Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 373/2024-T
Data da decisão: 2024-11-11  IRS  
Valor do pedido: € 87.432,51
Tema: IRS – Exclusão de tributação de ganhos provenientes da alienação onerosa de imóvel destinado a habitação própria e permanente – Artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS –.
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SUMÁRIO:

 

I – Encontrando-se preenchidos todos os pressupostos previstos no artigo 10.º, n.º s 5 e 6, do CIRS deve ser aplicado o regime de reinvestimento, que exclui de tributação os ganhos provenientes de transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente.

 

II – Antes da alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 56/2023, de 06 de outubro, o artigo 10.º, n.º 5, do CIRS impunha apenas uma limitação temporal no que respeitava ao reinvestimento e à afetação do imóvel destino do reinvestimento.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros, Rui Duarte Morais, Adelaide Moura e Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído a 28.05.2024, decidem o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO
  1. A..., NIF..., e B..., NIF..., casados entre si, ambos residentes em ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa (“os Requerentes”), vieram, em 15.03.2024, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”), com vista (1) à declaração de ilegalidade e anulação do ato tributário de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), n.º 2022..., e respetivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2018, no valor total de €130.811,39 (cento e trinta mil oitocentos e onze euros e trinta e nove cêntimos), do qual resultou um valor de imposto a pagar de €87.432,51 (oitenta e sete mil quatrocentos e trinta e dois euros e cinquenta e um cêntimos), nos termos da demonstração de acerto de contas (Cfr. Documento n.º 1 junto ao PPA), bem como da decisão expressa de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023..., que teve como objeto o dito ato, e (2) à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
  2. Os Requerentes juntaram 7 (sete) documentos, arrolaram duas testemunhas e requereram a prestação de declarações de parte.
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite a 18.03.2024 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
  4. Os Requerentes não exerceram o direito à designação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do cargo no prazo aplicável.
  5. A 08.05.2024 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
  6. Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído a 28.05.2024.
  7. Por despacho proferido pelo Tribunal Arbitral a 28.05.2024 foi a Requerida notificada para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo (“PA”) e, querendo, requerer a produção de prova adicional. 
  8. No dia 26.06.2024, a Requerida apresentou a sua resposta, na qual se defendeu por impugnação, tendo junto o PA aos autos, em 27.06.2024.
  9. Por despacho de 28.06.2024, o Tribunal Arbitral designou o dia 24.09.2024, às 15 horas, para a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT.
  10. No dia 24.09.2024, teve lugar a reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, na qual: (i) foram ouvidas as testemunhas arroladas, bem como o Requerente, em sede de declarações de parte; (ii) foram as partes notificadas para, de modo simultâneo, apresentarem, querendo, alegações escritas, no prazo de 15 (quinze) dias; (iii) foi deliberado pelo Tribunal Arbitral que a decisão final seria proferida até ao fim do prazo fixado no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT; (iv) foi solicitado às partes o envio das peças processuais em formato Word; e (v) foram os Requerentes notificados para até ao dia 02.11.2024 procederam ao pagamento da taxa arbitral subsequente e juntar aos autos o respetivo comprovativo.    
  11. As Partes apresentaram as suas alegações finais escritas, em 09.10.2024, tendo os Requerentes procedido, também, à junção do comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.

I.1. ARGUMENTOS DAS PARTES

  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRS aqui em crise, invocam os Requerentes, em síntese, o seguinte:
  1. A Administração Tributária violou, de forma intolerável, o disposto no artigo 13.º, n.ºs 10 e 12.º, do CIRS, porquanto o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente, no entanto o legislador admite prova em contrário.
  2. O Requerente A... logrou provar que a sua habitação própria e permanente estava localizada no imóvel alienado, sito na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., Município de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., sendo certo que era aí que centrava toda a sua vida pessoal e familiar (até ao momento da venda).
  3. Sem prejuízo da alteração ao seu domicílio fiscal nada invalida que o seu agregado familiar, nomeadamente a sua mulher, continuasse a habitar o imóvel, sendo certo que sempre continuaria a ser a sua habitação própria e permanente.
  4. A Autoridade Tributária ao desconsiderar as faturas apresentadas em seu nome e associadas ao referido imóvel realiza uma interpretação arbitrária porquanto não existe qualquer fundamento legal indicado na decisão impugnada para pretensamente ser necessária a prova de consumos de água associados ao imóvel. A este propósito, resulta da prova documental junta aos autos e referentes ao consumo de água, nomeadamente as faturas dos consumos de água emitidas pela EPAL no ano de 2018, que as leituras/consumos eram semestrais e que o último mês indicado teve nota de crédito a favor do consumidor e verificou-se uma redução de consumo no próprio mês da alienação do imóvel, ou seja, novembro de 2018.
  5. Por outro lado, é manifesto que existe uma desconformidade na fundamentação de direito para a exclusão da tributação ao abrigo do n.º 5, do artigo 10.º, do CIRS, porquanto são invocados pela AT requisitos que não constam na versão da norma em vigor à data dos factos tributários em causa.
  6. Os factos tributários em causa na Reclamação Graciosa reportam-se ao ano de 2018, nomeadamente, na data de alienação do imóvel pelos Requerentes, e será aplicável a redação do n.º 5, do artigo 10.º, do CIRS, naquela data, a qual não determina que o domicílio fiscal se situe no prédio gerador da mais-valia, mas apenas que ali se fixe a habitação própria e permanente do alienante ou do seu agregado familiar.
  7. Apenas com a entrada em vigor da Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, é que o n.º 5 do artigo 10.º do CIRS teve uma nova redação, em especial com a criação da sua alínea e) que acrescentou como requisito que: “O imóvel transmitido tenha sido destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, comprovada através do respetivo domicílio fiscal, nos 24 meses anteriores à data da transmissão”.
  8. Sucede que, o princípio tempus regit actum, acolhido no artigo 12.º do Código Civil, constitui a regra geral de aplicação das leis no tempo e significa que as normas jurídicas têm efeito apenas para o futuro, valendo no direito público e privado.
  9. Acresce que, o artigo 12.º, n.º 1 da LGT dispõe que “As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer tributos retroativos”, sendo esta a tradução do princípio constitucional da irretroatividade da lei fiscal ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP.
  10. Assim, verifica-se a aplicação pela AT dos requisitos do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS numa redação posterior à redação vigente na data dos factos tributários em causa, ou seja, o ano de 2018, pelo que a liquidação sindicada padece de uma ilegalidade na medida em que implica a aplicação retroativa da referida norma ao arrepio das regras da interpretação da lei aplicáveis, pelo que deverá ser anulada. 
  11. Nesta medida, a AT violou as legítimas expetativas e garantias dos Requerentes anteriormente constituídas, e o princípio da confiança e segurança jurídica inerentes a um Estado de Direito, além de ter violado os princípios da legalidade tributária, da proibição da retroatividade da lei fiscal e da certeza e segurança jurídica previstos, entre outros, nos artigos 12.º da LGT, 12.º do CC e 103.º, n.º 3 da CRP.     
  1. Por sua vez, a AT contra-argumenta com base nos seguintes fundamentos:
  1. No caso concreto a questão centra-se no facto do domicílio fiscal do requerente, coproprietário do imóvel sito na Rua ... n.º ..., freguesia de ..., em Lisboa, ter estado situado entre 29.09.2015 a 08.11.2018 (dia anterior à celebração da escritura de alienação) na Av... n.º..., Lisboa, morada esta que não coincide com a do imóvel gerador do ganho a enquadrar como mais-valia.
  2. Sendo certo que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente e, em princípio, este coincide com o local da residência habitual (art.º 19.º LGT), não deixam os requerentes de ter razão quando argumentam que do ponto de vista literal, não se encontra no texto da lei a exigência desta coincidência.
  3. Efetivamente, o regime jurídico tributário do n.º 5 do art.º 10 CIRS que admite a exclusão total ou parcial de ganhos/Categoria G de tributação radica na opção por parte do legislador de não onerar fiscalmente a efetivação do direito fundamental à habitação, favorecendo a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente, no sentido em que esta constitua o centro essencial da vida pessoal e familiar dos contribuintes e ou do seu agregado.
  4. Atendendo aos elementos carreados aos autos, importa referir que a contribuinte B... não tinha o seu domicílio fiscal e igualmente a sua vida pessoal e familiar, sendo certo que também assim não alegou ou apresentou comprovativo nesse sentido, no imóvel “de partida”, ainda que não detivesse qualquer quota no direito de propriedade. A Requerente residiu até fevereiro de 2018 (e desde Abril de 2016) na mesma morada em que o requerente identifica como sendo o seu domicílio fiscal até ao dia anterior à alienação geradora de mais-valia.
  5. Centrando no requerente (SP A) a matéria controvertida, a documentação disponível suscetível de comprovar que o seu lar se situava no imóvel alienado, constituindo este o centro da economia doméstica nos distintos aspetos e sob vestes de habitualidade e permanência, mostram-se no mínimo dúbios.
  6. Desde logo porque os relativos aos serviços que permitem condições de habitualidade e conforto, como os de água ou eletricidade, revelam apenas a manutenção desses contratos no seu mínimo e não o que em termos de normalidade seriam previsíveis para o funcionamento com conforto de uma residência na qual esteja instalado e organizado o centro de interesses e de vida, nele se convivendo, mesmo considerando que por diversas razões, incluindo profissionais, o requerente teria de estar ausente alguns dias, tal teria de assumir natureza transitória e os gastos inerentes à manutenção da residência permanente e centro de interesses vitais parece não se coadunar.
  7. É que os consumos de água são por vezes, quase inexistentes, mesmo que a poupança fosse uma caraterística muito praticada. De notar ainda que alguns dos extratos bancários que documentariam o pagamento das despesas, como o empréstimo do imóvel alienado, identificam a morada onde estava o domicílio fiscal.
  8. Em suma, na presente situação, não foi comprovado sem margem de dúvida constituir o imóvel sito na Rua ..., em ..., Lisboa, a habitação permanente no sentido em que o regime controvertido o exige, refutando-se tratar-se de uma interpretação arbitraria da AT, antes uma ponderação da totalidade dos elementos carreados e conhecidos, no seu conjunto, à luz das linhas diretrizes no quadro social em que se insere um cidadão comum.            
  1. SANEAMENTO
  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
  2. As partes gozam de personalidade, capacidade judiciária, legitimidade processual e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  3. O processo não enferma de nulidades.
  4. Não foram suscitadas exceções de que deva conhecer-se.
  5. Inexiste, deste modo, quaisquer obstáculos à apreciação do mérito da causa.  

III. MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

  1. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
  1. Em 20.04.2010, o Requerente e a sua companheira, à data, C..., adquiriram, em comum e partes iguais, o prédio urbano composto de cave, rés-do-chão, 1.º andar, sótão, quintal e jardim, destinado a habitação, sito na Rua ..., n.º ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., pelo preço total de €300.000,00 (apenas €150.000,00 corresponde à parte do Requerente no aludido negócio), para habitação própria e permanente (Cfr. Documento n.º 4 junto ao PPA e depoimento do Requerente na reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, realizada em 24.09.2024).
  2. O Requerente realizou obras no referido imóvel após a sua aquisição, de modo a que o mesmo ficasse habitável, pelo que apenas passou a residir no dito prédio urbano após o mês de setembro de 2011, juntamente com a sua companheira, à data, C..., os dois filhos desta e a filha de ambos (Cfr. Depoimento do Requerente na reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, realizada em 24.09.2024).
  3. Por questões profissionais, o Requerente passou a desempenhar a sua atividade profissional durante uns dias na cidade do Porto, ausentando-se da sua habitação sita na Rua..., n.º ..., nos dias em que se encontrava naquela cidade, o que, em regra, acontecia de terça a quinta-feira, onde pernoitava num hotel (Cfr. Depoimento do Requerente e das testemunhas inquiridas na reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, realizada em 24.09.2024).
  4. Volvidos três/quatro anos, após a compra do imóvel sito na Rua ..., n.º ..., Requerente e C... deixaram, devido a desentendimentos entre ambos, de fazer vida em comum, mas, continuaram a viver na mesma casa, só que em andares distintos (Cfr. Depoimento do Requerente e das testemunhas inquiridas na reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, realizada em 24.09.2024).
  5. O aludido imóvel é constituído por quatro andares e tem cerca de 400 m2, o que permitiu que, apesar de separados, continuassem aí a viver, Requerente e anterior companheira, em andares diferentes da casa (e, até, autónomos entre si), com os respetivos agregados familiares (Cfr. Documento n.º 4 junto ao PPA, PA, depoimento do Requerente e das testemunhas inquiridas na reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, realizada em 24.09.2024).
  6. O Requerente, por entender que havia, eventualmente, o risco da sua correspondência postal ser sonegada (em virtude da separação e respetivos desentendimentos), e de forma a garantir que tal não acontecia, uma vez que pretendia continuar a cumprir todas as suas obrigações, nomeadamente, obrigações fiscais e bancárias, decidiu alterar, em 2015, o seu domicílio fiscal para um imóvel sito na..., ..., em Lisboa (Cfr. Depoimento do Requerente na reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, realizada em 24.09.2024).
  7. Tal imóvel (sito na ..., ..., em Lisboa), nunca foi a habitação própria e permanente do Requerente, pois, para além, de não ter qualquer contrato de arrendamento registado a seu favor (nem pagar quaisquer despesas – água, luz), o mesmo pertencia a um amigo do Requerente, que aí vivia e recebia a correspondência para depois lhe entregar (ao Requerente) (Cfr. Depoimento do Requerente na reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, realizada em 24.09.2024).
  8. No dia anterior à alienação do imóvel sito na Rua .., n.º ..., o Requerente alterou o seu domicílio fiscal para lá, por recomendação de um advogado (Cfr. PA e Depoimento do Requerente na reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, realizada em 24.09.2024).
  9. Até ao momento da venda (09.11.2018) do imóvel sito na Rua ..., n.º ..., foi lá que Requerente centrou toda a sua vida pessoal e familiar (aliás, a sua atual esposa, aqui também Requerente, passou a residir no dito imóvel, a partir de 2015), designadamente, ali pernoitando, tomando refeições, recebendo familiares, tendo lá os seus objetos pessoais e as suas roupas (Cfr. Depoimento do Requerente e das testemunhas inquiridas na reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, realizada em 24.09.2024).
  10. Também foi o Requerente que, pelo menos desde o ano de 2015 até ao momento da alienação do aludido imóvel (09.11.2018), suportou a maior parte das despesas associadas a este, nomeadamente, as relacionadas com eletricidade, televisão, telefone e crédito habitação (Cfr. PA e Depoimento do Requerente na reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, realizada em 24.09.2024).
  11. Em 09.11.2018, o Requerente vendeu o referido imóvel, cujo valor de realização foi de €707.500,00, tendo os Requerentes declarado na Modelo 3 de IRS de substituição (com a identificação..., referente ao ano de 2018), designadamente, no seu anexo G, que: o valor de realização que pretendiam reinvestir ascendia apenas ao valor de €415.000,00 e não a €707.500,00; que o montante relativo a despesas e encargos perfazia a importância de €47.134,19 e; que à data da alienação tinham em dívida, a título de empréstimo, o montante de €124.920,08 (Cfr. Documentos n.º s 5 e 6 junto ao PPA).
  12.  Em 29.04.2019, os Requerentes adquiriram a fração autónoma designada pela letra “D”, do prédio urbano sito na ..., n.º ..., na freguesia ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... daquela freguesia, pelo montante total de €575.000,00, para habitação própria permanente (Cfr. Documento n.º 7 junto ao PPA).
  13. O Requerente passou a proceder ao pagamento das despesas associadas à fração autónoma melhor identificada no ponto L. (Cfr. PA).
  14. A aquisição pelo Requerente da dita fração visou o reinvestimento através da realização de obras do montante que resultou da alineação do imóvel realizada em 09.11.2018, o que foi objeto da sua declaração de IRS referente ao ano de 2018, correspondendo assim à quase totalidade da mais-valia que obteve.
  15. Antes da submissão da Declaração Modelo 3 de IRS mencionada em K., já haviam os Requerentes apresentado outra Declaração Modelo 3 de IRS, que deu lugar à abertura de um procedimento de divergências em finais de Junho de 2019, com o código D39 (alienação de imóveis), que culminou em Agosto com correções (Cfr. PA).
  16. Após a notificação do Requerente e da apresentação de elementos documentais por parte daquele, concluiu a Autoridade Tributária pela necessidade de correção da informação inicialmente inscrita no anexo G da Declaração Modelo 3 de IRS, bem como pela eventual não aceitação do reinvestimento (Cfr. PA).
  17. Nesta sequência, foi, então, apresentada a Declaração Modelo 3 de IRS de substituição referida em K., em que o Q.5 do anexo G não foi objeto de qualquer correção, o que deu lugar ao ato tributário datado de 31 de julho, no qual foi atendida a manifestação da intencionalidade do reinvestimento (Cfr. PA).
  18. Contudo, tendo a Autoridade Tributária entendido que havia decorrido o prazo legal para a efetivação do reinvestimento sem que tal tenha sido inscrito e que o Requerente não tinha logrado provar que o imóvel alienado era a sua habitação própria e permanente, foi por si emitida, em 28.11.2022, a reliquidação de IRS com o n.º 2022 ..., referente ao ano de 2018, no valor total de €130.811,39, da qual resultou um valor de imposto a pagar de €87.432,51, nos termos da demonstração de acerto de contas, e que é objeto dos presentes autos (Cfr. PA e Documento n.º 1 junto ao PPA).
  19. O Requerente procedeu ao pagamento da dita prestação tributária dentro do prazo limite para o efeito (Cfr. Documento n.º 2 junto ao PPA).
  20. Não se conformando com a aludida liquidação, os Requerentes deduziram a respetiva reclamação graciosa, a qual foi autuada com o n.º ...2023... (Cfr. PA).
  21. Em 06.10.2023, os Requerentes foram notificados para apresentar pronúncia, em sede de audição prévia, perante a proposta de decisão de indeferimento da reclamação graciosa (Cfr. PA).
  22. Em 24.10.2023, os Requerentes apresentaram pronúncia, em sede de audição prévia, perante a proposta de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, na qual procederam, além do mais, à junção de faturas de eletricidade, água e serviço de televisão por assinatura associadas à morada do referido imóvel desde, pelo menos, o ano de 2015 até à data da sua alienação no ano de 2018 (Cfr. PA).
  23. Em 28.12.2023, os Requerentes foram notificados do despacho do Chefe de Divisão de Direção de Finanças, ao abrigo de subdelegação de competências, que indeferiu definitivamente a reclamação graciosa (Cfr. Documento n.º 3 junto ao PPA).
  24. Os Requerentes apresentaram o PPA que deu origem ao presente processo arbitral, em 15.03.2024 (Cfr. Sistema informático do CAAD).

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

  1. Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

  1. Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matéria que julga provada e declarar, se for o caso, a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
  2. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
  3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1.  O Tribunal arbitral considera provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados e dados como assentes, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, da prova testemunhal produzida, da prova por declarações de parte, dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

  1. Na reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, que teve lugar no dia 24.09.2024, o Tribunal Arbitral ouviu o Requerente, em sede de declarações de parte – o qual veio reiterar o já alegado no PPA –, bem como o testemunho de D... (irmão do Requerente) e de E... (cunhada do Requerente), os quais demonstraram ser próximos do Sujeito Passivo, tendo conhecimento da sua vida pessoal e familiar, que têm vindo a acompanhar de perto. As testemunhas confirmaram que apesar da sua separação e de, por vezes, se ter de deslocar à cidade do Porto, por motivos profissionais, o Requerente nunca deixou de ter o seu centro de vida no imóvel sito na Rua ..., n.º ..., sendo aí que se situava a sua habitação própria e permanente até ao momento da respetiva alienação. As aludidas testemunhas mostraram ainda ter conhecimento da composição do dito imóvel e das suas condições, tendo afirmado que sempre o frequentaram (até ao momento da sua venda): desde de festas de aniversário, almoços, jantares, ou, uma simples visita ao Requerente, não lhe conhecendo outra casa que não aquela. O Tribunal Arbitral considera que o Requerente e as testemunhas prestaram o seu depoimento com isenção e não se vê motivo para questionar a veracidade do mesmo.

 

  1. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

IV.1 DA QUESTÃO DE FUNDO

 

  1. Considerando a factualidade exposta, bem como as pretensões e posições dos Requerentes e da Requerida constantes das suas peças processuais, a questão que cumpre apreciar no presente processo prende-se com o não preenchimento da totalidade dos pressupostos previstos no artigo 10.º, n.º 5, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”), na data em vigor à data dos factos, por forma a que os ganhos decorrentes da alienação de imóvel cujo destino seria a de habitação própria e permanente do Requerente, possam não ser sujeitos a tributação se forem objeto de reinvestimento num outro (aquisição ou melhoramentos/obras), que igualmente tenha o mesmo destino. 

 

  1. Aduz o Requerente que a liquidação de IRS aqui sindicada (n.º 2022 ...) está ferida de ilegalidade, por considerar que deveria ter sido aplicado o regime de reinvestimento, que exclui de tributação os ganhos provenientes de transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente, em virtude de se encontrarem preenchidos todos os pressupostos previstos para o efeito.

 

  1. A Requerida, por sua vez, entende, em síntese, que a aludida liquidação de IRS não padece de qualquer ilegalidade, porquanto, o Requerente não logrou provar que, à data da venda do imóvel gerador da mais-valia, o seu centro de vida pessoal e familiar era aí (designadamente, em virtude de os consumos de água e eletricidade serem supostamente reduzidos) e, por isso, tal imóvel não era destinado a habitação própria e permanente do Sujeito Passivo e/ou agregado familiar.

 

IV.1.2. APRECIAÇÃO

 

IV.1.2.1 Do Regime Da Exclusão De Tributação Das Mais-Valias (artigo 10.º, n.ºs 5 e 6, do CIRS, na redação em vigor à data dos factos)

 

  1.  Nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do CIRS, “Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias: a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte;”.

 

  1. De acordo com o disposto no artigo 10.º, n.º 1, do mesmo diploma, “Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis;”.

 

  1.   Acrescenta o n.º 5 do citado artigo, que: “São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições: a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal; b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização; c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;”. (negrito nosso)

 

  1. Não obstante a exclusão de tributação prevista pelo artigo 10.º, n.º 5, a norma constante do n.º 6 do mesmo preceito vem impor que tal exclusão não ocorra quando: (i) tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente não o afete à sua habitação própria e permanente até decorridos 12 meses do reinvestimento – artigo 10.º, n.º 6, al. a), do CIRS –.

 

  1. Como tem sido realçado na doutrina e na jurisprudência, os motivos subjacentes à exclusão da tributação das mais-valias neste caso assentam na intenção do legislador de favorecer a aquisição de habitação própria e permanente (não só em território Português, mas, também, no território de outro Estado Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu), e facilitar a mudança de casa (cfr. a este propósito, Rui Duarte Morais in “Sobre o IRS”, Almedina, Coimbra, 2008, p. 142; André Salgado de Matos, “Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS)”, Anotado, ISG, Coimbra, 1999, p. 168; José Guilherme Xavier de Basto, “IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos”, Coimbra Editora, 2007, p. 412 e seguintes).

 

  1.  Assim, para Xavier de Basto (José Guilherme, “IRS – Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos”, ob. cit. pág. 413), “o objetivo geral do regime de exclusão da incidência é, pois, não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino. Usa-se a técnica de roll over, que torna não tributáveis essas mais-valias enquanto os valores de realização forem reinvestidos em imóveis também destinados a habitação (...)”.

 

  1.    Em suma, “o legislador visou, através do aludido regime, uma finalidade de natureza extrafiscal, qual seja a de incentivar, diminuir ou eliminar obstáculos à aquisição de habitação própria pelas famílias e, em conformidade com a proteção da família e a ponderação das necessidades e rendimentos do agregado familiar que perpassa a nossa Lei Fundamental e, em especial ao que ora nos ocupa, a tributação em IRS” (Decisão Arbitral, de 07-03-2022, Processo n.º 402/2021-T).

 

  1. Dito isto, e volvendo ao caso dos autos, a única questão de dissenso entre as partes prende-se apenas com o preenchimento de um dos pressupostos previstos no artigo 10.º, n.º 5, do CIRS, a saber, se o imóvel gerador da mais-valia, sito na Rua ..., n.º ..., era, efetivamente, a habitação própria e permanente do Requerente e/ou do seu agregado familiar, à data da sua alienação. 

 

  1. Podemos extrair dos elementos levados ao probatório, nomeadamente, do depoimento do Requerente e das duas testemunhas inquiridas, que o Sujeito Passivo viveu habitualmente, com carácter de estabilidade, regularidade e permanência, no imóvel de “partida”, sito na Rua ..., n.º ..., desde a sua aquisição (20.04.2010) até ao momento da sua venda (09.11.2018).

 

  1. O Requerente logrou provar que, apesar da sua separação, não deixou, tal como a sua anterior companheira, de residir no imóvel gerador de mais-valia (constituído por quatro pisos e com cerca de 400 m2), só que em andares distintos (e, até, autónomos entre si), sendo uma solução que não só não nos repugna, como acontece pelas mais variadas razões (sejam elas monetárias, por conforto ou, até, mesmo, por terem filhos em comum).

 

  1. Não sendo, igualmente, o facto de o Requerente ter de se deslocar à cidade do Porto (duas ou três vezes por semana), por motivos profissionais, que prejudica tal conclusão, pois, mais uma vez, tratam-se aqui de circunstâncias de vida que podem acontecer a qualquer pessoa, esteja ela separada ou não.

 

  1. Também não é a simples alteração do domicílio fiscal para outro imóvel, que permite concluir que este passa a ser a sua habitação própria e permanente, porquanto, tal conceito (de habitação própria e permanente), previsto no n.º 5, do artigo 10.º, do CIRS, assume uma especificidade própria que não se confunde com residência habitual ou domicílio fiscal, ainda que possa comungar destes dois conceitos, entendimento este que a própria AT admite na sua resposta/contestação.

 

  1. Com efeito, decorre da lei fiscal (na redação em vigor à data dos factos), que o conceito de domicílio fiscal não pode ser entendido como sinónimo de residência, ou sequer, sem mais, de residência habitual. Donde, a possibilidade de um contribuinte, em tese, possuir domicílio fiscal num determinado local e a sua residência habitual, e/ou habitação própria e permanente noutro local.

 

  1. Para além de que o Requerente explicou o motivo de tal alteração – por entender que havia, eventualmente, o risco da sua correspondência postal ser sonegada (em virtude da separação e respetivos desentendimentos), e de forma a garantir que tal não acontecia, uma vez que pretendia continuar a cumprir todas as suas obrigações, nomeadamente, obrigações fiscais e bancárias, decidiu alterar, em 2015, o seu domicílio fiscal para outra morada (..., ..., ..., em Lisboa), que correspondia, sim, à habitação própria e permanente de um seu amigo –, a qual se nos afigura aceitável e plausível,

 

  1. não havendo nenhum elemento (que não seja a simples alteração do domicílio fiscal), que ligue o Requerente a tal imóvel, pois, não se encontra junto aos autos qualquer contrato de arrendamento registado a seu favor ou qualquer comprovativo de pagamentos inerentes ao seu uso ou titularidade, i.e, não resulta da prova produzida que no período em causa (29.09.2015 até 09.11.2018), o Requerente tenha afetado qualquer outro imóvel a habitação própria e permanente.

 

  1. Por outro lado, também não merece acolhimento o único argumento utilizado pela AT de que os serviços que permitem condições de habitabilidade e conforto, como os de água ou eletricidade, revelam apenas a manutenção desses contratos no seu mínimo e não o que em termos de normalidade seriam previsíveis para o funcionamento de uma residência, porquanto:

 

  1. No que respeita aos serviços de água, apenas constam dos autos duas notas de crédito, pelo que não é possível retirar, sem margem para dúvida, uma qualquer conclusão devidamente fundamentada;
  2. No que respeita aos serviços de eletricidade, encontramos várias faturas juntas ao processo (desde o final do ano de 2015 até ao ano de 2018), e se é certo que temos consumos mais reduzidos, também é verdade que temos outros que ascendem a valores elevados (a título de exemplo: €750,38).

 

  1. Assim, tal argumento e tais notas de crédito/faturas que lhe serviram de suporte nunca seriam suficientes para, sem mais, colocar em crise todos os outros elementos probatórios carreados aos autos que demonstraram inequivocamente que o imóvel gerador da mais-valia era a habitação própria e permanente do Requerente (à data da sua alienação), ou seja, era neste imóvel onde aquele centrava toda a sua vida pessoal e familiar.

 

  1. Por último, saliente-se, que mesmo que o imóvel de “partida” não fosse, à data da sua venda, a habitação própria e permanente do Requerente, tal facto não implicaria, per si, a não aplicação do regime da exclusão de tributação das mais-valias à luz da redação em vigor à data dos factos do artigo 10.º, n.º 5, do CIRS.

 

  1. Com efeito, a nossa jurisprudência considerava razoável e admissível que, em circunstâncias como as do Requerente (processo de divórcio/separação), o Sujeito Passivo se estabelecesse numa habitação temporária/intercalada, na medida em que uma mudança de habitação (nestas situações), é sempre um processo de alteração significativa de vida, havendo uma necessidade de reorganização da vida pessoal, cuja conclusão demora o seu tempo.

 

  1. Assim, a mudança para uma habitação temporária/intercalada, até que o Sujeito Passivo consiga proceder à venda do imóvel de “partida” e à aquisição do imóvel de “chegada”, trata-se precisamente disso, de uma habitação temporária/intercalada.

 

  1. Logo, o facto de o Sujeito Passivo ter deixado de residir no imóvel de “partida” durante um determinado período – na sequência de um processo de divórcio/separação, que é sempre moroso –, não põe em causa a verificação da condição de tal imóvel ter tido como afetação a habitação própria e permanente do Sujeito Passivo.

 

  1. Conforme decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17-02-2021, Processo n.º 164/13.3BEALM, “A necessária residência intercalada não consubstancia uma interrupção do nexo de ligação-causalidade entre o “imóvel de partida” e o “imóvel de chegada” que impeça o preenchimento da previsão normativa da isenção prevista no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, sempre que a factualidade seja reconduzível a uma razoável e plausível situação de vida apreciada casuisticamente”.

 

  1. E nesta medida, “o que se mostra relevante para o legislador é que o produto da venda de um determinado imóvel com determinada afetação – habitação própria e permanente – seja reinvestido noutro imóvel com a mesma afetação, impondo apenas uma limitação temporal no que respeita ao reinvestimento e à afetação do imóvel destino do reinvestimento. Já quanto à contemporaneidade da sua utilização como habitação e venda a lei não impõe tal exigência.” (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 0114/15.2BELLE, de 01-07-2020).

 

  1.  Desta feita, numa interpretação teleológica da aludida norma, na redação em vigor à data dos factos, o que relevava para aferir da verificação dos requisitos de exclusão da tributação das mais-valias, era saber se o imóvel vendido havia servido ou não de “habitação própria e permanente” do Sujeito Passivo, ainda que à data da venda, por condicionalismos específicos este residisse noutro local.

 

  1.  Não obstante o supra referido, o Requerente logrou provar que o imóvel vendido serviu de habitação própria e permanente até à data da respetiva venda, pelo que a sua pretensão sempre seria de proceder.

 

  1. Nesta conformidade, o ato de liquidação de IRS aqui sindicado, enferma de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, o que implica a sua declaração de ilegalidade e consequente anulação, ficando, além disso, prejudicado o conhecimento das restantes questões submetidas à apreciação deste Tribunal, ao abrigo da proibição da prática de atos no processo inúteis e desnecessários, prevista no artigo 130.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.   

 

IV.2 DO DIREITO AO REEMBOLSO DO IMPOSTO PAGO E A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

  1. Peticionam, ainda, os Requerentes que lhes seja reconhecido o direito ao reembolso do imposto indevidamente pago e a juros indemnizatórios.
  2. Determina a alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º, do RJAT, que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários”, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” (Cfr. n.º 5, do artigo 24.º, do RJAT).
  3. De igual modo, o n.º 1, do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (“LGT”), aplicável ao processo arbitral tributário, por força do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
  4. O restabelecimento da situação, que existiria se o ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral não enfermasse de ilegalidade, obriga, por um lado, à restituição do imposto pago indevidamente pelos Requerentes, no valor total de €87.432,51, e, por outro lado, ao pagamento de juros indemnizatórios.
  5. O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, cujo n.º 1 estabelece que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
  6. No caso em apreço, encontram-se preenchidos os pressupostos constantes do citado artigo (artigo 43.º, n.º 1, da LGT), uma vez que, no procedimento de reclamação graciosa, a AT teve a oportunidade de proceder à análise e avaliação da matéria controvertida e podia ter efetuado o correto enquadramento jurídico-tributário dos factos e, consequentemente, ter efetuado a plena reconstituição da legalidade dos atos ou da situação objeto do litígio. Não tendo feito, os serviços da AT cometeram um erro que lhes é imputável, do qual resultou a manutenção de um imposto por montante superior ao devido.
  7. Face ao exposto, deverá proceder o pedido dos Requerentes, i.e., ser-lhes reconhecido o direito a juros indemnizatórios e condenar a AT ao reembolso do imposto indevidamente pago, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, da LGT e artigo 61.º, do CPPT.

V. DECISÃO

 Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

  1. Declarar ilegal e anular o ato de liquidação de IRS n.º 2022..., referente ao ano de 2018, no montante global de €130.811,39 (centro e trinta mil oitocentos e onze euros e trinta e nove cêntimos);
  2. Declarar ilegal e anular a decisão expressa de indeferimento da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2023...;
  3. Condenar a AT a reembolsar aos Requerentes o montante de €87.432,51 (oitenta e sete mil quatrocentos e trinta e dois euros e cinquenta e um cêntimos) e ao pagamento de juros indemnizatórios sobre esse valor, a contar do dia 29.12.2023 (dia seguinte à data em que os Requerentes foram notificados da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa) até à data do processamento do reembolso (Cfr. artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT).

VI. VALOR DA CAUSA

Fixa-se ao processo o valor de €87.432,51 (oitenta e sete mil quatrocentos e trinta e dois euros e cinquenta e um cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VII. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.]

 

Lisboa, 11 de novembro de 2024

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

Rui Duarte Morais 

 

 

 

 

 

Adelaide Moura

 

 

 

 

 

Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho

 

(Relatora)