Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 417/2024-T
Data da decisão: 2024-11-18  IRC  
Valor do pedido: € 104.602,17
Tema: IRC - Retenção na Fonte; Convenção de Dupla Tributação; Meios Probatórios.
Versão em PDF

Consultar versão completa em PDF

SUMÁRIO

I - O artigo 98.º, n.º 1, do Código do IRC e a CDT aplicável estabelecem os requisitos fundamentais para dispensar a exigibilidade da retenção na fonte dos pagamentos a entidades não residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.

 

II - Os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes têm natureza meramente declarativa, podendo ser apresentados a posteriori.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro-presidente), Dr. Sérgio Santos Pereira e Prof. Doutor Júlio Tormenta (árbitros auxiliares), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 5 de junho de 2024, acordam no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO       

 

  1. A..., Ldª, número de identificação de pessoa coletiva (“NIPC”) e número de identificação fiscal (“NIF”) ..., com sede em..., ..., ...- ... ... (“Requerente”), representada por B..., na qualidade de Gerente, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos dos artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”), e do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) aplicável ex vi artigo 10.º, n.º 2, alínea c) do mencionado diploma, com vista à pronúncia deste Tribunal, relativamente à apreciação da ilegalidade do ato de liquidação por retenção na fonte em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC") n.º 2023..., referente ao ano de 2019, no valor de 90.000 € e juros compensatórios no valor de 14.602,17 € (correspondente às liquidações n.º 2023..., 2023..., 2023... e 2023...) num montante total a pagar de 104.602,17 €, e, bem assim, da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada no âmbito do procedimento identificado em epígrafe.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitram Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), aqui Requerida.

 

  1. As partes (Requerente e Requerida) não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 17 de maio de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

  1. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 5 de junho de 2024.

 

  1. Como acima referido o Requerente foi notificado da liquidação por retenção na fonte de IRC n.º 2023..., referente ao ano de 2019, no valor de 90.000 € e juros compensatórios no valor total de 14.602,17 € (correspondente às liquidações n.º 2023..., 2023..., 2023 ... e 2023 ...) num montante total a pagar de 104.602,17 €, e, bem assim, da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, arguindo que os atos administrativos anteriormente referidos praticados pela AT enfermam de erro quanto aos pressupostos de facto e de direito, e consequentemente, conclui que a atuação da AT é ilegal por preterição de formalidade legal, violação dos princípios da colaboração e boa-fé nos termos do artigo 59.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), artigo 99.º, alínea d), do CPPT, do artigo 7.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”) e n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

 

  1. Na defesa da procedência do seu pedido de anulação da liquidação de IRC, a Requerente argui que:

 

  1. O pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) é tempestivo, uma vez que a alínea a) n.º 1 artigo 10.º do RJAT dispõe que o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos números 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT.

 

  1. A Requerente tem como objeto social o “Comércio, transformação, armazenagem e distribuição de todos os tipos de papéis, e pastas celulósicas, bem como de outros produtos e equipamentos para a indústria transformadora, representante de fabricantes nacionais e estrangeiros, importador e exportador, e ainda a compra e venda, o arrendamento e a exploração de imóveis, a urbanização, parcelamento e reparcelamento de terrenos e a construção, reparação ou reconstrução de imóveis, por conta própria ou externa”;

 

  1. Em 2023, os Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Santarém, realizaram um procedimento de inspeção - OI2022... . Em 05.09.2023 foi comunicado à Requerente, através de notificação eletrónica, que se iniciou o procedimento inspetivo interno de comprovação e verificação - OI2023..., de âmbito parcial, em matéria de retenções na fonte de IRC relativas ao exercício de 2019.

 

  1. A Requerente foi notificada, em sede de audição prévia, do projeto de correções do relatório da ação inspetiva (“PRIT”) efetuada pela Direção de Finanças de Santarém, referente ao ano de 2019. Em 21.09.2023, apresentou pronúncia em sede de audição prévia contestando a correção.

 

  1. A Requerente foi notificada do Relatório Final da Inspeção Tributária (“RIT”), no qual sobre o período de 2019 consta, além do mais o seguinte:

 

 

  1. Como consequência da ação de inspeção tributária, a AT procedeu à correção da retenção na fonte em sede de IRC, no montante de 90.000,00 €. A Requerente foi notificada para proceder ao respetivo pagamento (retenção na fonte e juros compensatórios).

 

  1. Em 11.12.2023, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações mencionadas supra. Em 30.01.2024, a Requente foi notificada, pelo ofício remetido pela Direção de Finanças de Santarém, para exercer o direito de audição prévia na sequência da proposta de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

 

  1. Em 18.02.2024, a Requerente foi notificada do despacho do Diretor de Finanças de Santarém que indeferiu a Reclamação Graciosa.

 

  1. Na sequência do aludido indeferimento, apresentou o PPA no qual solicita o reembolso do montante por si indevidamente pago - 104.602,17 € (90.000 € a título de imposto acrescido de 14.602,17 € a título de juros compensatórios) – e o direito a juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços da AT.

 

  1. Tendo sido devidamente notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou aos autos o Processo Administrativo (“PA”), em 3 de julho de 2024, peticionando a improcedência do PPA tendo-se defendido por impugnação e requerido a dispensa de produção de prova testemunhal por esta ser um ato processualmente inútil e inadmissível nos termos do artigo 130.º do CPC, e, consequentemente da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

           

  1. A Requerida, em síntese, defende que:

 

  1. A matéria em discussão nos autos refere-se à ilegalidade do ato de liquidação por retenção na fonte em sede de IRC n.º 2023..., referente ao ano de 2019, no valor de 90.000,00 € e juros compensatórios no valor de 14.602,17 €, bem como do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024...;

 

  1. Concluíram os SIT que
    1. “(…) confirma-se que a A... LDA (entidade que efetua o pagamento) é:
    2. Residente em território português, nos termos da lei portuguesa;
    3. Sujeita e não isenta de IRC ou do imposto especial de jogo, e, residente em território português, nos termos da lei portuguesa;
    4. Não abrangida pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º do Código do IRC.
    5. Ficou por comprovar por parte da sociedade a C..., SLU (entidade beneficiária):
  • Sob a forma documental, a prova de residência fiscal no período de 2019, através do certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência, nos termos do artigo 4º da convenção para evitar a dupla tributação e, atestando a sujeição a imposto.”

 

  1. por impugnação no sentido de considerar que o procedimento de inspeção levado a cabo pela AT é um procedimento interno e não externo como defende a Requerente, e por isso, não há qualquer violação do principio da legalidade quando a liquidação efetuada de IRC em sede de retenção no fonte acrescido dos respetivos juros compensatórios (por ausência de retenção na fonte efetuada pela Requerente) resultou da recolha e análise de elementos contabilísticos recolhidos aquando do procedimento interno levada a cabo pela AT.

 

  1. também por impugnação, a Requerida efetuou todas as diligências e cruzamento de informações /dados, com observância dos princípios do inquisitório, do contraditório/participação e da verdade material (artigo 58.º e 60.º da LGT, artigos 6.º e 7.º e 60.º do RCPITA) e recolhidos todos os meios de prova tendo em vista o apuramento dos factos tributários que sustentaram as liquidações adicionais de retenção na fonte de IRC 2019, nos termos do disposto nos artigos 4.º nº. 4 e do artigo 98.º, todos do Código do IRC, vigentes à data dos factos.

 

  1. Em defesa da sua posição a Requerida refere que em sede de direito ao exercício de audição prévia por parte do Requerente a nível do RIT, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2022..., relativo ao exercício de 2019, se provou que:
    1. “Tendo em conta os argumentos apresentados pelo SP relativamente às propostas de correção incluídas no ponto V.1.1 em sede de IRC - Retenções na fonte, o SP enviou quatro documentos em anexo [Anexo II]:
  • 1º - O cartão de identificação fiscal da sociedade C..., datado de 14-07-2023;
  • 2º - Um certificado emitido pela Autoridade Tributária Espanhola, datado de 29 de outubro de 2019, atestando que a C... é residente em Espanha e que se encontra com as obrigações fiscais cumpridas;
  • 3º - O SP enviou ainda um documento denominado por registo mercantil, datado de 14 de julho de 2023, onde menciona que a empresa nunca alterou a sua morada fiscal;
  • 4º - comprovativo de residência fiscal para efeitos de convénio, datado de 19-09-2023.

Analisados os documentos enviados conjuntamente com os documentos enviados anteriormente verifica-se o seguinte:

Conforme referido no ponto V.1.1, no âmbito da presente ação inspetiva foi solicitada a documentação que justificasse a dispensa total ou parcial de retenção na fonte do IRC. Em resposta a tal solicitação, foi enviado o modelo 21 – RFI, identificando como beneficiário dos rendimentos no quadro I, a sociedade C..., SLU e indicando como prestações de serviços, a natureza dos rendimentos e indicando no quadro III, que junta como prova de residência fiscal no período de 2019, o certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência, nos termos do artigo 4º da convenção para evitar a dupla tributação, atestando a sujeição a imposto.

No entanto, como prova de residência fiscal a que se refere o quadro III do Modelo 21 – RFI, apenas foi enviado um documento referente à comunicação do envio do cartão do número de identificação fiscal (NIF), pela Agência Tributária de Espanha, sendo aquela documentação manifestamente insuficiente. Face a essa insuficiência, concluiu-se que não se encontravam reunidos os pressupostos para a dispensa total ou parcial da retenção na fonte de IRC.

Todavia, no âmbito do exercício do direito de audição, o SP procurou juntar os documentos supramencionados com vista à justificação da dispensa total ou parcial da retenção na fonte de IRC sobre rendimentos auferidos por entidades não residentes, verificando-se o seguinte:

Em 2019, existiriam 2 regimes distintos em que o destinatário do pagamento poderia fazer prova perante a entidade pagadora, para justificar a dispensa total ou parcial da retenção na fonte de IRC. Um regime a vigorar entre 1 de janeiro e 30 de setembro de 2019 e outro, que vigora entre 1 de outubro e 31 de dezembro de 2019:

Até 30 de setembro de 2019, os beneficiários dos rendimentos poderiam fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte através da apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças:

“1) Certificado pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência; ou

2) Acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado;” O modelo 21 – RFI enviado anteriormente pelo SP está datado de 2 de janeiro de 2019 e não se encontra certificado pelas autoridades fiscais, conforme se observa infra:

 

 

 

 

 

Conforme informação descrita no quadro III do formulário Mod. 21- RFI “Este formulário apenas é válido quando acompanhado de prova de residência fiscal. Para efeitos de prova da residência fiscal, no período em causa, da entidade identificada no quadro I é junto certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades competentes do respetivo estado de residência, nos termos do artigo 4.º da convenção para evitar a dupla tributação, atestando a sujeição a imposto.”, o que não se verificou.

Ou seja, no caso em apreço, o beneficiário, por um lado, não apresentou o Modelo 21 – RFI certificado pela Agência Tributária de Espanha, e, por outro, também não se fez acompanhar de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que comprovasse de forma adequada a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado, nos termos do artigo 4º da convenção para evitar a dupla tributação, atestando a sujeição a imposto.”, o que não se verificou.

“(…)

Ou seja, não restam dúvidas de que não foram cumpridos os requisitos para dispensa de pagamento de retenção na fonte em cada um dos pagamentos efetuados entre 1 de janeiro e 30 de setembro de 2019, pois, durante esse período de tempo, a entidade pagadora não se encontrava na posse dos documentos acima referidos.

E o mesmo se constata em relação aos pagamentos efetuados no final do ano de 2019, senão vejamos:

A partir de 01 de outubro de 2019, com a entrada em vigor da Lei n.º 119/2019 de 18 de setembro, a prova da qualidade de não residente, para efeitos do art. 98.º do Código do IRC, passou a vigorar a obrigação de apresentar os seguintes documentos:

a) Da verificação dos pressupostos que resultem de convenção para evitar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional ou ainda da legislação interna aplicável, através da apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças, acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado; (negrito e sublinhado nosso)

Ora, ainda que o certificado de residência agora apresentado, tenha sido emitido em 29 de outubro de 2019, este certificado, não atesta a sua residência para efeitos fiscais e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado no período em causa, pois não invoca expressamente a convenção para evitar a dupla tributação, ou seja, não constitui o documento legalmente previsto e precisamente emitido para efeito.

O documento correto que se pretendia obter e que acabou por ser apresentado, consubstanciando-se no certificado de residência fiscal, emitido pela Agência Tributária Espanhola, atestando que a empresa C... SL, NIF..., é residente em Espanha, à data da respetiva emissão, isto é, a 19-09-2023.

Era precisamente este documento de que o pagador deveria ter na sua posse, aquando do respetivo pagamento. Pese embora, o certificado invoque expressamente a convenção para evitar a dupla tributação, dado que o mesmo tem data posterior ao período tributário inspecionado (2019) não se pode considerar apto para efeitos de enquadramento legal das operações financeiras em apreciação naquele ano, uma vez que a respetiva apresentação tem lugar de forma extemporânea no que concerne aos factos tributários em causa.

A partir de 01 de outubro de 2019, considera-se que a entidade não se encontrava na posse do certificado referido no quadro III do Mod 21 –RFI a que se refere a) do nº 2 do artigo 98ºdo CIRC, pelo que também nos últimos 3 meses do ano, não estão reunidos os pressupostos de dispensa de retenção na fonte.

Da análise dos documentos enviados no âmbito do exercício do direito de audição, verifica-se que um dos certificados que foram agora enviados, não é um certificado obtido para efeitos de acionar a convenção para evitar a dupla tributação e o outro, embora invoque expressamente a convenção para evitar a dupla tributação, apenas produz efeitos ex nunc, isto é, após a data de emissão em 19-09-2023.

Destarte, os documentos apresentados não permitem a verificação dos pressupostos para a dispensa da retenção na fonte sobre os rendimentos pagos a não residentes em 2019, mantendo-se as correções anteriormente propostas no ponto V.1.1.”,

  1. A Requerente não apresentou documentação de suporte válida, nomeadamente, em termos de RFI e certificado de residência fiscal do beneficiário dos rendimentos obtidos em Portugal – C... SLU, NIF ... (entidade não residente fiscalmente em Portugal) - para que aqueles rendimentos auferissem da dispensa de retenção na fonte aquando do pagamento dos mesmos ou colocação à disposição por parte daquela.
  2. Adicionalmente refere que a Requerente entregou um certificado de residência fiscal para efeitos da CDT Portugal-Espanha em que a data aposta no documento era de 19.09.2023, mas que o mesmo não serve de prova, uma vez que os factos controvertidos se reportam ao ano de 2019, e, não a 2023. Assim, quer em sede inspetiva quer posteriormente em sede de reclamação graciosa e pronúncia arbitral, a Requerente não chegou através da prova documental reunir os requisitos para aplicar o artigo 98.º do CIRC em vigor à data dos factos controvertidos, 2019, de molde a não ter de se efetuar a retenção na fonte sobre os rendimentos obtidos em Portugal pela C... SL, NIF... (entidade não residente fiscalmente em Portugal).
  3. Entende que de acordo com o exposto supra, a liquidação de IRC em sede de retenção na fonte efetuada é legal, não havendo lugar a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, uma vez que não houve qual erro de facto ou direito erro imputável aos serviços, do qual tenha resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao devido.

 

  1. Por despacho arbitral de 19 de julho de 2024 foi agendada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT para o dia 5 de setembro de 2024, pelas 14 horas no CAAD. A reunião realizou-se na data indicada. O representante da Requerente declarou prescindir da inquirição da testemunha: D... . Foi inquirida a testemunha: E... tendo a mesmo respondido às questões levantadas pelo Mandatário da Requerente, Requerida e Tribunal. O Tribunal, no âmbito dos seus poderes de investigação e descoberta da verdade material, notificou a Requerida para que no prazo de cinco dias enviasse, de forma legível, o Modelo 21 do RFI que consta quer como Anexo 2 do PPA quer na Resposta (artigo 35.º) quer no PA (ficheiro: PA2_OI2023....pdf). No mesmo sentido, o Mandatário da Requerente foi notificado a identificar o documento alegadamente em falta no Processo Administrativo e que refere ter oportunamente junto ao mesmo, no prazo de cinco dias, com vista a ser apenso aos autos pela Requerida, no mesmo prazo.

 

  1. No dia 9 de setembro de 2024, a Requerida enviou o documento Modelo 21 do RFI datado de 2/1/2019 e a “Resposta” em formato Word. Também no mesmo dia, o Mandatário da Requerente, através de Requerimento dirigido ao Tribunal, vem informar que o documento correspondente ao Certificado de Residência Fiscal em Espanha no ano de 2019, da C... SL com ID..., emitido em 07.11.2023 pela Autoridade Tributária Espanhola foi apresentado pela Requerente com a sua Reclamação Graciosa e que consta no Processo Administrativo junto pela Requerida aos autos, nomeadamente, na folha 4 do ficheiro designado por “PA 3”, cuja cópia ora se junta para melhor identificação.

 

  1. Em 25 de setembro de 2024, a Requerida apresentou as alegações escritas defendendo que em sede de inquirição de testemunhas, ocorrida no dia 05/09/2024, do depoimento da única testemunha inquirida, não se revelou qualquer facto pertinente, porquanto apenas veio à liça, no meio da enumeração de alguns documentos por parte da testemunha, que existia um documento que já fora junto, “fora de tempo”, que se trata de um documento emitido pela Agencia Tributária Espanhola com menção expressa ao ano de 2019 e ao convénio celebrado entre Portugal e Espanha. O documento em causa, não foi entregue com o PPA, não foi indicado, mencionado, aludido, referido ou citado em todo o processo decorrido até à presente data, apesar de datado de “7 de noviembre de 2023”, não foi junto com o exercício do direito de audição, apresentado sobre o projeto de reclamação graciosa, enviado em 17/02/2024, à Direção de Finanças de Santarém. Consta apenas num requerimento efetuado ao serviço de finanças de ..., nomeadamente, sobre o recurso de contraordenação. Assim, entende que não é processualmente possível, vir exercer produção de prova sobre factos novos, nunca anteriormente alegados, como é o caso do referido documento, mas nunca apresentado pela Requerente, aquando da proposição da ação. Defende que a fase de alegações finais não se configura como uma derradeira oportunidade para suscitar novas questões que, de forma consciente ou inconsciente, não foram previamente suscitadas no PPA. Tal tentativa colide frontalmente com o ónus da alegação e com os princípios da preclusão e da concentração dos meios. Tendo em conta o anteriormente exposto defende a improcedência do PPA, absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências.

 

  1. SANEAMENTO

 

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do n.º 1 artigo 2.º e alínea a), n.º 1 artigo10.º, ambos do RJAT.

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto no artigo 4.º e n.º 2 do artigo10.º, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

  1. O processo não enferma de nulidades processuais, nem existem exceções dilatórias ou perentórias ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Factos provados

 

  1. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente, com o NIF..., pessoa coletiva com sede em..., Lote ..., ...- ... ..., Portugal é um sujeito passivo de IRC. Foi objeto de uma liquidação adicional de IRC n.º 2023 ..., relativo a 2019, no montante de 90.000€, conforme quadro infra, resultante de correções em sede de retenção na fonte como consequência duma ação inspetiva:

 

Período

Número da liquidação

Valor de IRC

a pagar

2019

2023 …

€ 90.000,00

Total liquidado por retenção na fonte

€ 90.000,00

 

  1. e de juros compensatórios no montante de 14.602,16€, totalizando a dívida tributária 104.602,17€, com data-limite de pagamento 4/12/2023, conforme quadro infra:

 

Período

 

N.º Liquidação

Juros Compensatórios

Data limite de pagamento

2019

2023 …

€ 3.987,12

 

 

04.12.2023

2019

2023 …

€ 3.762,73

2019

2023 …

€ 3.538,35

2019

2023 …

€ 3.313,97

 

e Demostração de Liquidação de Retenções na Fonte de IR e Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios anexas ao PPA cfr. Doc. 1. 

 

  1. A Requerente, identificada no quadro abaixo como A..., integra um grupo de empresas detidas pela sociedade Grupo F... SGPS, SA, composto da seguinte forma:

 

 

  1. A Requerente, em 2019, em sede de IRC, está inscrita no regime geral de tributação e, em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) esteve enquadrada no regime normal mensal.

 

  1. Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças de Santarém, realizaram um procedimento interno de inspeção, credenciado pela ordem de serviço n.º OI2022..., de âmbito parcial, em sede de IRC e IVA, ao exercício de 2019.

 

  1. Decorrente do procedimento interno acima referido, provou-se que a Requerente, em 2019, suportou, registou contabilisticamente e pagou serviços, num montante total de 360.000€, a uma entidade não residente fiscalmente em Portugal – C...- sem ter efetuado qualquer retenção na fonte para efeitos de IRC.

 

  1. Os SIT solicitaram os esclarecimentos:

 

  1. Em resposta à solicitação dos SIT, a Requerente enviou os seguintes documentos:
  • Modelo 21- RFI, indicando seu quadro I como beneficiário efetivo dos rendimentos a sociedade C... S.L.U (C...) assim como a prestação de serviços, a natureza dos rendimentos auferidos pela C...; e
  • Um documento emitido pela Agência Tributaria Espanhola designado como “COMUNICACIÓN DE TARJETA ACREDITATIVA DEL NÚMERO DE IDENTIFICACIÓN FISCAL (NIF)” que contém a fotocópia do cartão do número fiscal da C... (no qual se identifica o número fiscal espanhol (...), como prova de residência fiscal, em 2019, a que se refere o quadro III do Modelo 21-RFI e ao abrigo do artigo 4.º da Convenção Para Evitar a Dupla Tributação, celebrada entre Espanha e Portugal.

 

  1. Os SIT analisando os dois documentos concluem que o documento anexo ao Modelo 21-RFI [(“COMUNICACIÓN DE TARJETA ACREDITATIVA DEL NÚMERO DE IDENTIFICACIÓN FISCAL (NIF)] não configura um certificado de residência, pelo que não fica comprovado que, em 2019, a C... S.L.U (C...) era uma sociedade residente em Espanha e que se encontra sujeita a imposto naquele Estado (Espanha), pelo que cabia à Requerente, ao abrigo dos n.º1 g), 5 e 6, todos do artigo 94.º do CIRC, reter um montante total de IRC de 90.000,00€, conforme quadro infra:

 

Quadro 3 – Cálculo do valor de retenção na fonte de IRC

Data

Valor

Taxa IRC (1)

Valor de retenção

Data limite de entrega (2)

31/03/2019

90.000,00

25%

22.500,00

20/04/2019

31/06/2019

90.000,00

25%

22.500,00

20/07/2019

30/09/2019

90.000,00

25%

22.500,00

20/10/2019

24/12/2019

90.000,00

25%

22.500,00

20/01/2020

 

360.000,00

 

90.000,00

 

  1. Taxa de IRC prevista nº nº4 do artigo 87º do CIRC.
  2. De referir que os valores apurados, deveriam ter sido entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte à sua colocação à disposição, conforme definido no art.º 94º, nº 6 do CIRC.

 

Quadro 4 – Valor do imposto em falta - retenção na fonte de IRC

Ponto do Rel.

Período

Valor

Taxa IRC

Valor de retenção

V.1.1

2019

360.000,00

25%

90.000,00

 

  1. Em resultado, foi notificado à Requerente o projeto de conclusões do RIT para esta, querendo, exercer o contraditório em sede de direito de audição prévia.

 

  1. A Requerente no âmbito de audição prévia, enviou três documentos, cfr. Anexo II do ficheiro OI2022... .pdf do PA relativo do RIT credenciado pela OI 2022...:
  • Documento n.º1: Cartão de identificação fiscal da sociedade C... SL (C...) emitido pela Agencia Tributaria Espanhola constante do documento [COMUNICACIÓN DE TARJETA ACREDITATIVA DEL NÚMERO DE IDENTIFICACIÓN FISCAL (NIF)], datado de 14/7/2023. O cartão de identificação em causa, identifica para efeitos fiscais a C... em termos de nome, número fiscal (...), domicílio social e fiscal e início de inscrição fiscal (6/2/2006);
  • Documento 2: Certificado emitido pela Agência Tributária Espanhola, datado de 29/10/2019, atestando que C... SL (C...) é residente fiscal e cumpriu com as suas obrigações fiscais;
  • Documento 3: Registo Mercantil da C... SL (C...), datado de 14/7/2023 contendo informação de cariz societário.

 

  • Na análise efetuada pelos SIT relativa à informação enviada pela Requerente, os mesmos efetuaram essa análise tendo em conta dois períodos de referência em 2019: um, entre 1 de janeiro e 30 de setembro de 2019 e, outro, a partir de 1 de outubro em diante, devido às alterações legislativas ocorridas a nível do artigo 98.º do CIRC por força da Lei 119/2019 de 18 de setembro.

 

  1. Assim relativamente ao período de 1 de janeiro a 30 de setembro de 2019, os SIT arguiram que não estavam reunidos os requisitos para dispensa de pagamento de retenção na fonte em cada um dos pagamentos efetuados entre 1 de janeiro e 30 de setembro de 2019 por parte da Requerente à C..., fundamentando a sua posição no facto de que o beneficiário (C...) não apresentou o Modelo 21-RFI certificado pela Agência Tributária Espanhola nem se fez acompanhar o referido Modelo de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência (Espanha) que ateste a sua residência para efeitos fiscais em Espanha no período em causa (1 de janeiro e 30 de setembro de 2019) e a sujeição a imposto sobre o rendimento em Espanha, nos termos do artigo 4º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrado entre Espanha e Portugal.

 

  • Relativamente aos pagamentos efetuados a partir de 1 de outubro de 2019 os SIT entenderam que a Requerente não estava na posse do certificado referido no quadro III do Modelo 21-RFI a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 98.º do CIRC, pelo não estavam reunidos os pressupostos de dispensa de retenção na fonte nos últimos três meses de 2019.

 

  • A Requerente foi notificada dos atos de liquidação de retenção na fonte em sede de IRC (90.000,00€) e de juros compensatórios (14.602,17€) num montante total de 104.602,17€, cfr Doc. 1 anexo ao PPA, com base nas correções efetuadas pelos SIT.

 

  1.  A Requerente apresentou reclamação graciosa datada em 11 de dezembro de 2023 relativa à Demonstração de Liquidação de Retenções na Fonte de IR, no montante de 90.000,00€, e à Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios (liquidações n.º 2023..., 2023 ..., 2023... e 2023...) no montante de 14.602,17€, correspondendo a uma dívida total de 104.602,17€ constante no ID Documento2023..., cfr. Doc. 1 anexo ao PPA.

 

  1. Após análise interna por parte da AT, foi proposto o indeferimento da reclamação graciosa da Requerente, tendo a mesma sido notificada para o exercício do direito de audição prévia, cfr Doc. 3 anexo ao PPA.

 

  1. A Requerente exerceu o direito de audição prévia, cfr. Doc. 4 anexo ao PPA. Através do Ofício n.º .../2024, datado de 12/2/2024, a Requerente foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa em 19/2/2024 (RF ... PT,), cfr. DOC. 5 anexo ao PPA.

 

  1. O Requerente apresentou PPA tendo o mesmo sido validado e aceite em 26 de março de 2024 pelo CAAD.

 

  1. No dia 9 de setembro de 2024, a Requerida enviou o documento Modelo 21 do RFI datado de 2/1/2019, cfr. DOC 1 anexo ao requerimento submetido para o efeito. O documento Modelo 21 do RFI, datado de 2/1/2019, consta quer como Anexo 2 do PPA quer na Resposta (artigo 35.º) quer no PA (ficheiro: OI2023..._PA2.PDF), tendo sido solicitado por este tribunal arbitral na reunião ocorrida em 5 de setembro de 2024 ao abrigo do artigo 18.º do RJAT.

 

  1. Conforme solicitado por este tribunal arbitral na reunião ocorrida em 5 de setembro de 2024 ao abrigo do artigo 18.º do RJAT, no dia 9 de setembro de 2024, o Mandatário da Requerente enviou o Certificado de Residência Fiscal em Espanha da C... (C...), datado de 7 de novembro de 2023, emitido pela Agencia Tributaria Espanhola em que esta atesta que a C... (C...) é residente fiscal, em Espanha, ao abrigo da Convenção Para Evitar a Dupla Tributação Espanha-Portugal em 2019 (“LA ENTIDAD FUE RESIDENTE FISCAL EN ESPAÑA EN 2019”). Este documento foi apresentado como anexo da reclamação graciosa, datada de 11 de dezembro de 2023, conforme ponto p) dos Factos Provados, e que consta do PA a fls 4 (4/65) do ficheiro PA3(RG ...2024...pdf).

 

  1. Factos não provados

 

  1. Não se provaram factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.

 

  1. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

  1. Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cf. n.º 2 artigo 123.º do CPPT e n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º, do CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT).

 

  1. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência de vida (cf. alínea e) artigo 16.º, do RJAT, e n.º 4 do artigo 607.º, do CPC, aplicável ex vi alínea e) n.º 1do artigo 29.º, do RJAT).

 

  1. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e da prova testemunhal.

 

  1. Questão a decidir

 

  1. A questão que cabe apreciar no âmbito do presente processo, prende-se com a legalidade da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada pela Reclamante, bem como do ato de liquidação por retenção na fonte em sede de IRC contestado, e muito concretamente, decidir se se encontravam preenchidos todos os pressupostos de que dependia a dispensa (seja ela total ou parcial) de retenção na fonte sobre os rendimentos pagos pela Requerente a sociedades não residentes em território português, nos termos e para os efeitos do artigo 98.º do Código do IRC.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. Da legalidade do ato tributário sindicado

 

  1. Nos termos do n.º 1 do artigo 98.º do Código do IRC, na redação à data dos factos, «[n]ão existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 94.º do Código do IRC quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direcção efectiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.»

 

  1. Em 1995 foi celebrada a CDT entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 6/95 e ratificada pelo Decreto Presidencial n.º 14/95, de 28 de janeiro.

 

  1. Para efeitos de aplicação da CDT, considera-se no seu artigo 4.º ser residente num Estado signatário qualquer pessoa que, por virtude da legislação vigente nesse Estado, está aí sujeita a tributação, devido quer ao seu domicílio, quer à sua residência, local de direção efetiva ou outro critério de natureza similar.

 

  1. Como se afirma na Decisão do CAAD proferida a 4 de dezembro de 20199 no processo n.º 320/2018-T, que transcreve da Decisão do CAAD de 17 de outubro de 2017, no n.º 221/2017-T, «As convenções para evitar a dupla tributação internacional celebradas por Portugal são fonte de direito fiscal. Assim define o artigo 8º da CRP.»

 

  1. Termos em que, são, pois, os requisitos estabelecidos no artigo 98.º, n.º 1 do Código do IRC e na CDT os fundamentais para dispensar a exigibilidade da retenção na fonte dos pagamentos a entidades com residência, sede ou outro critério de natureza similar em Espanha.

 

  1. A prova de que a entidade a quem a Requerente realizou pagamentos (i.e., C... SLU) não é residente em Portugal nem aqui possui a sua sede nem a sua direção efetiva nem estabelecimento estável, a que sejam imputáveis os rendimentos auferidos em território nacional, foi realizada quer no decorrer do processo inspetivo, quer ao longo do presente processo arbitral.

 

  1. Com efeito, esta realidade é admitida pela Requerida, considerando esta unicamente que não está comprovada, sob a forma documental, a residência fiscal da referida entidade no período de 2019, através do certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência, nos termos do artigo 4.º da CDT aplicável e atestando a sujeição a imposto.

 

  1. Relativamente à prova a que alude o n.º 2 do artigo 98.º do Código do IRC para a dispensa total ou parcial de retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por entidades não residentes, importa salientar a seguinte alteração legislativa:

 

  1. Até 30 de setembro de 2019, os beneficiários dos rendimentos poderiam fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte através da apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças:
    1. Certificado pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência; ou
    2. Acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado.

 

  1. A partir de 01 de outubro de 2019, com a entrada em vigor da Lei n.º 119/2019 de 18 de setembro, a prova da qualidade de não residente, para efeitos do artigo 98.º do Código do IRC, passou a vigorar a obrigação de apresentar os seguintes documentos:
    1. Formulário de modelo a aprovar por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças, acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado.

 

  1. Contudo, na decisão arbitral do CAAD, proferida no âmbito do processo n.º 755/2020-T, de 04-01-2022, foi decidido o seguinte: «Aqui chegados, encontramo-nos no cerne da questão, ou seja, o da natureza da prova exigida pelo despacho ministerial e contida nos formulários constitui um requisito essencial ou não? Ou, dito de outra forma: é um requisito ad substantiam ou ad probationem?

 

O Supremo Tribunal Administrativo, no sumário do seu acórdão de 14 de dezembro de 2016, proferido no processo n.º 141/14 afirma:

 

«I – Existindo convenção destinada a evitar a dupla tributação há, para efeitos de conhecer da dispensa de efectuar a retenção na fonte de IRC, que atender apenas aos pressupostos materiais convencionados.

 

II – As normas convencionais vinculam os Estados contratantes não podendo ser alteradas pela lei interna de um deles, dada a primazia do direito convencional sobre a lei interna.

 

III – Ainda que seja da competência de cada um dos Estados contratantes regular as normas procedimentais para efeitos da aplicação da convenção não pode aproveitar-se tal facto para em norma procedimental alterar os pressupostos materiais de aplicação da convenção sob pena de violação das normas convencionadas e do disposto no n.º 1 do artigo 1º da LGT.

 

IV – Resulta da interpretação dos artigos 103º da CRP e 90º do CIRC que os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes são meros documentos “ad probationem, pelo que podem ser apresentados “a posteriori” dentro dos prazos legalmente fixados, podendo ser substituídos nos termos do artigo 364º, n.º 2 do Código Civil.

 

E mais adiante, na fundamentação, pode ler-se no mesmo aresto, Entende-se que um documento é um documento ad substantiam quando o mesmo integra a própria formação do acto ou negócio jurídico que certifica de modo que esses negócio não se considera legalmente constituído sem que essa formalidade não se efective ou seja substituído por outro documento que não seja de força superior cfr. artigo 364 do Código Civil.

 

Como ensina Mota Pinto in Teoria Geral 3ª edição pp 436 um documento é “ad probationem”, quando resultar da lei que a sua finalidade é apenas a de obter prova segura e não outras finalidades possíveis atinente ao acto ou negócio a que se refere “ do acto ou negócio”.

 

Nesta concepção o documento ad substantiam é elemento constitutivo do acto que documenta.

 

No caso dos autos os formulários impostos por lei como meio de prova não podem considerar-se como constitutivos da obrigação tributária a que se referem ou seja da criação do imposto e dos benefícios fiscais “in casu” a dispensa da retenção na fonte.

Os requisitos constitutivos da criação dos impostos bem como dos benefícios fiscais depende exclusivamente da lei nos termos do disposto no artigo 103 da CRP que assim estatui: 2 “Os impostos são criados por lei que determina a incidência a taxa e os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.

As Convenções sobre a dupla tributação são instrumentos legais que permitem perante a falta de harmonização legislativa fiscal internacional que os rendimentos obtidos num dos países por cidadãos estrangeiros oriundos do país convencionado beneficiem de taxa de redução ou de outros benefícios fiscais relativamente aos impostos que discriminam.

 

E delas constam os pressupostos da sua aplicação. E embora seja certo que as convenções sobre a dupla tributação deixam à disposição dos estados contratantes a possibilidade de regularem as questões procedimentais como é o caso dos autos, há, contudo, que ter em consideração que a exigência da prova não pode de forma alguma contender com os elementos materiais que determinam a aplicação da convenção.

 

O que tornando lícito ao legislador nacional proceder a tal regulamentação para comprovação dos pressupostos dessa aplicação o inibe, contudo, de criar através do meio de prova utilizado mais um pressuposto dessa aplicação.

 

Como decorre do preceituado no artigo 1º nº 1 da LGT toda a regulação das normas tributárias tem de ter em consideração o disposto nas normas de direito internacional que vigoram na ordem interna.

 

Quanto deixamos transcrito do aresto do Supremo Tribunal Administrativo é suficiente para a compreensão da questão a decidir nos presentes autos. Como já se deixou expresso, a posição do STA tem sido seguida de forma unânime pela jurisprudência do CAAD, supra identificada.

 

Na já citada Decisão do CAAD proferida no processo n.º 320/2018-T diz-se o seguinte: O formulário 21-RFI é uma mera formalidade não exigida na Convenção para efeitos de dispensa ou não da retenção na fonte, pelo que a sua apresentação, mesmo tardia, não tem relevância quando está convencionado que será o Estado da residência… a tributar tais rendimentos.»

 

  1. Neste contexto, concordando este Tribunal Arbitral com a fundamentação das mencionadas decisões do Supremo Tribunal Administrativo e do CAAD, resulta claro que, por um lado, os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes, previstos no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IRC têm natureza meramente declarativa, podendo ser apresentados a posteriori, e por outro lado, o formulário 21-RFI é uma mera formalidade não exigida na CDT aplicável para efeitos de dispensa ou não da retenção na fonte.

 

  1. Por outro lado, tendo sido provado nos autos (decorrente do exposto nos pontos t) e u) dos Factos Provados) que a C... SLU era, em 2019, residente fiscal em Espanha ao abrigo da CDT celebrada entre Espanha e Portugal, sem que a Requerida tenha logrado provar ou alegar quaisquer factos que pudessem colocar em causa a prova junta pela Requerente, designadamente no que à residência fiscal da referida entidade se refere, é forçoso concluir que se encontram reunidos os requisitos essenciais para a dispensa de retenção na fonte.

 

  1. Nestes termos, entende este Tribunal que se encontram preenchidos todos os requisitos de que depende a aplicação do no n.º 1 do artigo 98.º do Código do IRC e na CDT celebrada entre Espanha e Portugal para a dispensa da Requerente de efetuar a retenção na fonte sobre os rendimentos pagos em 2019 à entidade C... SLU.

 

  1. Dos juros indemnizatórios

 

  1. A Requerente pede, ainda, a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços da AT, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

 

  1. Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, na parte aqui aplicável, «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

 

  1. No caso em apreço, concluiu-se, nos termos acima expostos, que quer decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação por retenção na fonte em sede de IRC n.º 2023..., referente ao ano de 2019, quer a referida liquidação, cujo valor total ascende a 104.602,17 €, padecem do vício de violação de lei que lhe são imputados no pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, havendo lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pois a ilegalidade daquele ato é imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.

 

  1. Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, atualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT).

 

  1. Questões de conhecimento prejudicado

 

  1. Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

 

  1. Em face da solução dada à questão relativa aos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 98.º do Código do IRC e na CDT celebrada entre Espanha e Portugal para a dispensa da Requerente de efetuar a retenção na fonte sobre os rendimentos pagos à entidade C... SLU e ao pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões.

 

  1. DECISÃO

 

  1. Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide o presente Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar totalmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, anulando-se a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação, por retenção na fonte em sede de IRC n.º 2023..., referente ao ano de 2019, bem assim, a referida liquidação, nos termos acima expostos;

 

  1. Julgar totalmente procedente o pedido de restituição do montante de imposto indevidamente pago pela Requerente no montante total de 104.602,17 €;

 

  1. Julgar totalmente procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre as quantias indevidamente pagas.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

 

  1. Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 104.602,17 €.

 

  1. CUSTAS

 

  1. Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de euros, a cargo da Requerida 3.060,00€, conforme ao disposto no n.º 2 artigo 12.º, e n.º 4 artigo 22.º, ambos do RJAT, e n.º 5 artigo 4.º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de novembro de 2024.

 

 

Os Árbitros

 

Fernanda Maçãs (árbitro presidente)

 

Sérgio Santos Pereira (árbitro vogal)

 

 

                                                          

 

Júlio Tormenta (árbitro vogal)