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Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Miguel Luís Cortês Pinto de Melo e Prof.ª Doutora Nina Aguiar (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 15-05-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., sociedade anónima com sede na ..., n.º .../..., ..., ..., freguesia de ..., concelho de ..., ...-... ... (doravante designada por “Requerente”), apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e de juros compensatórios n.º 2023..., no valor de € 169.870,44, e da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e de juros compensatórios n.º 2023..., no valor de € 132.681,81 da qual resultou a demonstração de acerto de contas n.º 2023..., no valor de € 32.124,70.
A Requerente pede ainda indemnização pelos custos que teve com a prestação das garantias bancárias para suspender os processos de execução fiscal destinados a cobrança das quantias liquidadas.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-03-2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 24-04-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 15-05-2024.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que suscitou a excepção de cumulação ilegal de pedidos e defendeu que deve ser julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
A Requerente respondeu à excepção e juntou novos documentos.
Por despacho de 13-09-2024 foi julgada improcedente a excepção de cumulação ilegal.
Em 02-10-2024 e 28-10-2024, realizaram-se reuniões em que foi produzida prova testemunhal e por declarações de parte.
Na reunião foi decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
Mostram os autos o seguinte com relevo para a decisão:
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A Requerente é uma sociedade comercial cujo objeto de atividade é o da construção de edifícios (residenciais e não residenciais), compra e venda de bens imobiliários e outras atividades especializadas de construção:
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Foi efectuada uma inspecção tributária à Requerente, relativa ao ano de 2020, em sede de IVA IRS e IRC, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
DESLOCAÇÕES EM VIATURA PRÓPRIA DO TRABALHADOR
Nas declarações mensais de remunerações, a que se refere (Art. 119.º, n.º 1, al. c) e d) do Código do IRS), a empresa comunicou ter pago aos colaboradores a títulos de “Ajudas de custo e deslocações em viatura do próprio (parte não sujeita)”, o valor de 436.415,14€.
Dada a relevância do referido valor, nomeadamente quando comparado com as remunerações pagas sujeitas a imposto, foram os referidos pagamentos objeto de análise, no sentido de confirmar a respetiva coerência e legalidade.
Uma vez que os documentos justificativos desta rubrica indicavam tratar-se, na generalidade dos casos, de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, para verificação da respetiva conformidade, procedeu-se à comparação do somatório do numero de kms indicados nos boletins com o numero de kms que as viaturas indicadas percorreram constante das respetivas fichas de inspeção obrigatória do IMTT.
Em muitos casos verificou-se que o somatório dos kms indicado nos boletins, por viatura, era significativamente superior ao numero de kms constante na correspondente da ficha de inspeção do IMTT (anexo 6) e, assim sendo, não estando comprovada a veracidade dos kms indicados nos boletins não podem os mesmos ser considerados.
Nos casos em que se trata de viatura nova, sujeita a primeira inspeção ao fim de 4 anos, considerou-se como data de primeira inspeção a data de matrícula com zero Kms.
Nos casos em que nos boletins não existe identificação de viatura, também os valores pagos não podem ser considerados, por se tratar de um requisito indispensável, nos termos da al. h) do nº 1 do artigo 23º A do CIRC.
Os pagamentos acima referidos como, pelos factos apontados, não reúnem o exigido al. h) do nº 1 do artigo 23º A do CIRC para serem considerados como compensação pela deslocação em viatura própria, constituem rendimentos da categoria A de IRS do respetivo beneficiário por determinação da alínea c) do nº 3 do artigo 2º do CIRS e, como tal estão sujeitos, a retenção na fonte do IRS, conforme artigo 99º, às taxas personalizadas constantes da CIRCULAR N.º 1 / 2018, face ao disposto no nº 1 do artigo 99º-F do CIRS.
Dado que esses rendimentos sujeitos a retenção não foram contabilizados nem comunicados como tal aos respetivos beneficiários, o sujeito passivo, na condição de substituto tributário é nos termos do nº 4 do art.º 103º do CIRS, solidariamente responsável pela entrega do imposto não retido.
Salienta-se ainda que, como a empresa possuiu no seu ativo fixo um número significativo de viaturas ligeiras que corresponde praticamente a uma viatura por colaborador; que estão na contabilidade registados consumos relevantes pela respetiva utilização e que naturalmente só poderiam ter sido utilizadas pelos trabalhadores, não se vislumbra como seria possível aos trabalhadores, para além de terem utilizado as viaturas da empresa ainda tivessem necessidade e tempo para utilizarem as suas.
TICKETES DE EDUCAÇÃO.
A empresa considerou, nomeadamente para o colaborador B..., NIF..., isenções para IRS relativamente a tickets de infância e tickets educação.
Constata-se para este colaborador a existência no agregado familiar de dois dependentes:
...–C..., nascido a 15/06/2013, ou seja menos de 7 anos em 15/06/2020, com direito a ticket infância até essa data, (alínea b) do n.º 1 do art. 2.º - A do CIRS).
e
...–D..., nascida a 13/12/2009, ou seja, com mais de 7 anos em 2020, logo sem direito a ticket infância. Quanto ao benefício derivado dos tickets educação, o mesmo deixou de vigorar a partir do exercício de 2018, por força da alteração à (alínea b) do n.º 1 do art. 2.º - A do CIRS,
proveniente da Lei nº 114/2017, de 29 de dezembro).
Conta 63205 Gratificações
O saldo devedor desta conta 170.442,09 foi deduzido fiscalmente como gasto, mas deste montante, não foi exibido qualquer documento comprovativo de que o valor 166.940,44 tivesse sido pago aos colaboradores e considerado como rendimento da categoria A deles no ano de 2020.
No projeto de relatório enviado em 09/05/2023, seguindo a denominação da empresa, admitiu-se que se tratava de gratificações de balanço de 2020 a pagar 2021 e foi analisado nesta ótica.
Reanalisada agora esta questão, e conforme resulta do relatório de gestão e ata de aprovação de contas (ANEXO 8) em 2020 a empresa não atribuiu aos seus colaboradores qualquer gratificação de balanço e assim sendo o montante de 166.940,44 não pode ser considerado com tal.
-A empresa contabilizou e declarou como gastos com pessoal do exercício, os seguintes valores:
O montante considerado como gasto na CONTA 63205 Pessoal – Gratificações, 170.442,09€, está contabilisticamente justificado com os seguintes lançamentos:
Os quais, por sua vez, têm como contrapartida os lançamentos efetuados na conta 27229002 seguintes:
Analisados todos os elementos contabilísticos não se verificou estar documentado em 2020 o pagamento aos colaboradores do montante de 166.940,44€, nem que este valor tenha sido considerado como rendimento da categoria A dos colaboradores.
Deste modo, o valor de 166.940€, que foi considerado como gasto com pessoal, uma vez que não existe qualquer evidência de ter sido pago aos colaboradores nem de ter sido incluído nos respetivos rendimentos da categoria A não pode ser fiscalmente dedutível, dado não respeitar a disciplina do artigo 23º do CIRC.
Isenção de Horário
Contabilizou ainda rendimentos a título de isenção de horário de trabalho, como se indica:
Qualquer destes rendimentos, bem como valores pagos a título de subsídios de transporte, prémios e indemnizações não excluídas de tributação, constituem rendimentos da Cat A de IRS, conforme nº 2 do artigo 2º do CIRS, e sujeitas a RF, devendo ser acrescidos aos valores das remunerações de trabalho dependente sujeitas, a retenção na fonte do IRS, conforme artigo 99º, às taxas personalizadas constantes da CIRCULAR N.º 1 / 2018, face ao disposto no nº 1 do artigo 99º-F do CIRS.
O somatório dos valores antes referidos, traduziu-se no aumento do valor base para cálculo da respetiva taxa, facto que provocou mudanças de escalão e da respetiva taxa e consequentemente das retenções devidas não entregues, e como não foram comunicadas como tal, a empresa é na condição de substituto tributário, nos termos do nº 4 do art.º 103º do CIRS, solidariamente responsável pela entrega do imposto não retido.
O montante total das retenções na fonte não efetuadas e que deveria ter sido entregue ao Estado vai ser apurado no capítulo V do presente relatório.
(...)
IV.3. IRC – Deduções à coleta
(...)
Remuneração convencional do capital social (artº 36º da Lei nº 55-A/2010 de 31/12 e artigo 41º A do EBF)
Dispõe o artigo 41º A do EBF), que:
1 - Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas, empresas públicas, e demais pessoas coletivas de direito público ou privado com sede ou direção efetiva em território português, pode ser deduzida uma importância correspondente à remuneração convencional do capital social, calculada mediante a aplicação, limitada a cada exercício, da taxa de 7 % ao montante das entradas realizadas até (euro) 2 000 000, por entregas em dinheiro ou através da conversão de créditos, ou do recurso aos lucros do próprio exercício no âmbito da constituição de sociedade ou do aumento do capital social, desde que: (redação da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
Nesta base legal, a empresa usufruiu do seguinte benefício:
Campo 409 do anexo D à DM22 de IRC.
Relativamente à evolução do capital social durante o exercício de 2020, constata-se que o valor do capital social subscrito e realizado, era no início do exercício de 100.000€, e que no fim do exercício era de 129 168,66€.
No exercício, os órgãos sociais deliberaram as seguintes alterações no capital da sociedade:
Face ao descrito, constata-se um aumento no capital social realizado de 29.167,66€, ao qual é aplicável o benefício fiscal em análise, sendo de excluir a restante parte do benefício indevidamente obtido, por não se ter traduzido em aumento de capital realizado, como se indica:
(...)
V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades
-
Conta 63205 Gratificações
Conforme referido no capítulo IV, a empresa contabilizou em gastos na conta 63205 Pessoal – Gratificações, nomeadamente o valor de 166.940,44€.
De facto, como já foi referido, conforme relatório de gestão e ata de aprovação de contas, em 2020 a empresa não atribuiu qualquer gratificação de balanço aos colaboradores e, assim sendo, neste ano de 2020 só poderão ser fiscalmente dedutíveis como gastos com pessoal os valores que efetivamente foram pagos aos colaboradores e que naturalmente foram considerados como seus rendimentos da categoria A, pelo que não pode o mesmo valor ser fiscalmente dedutível, dado não respeitar a disciplina do artigo 23º do CIRC.
(...)
-
Remuneração convencional do capital social (artº 36º da Lei nº 55-A/2010 de 31/12 e artigo 41º A do EBF)
Ao abrigo destes preceitos legais, a empresa, usufruiu do benefício fiscal neles consagrado.
Analisados os pressupostos para validação do mesmo, concluiu-se que as entregas efetuadas pelos detentores do capital, conforme descrito no capítulo anterior, apenas conduziram a um aumento líquido no capital social de 29 167,66€, pelo que o benefício devido se limita a 7% desse valor, ou seja 2 041,74€.
Assim sendo, conclui-se que a empresa usufruiu indevidamente deste benefício na determinação do lucro tributável pelo valor de 29 167,66x 7% = 2 041,74€.
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IRS Retenção na Fonte – Categoria A
Conforme descrito no capítulo IV, a empresa pagou aos seus colaboradores diversos montantes que considerou como ajudas de custo, mas que, de facto, conforme justificado no capítulo IV, são na realidade retribuições/rendimentos de IRS-Categoria A, e, por esta razão, a empresa estava obrigada, sobre estes rendimentos, a proceder à retenção na fonte do IRS, conforme artigo 99º, às taxas personalizadas constantes da CIRCULAR N.º 1 / 2018, face ao disposto no nº 1 do artigo 99º-F do CIRS.
Dado que esses rendimentos sujeitos a retenção não foram contabilizados nem comunicados como tal aos respetivos beneficiários, o sujeito passivo, na condição de substituto tributário é nos termos do nº 4 do art.º 103º do CIRS, solidariamente responsável pela entrega do imposto não retido.
O montante total das retenções na fonte não efetuadas, recalculado a partir de novo escalão correspondente ao somatório de todas as importâncias recebidas sujeitas, e que deveria ter sido entregue ao Estado é como se indica no quadro seguinte. Este montante foi calculado conforme mapas mensais que constam do anexo 1, que foram elaborados com base nos boletins de deslocação (arquivados em papéis de trabalho), bem como dos recibos dos salários/valores declarados nas DMR´s dos colaboradores a que respeitam.
Relativamente a um número reduzido de casos em o imposto a entregar que apurámos, era inferior ao imposto apurado e entregue pela empresa, considerou-se valor nulo a entregar, e não valor negativo, uma vez que tal valor foi nesta data já tido em conta no imposto final IRS dos colaboradores.
Aos valores assim obtidos, foi recalculada a taxa de retenção aplicável, conforme tabelas para o exercício, em conformidade com a situação familiar do trabalhador.
Obtida a importância que deveria ter sido retida, deduziu-se o valor efetivamente retido, para obtenção da retenção em falta.
Todos os colaboradores constam das listagens apresentadas, no entanto, apenas o valor apresentado em último lugar, com o título “A corrigir”, vai ser considerado, pois que em algumas situações não foram encontradas desconformidades.
Os valores em falta por período, são os que se indicam:
(...)
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Na sequência da inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e de juros compensatórios n.º 2023..., no valor de € 169.870,44 e a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e de juros compensatórios n.º 2023..., no valor de € 132.681,81, da qual resultou a demonstração de acerto de contas n.º 2023..., no valor de € 32.124,70 (documentos n.ºs 1, 2 e 3, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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A Requerente não pagou as quantias liquidadas e foi citada para os Processos de Execução Fiscal n.ºs ...2023... e ...2023..., para cobrança coerciva da dívida de IRS e de IRC, respetivamente, tendo prestado garantias bancárias para sua suspensão (documentos n.ºs 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Em 08-10-2020, a Requerente procedeu a uma redução de € 26.666,68 do capital social àquela data de € 100.000,00, passando o mesmo para € 73.333,32 (Acta n.º 28 que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)
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Na mesma data foi deliberado um aumento do capital social, no valor de € 3.321,34, subscrito pelo sócio C..., passando o capital social para € 76.665,66 (documento n.º 7);
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Em 14-12-2020, foi de novo deliberado o aumento do capital social em € 123.334,34, com realização em dinheiro de € 103.332,34 pelo sócio B..., em € 1,00 pelo sócio C... e E..., Lda. e, ainda de € 20.000,00 pela sócia F..., Lda., passando o mesmo para o valor de € 200.000,00 (acta n.º 31 que consta do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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O sócio B... realizado em 10-12-2020, 11-12-2020, 14-12-2020 e 15-12-2020 transferências para subscrição do capital social no montante de €52.500,00 (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), a Requerente optou por usufruir previsto no artigo 41.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais relativamente a esse montante;
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Face ao resultado obtido em 2020, a Requerente optou por deliberar a distribuição de gratificações de balanço no valor total de € 166.940,44 (acta da assembleia geral n.º 34 que consta do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Durante o ano de 2021, a Requerente pagou aos seus colaboradores gratificações e prémios no montante global de € 105.112,86 (documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a Resposta às excepções);
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No ano de 2020, foram pagas pela Requerente aos seus trabalhadores e administradores quantias a título compensação por deslocações em viatura própria, nos termos dos mapas que constam do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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Em 2020, a Requerente encontrava-se a realizar 83 (oitenta e três) obras em Lisboa, Aveiro, Carcavelos, Coruche, Linda-a-Velha, Sintra, Sesimbra, Porto, Cascais, Oeiras, Porto Salvo, Reguengos de Monsaraz, Queijas, Sacavém e Venda Nova (documento n.º 20 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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No ano de 2020, a Requerente tinha ente 41 e 49 trabalhadores, dispondo de 29 veículos próprios (documentos n.ºs 21 e 22 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e depoimentos de G... H...);
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Há trabalhadores da Requerente são contratados usando viatura própria e outros que usam viatura para ou da empresa (declarações de parte de B...);
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A Requerente tem obra a correr em vários pontos do país, pelo que necessita de deslocações dos seus trabalhadores e administradores (declarações de parte de B... e depoimentos de G... H...);
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A Requerente pagou gratificações aos trabalhadores no ano de 2020 (declarações de parte de B... e depoimentos de G... H...);
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A Requerente não faz controlo dos quilómetros percorridos pelos trabalhadores utilizando viaturas próprias (declarações de parte de B...);
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Em 04-03-2024, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.1. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
2.1.1. Não se provou que as quantias pagas aos trabalhadores e administrador da Requerente no ano de 2020 a título de compensação por utilização de viatura própria correspondam efectivamente a quilómetros percorridos ao serviço da empresa.
Para além de incongruências apontadas no RIT, a Requerente não fazia controle dos quilómetros percorridos pelos seus colaboradores.
2.1.2. Considerou-se provado que a Requerente pagou em 2021 o montante global de € 105.112,86, com base no documento n.º 1 e no documento n.º 2, juntos com a resposta às excepções, que não foram impugnados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e cujos pagamentos foram corroborados pela prova por declarações de parte e depoimentos das testemunhas.
O valor € 105.112,86 é a soma dos valores indicados no mapa de vencimentos que consta do documento n.º 1 junto como reportando-se a gratificações.
Não se considera provado que corresponda às gratificações aprovadas em 2020, na assembleia geral a que se refere a Acta n.º 34 o valor de € 7.490,00 indicado no referido mapa como relativo a «Bónus de maternidade», por a sua denominação indicar que não terá relação com as gratificações aprovadas em acta de 2020, bem como os valores indicados nesse mapa coma designação de «Prémio».
2.1.3. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo, bem com, nos pontos indicados, com base nas declarações de parte e depoimento referidos.
O declarante e as testemunhas aparentaram isenção e conhecimento directo dos factos dados como provados com base nas suas afirmações.
O declarante é administrador da Requerente e as testemunhas G... e H... são directores de obras.
4. Matéria de direito
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção tributária à Requerente em que fez correcções que basearam liquidações adicionais de IRC e IRS.
As correcções referem-se a
– majoração por criação de emprego;
– remuneração convencional do capital social;
– gastos com pessoal não dedutíveis relativos a gratificações;
– tributações autónomas;
– falta de retenção de IRS relativamente a pagamentos a colaboradores por utilização de viaturas próprias e vales de educação.
A Requerente não impugna a correcção relativa a majoração por criação de emprego (artigo 12.º do pedido de pronúncia arbitral).
Por outro lado, no presente processo a Autoridade Tributária e Aduaneira aceita que houve lapso na correcção relativa a valores de educação, por não estarem sujeitos a retenção na fonte, já que se trata de rendimentos em espécie (artigos 140.º a 142.º doa Resposta).
Por outro lado, a Requerente não impugna a correcção relativa a tributações autónomas, que lhe foi favorável, pois foram desconsiderados os valores que a Requerente sujeitara a tributação autónoma no âmbito do n.º 9 do artigo 88.º do CIRC, relativamente a encargos suportados relativos a compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes.
Assim, o litígio restinge.se às seguintes questões:
– remuneração convencional do capital social;
– gastos com pessoal não dedutíveis relativos a gratificações;
– falta de retenção de IRS relativamente a pagamentos a colaboradores por utilização de viaturas próprias.
O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [1] )
Na verdade, admitir, na pendência do processo jurisdicional, uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os actos impugnados, afectaria o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP, pois prejudicaria a possibilidade de utilizar todos os meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei.
Assim, é exclusivamente a face da fundamentação que consta d RIT que há que aferir a legalidade das liquidações que nele se basearam.
3.1. Remuneração convencional do capital social
O artigo 41.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção vigente em 202 estabelecia o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 41.º-A
Remuneração convencional do capital social
1 - Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas, empresas públicas, e demais pessoas coletivas de direito público ou privado com sede ou direção efetiva em território português, pode ser deduzida uma importância correspondente à remuneração convencional do capital social, calculada mediante a aplicação, limitada a cada exercício, da taxa de 7 % ao montante das entradas realizadas até (euro) 2 000 000, por entregas em dinheiro ou através da conversão de créditos, ou do recurso aos lucros do próprio exercício no âmbito da constituição de sociedade ou do aumento do capital social, desde que:
(...)
c) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos.
d) A sociedade beneficiária não reduza o seu capital social com restituição aos sócios, quer no período de tributação em que sejam realizadas as entradas relevantes para efeitos da remuneração convencional do capital social, quer nos cinco períodos de tributação seguintes.
A Requerente, no anexo D, da declaração modelo 22 de IRC, usufruiu deste benefício fiscal no montante de € 3.675,00, que é 7% do valor de um aumento do capital social de € 52.500,oo.
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção por entender que o que releva para cálculo deste benefício fiscal é a diferença do capital social subscrito e realizado no início e no fim do exercício e, neste caso o valor no início do exercício era de 100.000€ e no fim do exercício era de 129 168,66€, pelo que a Requerente apenas podia usufruir do benefício fiscal quanto ao valor de € 2.041,74, correspondente a 7% do aumento de capital no valor de € 29.167,66.
A Requerente defende, em suma, que não há suporte no artigo 41.º-A para se considerar meramente o capital no início e no final do ano, mas sim para considerar os aumentos efetivos de capital que foram sido realizados ao longo desse período temporal.
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca o Relatório do Orçamento do Estado para 2017 e defende a correcção efectuada, dizendo, em suma, que «não se integram no espírito do legislador, múltiplas deduções ou adições ao capital social, mas unicamente a capitalização real das empresas, obtida pela diferença entre o capital social no fim e no início do exercício».
No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece um «lapso na indicação do valor em falta o qual deverá ser de € 1.833,26, ao invés de € 2.041,74 diferença favorável à Requerente no montante de € 408,48». ( [2] )
A Requerente tem razão ao defender que a tese da Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido de o montante relevante para determinar o benefício fiscal ser a diferença entre o capital social no fim e no início do exercício não ter qualquer suporte no texto do artigo 41-.º-A do EBF.
Na verdade, o que resulta claramente do seu texto é que o cálculo do benefício fiscal é feito «mediante a aplicação, limitada a cada exercício, da taxa de 7 % ao montante das entradas realizadas até (euro) 2 000 000».
Por outro lado, as reduções de capital apenas são relevantes, afastando a aplicação do benefício fiscal, quando a sociedade «reduza o seu capital social com restituição aos sócios, quer no período de tributação em que sejam realizadas as entradas relevantes para efeitos da remuneração convencional do capital social, quer nos cinco períodos de tributação seguintes», como se estabelece na alínea d) do n.º 1 do artigo 41.º-A.
Assim, as reduções de capital, só por si, são irrelevantes, não afastando a aplicação do benefício fiscal quando não forem acompanhadas de restituição aos sócios do capital reduzido.
Por isso, não há suporte legal para considerar que para o montante do benefício fiscal deve ser determinado com base na diferença entre o capital social no fim e no início do exercício.
Por outro lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira não invoca como fundamento da correcção que tenha sido restituído a sócio ou sócios qualquer parte do capital reduzido, pelo que, não pode considerar-se relevante esse possível fundamento.
Pelo exposto, para além do erro quanto à quantificação da correcção, reconhecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira neste processo, a correcção efectuada, à face da fundamentação utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.2. Gastos com pessoal não dedutíveis relativos a gratificações
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção ao lucro tributável da Requerente não considerando como gasto o valor de € 166.940,44, pelo seguinte, em suma:
Reanalisada agora esta questão, e conforme resulta do relatório de gestão e ata de aprovação de contas (ANEXO 8) em 2020 a empresa não atribuiu aos seus colaboradores qualquer gratificação de balanço e assim sendo o montante de 166.940,44 não pode ser considerado com tal.
(...)
Analisados todos os elementos contabilísticos não se verificou estar documentado em 2020 o pagamento aos colaboradores do montante de 166.940,44€, nem que este valor tenha sido considerado como rendimento da categoria A dos colaboradores.
Deste modo, o valor de 166.940€, que foi considerado como gasto com pessoal, uma vez que não existe qualquer evidência de ter sido pago aos colaboradores nem de ter sido incluído nos respetivos rendimentos da categoria A não pode ser fiscalmente dedutível, dado não respeitar a disciplina do artigo 23º do CIRC.
(...)
De facto, como já foi referido, conforme relatório de gestão e ata de aprovação de contas, em 2020 a empresa não atribuiu qualquer gratificação de balanço aos colaboradores e, assim sendo, neste ano de 2020 só poderão ser fiscalmente dedutíveis como gastos com pessoal os valores que efetivamente foram pagos aos colaboradores e que naturalmente foram considerados como seus rendimentos da categoria A, pelo que não pode o mesmo valor ser fiscalmente dedutível, dado não respeitar a disciplina do artigo 23º do CIRC.
Como resulta da matéria de facto fixada, provou-se apenas que a Requerente, em 2021, pagou € 105.112,86 a título de gratificações de balanço.
Uma gratificação de balanço, que constitui participação nos lucros, tem enquadramento na alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC como gasto dedutível em sede de IRC, desde que «as respetivas importâncias não sejam pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do período de tributação seguinte», como decorre da alínea n) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC.
Assim, do valor aprovado na assembleia geral como gratificação de balanço, apenas o valor de € 105.112,86, que se provou ter sido pago a esse título, releva como gasto dedutível em sede de IRC.
Nestes termos, sendo de € 166.940,44 a correcção efectuada quanto a gastos com pessoal não dedutíveis, procede parcialmente o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta correcção, quanto ao valor de matéria tributável de € 105.112,86.
3.3. Falta de retenção de IRS
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções em sede de IRS com fundamento em falta de retenção na fonte quanto vales de educação e pagamentos a colaboradores por utilização de viaturas próprias.
3.3.1. Vales de educação
Quanto aos vales de educação a Autoridade Tributária e Aduaneira já reconheceu que não havia lugar a retenção na fonte, à face do preceituado no artigo 99.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, por se tratar de rendimentos em espécie.
Não havendo lugar a retenção, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta correcção relativa a vales de educação, o que justifica a anulação da liquidação de IRS na parte respectiva.
3.3.2. Falta de retenção relativamente a pagamentos a trabalhadores como compensação pela utilização de viatura própria
Relativamente a esta correcção, para além da prova da relação das despesas com a realidade, está em causa a própria admissibilidade de imposição à Requerente de tributação, sem prévio apuramento dos montantes de IRS eventualmente devidos por cada um dos trabalhadores.
A questão de saber de pode ser exigido ao substituto tributário, que eventualmente tenha omitido deveres de retenção na fonte de quantias pagas a trabalhadores por conta de outrem, o pagamento das quantias que deveria ter retido, antes de estar definida a dívida tributária do substituído, tem sido objecto de várias decisões arbitrais, que são citadas por ambas as Partes.
É manifestamente maioritária a jurisprudência arbitral no sentido de a exigência do imposto ao substituto apenas poder ser efectuada após ser determinado o imposto devido pelo substituído, como pode ver-se pelas decisões proferidas nos processos 119/2015-T, 120/2015-T, 539/2017-T, 616/2019-T, 613/2020-T,24/2021-T, 638/2021-T, 267/2023-T, 743/2023-T. Em sentido contrário apenas foi proferida decisão no processo n. 118/2015-T, citado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
O artigo 21.º do CIRS estabelece que «quando, através de substituição tributária, este Código exigir o pagamento total ou parcial do IRS a pessoa diversa daquela em relação à qual se verificam os respectivos pressupostos, considera-se a substituta, para todos os efeitos legais, como devedor principal do imposto, ressalvado o disposto no artigo 103.º».
Assim, há que determinar previamente o regime que resulta do artigo 103.º do CIRS, ressalvado por este artigo 21.º.
O n.º 1 do artigo 103.º do CIRS, por sua vez, remete para o regime do artigo 28.º da LGT, «sem prejuízo do disposto nos números seguintes».
No seu n.º 1 do artigo 28.º da LGT, prevêem-se as situações em que houve retenção sem entrega pelo substituto das quantias retidas, caso não em que o substituto é o único responsável pelo pagamento do imposto. No caso dos autos, não se está perante uma situação enquadrável neste n.º 1 do artigo 28.º, pois não houve retenção.
No n.º 2 do mesmo artigo 28.º, para os casos em que a retenção for efectuada meramente a título de pagamento por conta de imposto devido a final, estabelece-se a regra de que «cabe ao substituído a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária». No caso dos autos, também não se está perante uma situação enquadrável neste n.º 1 do artigo 28.º, pois não houve retenção.
Para os restantes casos, previu-se, no n.º 3 do artigo 28.º da LGT, a regra de que «o substituído é apenas subsidiariamente responsável pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efectivamente o foram». Nestas situações vale também a regra do artigo 21.º, sendo o substituto o devedor principal.
Porém, o n.º 1 do artigo 103.º do CIRS remete para o regime do artigo 28.º da LGT, «sem prejuízo do disposto nos números seguintes», pelo que o regime destes números prevalece sobre o regime do artigo 28.º da LGT, se se estiver perante uma situação especialmente prevista nestes números seguintes do artigo 103.º do CIRS.
É isso que sucede no caso em apreço, pois está-se perante uma situação enquadrável no n.º 4 do artigo 103.º do CIRS, em que se estabelece que «tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respectivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido».
Foi neste n.º 4 que a Autoridade Tributária e Aduaneira se baseou para liquidar o IRS e notificar a Requerente para o seu pagamento.
Como se infere do facto de neste n.º 4 se prever a responsabilidade do substituto como solidária, o devedor originário do imposto não retido continua a ser o substituído, consubstanciando-se o regime excepcional do n.º 4 apenas na natureza da responsabilidade do substituto que, em vez de ser subsidiária, é solidária.
Devem distinguir-se as situações de devedores originários solidários e de responsabilidade solidária por dívidas de outrem.
A solidariedade entre devedores originários está prevista para as situações em que «os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação a mais de uma pessoa», em que, em rega, «todas são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária» (artigo 21.º, n.º 1, da LGT).
Diferente desta é a situação do «responsável solidário», que é uma «pessoa alheia à constituição do vínculo tributário que, pelas suas particulares conexões com o originário devedor ou com o objecto do imposto, a lei considera garante do pagamento da dívida de imposto, numa posição de fiador legal». ( [3] )
Esta distinção aparece clara no artigo 22.º da LGT, referente à «Responsabilidade tributária» em que se refere que «para além dos sujeitos passivos originários, a responsabilidade tributária pode abranger solidária ou subsidiariamente outras pessoas», o que evidencia que o responsável solidário (da mesma forma que o responsável subsidiário) não passa a ser considerado sujeito passivo originário.
É uma situação de responsabilidade solidária que se prevê para o substituto no n.º 4 do artigo 103.º do CIRS, pois os pressupostos do facto tributário verificam-se em relação aos contribuintes de IRS que são os trabalhadores da Requerente.
Assim, como o artigo 21.º do CIRS, apesar de estabelecer a regra de que o substituto se considera «como devedor principal do imposto», ressalva o disposto no artigo 103.º, tem de se concluir que nestas situações enquadráveis no n.º 4, o substituto não é considerado como devedor principal do imposto não retido, mas sim responsável solidário, isto é, está numa situação de garante do pagamento da dívida de imposto, numa posição de fiador legal.
A questão que se coloca é a de saber se, nestas situações de responsabilidade solidária do substituto, lhe pode ser exigido o pagamento da dívida na fase de pagamento voluntário, designadamente sendo ele e não o devedor originário notificado para o pagamento voluntário da quantia liquidada.
A razão por que no n.º 2 do artigo 28.º da LGT, para os casos de retenção «efectuada meramente a título de pagamento por conta de imposto devido a final», se afasta a regra do artigo 21.º do CIRS de considerar o substituto como devedor principal do imposto, é a de que, à face do regime geral do IRS, na sequência dos pagamentos ocorridos em determinado ano, haverá, no ano subsequente, que fazer um acerto de contas, com base na globalidade dos rendimentos de várias categorias sujeitos a englobamento, depois de feitos abatimentos e deduções (artigo 22.º, n.º 1 do CIRS) e também nas quantias retidas por conta do imposto devido a final.
E nesta liquidação relativa à globalidade dos rendimentos de determinado ano, é o respectivo sujeito passivo de IRS quem é o devedor originário, se houver imposto a liquidar e na medida em que houver imposto a liquidar.
Por isso, nestes casos de retenção efectuada a título de pagamento por conta do imposto devido a final, só depois de efectuada a liquidação de IRS se pode saber se há ou não a pagar imposto pelo sujeito passivo e se pode saber se será necessário ou não responsabilizar o substituto pelo imposto não retido.
Como bem se diz na decisão arbitral de 26-10-2015, processo n.º 119/2015-T, «resulta da leitura da norma do artigo 103.º/4 do CIRS, em causa, o substituto é responsabilizado solidariamente pelo imposto não retido e não pelas importâncias não retidas. Com efeito, não se poderá ( [4]) confundir imposto com importâncias retidas por conta daquele».
Na pena do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23-09-2015, proferido no processo 0997/15:
“O imposto sobre o rendimento de pessoas singulares é um imposto que, como a sua denominação indica é devido por pessoas singulares, incidindo sobre o valor anual dos rendimentos por estas auferidos ao longo do ano, artº 1º do Código de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares.
A retenção na fonte não é um imposto, mas um mecanismo de cobrança, instituído pelo sistema fiscal português com o objectivo de aumentar a eficácia na cobrança do imposto (IRS). Pela utilização de tal mecanismo, o Estado recebe, mensalmente, por conta do imposto que será devido no final de cada ano pelos trabalhadores por conta de outrem ou trabalhadores que prestem serviços e que não estejam abrangidos pelo regime de isenção uma parte do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares que a estas compete pagar.
Para o sujeito passivo de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares trata-se de um pagamento antecipado do imposto que é devido no final de cada ano. Para a entidade que procede à sua retenção trata-se de uma dívida tributária e não do pagamento de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares. Esta apenas procede ao desconto no vencimento do trabalhador da quantia que o estado tem a receber em sede de tributação de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares desse trabalhador, incumbindo-lhe a entrega desse valor ao estado. O mesmo ocorre quando a entidade a quem foi prestado um serviço retém do custo do serviço que deveria pagar ao prestador, e, para este seria rendimento tributável em sede de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares, o valor correspondente ao imposto sobre o rendimento de pessoas singulares.
Mas a empresa que procede à retenção na fonte não passa, por isso a ser tributada em sede de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares. Arrecada os valores de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares que são devidos pelos trabalhadores/ prestadores de serviço que deve entregar nos cofres do estado.”
É a esta luz que há que determinar o regime de exigência aos responsáveis solidários do pagamento das dívidas resultantes de incumprimento do dever de retenção na fonte.
Como decorre do texto do n.º 4 do artigo 103.º do CIRS, a responsabilidade solidária aí estabelecida reporta-se ao «imposto não retido» e não às importâncias que deveriam ter sido retidas por conta desse imposto.
Com efeito, a retenção na fonte por conta do IRS devido a final, não implica que, quando vier a ser efectuado o acerto definitivo, venha a existir alguma dívida de IRS do montante correspondente à retenção, pois, pode haver deduções ou abatimentos, ou, inclusivamente, isenções pessoais, como as previstas no artigos 2.º-B do CIRS (aditado pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, que aprovou o Orçamento do Estado para 2020, potencialmente aplicável ao caso dos autos) e, posteriormente, no artigo 12.º-B do CIRS (aditado pela Lei n.º 12/2022, de 27 de Junho, a aprovou o Orçamento do Estado para 2022).
Por outro lado, a solidariedade passiva pressupõe uma dívida que possa ser exigida indistintamente a qualquer dos devedores solidários.
Não pode ser exigida ao substituto, a título do devedor solidário, o pagamento de uma dívida se não está definida na esfera do substituído como existente e por cujo pagamento este também seja responsável.
O substituído apenas pode ser responsabilizado pelo imposto devido e não pelas importâncias que não foram retidas pelo substituto.
Consequentemente, a responsabilidade solidária, necessariamente comum ao substituto e substituído, apenas pode reportar-se à dívida de imposto, pois o substituído apenas pelo pagamento desta pode ser responsabilizado.
Na verdade, seria paradoxal, por exemplo, que se pudesse exigir ao substituído que trabalhou apenas uma parte do ano qualquer imposto, por falta de retenção pelo substituto nos pagamentos que lhe fez, quando se venha a apurar, no cômputo dos rendimentos anuais, que não atingiu o limiar do mínimo de existência previsto no artigo 58.º do CIRS.
E, se não se pode exigir ao substituído esse imposto não devido, também não pode ele ser exigido ao substituto, quando a sua responsabilidade é solidária, pois a solidariedade entre devedores consubstancia-se na possibilidade de o credor poder exigir de qualquer dos devedores solidários o pagamento da dívida (artigo 512.º, n. 1, do Código Civil).
É precisamente por apenas quanto ao imposto que haja a pagar pelo substituído se poder justificar a responsabilidade solidária do substituto que o n.º 4 do artigo 103.º do CIRS diz que «o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido» e não pelas importâncias que deveria ter retido e não reteve.
Pelo exposto, ao responsabilizar a Requerente, a título de devedora solidária, pelas importâncias não retidas, sem prévio apuramento da existência de dívida de imposto, a correcção relativa aos pagamentos efectuados a título de compensação pela utilização de viatura própria ao serviço da empresa enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito quanto à interpretação do artigo 103.º, n. 4, do CIRS, o que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Resultando do exposto a anulação total da liquidação de IRS, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões atinentes a esta liquidação de IRS (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC).
3.4. Conclusão
As correcções à matéria tributável efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira em sede de IRC têm o valor total de € 210.468,85 [parte final do RIT, transcrita na alínea b) da matéria de facto fixada].
Do exposto resulta a anulação parcial da liquidação de IRC quanto às correcções relativas a remuneração convencional do capital social (matéria tributável de € 2.041,74) e gastos com pessoal considerados não dedutíveis (quanto à matéria tributável de € 105.112,86), o que perfaz o valor global de € 107.154,60.
Quanto à correcção relativa à majoração por criação de emprego, a Requerente, embora tenha formulado pedido de anulação total da liquidação de IRC, não imputou qualquer vício, pelo que o pedido de anulação improcede quanto a essa correcção.
As liquidações de juros compensatórios relativa à liquidação de IRC tem por pressuposto esta liquidação, pelo que enferma dos vícios que a afectam, justificando-se também a sua anulação.
No que concerne à liquidação de IRS a anulação é total e, por isso, a respectiva liquidação de juros compensatórios é também total.
4. Indemnização por garantia indevida
A Requerente prestou garantias para suspender execuções fiscais instauradas para cobrança coerciva das liquidações de IRC e IRS impugnadas e formula pedido de indemnização.
O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de indemnização por garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
No caso em apreço, os erros subjacentes às liquidações impugnadas são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois estas foram de sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.
Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pelas despesas suportadas com a garantia prestada relativa à liquidação de IRS e, parcialmente, pelas despesas respeitantes à garantia prestada relativamente à liquidação de IRC, na proporção correspondente à anulação.
Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Anular parcialmente a liquidação de IRC e juros compensatórios n.º 2023..., bem como a respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2023..., que têm subjacentes correcções à matéria tributável no valor de € 210.468,85, na parte correspondente a correcções à matéria tributável no valor de € 107.154,60;
-
Anular a liquidação de IRS e juros compensatórios n.º 2023..., no valor global de € 169.870,44;
-
Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida relativo à liquidação de IRS e respectivos juros compensatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia que for apurada em execução desta decisão arbitral;
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização por garantia indevida relativo à liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, proporcionalmente à procedência do pedido de pronúncia arbitral quanto a essas liquidações e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia que for apurada em execução desta decisão arbitral.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 201.995,14, indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Custas
A Requerente atribuiu ao processo o valor de € 201.995,14, do qual o valor de € 169.870,44 corresponde à liquidação de IRS e respectivos juros compensatórios e à demonstração de acerto de contas relativa ao IRC no valor de € 32.124,70.
Quanto ao IRC, relativamente a correcções à matéria tributável no valor global de € 210.468,85, o pedido de pronúncia arbitral procede quanto a correcções no valor de 107.154,60 (como se refere no ponto 3.4.), isto é, nua percentagem de 51,05%, que corresponde ao valor de € 16.399,66 da liquidação de IRC e juros compensatórios (€ 32.124,70 x 51,05%).
Assim, o pedido de pronúncia arbitral, com o valor de € 201.995,14, procede quanto ao valor de € 169.870,44 + € 16.399,66 = € 186.270,10, isto é, procede numa percentagem de 92,22%).
Pelo exposto, nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 7,78% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 92,22%.
Lisboa, 11-11-2024
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(relator)
(Miguel Luís Cortês Pinto de Melo )
(Nina Aguiar)
[1] Essencialmente neste sentido, podem ver–se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:
– de 10–11–98, do Pleno, proferido no recurso n.º 032702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12–4–2001, página 1207:
– de 19-06-2002, processo n.º 047787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10–02–2004, página 4289.
– de 09-10-2002, processo n.º 0600/02.
– de 12-03-2003, processo n.º 01661/02;
– de 22–03–2018, processo nº 0208/17;
– de 30-01-2019, processo n.º 2176/15.3BEPRT 0915/17
Em sentido idêntico, podem ver–se:
– MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é "irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto", e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que "não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa".
– MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que "as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade".
[2] Há lapso também nesta correção de lapso que a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou, pois, sendo considerado indevido a aplicação do benefício fiscal quanto ao valor de € 23.332,34 (€ 52.500 que a Requerente considerou menos € 29.167,66 correspondente à diferença entre os valores do capital social no início e fim do exercício), a quantia correspondente àquele valor é € 1.633,26 e não € 1.833,26, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta.
Aliás, é este valor de € 1.633,26 que subtraído ao valor de € 2.041,74 perfaz a diferença de € 408,48 favorável a Requerente, de que fala a Autoridade Tributária e Aduaneira.
E é também o valor de € 1.633,26 que é indicado no documento junto com a Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira.
[3] ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, Princípios do Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 1979, Página 204.
[4] Sendo suficientemente elucidativo, a este respeito, o artigo 28.º da LGT, onde se refere, no n.º 1 que “a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado”, e não, justamente, pelo imposto retido e não entregue, enquanto no n.º 2, se fala já em “imposto não retido”.