as datas em que foram efectuados os pagamentos.
3. Matéria de direito
A Requerente procedeu ao pagamento de serviços pelo montante de € 599.794,56, prestados e faturados por entidades não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal, o que registou contabilisticamente.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que os serviços prestados por estas entidades não residentes, de acordo com o descritivo das facturas, respeitavam a consultadoria e prestação de serviços de angariação de clientes, acompanhamento dos processos de importação e exportação, desenvolvimento de projetos e outros, pelo que deveriam ter sido sujeitos a retenção na fonte, nos termos do artigo 94.º, n.º 1, alínea g), do Código do IRC ("CIRC"), à taxa de 25%, constante do artigo 87.º, n.° 4, do CIRC.
No artigo 94.º do CIRC estabelece-se o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 94.º
Retenção na fonte
1 - O IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português:
(...)
g) Rendimentos provenientes da intermediação na celebração de quaisquer contratos e rendimentos de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português, com exceção dos relativos a transportes, comunicações e atividades financeiras.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos mencionados no n.º 3 do artigo 4.º, excetuados os referidos no n.º 4 do mesmo artigo.
(...)
No artigo 4.º do CIRC, para que remede o n.º 2 do artigo 94.º estabelece-se o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 4.º
Extensão da obrigação de imposto
(...)
2 - As pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam:
(...)
c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado:
(...)
7) Os derivados de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português, com exceção dos relativos a transportes, comunicações e atividades financeiras;
(...)
4 - Não se consideram obtidos em território português os rendimentos enumerados na alínea c) do número anterior quando os mesmos constituam encargo de estabelecimento estável situado fora desse território relativo à atividade exercida por seu intermédio e, bem assim, quando não se verificarem essas condições, os rendimentos referidos no n.º 7 da mesma alínea, quando os serviços de que derivam, sendo realizados integralmente fora do território português, não respeitem a bens situados nesse território nem estejam relacionados com estudos, projetos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultoria, organização, investigação e desenvolvimento em qualquer domínio.
Como resulta deste n.º 4, não se consideram obtidos em território português, os rendimentos referidos na subalínea 7 da alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo, quando os serviços de que derivam, sendo realizados integralmente fora do território português, não respeitem a bens aí situados, nem estejam relacionados com estudos, projetos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultoria, organização, investigação e desenvolvimento em qualquer domínio.
Num dos casos, relativamente aos serviços de angariação de clientes em Angola prestados pela E..., Lda., a própria Autoridade Tributária e Aduaneira reconheceu que foram realizados em território angolano e não se enquadram em qualquer das situações referidas no n.º 4 do artigo 4.º do CIRC.
Mas, à face da prova produzida, todas as situações a que se referem as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira são abrangidas pela hipótese normativa deste n.º 4, com referência à subalínea 7 da alínea c) do n.º 3, pois os serviços foram realizados integralmente fora do território português (em Angola e, num caso, englobando uma viagem a Itália relacionada com a prestação de serviços em Angola, a empresa angolana) e não respeitam a bens situados em território português, nem estão relacionados com estudos, projetos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultoria, organização, investigação e desenvolvimento em qualquer domínio, que tenham sido utilizados em território português.
Designadamente, ao contrário do que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu no RIT, com base no descritivo das facturas, os serviços facturados não respeitam a consultadoria ou prestação de serviços utilizados em território português, pelo que as correcções efectuadas enfermam de vícios de violação de lei, por erros sobre os pressupostos de facto.
Por outro lado, estando-se perante rendimentos que se enquadram na excepção prevista no n.º 4 do artigo 4.º do CIRC, não estavam sujeitos a retenção na fonte, por força do preceituado no artigo 94.º, n.º 2 do mesmo Código.
Pelo exposto, as correcções efectuadas enfermam de vícios de violação de lei, por erros sobre os pressupostos de facto e de direito, que justificam a anulação das correcções efetuadas e da liquidação com base nelas emitidas.
O indeferimento tácito da reclamação graciosa enferma dos mesmos vícios, pelo que se justifica a anulação deste e da liquidação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.1. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação que é objecto do presente processo, por vício que impede a sua renovação, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pela Requerente.
Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.
4. Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente pede reembolso das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.
4.1. Reembolso
Na sequência da anulação da liquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias indevidamente pagas, o que é consequência da anulação.
No caso em apreço, provou-se que a Requerente requereu o pagamento em prestações da quantia liquidada e pagou parte desta, mas não se apurou quais as prestações que pagou nem as datas em que foi foram feitos os pagamentos.
Não havendo elementos que permitam determinar o montante a reembolsar, a condenação respectiva terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão [artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea d) da LGT].
4.2. Juros indemnizatórios
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
(...)
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
(...)
As ilegalidades da liquidação são imputáveis à Administração Tributária, que a emitiu, sem que a Requerente tenha tido qualquer intervenção nessa emissão.
Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios relativamente às quantias que pagou, que devem ser apurados em execução desta decisão arbitral.
Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde as datas em que foram efectuados cada um dos pagamentos sobre que respectiva quantia paga, à taxa legal supletiva, até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
5. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Anular a liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento com o n.º 2023...;
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Anular o indeferimento tácito da reclamação graciosa;
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Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia que for apurada em execução desta decisão arbitral;
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Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia que for apurada em execução desta decisão arbitral, nos termos do ponto 4.2..
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 170.306,01, indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 18-11-2024
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(relator)
(Maria Isabel Guerreiro)
(Sónia Martins Reis)