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SUMÁRIO:
1 - A verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, quando aplicada a encargos com comissões bancárias cobradas pelas instituições de crédito na comercialização de unidades de participação de fundos de investimento, viola a alínea a), do n.º 2, do artigo 5.º, da Diretiva 2008/7/CE, conforme interpretação extensiva do TJUE no acórdão de 22/12/2022, proferido no processo n.º C-656/21.
2 – Assim, atendendo ao primado do direito comunitário ao direito nacional, nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, introduzido pela Lei Constitucional nº 1/2004 de 24 de Julho (Sexta Revisão Constitucional) as liquidações de Imposto do Selo resultantes da sua aplicação sobre os encargos com comissões bancárias cobradas pelas instituições de crédito na comercialização de unidades de participação de fundos de investimento, deverão ser anuladas por ilegalidade.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A..., SGPS, S.A., com o número único de matrícula e de identificação fiscal..., com sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa, vem, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, números 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com vista à apreciação da (i)legalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023..., apresentada contra os atos de liquidação de Imposto do Selo repercutido, conforme guias mencionadas no pedido de pronúncia arbitral e que aqui se dão por integralmente reproduzidas, referentes aos meses de setembro de 2021 a setembro de 2023, sobre comissões de intermediação e assessoria financeira em emissões de papel comercial e/ou obrigações a que alude a verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”), no valor global de € 101.480,79 por, no seu juízo, tais liquidações violarem o artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 02 de maio de 2024 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do CAAD notificou as partes da designação dos árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, os quais comunicaram a respetiva aceitação no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8, do artigo 11.º, do RJAT, decorrido o prazo previsto no seu artigo 11.º, n.º 1, sem que as partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 09 de julho de 2024, sendo Presidente, o Senhor Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha e (Vogais) o Dr. Arlindo José Francisco (Relator), e o Senhor Professor Doutor Francisco Nicolau Domingos , proferindo despacho, na mesma data, nos termos dos números 1 e 2, do artigo 17.º, do RJAT, a notificar a Diretora-Geral da AT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, bem como, para junção, no mesmo prazo, de cópia integral do processo administrativo.
A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no facto de não concordar com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que desatendeu ao reconhecimento da ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo, contra as quais se dirigia, por entender que as mesmas violam o direito comunitário, na medida em que estão desconformes com a alínea b), do n.º 2, do artigo 5.º, da Diretiva n.º 2008/7/CE, de 12 de fevereiro de 2008, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) sobre esta questão nos despachos C-335/22 e C-416/22, e na situação análoga do processo n.º C-656/21. Solicita, de tal modo, a declaração de ilegalidade e a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e das autoliquidações de Imposto do Selo, no valor total de € 101.480,79, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso da referida quantia, e a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
Já a AT, também em síntese, considera que não assiste razão à Requerente, na medida em que a alegada violação da proibição da tributação constante no n.º 2, do artigo 5.º, da diretiva 2008/7/CE, não é absoluta como defende a Requerente e, em segundo lugar, o TJUE não só não proíbe como permite a liquidação de Imposto do Selo sobre determinadas comissões que podem atingir os emitentes de novos títulos negociáveis sob a forma de empréstimos obrigacionistas ou programas de papel comercial.
Quanto à violação do artigo 5.º, n.º 2, al. b), da diretiva 2008/7/CE sustenta, em defesa da sua tese, o seguinte:
-
A jurisprudência do TJUE não só não proíbe como permite a liquidação de Imposto do Selo sobre determinadas comissões que podem atingir os emitentes de novos títulos negociáveis sob a forma de empréstimos obrigacionistas ou programas de papel comercial;
-
Os despachos do TJUE citados pela Requerente proíbem a liquidação de Imposto do Selo:
-
sobre as comissões cobradas pelos bancos aos seus emitentes para efeitos de colocação em mercado de novos títulos negociáveis, sob a forma de papel comercial e obrigações: e
-
sobre as comissões cobradas pelos bancos aos emitentes por efeito da aquisição por sua conta e risco de novos títulos negociáveis sob a forma de papel comercial e obrigações para depois os revenderem no mercado junto do público.
II - SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), tendo o pedido sido tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se devidamente representadas de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades, nem existem exceções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
III- FUNDAMENTAÇÃO
-
As questões a dirimir são as seguintes:
-
Se o ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023... e as liquidações contra as quais se dirigia são ilegais e, como tal, deverão ser anuladas, com todas as consequências legais ou se, pelo contrário, não sofrem de qualquer ilegalidade, devendo ser mantidas na ordem jurídica;
-
Se, em caso de anulação, a Requerente tem direito ao respetivo reembolso do Imposto do Selo indevidamente pago e se AT deve ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios.
2 – Matéria de facto
2.1 Factos provados
a) A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, sendo entidade-mãe do Grupo B... SGPS, tendo suportado Imposto do Selo sobre comissões por intermediação na colocação de papel comercial e/ou obrigações junto de investidores, com referência aos meses de setembro de 2021 a setembro de 2023.
b) As referidas autoliquidações de Imposto do Selo têm fonte nas operações financeiras de colocação de papel comercial e/ou obrigações por parte da Requerente e foram realizadas pelas seguintes entidades bancárias: Banco Santander Totta, S.A., pessoa coletiva n.º 500 844 321 (“BST”); Banco Comercial Português, S.A., pessoa coletiva n.º 501 525 882 ( “BCP”); Caixa - Banco de Investimento, S.A., pessoa coletiva n.º 501 898 417 (“CBI”); pela Caixa Geral de Depósitos, pessoa coletiva n.º 500 960 046 (“CGD” ); Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A. - Sucursal em Portugal pessoa coletiva n.º 980 617 375 ( “BBVA”); pelo Bankinter, S.A. - Sucursal em Portugal (“Bankinter”), pessoa coletiva n.º 980 547 490; e Banco BPI S.A. (“BPI”), pessoa coletiva n.º 501 214 534.
c) A Requerente pagou às referidas entidades bancárias:
i. Liquidação de Imposto do Selo pelo “BST”, sobre Comissões de Intermediação e Assessoria Financeira em Emissões de Papel Comercial e/ou Obrigações – Guias/Declarações do Imposto do Selo respeitantes aos períodos de setembro de 2021 a setembro de 2023:
Ano
|
Mês
|
Identificação da Guia Pagto/DMIS
|
Imposto
|
2022
|
Abril
|
DMIS ...
|
22.812,50 €
|
2023
|
Abril
|
DMIS ...
|
22.937,50 €
|
|
|
Total
|
45.750,00 €
|
ii. Liquidação de Imposto do Selo pelo “BCP”, sobre Comissões de Intermediação e Assessoria Financeira em Emissões de Papel Comercial e/ou Obrigações – Guias/Declarações do Imposto do Selo respeitantes aos períodos de setembro de 2021 a setembro de 2023, no valor de € 8916.
iii. Liquidação de Imposto do Selo pelo “CBI”, sobre Comissões de Intermediação e Assessoria Financeira em Emissões de Papel Comercial e/ou Obrigações – Guias/Declarações do Imposto do Selo respeitantes aos períodos de setembro de 2021 a setembro de 2023:
Data contabilização
|
Período
|
Gula n."
|
Tab. IS
|
Data entrega Estado
|
Montante €
|
Descritivo
|
29/12/2021
|
dez-21
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
19/1/2022
|
117,48 €
|
DE A GPA… 2024 JPY
|
27/6/2022
|
jun-22
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
18/7/2022
|
121,01 €
|
DE AGPA … 2024 JPY
|
28/12/2022
|
dez 22
|
DMIS ...
|
17.3.4
|
19/1/2023
|
121,01 €
|
DE AGPA G… 2024 JPY
|
26/6/2023
|
jun-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
19/7/2023
|
124,64 €
|
DE A GPA ... 2024 JPY - 503264032
|
|
|
|
|
Total
|
484,14 €
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Data contabilização
|
Período
|
Guia n.°
|
Tab. IS
|
Data entrega Estado
|
Montante €
|
Descritivo
|
20/10/2021
|
out-21
|
DMIS - ...
|
17.3. 4
|
18/11/2021
|
14,00 €
|
DE AG Bill A… ECP SERI
|
20/1/2022
|
jan-22
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
17/2/2022
|
14,00 €
|
DEAG EMI A... ECP SER2
|
20/4/2022
|
abr-22
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
19/5/2022
|
14,00 €
|
DE AG EMI A... ECP SER3
|
20/7/2022
|
jul-22
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
11/8/2022
|
14,00 €
|
DE AG EMI A... ECP SER4
|
31/5/2023
|
mai/23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
16/6/2023
|
14,00 €
|
DE A G EMI A... ECP S6 t5
|
31/7/2023
|
jul-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
10/8/2023
|
14,00 €
|
DE AG EMI A... ECP SER6
|
|
|
|
|
Total
|
84,00 €
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Data contabilização
|
Período
|
Guia n°
|
Tab. IS
|
Data entrega Estado
|
Montante €
|
Descritivo
|
31/5/2023
|
mai/23
|
DMIS - ...
|
17.3 .4
|
16/6/2023
|
913,33 €
|
DE IS COLOC. ...181091-...
|
Data contabilização
|
Período
|
Guia n.°
|
Tab. IS
|
Data entrega Estado
|
Montante €
|
Descritivo
|
21/9/2021
|
set-21
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
20/10/2021
|
1 000,00 €
|
DE IS DOM ...
|
23/9/2021
|
set-21
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
20/10/2021
|
1 000,00 €
|
DE IS DOM ...
|
7/6/2022
|
jun-22
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
18/7/2022
|
2 000,00 €
|
DE IS DOM ...
|
2/6/2023
|
jun-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
19/7/2023
|
0,93 €
|
DE IS AGENTE ...
|
2/6/2023
|
jun-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
19/7/2023
|
1,40 €
|
DE IS ORG ...
|
16/6/2023
|
jun-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
19/7/2023
|
8,22 €
|
DE IS ORG ...
|
16/6/2023
|
jun-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
19/7/2023
|
5,48 €
|
DEIS AGENTE ...
|
20/6/2023
|
jun-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
19/7/2023
|
7,17 €
|
DEIS ORG ...
|
20/6/2023
|
jun-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
19/7/2023
|
4,78 €
|
DE IS AGENTE ...
|
21/6/2023
|
jun-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
19/7/2023
|
2,02 €
|
DE IS AGENTE ...
|
21/6/2023
|
jun-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
19/7/2023
|
3,03 €
|
DE IS ORG ...
|
28/6/2023
|
jun-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
19/7/2023
|
1,20
|
DE IS ORG ...
|
28/6/2023
|
jun-23
|
DMIS - ...
|
17,34
|
19/7/2023
|
0,80 €
|
DE IS AGENTE ...
|
30/6/2023
|
jun-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
19/7/2023
|
35,39 €
|
DEIS AGENTE ...
|
30/6/2023
|
jun-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
19/7/2023
|
53,08 €
|
DEIS ORG ...
|
3/7/2023
|
jul-23
|
DMS - ...
|
17,34
|
10/8/2023
|
34,44 €
|
DE IS AGENTE ...
|
3/7/2023
|
jul-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
10/8/2023
|
51,67 €
|
DE IS ORG ...
|
3/7/2023
|
jul-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
10/8/2023
|
2 000,00 €
|
DE IS DOM ...
|
4/7/2023
|
jul-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
10/8/2023
|
0,80 €
|
DE IS AGENTE ...
|
4/7/2023
|
jul-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
10/8/2023
|
1,20 €
|
DE IS ORG ...
|
5/7/2023
|
jul-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
10/8/2023
|
1,87 €
|
DE IS ORG ...
|
5/7/2023
|
jul-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
10/8/2023
|
1,24 €
|
DE IS AGENTE ...
|
17/7/2023
|
jul-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
10/8/2023
|
1,44 €
|
CE IS AGENTE...
|
17/7/2023
|
jul-23
|
DMS - 252857
|
17.3.4
|
10/8/2023
|
2,17 €
|
CE IS ORG ...
|
20/7/2023
|
jul-23
|
DMS - ...
|
17.3.4
|
10/8/2023
|
4,67 €
|
DE IS A GENTE R8...
|
20/7/2023
|
jul-23
|
DMIS - 252857
|
17.3.4
|
10/8/2023
|
7,00 €
|
CE IS ORG ...
|
21/7/2023
|
jul-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
10/8/2023
|
4,98 €
|
DE IS ORG ...
|
21/7/2023
|
jui-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
10/8/2023
|
3,32 €
|
DE IS AGENTE ...
|
3/8/2023
|
ago-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
19/9/2023
|
0,54 €
|
DE IS AGENTE ...
|
3/8/2023
|
ago-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
19/9/2023
|
0,82 €
|
DE IS ORG ...
|
3/8/2023
|
ago-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
19/9/2023
|
93,17 €
|
DE IS ORG ...
|
3/8/2023
|
ago-23
|
DMIS - ...
|
17.3.4
|
19/9/2023
|
62,11 €
|
DE IS AGENTE ...
|
14/8/2023
|
ago-23
|
CAIS - ...
|
17.3.4
|
19/9/2023
|
1,79 €
|
DE IS AGENTE ...
|
14/8/2023
|
ago-23
|
DMIS - ...
|
17,34
|
19/9/2023
|
2,68 €
|
DE IS ORG ...
|
22/8/2023
|
ago-23
|
DMS - ...
|
17.3.4
|
19/9/2023
|
3,00 €
|
DE IS ORG ...
|
22/8/2023
|
ago-23
|
DMIS • ...
|
17.3.4
|
19/9/2023
|
2,00 €
|
DE IS AGENTE ...
|
|
|
|
|
Total
|
6.404,41 €
|
|
|
|
|
|
|
|
|
iv. Liquidação de Imposto do Selo pelo “CGD”, sobre Comissões de Intermediação e Assessoria Financeira em Emissões de Papel Comercial e/ou Obrigações – Guias/Declarações do Imposto do Selo respeitantes aos períodos de setembro de 2021 a setembro de 2023:
Data
|
Imposto
selo (€)
|
N.° Guia
|
2021-09-30
|
679,45 €
|
...
|
2021-11-02
|
657,53 €
|
|
2021-11-30
|
679,45 €
|
|
2021-12-30
|
657,53 €
|
|
2022-01-31
|
679,45 €
|
|
2022-02-28
|
635,62 €
|
|
2022-03-30
|
657,53 €
|
|
2022-05-02
|
679,45 €
|
|
2022-05-30
|
657,53 €
|
|
2022-05-31
|
2.000,00 €
|
|
2022-06-30
|
767,12 €
|
|
2022-08-01
|
821,92 €
|
|
2022-08-30
|
849,32 €
|
|
2022-09-30
|
849,32 €
|
|
2022-10-31
|
821,92 €
|
|
2022-11-30
|
849,32 €
|
...
|
2022-12-30
|
821,92 €
|
|
2023-01-30
|
849,32 €
|
|
2023-02-28
|
794,52 €
|
|
2023-03-30
|
821,92 €
|
|
2023-05-02
|
849,32 €
|
|
2023-05-30
|
821,92 €
|
|
2023-06-30
|
723,29 €
|
|
2023-06-30
|
2.000,00 €
|
|
2023-07-31
|
305,53 €
|
|
2023-08-30
|
238,14 €
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Total
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21.168,34 €
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v. Liquidação de Imposto do Selo pelo “BBVA”, sobre Comissões de Intermediação e Assessoria Financeira em Emissões de Papel Comercial e/ou Obrigações – Guias/Declarações do Imposto do Selo respeitantes aos períodos de setembro de 2021 a setembro de 2023:
Data
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Imposto de Selo
(Euros)
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Descrição
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Guia nº
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2022-07-15
2023-01-11
2023-07-11
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2.555,56 €
2.513,89 €
2.555,56 €
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I.SELO COM. TOM
I.SELO COM. TOM
I.SELO COM. TOM
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...
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Total
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7.625,01 €
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vi. Liquidação de Imposto do Selo pelo “Bankinter”, sobre Comissões de Intermediação e Assessoria Financeira em Emissões de Papel Comercial e/ou Obrigações – Guias/Declarações do Imposto do Selo respeitantes aos períodos de setembro de 2021 a setembro de 2023:
Período
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Data de
liquidação
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Imposto de Selo
(EUR)
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Nº de Guia
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julho-2023
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27/7/2023
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2.000,00 €
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....
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vii. Liquidação de Imposto do Selo pelo “BPI”, sobre Comissões de Intermediação e Assessoria Financeira em Emissões de Papel Comercial e/ou Obrigações – Guias/Declarações do Imposto do Selo respeitantes aos períodos de setembro de 2021 a setembro de 2023:
Data
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Imposto do Selo
(Euros)
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N.° Guia
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22/12/2022
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4.000 €
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...
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22/6/2023
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4.000 €
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Total
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8.000 €
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d) As comissões e liquidações de Imposto do Selo respeitantes à intermediação e assessoria financeira na emissão de papel comercial e/ou obrigações emitidas pela A... SGPS foram repercutidas na esfera jurídica da Requerente, conforme contratos de intermediação e assessoria financeira na emissão do papel comercial e/ou obrigações com elas celebrados e declarações bancárias relativas a estas operações das mesmas entidades bancárias.
e) A Requerente apresentou reclamação graciosa contra os atos de liquidação de Imposto do Selo, referentes aos períodos de setembro de 2021 a setembro de 2023, que foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, de 23 de fevereiro de 2024, e notificado, via CTT, por carta dessa mesma data.
f) O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 1 de maio de 2024.
2.2. Factos não provados
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão.
2.3. Fundamentação da matéria de facto
O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não tendo de se pronunciar quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
A matéria de facto foi dada como assente em função da prova documental e do “PA”.
A factualidade dada como assente em c)ii. resulta, em particular, do documento junto a 13 de maio de 2024 pela Requerente, no qual é possível verificar que foi liquidado Imposto do Selo, no período em causa, no montante de € 9051,56.
Ainda quanto à factualidade assente em c)v. resulta, também, de declaração de substituição, já com a identificação do NIF da Requerente (...), declaração de substituição (DMIS) com o nº 355748, constando o valor (da Requerente) na linha nº 12323, desta declaração de substituição.
3. MATÉRIA DE DIREITO
Considerando a matéria de facto dada como provada e fazendo o seu enquadramento com o direito aplicável, a questão de fundo a decidir, com vista à composição do litígio, está em saber se há, ou não, lugar a Imposto do Selo, pelos encargos suportados relativamente a operações financeiras de comercialização de subscrição de unidades de participação realizadas por instituições de crédito, por violação do artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre a reunião de capitais.
A Requerente considera ilegal o despacho de indeferimento da reclamação graciosa dirigida contra as autoliquidações de Imposto do Selo aqui em discussão, uma vez que são violadoras do n.º 2, do artigo 5.º, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008.
A Requerida defende que: não assiste razão à Requerente, na medida em que a alegada violação da proibição da tributação constante no n.º 2, do artigo 5.º, da Diretiva 2008/7/CE, não é absoluta e, paralelamente, o TJUE, não só não proíbe, como permite a liquidação de Imposto do Selo sobre determinadas comissões que podem atingir os emitentes de novos títulos negociáveis sob a forma de empréstimos obrigacionistas ou programas de papel comercial.
A jurisprudência do CAAD já decidiu no sentido preconizado pela Requerida, designadamente, no processo n.º 856/2019-T, no qual o relator foi vogal, e julgado que a proibição de incidência de imposto resultante do n.º 2, alínea b), do artigo 5.º, da Diretiva 2008/7/CE opera relativamente a empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações, independentemente de quem os emitiu, mas que é distinta a situação quando o que está em causa é, não a própria emissão de empréstimos obrigacionistas e de papel comercial pelas sociedades comerciais, mas os encargos com comissões bancárias cobradas pelas instituições de crédito a título de prestação de serviços de intermediação nessas operações financeiras. A perspetiva seguida era de que essas prestações de serviços seriam tributadas em sede de Imposto do Selo, por força da aplicação das verbas 17 e 17.3.3 da TGIS.
Porém, a partir do acórdão do TJUE de 22 de dezembro de 2022, proferido no processo n.º C-656/21 em consequência de reenvio prejudicial suscitado no processo arbitral n.º 88/2021-T do CAAD, no qual foi colocada esta questão, veio, interpretar a alínea b), do n.º 2, do artigo 5.º, da Diretiva 2008/7/CE de modo distinto.
O TJUE considera em tal aresto que: tendo em consideração o objetivo prosseguido pela aludida Diretiva, o seu artigo 5.º deve ser objeto de uma interpretação lato sensu, para evitar que as proibições que prevê sejam privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica-se, igualmente, às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que, essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais.
Recorta-se, por pertinente, o seguinte segmento da decisão arbitral proferida no processo n.º 493/2022-T:
Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que uma emissão de títulos só tem sentido a partir do momento em que esses mesmos títulos são adquiridos, uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão tributária, na realidade, a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. O objetivo de preservar o efeito útil do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição dos títulos efetuada no quadro da sua emissão (considerando 29).
E acrescentou o seguinte.
Ora, uma vez que serviços de comercialização de participações em fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, apresentam uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais.
Com efeito, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, esses fundos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65, por força do seu artigo 1.º, n.ºs 1 a 3. A este respeito, o pagamento do preço correspondente às participações adquiridas, único objetivo de uma operação de comercialização, está ligado à substância da reunião de capitais e é, como resulta do artigo 87.º da Diretiva 2009/65, uma condição que deve ser preenchida para que as participações de fundos em causa sejam emitidas.
Daqui resulta que o facto de dar a conhecer junto do público a existência de instrumentos de investimento de modo a promover a subscrição de participações de fundos comuns de investimento constitui uma diligência comercial necessária e que, a esse título, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação de participações nos referidos fundos.
Além disso, uma vez que a aplicação do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de comercialização com essas operações de emissão e de colocação em circulação, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de comercialização a terceiros em vez de as efetuar diretamente.
A este respeito, há que recordar que, por um lado, esta disposição não faz depender a obrigação de os Estados-Membros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C-573/16, EU:C:2017:772, n.º 37).
Daqui resulta que serviços de comercialização como os que estão em causa no processo principal fazem parte integrante de uma operação de reunião de capitais, pelo que o facto de os onerar com um imposto do selo está abrangido pela proibição prevista no artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7.
Tendo em conta todas as precedentes considerações, o TJUE conclui que o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundo.
Considerando a interpretação extensiva que o TJUE faz do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, no sentido de a mesma ter aplicação, não apenas à operação financeira em si, mas também aos encargos com uma atividade bancária que apenas indiretamente se relacionam com a emissão de títulos negociáveis (e ainda ao primado do Direito da União Europeia, estabelecido no n.º 4, do artigo 8º, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), como previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, conclui-se que a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os tribunais nacionais, quando tem por objeto questões de Direito da União Europeia (ver neste sentido, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de outubro de 2000, processo n.º 25128 de 07 de novembro de 2001, processos números 26432 e 26404).
Do exposto resulta que a verba 17.3.4 da TGIS, cuja previsão sujeita a Imposto do Selo comissões e contraprestações por serviços financeiro, é ilegal, quando aplicável à comercialização de valores mobiliários, por incompatibilidade com o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE. Deste modo, anula-se, parcialmente, o despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º 330120230400323 e, mediatamente, as liquidações supra identificadas, no montante de € 101 345,23.
4 – REEMBOLSO DO IMPOSTO INDEVIDAMENTE PAGO E CONDENAÇÃO DA AT NO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A Requerente peticiona, como decorrência da invocada anulabilidade dos atos de autoliquidação de Imposto do Selo e repercutidas na sua esfera jurídica, a restituição da importância indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
O artigo 24.º, n.º 5 do RJAT determina que: “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que permite concluir pelo reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no âmbito de um processo arbitral.
Importa, assim, apurar se tem direito aos juros indemnizatórios relativamente à quantia de € 101 345,23.
O artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que:
São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante. O que significa que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
As alíneas c) e d), n.º 3, do artigo 43.º da LGT, têm a seguinte redação:
c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
A jurisprudência arbitral[1] entendeu, quanto à aplicação do artigo 43.º, n.º 2, alínea d), da LGT, o seguinte:
Ao referir como fundamento do direito a juros indemnizatórios decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução, o legislador da Lei nº 9/2019, reportou-se diretamente ao mecanismo de fiscalização abstrata da inconstitucionalidade ou ilegalidade regulado no art. 281º da CRP e não à recusa de aplicação em casos concretos por qualquer tribunal de normas legislativas ou regulamentares com fundamento na sua ilegalidade ou inconstitucionalidade que, aliás, está sempre sujeita ao controlo do Tribunal Constitucional., nos termos dos nºs 1 e 2 do art.º 280º da CRP.
Ora, como se referiu, a incompatibilidade de norma de direito nacional com norma de direito internacional, incluindo o TFUE e o próprio direito derivado da União Europeia, vinculativa do Estado português, não está sujeita à fiscalização abstrata do TC, sendo apenas a recusa da sua aplicação pelos tribunais nacionais – e não a sua aplicação por estes- passível de recurso para o TC.
Tal Lei nº 9/2019, como explica o referido Acórdão do STA de 23/10/2019, segue-se à prolação do Acórdão n.º 848/2017, do Tribunal Constitucional, de 13/12/2017 que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do Regulamento Geral de Taxas, Preços e Outras Receitas do Município de Lisboa, ao abrigo das quais foram efetuadas as liquidações impugnadas, por violação do disposto no n.º 2 do art.º 103.° e na alínea i) do n.º 1 do art.º 165º, da CRP, bem como do nº 1 do art.º 43.º da LGT.
Tal possibilidade de declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral não é aplicável, porque o não prevê, o nº 1 do art.º 281º da CRP, às normas de direito nacional incompatíveis com o TFUE e o direito derivado, apenas passíveis da fiscalização concreta, em caso de recusa da sua aplicação, prevista na alínea i) do nº 1 do art.º 70º da LOTC.
As referidas decisões do CAAD, da autoria de tribunais arbitrais e não de tribunais judiciais, não têm caráter geral e o respetivo caso julgado limita‑se ao processo em que foram proferidas, não podendo ser consideradas para efeitos do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, nos termos da alínea d) do nº 3 do art.º 43º da LGT. Do mesmo modo, o Acórdão do TJUE no proc. C-169/2020 limita-se à verificação do incumprimento pelo Estado português das obrigações previstas no art.º 110º do TFUE, não contendo qualquer declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade do art.º 217º da Lei nº 42/2016, reservada aos tribunais nacionais.
Contudo, na decisão arbitral n.º 625/2020-T, de 28 de março, escreveu-se o seguinte:
(…) há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da prática de um ato ilegal, por iniciativa da Administração Tributária, mesmo em situações em que a ilegalidade deriva apenas do direito da União Europeia:
– «em geral, pode afirmar-se que o erro imputável aos serviços, que operaram a liquidação, entendidos estes num sentido global, fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou impugnação dessa mesma liquidação» ( [1] );
– «Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária pelo art. 43.º da L.G.T., havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.
Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado» ( [2] );
– «há erro nos pressupostos de direito, imputável aos serviços, de modo a preencher o pressuposto da obrigação da Administração de indemnizar aquele a quem exigiu imposto indevido, quando na liquidação é aplicada uma norma nacional incompatível com uma Diretiva comunitária» ( [3] ).
– «os juros indemnizatórios previstos no art. 43ºda LGT são devidos sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo e sem necessidade de mais, pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da correspondente liquidação» ( [4] )
Deste modo, ainda que a ilegalidade decorra da violação do Direito da União Europeia, a circunstância não impede que se considere estarmos perante um erro que confira direito a juros indemnizatórios, sendo somente necessário que o erro seja imputável aos serviços.
Sustenta a jurisprudência[2] quanto à possibilidade de existir direito a juros indemnizatórios quando há atos de retenção na fonte:
II - No caso de atos de retenção na fonte e de pagamento por conta, está, em princípio, afastada a possibilidade de existência de erro imputável aos serviços, visto que que tanto a determinação da matéria coletável como a liquidação do imposto são efetuadas pelo próprio contribuinte ou por substituto, e não pelos serviços.
III – Todavia, em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte.
Assim, considerando que o imposto autoliquidado foi objeto de reclamação graciosa apresentada pela Requerente, expressamente indeferida, verifica-se que a partir dessa data de indeferimento, o erro que inquinou as liquidações contestadas passou a ser imputável à AT, com a consequente obrigação de pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
Considerando que a Requerente apresentou contra as autoliquidações reclamação graciosa no dia 20 de outubro de 2023, tendo despacho de indeferimento ocorrido em 23 de fevereiro de 2024, é esse o momento a partir do qual a AT poderia ter, pela primeira vez, reparado a ilegalidade. Assim, são devidos juros indemnizatórios desde a referida data.
Em resumo, a reconstituição da situação hipotética atual resultado do despacho de indeferimento e das autoliquidações justifica o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 5, do artigo 24.º do RJAT, do artigo 43º da LGT, e do artigo 61º do CPPT, contados até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
IV – DECISÃO
De harmonia com o exposto o Tribunal Arbitral acorda o seguinte:
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Anular parcialmente o despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023..., com a consequente anulação das liquidações no montante de € 101 345,23;
-
Determinar o reembolso do imposto indevidamente pago, no montante de € 101 345,23, acompanhado dos respetivos juros indemnizatórios, contados desde 23 de fevereiro de 2024, até à data do processamento da respetiva nota de crédito;
-
Declarar improcedente o pedido de anulação relativamente ao Imposto do Selo, no valor de € 135,56, bem como o respetivo reembolso;
-
Fixar o valor do Processo em € 101 480,79, ao abrigo do disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e do 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária;
-
Fixar as custas em € 3060,00, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que ficam a cargo da Requerida (o valor de € 3055,91correspondente à percentagem de 99,87% da sua responsabilidade) e da Requerente, (o valor de € 4,09 correspondente à percentagem de 0,13% da sua responsabilidade), valores proporcionais aos respetivos decaimentos.
Notifique.
Lisboa, 4 de novembro de 2024
O Presidente
Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha
O Vogal (relator),
Dr. Arlindo José Francisco
O Vogal,
Professor Doutor Francisco Nicolau Domingos
[1] Decisão arbitral n.º 189/201-T, de 10 de novembro.
[2] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de abril de 2021, proferido no âmbito do processo n.º 016/10.9BELRS.