SUMÁRIO:
A partir de 2015, o legislador fiscal passou a prever expressamente que o coeficiente de 0,75 apenas pode ser aplicado às atividades profissionais especificadamente previstas na tabela do artigo 151º do Código do IRS. Este normativo não inclui o Código “1519-Outros prestadores de serviços” e demais prestações de serviços de atividades profissionais não previstas na referida tabela, aplicando-se o coeficiente 0.35, conforme resulta do artigo 31º, nº 1, alínea c) do Código do IRS.[1]
Assim, e presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta do disposto no nº 3 do artigo 9º , do Código Civil, aplicável ex vi alínea d) do artigo 2º da Lei Geral Tributária) não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às atividades concretas e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às atividades aí não especificamente previstas, visto que este coeficiente não evidencia uma atividade profissional de prestação de serviços específica.
DECISÃO
I-RELATÓRIO
1. A..., solteira, maior, contribuinte fiscal nº..., residente na Rua..., ..., ..., ..., ...-... Felgueiras (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo), apresentou em 2024-03-11 pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e alínea a) do nº 1 e do nº 2 do artigo 10º nºs 1 e 2 , todos do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro,(doravante designado por RJAT) e da Portaria 112-A/ 2011, de 22 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT ou Requerida) com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial dos actos de liquidação de IRS nº 2023..., emitida em 13.01.2023, e respeitante ao período de 2019, no montante de 9.094,47 €, liquidação de IRS nº 2023..., emitida em 13.01.2023, e respeitante ao período de 2020, no montante de 4.702,03 € e liquidação de IRS nº 2023..., emitida em 13.01.2023, respeitante ao período de 2021, no montante de 1.753,47 €, no montante global de 15.549,97 €.
2. O pedido de constituição de tribunal tributário foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2024-03-13 e notificado à AT nessa mesma data.
3. Nos termos, e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário, que comunicou àquela Conselho, a aceitação do encargo, no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
4. As partes foram notificadas dessa designação não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5. O tribunal arbitral singular ficou constituído em 2024-05-24, de acordo com a alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66/2012, de 31 de Dezembro.
6.Devidamente notificada para tanto, através de despacho arbitral proferido em 2024-05-24, veio a AT, em 2024-06- 24 apresentar a sua resposta e o processo administrativo anexo.
7. Em 2024 -09-27 procedeu-se a uma reunião do tribunal arbitral onde (i) foram inquiridas as testemunhas, (ii) se ouviu a Requerente em sede de declarações de parte (iii) se convidaram as partes para apresentarem alegações escritas e, onde para além do mais, foi deliberado que a decisão final será preferida até ao fim do prazo fixado no nº 1, do artigo 21º do RJAT.
8. Com datas de 2024-10-01 e 2024-10-15, a Requerente e a AT respetivamente, apresentaram as suas alegações, onde, fundamentalmente replicam os argumentos despendidos nos seus anteriores articulados.
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Questão a decidir
A questão a analisar e decidir nos presentes autos, é de clara identificação, e reconduz-se em saber qual dos coeficientes b) ou c), previstos no nº 2 do artigo 31º do CIRS, será o devidamente aplicável para a determinação do rendimento tributável, categoria B, auferidos pela Requerente, com referência aos exercícios fiscais de 2019, 2020 e 2021, e relativos aos serviços por si prestados, aos seus clientes “B...”e “C...”.
A Requerente alega, perante a natureza de tais serviços que a AT deveria ter enquadrado para a determinação do rendimento tributável os rendimentos obtidos no âmbito do código – “1519 – Outros prestadores de serviços,” aplicando o coeficiente de 0,35%, de conformidade ao previsto nos artigos 31º, nº 1, alínea c) e151º do Código do IRS.
Por seu turno, sustenta a AT que os serviços prestados pela Requerente às supra referidas empresas têm enquadramento específico no código “1319-Comissionistas”.
Posição da Requerente
A posição da Requerente, resulta, com maior clareza, dos argumentos que despendeu em sede de reclamação graciosa que fundamentalmente se reconduzem ao seguinte, que passa a citar-se em breve síntese, e por facilidade de leitura, não sem antes se sinalizar que relativamente ao enquadramento relativo aos serviços prestados pela Requerente às sociedades “D... GmbH” e “E...” não constituem os mesmos qualquer controvérsia quanto ao seu enquadramento fiscal.
Dito isto, sustenta a Requerente a sua posição, como segue, e no que para aqui releva:
“(…) Relativamente às faturas emitidas aos clientes B... e C... da Russia, não se trata de um contrato de agência uma vez que, “de acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/02/2014 relativo ao Processo nº 1889/03.7BVFR.P1.S1 menciona o seguintes: “…No âmbito do contrato de agência constituem obrigações do agente:
a)promover e/ou concluir negócios no interesse do principal. (O agente contrai a obrigação de se esforçar em promover ou concluir, segundo os casos, todos os negócios que sejam possíveis, em nome e por conta do principal); não tenho qualquer autonomia para fechar qualquer negócio, a que a escolha da fábrica onde serão produzidos os modelos é inteiramente do meu cliente, só tenho que acompanhar todo o processo desenvolvimento para verificar se está da acordo com o que cliente pretende, a negociação de preços é entre o fabricante e o meu cliente.
Acresce ainda o facto de toda a parte relacionada com os pagamentos ao fabricante não é controlada por mim. Não possuo qualquer portfólio de produtos para apresentar ao meu cliente. Tudo é feito/escolhido pelo meu cliente apenas ajudo com planeamento, organização e controlo de qualidade das encomendas colocadas nos fabricantes por eles selecionados.
b) defender os interesses do principal… Do mesmo passo constituem como obrigações típicas do principal;
a)a de pagar a retribuição ao agente (que pode revestir uma retribuição fixa ou variável, sendo esta a mais corrente por representar a forma de remunerar o agente de acordo ou em proporção dos resultados da sua atividade de promoção ou de celebração de negócios); a minha remuneração é em função das encomendas controladas e, não de acordo com os resultados da promoção ou de celebração de negócios já que não celebro qualquer contrato/negócios com as fábricas. A minha fatura é o resultado das horas de trabalho e outras despesas (deslocações, telefone…) despendidas com a gestão, controlo e planeamento das encomendas.
b) a de facilitar ao agente os elementos necessários para o desempenho da sua gestão ou obrigação de assistência que comporta a exigibilidade da entrega ao agente de todos os elementos necessários para o exercício eficaz da sua atividade empresarial…” A única informação que disponho é a amostra de confirmação, as encomendas e as datas de entrega para que estas estejam de acordo com que o meu cliente encomendou.
Neste sentido, o CAE que melhor se adequa a esta atividade seria o CAE 70220 (compreende as atividades de consultoria, orientação e assistência operacional às empresas ou a organismos (inclui públicos) em matérias muito diversas, tais como: planeamento, organização, controlo, informação e gestão; reorganização de empresas; gestão financeira; estratégias de compensação pela cessação de vínculo laboral; consultoria sobre segurança e higiene no trabalho; conceção de programas contabilísticos e de processos de controlo orçamental; objetivos e políticas de marketing; gestão de recursos humanos, para a atividade de controlo de qualidade; e/ou “1519- Outros prestadores de serviços” tal como referido no Processo nº 644/2021-T do CAAD, que assenta a sua decisão proferida no processo18/2019-T, que se pronunciou no sentido de “como a sua atividade não se encontra expressamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151º, e sendo o código 1519 -Outros prestadores de serviços, terá necessariamente de ser permitido ao sujeito passivo identificar esse código como seu” ficando, por conseguinte, sujeita ao coeficiente de tributação de 0,35, nos termos do artigo 151º do Código do IRS, e da alínea c) do nº 1 do artigo 31 do Código do IRS. Pelo que sugiro fazer alteração à data de 01/01/2019 para ficar devidamente enquadrada no CIRS 70220 e código 1519 do CIRS”.
Conclui a Requerente o seu pedido de constituição de tribunal arbitral e pedido de pronúncia arbitral, no sentido de;
“ declarar ilegal o indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada pela Requerente em 19.06.2023 e, por via disso,
a).seja declarada a ilegalidade e anulação parcial do acto de liquidação de IRS º 2023..., emitida em 13.01.2023, e respeitante ao período de 2019, no montante de €9.094,47, considerando-se como rendimento colectável corrigido o valor de €21.360,35, nos termos e com os fundamentos aduzidos, ordenando-se a devolução das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios
b).seja declarada a ilegalidade e anulação parcial do acto de liquidação de IRS nº 2023..., emitida em 13.01.2023 e respeitante ao período de 2020, no montante de €4.702.03, considerando-se como rendimento colectável corrigido o valor de €13.537,07, nos termos e com os fundamentos aduzidos, ordenando-se a devolução das quantias indevidamente pagas, acrescido se juros indemnizatórios.
c). seja declarada a ilegalidade e anulação parcial do acto de liquidação de IRS nº 2023..., emitida em 13.01.2023 e respeitante ao período de 2021, no montante de € 1.753,47, considerando-se como rendimento colectável corrigido o valor de €11.667, 12, nos termos e com os fundamentos aduzidos, ordenando-se a devolução das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.
Posição da Requerida
Pelas mesmas razões que presidiram à síntese da posição da Requerente em sede de reclamação graciosa, recorta-se a posição da AT, tendo em consideração os motivos que conduziram ao seu indeferimento replicados na sua resposta ao ppa, nas alegações escritas, bem como das informações antecedentes dos diversos relatórios da Inspeção Tributária, mantendo deste modo uma posição constante;
“A natureza da correção efetuada teve por base os rendimentos obtidos pela reclamante no âmbito da sua atividade profissional, coletada para o efeito em “Outras atividade de serviços de apoio prestados às empresas, NE”., sob o CAE 82990, desde 2008/01/02, que declarou os seus rendimentos da categoria B, nos anos de 2019, 2020, e 2021, no campo 404 do Quadro A4 do anexo B.”,
“O valor constante no campo 404, corresponde ao valor das faturas emitidas pela reclamante nos anos de 2019, 2020, e 2021 que, de acordo com o declarado, respeitam a rendimentos auferidos no âmbito da atividade de “Outras atividades de serviços de apoio prestados às empresas”, e aos quais, na determinação do rendimento tributável foi aplicado o coeficiente de 0,35, previsto na alínea c) do nº 1 do artº 31º do CIRS” .
Para a AT a actividade da Requerente configura uma prestação de serviços especificamente prevista na tabela de actvidades a que se refere o artigo 151º do Código de IRS, sob o código 1319-“Comissionistas” e não no CAE 70200 ou no código 1519 – “Outros prestadores de serviços”, pelo que estando a contribuinte enquadrada no regime simplificado de tributação, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação do coeficiente de 0.075, previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 31º do CIRS e não do coeficiente de 0,35, previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 31º do CIRS.
Finaliza a AT a sua resposta no sentido de que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a “Decisão Final da Reclamação Graciosa, com data de 30/01/2024”, ou o “indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente em 19.06.2023” (,e, em consequência, mantendo-se o “acto de liquidação de IRS nº 2023..., emitida em 13.01.2023, e respeitante ao período de 2019, no montante de €9.094,47” a pagar, mantendo-se o “ato de liquidação de IRS nº 2023..., emitida em 13.01.2023 e respeitante ao período de 2020, no montante de €4.702,03” a pagar e mantando-se o “acto de liquidação de IRS nº 2023..., emitida em 13.01.2023 e respeitante ao período de 2021, no montante de €1.753,47” a pagar, a que se alude no introito do PPA), absolvendo-se, em conformidade, a Entidade Requerido do pedido (consistente em “se digne declarar ilegal o indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente em 19.06.2023 e, por via disso:” seja declarada a ilegalidade e anulação parcial “ de cada um dos três “actos de liquidação, referidos nas alíneas a), b) e c) do pedido e de todo o demais peticionado nessas alíneas).”
II- SANEAMENTO
a.O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, face ao disposto no artigo 2º, nº, nº 1, alínea a), do artigo 5º, nº 3, alínea a) e no artigo 6º, nº 3, alínea) todos do RJAT,
b.O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado dentro do prazo de noventa dias previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT,
c.As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, e estão regularmente representadas, em consonância com o disposto nos artigos 4º e 10º, nº 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1º e 3º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março,
d.O processo não enferma de nulidades,
e.Não foram suscitadas quaisquer excepções de que deva conhecer-se,
f.Inexiste qualquer obstáculo à apreciação da causa.
III- FUNDAMENTAÇÃO
A.MATÉRIADE FACTO
A.1. Factos dados como provados
Analisada a prova documental carreada para os autos, o processo administrativo anexo, a prova testemunhal e as declarações de parte da Requerente, e com relevo para a decisão da causa, dão-se por provados os seguintes factos:
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A Requerente encontra-se registada para o exercício de “Outras atividades de serviços de apoio prestados às empresas, NE”, sob o CAE 82900,
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A Requerente deu início de atividade, para efeitos fiscais em 01 de Agosto de 2002,
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Em sede de IVA, encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, e em sede de IRS, está enquadrada no regime simplificada sem contabilidade organizada,
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A Requerente foi objecto de procedimentos inspectivos, credenciados pelas ordens de serviços internas OI2020..., OI2022... e OI2022... ,
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A Requerente foi, notificada das demonstrações de liquidação de IRS, aqui reclamadas,
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Notificada dos Relatórios inspetivos exerceu ,o seu direito de audição, em 29.06.19,
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Com data de 2022-12-07 a Inspecção Tributária manteve as correções aqui em crise,
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Das quais veio a Requerente em 19 de Junho de 2023 apresentar reclamação graciosa a que coube o nº ...2023...,
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Reclamação essa, que nesta sede se dá como reproduzida e onde a Requerente refere, para além do mais, com referência aos seus clientes B... e C... não de tratar de um contrato de agência” Relativamente às faturas emitidas aos clientes B... e C... da Russia, não se trata de um contrato de agência“,
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Tal reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 2024.01.30, com os fundamentos constantes dos projectos de decisão,
k). Inconformada,em face do indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 2024-03-11 pedido de constituição de tribunal arbitral, que deu origem ao presente processo.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que tenham sido considerados como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [(cfr, artº 123º, nº 2 do CPPT, e nº 3 do artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)].
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções da(s) questão (ões) de direito [cfr, artigo 596º do CPC, ex vi, artigo 29º, alínea e) do RJAT].
Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção tomada a partir do exame de avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo, de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607º, nº3 do CPCivil, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 43/2013, de 26 de Junho).
Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecido por lei (v.g., a força probatória dos documentos autênticos (cfr., artigo 371, nº 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das produzidas o princípio da livre apreciação.
No caso concreto, afigurou-se como determinante para a convicção deste Tribunal, a prova testemunhal produzida, bem como as declarações de parte prestadas pela Requerente.
Com efeito,
As declarações de parte da Requerente, foram absolutamente credíveis, esclarecedoras e sem quaisquer hesitações quanto aos factos a que respondeu, coincidentes com a sua posição já explicitada em sede de reclamação graciosa.
Quanto às testemunhas inquiridas responderam estas de forma objectiva, revelando conhecimento directo dos factos relatados, nomeadamente quanto às actvidades profissionais exercidas pela Requerente, com referência aos seus clientes “B...” e “C...”.
Os depoimentos foram esclarecedores e convincentes e, atento o que estava em causa, sem razões para o não ser.
Foram relevantes para este tribunal as declarações da testemunha Carla Fonseca ao afirmar que “(…) a A... não vende nada. (…) controla a qualidade de produção”.
“Que não interfere na negociação dos contratos, concretamente na definição do preço ou condições de pagamento”.
Relativamente às testemunhas “F... e G..., ambos empresários do sector do calçado (e tendo ambos, como Cliente a empresa russa “C...”, foram claros ao afirmar que os contratos entre as respectivas empresas e a empresa russa são negociados, directamente, entre eles e o legal representante da empresa russa (Ivan), não tendo qualquer intervenção da Requerente, na definição das condições de pagamento ou de preço”.
“(…) ambos foram claros ao concluir que, a esse respeito, a”(…) A... não tem nada a ver com isso. Convergiram ainda os depoimentos das referidas testemunhas no sentido de que a A... não tem qualquer “voto” nos produtos elaborados, uma vez que o portefólio é previamente apresentado pelo cliente.”
As testemunhas foram unanimes em afirmar que a Requerente, fundamentalmente, exercia funções de “controlo de qualidade”.
Não se deram como provados, nem como não provados, as alegações produzidas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova, e cuja veracidade se terá que aferir em relação à concreta matéria de factos supra consolidada.
IV. O DIREITO
Conforme já supra referido a questão a analisar e decidir nos presentes autos, é de clara identificação, e reconduz-se em saber qual dos coeficientes b) ou c), previstos no nº 2 do artigo 31º do CIRS, será o devidamente aplicável aos rendimentos, categoria B auferidos pela Requerente, com referência aos exercícios fiscais de 2019, 2020 e 2021, e relativos aos serviços por si prestados, aos seus clientes B... e C...
A Requerente alega, perante a natureza dos serviços prestados, que a AT deveria ter enquadrado para determinação do lucro tributável, os rendimentos obtidos no âmbito do código – “1519 – Outros prestadores de serviços,” aplicando o coeficiente de 0,35%, de conformidade ao previsto nos artigos 31, nº 1, alínea c) e151º do Código do IRS.
Por seu turno, sustenta a AT que os serviços prestados pela Requerente às supra referidas empresas têm enquadramento específico no código “1319-Comissionistas”.
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Isto posto,
Afigura-se tarefa prioritária determinar qual a natureza dos serviços prestados pela Requerente com especial destaque para as duas sociedades em questão.
Relembrando aqui, como já supra evidenciado, que relativamente a outros serviços prestados a outras entidades, a Requerente não põe em causa a aplicação do coeficiente de 0,75.
Outrossim – na óptica da Requerente – os serviços prestados às mencionadas entidades, aqui referidas e em causa (B... e C...), dever-se-ia ter aplicado para a determinação do lucro tributável o coeficiente de 0,35 e não 0,75 como pugna a AT.
Para enquadramento de qualquer profissional e respectivos rendimentos na tabela do artigo 151ª do Código do IRS, deve-se atender à atividade concreta e especificamente exercida, tal como decorre da decisão proferida no processo nº 644/2021-T, que se acolhe, onde se recorta que “a aplicação dos coeficientes para determinação do rendimento tributável de serviços prestados, em sede de categoria B com aplicação das regras do regime simplificado, efetua-se pela verificação do tipo de funções e de tarefas que são exercidas pelo sujeito passivo, e não por via da aproximação a categorias mais ou menos abrangentes”.
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Por razões de economia processual, e, fundamentalmente, tendo em vista a uniformidade da jurisprudência (artigo 8º, nº 3 do Código Civil) procede-se nesta sede à remissão (parcial) para o processo nº 644/2021-T, de 28/03/2022, prolatado sob a égide do CAAD (Filipa Barros)
“Com a republicação do Código do IRS operada pela Lei nº 82-E/2014 de 31 de Dezembro que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015, a redação da alínea b) do nº 1 do artigo 31º daquele Código foi alterada, passando a prever-se a aplicação de um coeficiente de “0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151º.
(…)
Portanto, a partir de 2015, o legislador fiscal passou a prever expressamente que o coeficiente de 0,75 apenas pode ser aplicado às entidades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151º do Código do IRS. Este normativo não inclui o Código “1519- Outros prestadores de serviços” e demais prestações de serviços profissionais atividades profissionais não previstas na referida tabela, aplicando-se o coeficiente 0,35, conforme resulta do artigo 31º, nº 1 alínea c) do Código do IRS.
(…)
A aplicação dos coeficientes para determinação do rendimento tributável de serviços prestados em sede de categoria B com aplicação do regime simplificado, efetua-se pela verificação do tipo de funções e de tarefas que são exercidas pelo sujeito passivo, e não por via de aproximação a categorias mais ou menos vagas e abrangentes”.
Descendo ao caso concreto, e reiterando o que foi dito a respeito da prova testemunhal e das declarações de parte da Requerente, não pode senão alcançar-se a conclusão de que os serviços prestados à B... e C..., não se enquadram na actividade de agente ou comissionista prevista na tabela de actividades a que se refere o artigo 151º do CIRS, aprovada pela Portaria nº 1011/2001 de 21/08 (com as respectivas alterações), no código 1319.
Para além do mais e desde logo, nem um elevado esforço interpretativo nos conduziria, no que concerne aos serviços prestados às entidades B... e C... à sua qualificação como qualquer contrato de agência ou de comissão desde logo pela inexistência das característas/requisitos próprias de tal tipo de contratos, cuja caracterização não cabe aqui dissecar.
Face ao que vem de expor-se, e sem necessidade de quaisquer outras considerações, deverá entender-se que a Requerente desenvolveu junto das suas clientes uma actividade de “controlo de qualidade”, ficando, consequentemente sujeita à categoria residual, prevista no código “1519. Outros prestadores de serviços” da tabela anexa, ficando abrangida pelo coeficiente de tributação de 0,35, face ao disposto no artigo 151º do Código do IRS, e da alínea c) do nº 1 do artigo 31º do mesmo diploma.
V. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
De conformidade ao disposto na alínea b) do artigo 24º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão, de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária a partir do prazo para recurso ou impugnação, devendo esta nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer situação que existiria se o acto tributário, objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o “efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, que prevê:
Artigo 100º
Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo
“A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação judicial, ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena restituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo de execução da decisão”
Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b) utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD, não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação judicial que se harmoniza e conjuga com o sentido de autorização legislativa em que o Governo se baseou para a aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directiz que “o processo arbitral deve ser constituir um meio processual alternativo aso processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O nº 5 do artigo 24º do RAJT, ao afirmar que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código do Procedimento e de Processo Tributário”, deverá ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo tributário.
Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando coloca-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efectuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.
Perante o que vem de expor-se, e face ao sentido decisório quanto ao mérito da causa já sinalizado, decide este Tribunal Arbitral Singular em condenar a Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos nos termos gerais.
Para concluir, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do disposto nos artigos 130º e 608º, º 2 do CPCivil, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.
VI- DECISÃO
Face ao exposto, decide este Tribunal Arbitral Singular:
a-Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular o acto de indeferimento da reclamação graciosa, e os actos de autoliquidação contestados pela Requerente, na concreta parte referente aos serviços prestados às entidades “B...” e “C...”, nos anos de 2019,2020, e 2021,
b-condenar a Requerida no reembolso do imposto indevida e comprovadamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, que se mostrem devidos
c-condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
VII – VALOR DO PROCESSO
De conformidade ao estabelecido nos artigos 296º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 467/2013, de 26 de Junho, 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa ao processo o valor de 15.549,97 € (quinze mil quinhentos quarenta e nove euros e noventa e sete cêntimos), correspondente ao valor das liquidações IRS aqui sindicadas.[2]
VIII- CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 1, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 3º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I a este anexo, fixa-se o montante de custas em 918,00 € (novecentos e dezoito euros).
NOTIFIQUE
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.
[A redacção da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas].
Dezoito de Novembro de dois mil e vinte e quatro
O árbitro,
(J. Coutinho Pires)
[1] Data venia, reproduz-se o sumário constante do processo nº 644/2024-T, prolatado sob a égide do CAAD em 28.02.2022 (Filipa Barros).
[2] Certamente por lapso, o valor constante do ppa indicado pela Requerente é de 15.549,87 €.