Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 285/2024-T
Data da decisão: 2024-11-08   Outros 
Valor do pedido: € 33.962,00
Tema: Impugnação de Contribuição de Serviço Rodoviário por sujeito repercutido. Falta de indicação e impossibilidade de identificação dos atos de liquidação impugnados.
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SUMÁRIO:

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário é um imposto, pelo que um pedido de anulação de liquidações deste tributo se encontra abrangido não apenas no âmbito da competência material dos tribunais arbitrais, definida pelo artigo 2.º do RJAT, como também no âmbito da vinculação prévia da Autoridade Tributária, definido pela Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.
  2. Não é possível ao tribunal arbitral, sendo o processo arbitral tributário um processo contencioso de anulação, condenar a Autoridade Tributária ao reembolso de importâncias de impostos indevidamente repercutidas sem, primeiramente, anular as liquidações do imposto repercutido.
  3. Não conseguindo a Requerente identificar, nem fornecendo elementos que permitam identificar as liquidações de CSR correspondentes ao combustível adquirido, falta inteligibilidade ao pedido, na parte que se refere à identificação do objeto, importando a ineptidão da petição inicial.

 

DECISÃO ARBITRAL

I - RELATÓRIO

A..., Lda., pessoa coletiva e contribuinte nº..., com sede na ..., ..., ...-... ..., apresentou, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, bem como dos artigos 95.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária, e 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à declaração de ilegalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra liquidações de CSR, emitidas no período de Julho de 2019 a Dezembro de 2022.

É Requerida no pedido a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

Em 16.03.2024, não se encontrando ainda o tribunal constituído, a Requerida apresentou requerimento dirigido ao Sr. Presidente do CAAD, pedindo que a Requerente fosse notificada para vir identificar os atos de liquidação impugnados.

Em resposta a este requerimento, em 19.03.2024, o Sr. Presidente do CAAD emitiu o seguinte despacho:

 “Exmo(a) Senhor(a) Requerida,

Com referência ao Processo em epígrafe e na sequência da comunicação da Autoridade Tributária envie-se a mesma ao Tribunal Arbitral a constituir, por ser esse o órgão competente para a sua apreciação.

Notifique-se.”

Ainda em resposta ao mesmo requerimento, em 20.03.2024, a Requerente juntou requerimento em que expôs a sua posição nos seguintes termos:

“2. A Requerente identificou expressamente no seu pedido de pronúncia arbitral os atos tributários cuja ilegalidade pretende ver apreciada pelo Tribunal Arbitral.

3. Efetivamente, a Requerente solicitou ao Tribunal Arbitral a apreciação da legalidade das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), referentes aos meses de Novembro de 2019 a Dezembro de 2022, no montante global de 33.962,88 EUR., tendo identificado nos autos a totalidade das faturas de venda de combustível e os comprovativos de pagamento que, enquanto entidade que suportou o encargo do tributo, tem em seu poder.

4. As faturas de venda de combustível incluem o montante da CSR que a distribuidora de combustível (B... S.A.) pagou ao Estado e que repercutiu na Requerente (intermediada pela Arval), pelo que são, por essa via, apuráveis os montantes cuja anulação a Requerente pretende. Os atos de liquidação se encontravam devidamente identificados no pedido, através da indicação das faturas referentes a compras de combustível, nas quais se contém a CSR repercutida; Não dispondo a Requerente das respetivas Declarações de Introdução no Consumo, cabe à Requerida carreá-las ao processo.

5. Com efeito, não assumindo a Requerente a qualidade de sujeito passivo do tributo, apenas tem na sua posse os documentos que provam ter suportado o encargo da CSR que lhe foi repercutida, estando as respetivas declarações de introdução no consumo (DIC) em poder da distribuidora de combustível e da própria AT.

6. A falta de indicação das liquidações, pela Requerente, está perfeitamente justificada, pois elas foram emitidas pela Requerida à empresa que apresentou as DICs e não foram notificadas ou comunicadas à Requerente.

7. A AT tem em seu poder o registo informático de todas as DIC apresentadas pela distribuidora/revendedora de combustível fornecedora da Requerente, podendo assim identificá-las, solicitando, se necessário, a coadjuvação do sujeito passivo distribuidora de combustível, designadamente ao abrigo do princípio da colaboração previsto no artigo 59.º, nºs 1 e 2, alínea d), da Lei Geral Tributária (“LGT”).”

Por decisão do Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa foi a signatária designada como árbitro único no processo arbitral. Nestas circunstâncias, e em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 e n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 09.05.2024.

Por despacho do tribunal de 10.05.24, nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, a AT foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, e, no mesmo prazo, remeter ao Tribunal cópia do processo administrativo, o que aquela fez em 08.06.2024.

Na sua resposta, a Autoridade Tributária suscitou as exceções de incompetência material do tribunal, de ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, da ineptidão da petição inicial, da falta de objeto do processo e da caducidade do direito de ação.

Por despacho de 27.08.2024, o tribunal ordenou a notificação da Requerente para se pronunciar, querendo, sobre a matéria de exceção suscitada, na resposta, pela Autoridade Tributária no prazo de dez dias.

Em 13.09.2024, a Requerente remeteu ao Tribunal requerimento em que respondeu à matéria de exceção suscitada.

Por despacho de 04.11.2024, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, dispensando igualmente a produção de alegações.

 

II – ARGUMENTAÇÃO DAS PARTES

  1. Da Requerente
  • No âmbito da sua atividade comercial, a Requerente adquiriu, a vários fornecedores, combustível rodoviário, no período de julho de 2019 a dezembro de 2022;
  • No pagamento do preço de aquisição desse combustível, a Requerente suportou Contribuição de Serviço Rodoviário, no montante de 33.962,88 €;
  • Sendo a Lei 55/2007, que criou a CSR, ilegal, por violação da Diretiva 2008/118, a liquidação de CSR objeto do pedido padece do vício de ilegalidade;
  • Sendo a liquidação ilegal, a CSR foi indevidamente cobrada e deverá, por isso, ser reembolsada à Requerente, que a suportou.

 

  1. Da Requerida

Em síntese, a Requerida alega o seguinte, na sua resposta:

  1. Por exceção
  1. Incompetência do tribunal em razão da matéria
  • Sendo a CSR uma contribuição, e não um imposto, as matérias que lhe digam respeito encontram-se excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal;
  • Além disso, o tribunal arbitral é também incompetente porque, como resulta do teor do pedido, a Requerente suscita junto desta instância arbitral a legalidade do regime da CSR, no seu todo. Pretendendo a Requerente, em rigor, a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa, visa, com a presente ação, suspender a eficácia de atos legislativos. Sucede que, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação. E este contencioso não consente nem o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação (o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão);
  • Ainda que se considerasse a competência do tribunal arbitral para a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação de ISP/CSR (que a Requerente não consegue identificar), nunca poderia o tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, e que para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto;
  • Apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago, de acordo com o regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º);
  • No caso concreto não está em causa uma alegada situação de repercussão legal, porquanto a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto (ao contrário da repercussão legal prevista em sede de IVA, conforme artigo 37.º do Código de IVA e em sede de Imposto de Selo, (IS), conforme artigo 3.º do Código do IS);
  • Cumpre ter presente que em matéria de repercussão a mesma pode assumir uma natureza regressiva, ou seja “os vendedores podem ter interesse em suportar eles próprios, através da diminuição do preço dos bens, o custo adicional gerado pelo agravamento do imposto …”. Porquanto, não basta à Requerente alegar (e provar) a repercussão económica no seio da CSR, tem igualmente que provar que a mesma assume natureza progressiva. Podendo a repercussão ser regressiva, quando é o vendedor que suporta o aumento do encargo tributário, a Requerente não tem qualquer interesse/direito na relação jurídica tributária, não sendo sequer contribuinte;
  • A Requerente não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis que adquiriu às suas fornecedoras, tem incluído o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem que suportou, a final, o encargo de tal tributo, até porque não é claro que a Requerente não o haja repassado no preço dos serviços prestados aos seus clientes;
  • Deste modo, a Requerente não é sujeito passivo de ISP/CSR e não integra a relação tributária subjacente às liquidações contestadas, não sendo o devedor, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado, que está a jusante do sujeito passivo na cadeia económica, que em termos jurídicos não é um terceiro substituído, que não suporta a contribuição por repercussão legal, nem tão pouco corresponde ao consumidor final, pelo que não tem legitimidade nem para apresentar o pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral, nos termos do n.º 2 do artigo 15.º do CIEC e dos n.º 3, e alínea a), do n.º 4, do artigo 18.º da LGT;
  • Inexistindo efetiva titularidade do direito que se arroga, carece a Requerente de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e nº 2, 577.º, al. e) e 578.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância;
  • Carece também a Requerente de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 576.º n.º1 e n.º3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º1 al. e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido;
  • A Requerente alude a diversos atos tributários, sem que, em momento algum, identifique quaisquer atos de liquidação de ISP/CSR praticados pela administração tributária e aduaneira, nem as DIC submetidas pelos alegados sujeitos passivos de imposto;
  • A Requerente limitou-se a identificar e apresentar faturas de aquisição de combustíveis à sua fornecedora, alegando que esta terá, na qualidade de sujeito passivo de ISP/CSR, procedido à introdução no consumo dos produtos adquiridos pela Requerente, faturas estas que, no entanto, não comprovam qualquer ato tributário e de onde também não resulta qualquer prova de “atos de repercussão da CSR”;
  • Assim, o pedido arbitral não preenche nem satisfaz os pressupostos legais de aceitação, uma vez que viola a alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, devendo, consequentemente, ser declarado inepto;
  • Por outro lado, é impossível à AT identificar os atos de liquidação subjacentes à declaração dos produtos para o consumo, que vão sendo transacionados ao longo da cadeia de comercialização.
  • Apenas, o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo a quem foi liquidado o imposto e que efetuou o correspondente pagamento, reúne condições para identificar os atos de liquidação;
  • A identificação das liquidações não é feita pela Requerente, nem é possível à AT suprir tal omissão, dada a impossibilidade absoluta em estabelecer qualquer correlação/correspondência (datas, quantidades de produto, valores) entre as faturas apresentadas pela Requerente e os atos de liquidação que, a montante, estiveram subjacentes à introdução no consumo (DIC) dos produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente à sua fornecedora;
  • Também nunca seria possível fazer qualquer correspondência entre as quantidades de produtos introduzidos no consumo e as quantidades de produto adquiridas pela Requerente à sua fornecedora;
  • Por outro lado, também nunca seria possível fazer qualquer correspondência entre as quantidades de produtos introduzidos no consumo e as quantidades de produto adquiridas pela Requerente à sua fornecedora. 156º Importando ainda mencionar que os produtos sobre os quais incide CSR são tributados de acordo com a respetiva unidade de tributação, i.e., no caso da gasolina e gasóleo rodoviário, a unidade de tributação é de 1000 litros tendo em conta a temperatura de referência de 15º C – vide artigo 91.º do CIEC;
  • Ou seja, aquando da declaração para introdução no consumo são consideradas as quantidades de acordo com a temperatura de referência a 15º C. Nas vendas subsequentes desses produtos, não é possível fazer tal conversão sendo consideradas as quantidades em função da temperatura observada no momento o que, obviamente, originará oscilações (regra geral, quantidades superiores, tendo em conta a temperatura média nacional);
  • No limite, os litros vendidos e os correspondentes montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado serão, por isso, superiores aos montantes de CSR efetivamente liquidados e cobrados aos sujeitos passivos (considerando a temperatura de referência a 15º C);
  • Termos em que, o valor efetivamente cobrado pela AT seria sempre, em caso de procedência do pedido, o que não se concebe, mas se equaciona por mera cautela de raciocínio, inferior ao montante que a Requerente pretende ver devolvido;
  • Face ao supra exposto, a não identificação dos atos tributários objeto do pedido arbitral por parte da Requerente compromete, irremediavelmente, a finalidade do referido pedido;
  • O pedido é também ininteligível na medida em que, vindo a Requerente formular um pedido de pronúncia sobre a legalidade de liquidações, não identifica qualquer ato através da mera impugnação das alegadas repercussões, nem sequer identificando o nexo entre as repercussões e as liquidações da CSR. Partindo do pressuposto, errado, de que vigora, no âmbito da CSR, um regime de repercussão legal e de que a repercussão meramente económica pode ser presumida. Vindo, depois, apresentar como causa de pedir a desconformidade da CSR com o Direito da União Europeia, não sendo possível discernir se o objeto do pedido seriam as liquidações, ou, se seriam, por outro lado, as repercussões;
  • A circunstância de a Requerente não ter logrado identificar qualquer ato tributário cuja legalidade pretende sindicar, determina, para além de outras consequências já abordadas, que se torne impossível aferir da tempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações formulado pela Requerente, uma vez que a contagem do prazo para a apresentação dos referidos pedidos se inicia a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global);
  • Mas mesmo que assim não fosse, o certo é que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para além do prazo de 120 dias estabelecido no nº 1 do artigo 78º da LGT;

 

  1. Por impugnação
  • Confrontando o alegado pela Requerente com os documentos cuja junção aos autos logrou pedir, facilmente se conclui que estes, em momento algum, sustentam as suas afirmações, designadamente que esta tenha pago e suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão;
  • Em momento algum identifica a Requerente quaisquer liquidações de ISP/CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base em Declarações de Introdução no Consumo (DIC), que alegadamente possam ter sido processadas/submetidas pelo declarante B..., S.A. na qualidade de sujeito passivo, que teria efetuado introduções no consumo através daquelas declarações.

 

  1. Da Requerente, quanto à matéria de exceção

No requerimento em que se pronuncia sobre a matéria de exceção suscitada, a Requerente aduz contra a procedência das exceções invocadas os seguintes argumentos:

  • A CSR é um imposto e não uma mera contribuição financeira, pelo que o tribunal arbitral é competente para apreciar atos de liquidação a ele respeitantes;
  • Na CSR a repercussão é uma verdadeira repercussão legal, de acordo com o artigo 5º nº 1da Lei nº 55/2007, que dispõe que “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações”;
  • As distribuidoras de combustível eram, assim, meras intermediárias na respectiva cobrança da CSR, por razões práticas e de eficiência;
  • O artigo 2.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (IEC) consagra o princípio da equivalência, segundo o qual esses impostos “devem onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”;
  • Os IEC, incluindo a CSR, são portanto objeto de repercussão legal;
  • A Requerente não suscita a ilegalidade de quaisquer atos de repercussão da CSR, mas antes da ilegalidade das respetivas liquidações que lhe foram repercutidas, o que se insere no âmbito da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD;
  • Sendo certo que o âmbito da competência material dos Tribunais Arbitrais inclui a apreciação da legalidade de atos de liquidação de impostos, é inequívoco que improcede a excepção invocada de incompetência do Tribunal Arbitral;
  • Nos termos do disposto no artigo 9º nº 1 do CPPT, “Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”;
  • Já o artigo 18.º, n.º 4 da LGT dispõe que “Não é sujeito passivo quem: a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias;” 29. Tendo havido repercussão legal do imposto, é clara a legitimidade do Requerente ao abrigo das citadas disposições legais, enquanto lesado pela liquidação da CSR. 30. Legitimidade essa confirmada em nome do princípio constitucional do reconhecimento do direito à impugnação de atos de natureza administrativa lesivos de interesses legalmente protegidos, previsto no artigo 268º nº 4 da CRP;
  • Pelo que também deve ser julgada improcedente a exceção de ilegitimidade da Requerente;
  • No que respeita à alegação de ineptidão da petição inicial apresentada, remete o Requerente para a resposta ao requerimento anteriormente apresentado pela AT, já na pendência do presente processo, sobre a alegada falta de identificação dos atos tributários, abstendo-se de oferecer pronúncia adicional;
  • Sobre o tema do prazo de caducidade por erro imputável aos serviços, refere o recente acórdão do CAAD no Processo 351/2024-T, de 22/07/2024 o seguinte:

«No que diz respeito à possibilidade de, ultrapassado o prazo da reclamação administrativa, o sujeito passivo pedir a revisão oficiosa do ato tributário, parece-nos que tal questão se encontra há muito ultrapassada, já que, tendo a AT o dever legal de decidir os pedidos que lhe sejam formulados pelos interessados, não pode escusar-se a tomar a iniciativa de revisão oficiosa do ato tributário quando tal lhe seja pedido pelos interessados - neste sentido vejam-se, entre outros, acórdãos do STA de 4 de Maio de 2016, processo nº 0407/15 e de 29 de Maio de 2013, processo nº 0140/13, ambos in www.dgsi.pt.”

 

  • Deste modo, é inquestionável a aplicação do prazo de 4 anos para apresentação do pedido de revisão oficiosa.
  • Por outro lado, embora se desconheça a data de pagamento das liquidações que estiveram na origem da CSR suportada pela Requerente, a verdade é que, por via do mecanismo da repercussão legal – que é o que fundamenta a legitimidade do Requerente - o pagamento da CSR só se efetivou com a aquisição e pagamento do combustível;
  • Sendo que, no caso em apreço, a CSR for repercutida à Requerente no período compreendido entre Julho de 2019 e Dezembro de 2022, datas em que o combustível foi adquirido, com base nas faturas emitidas para aqueles períodos;
  • Uma vez que o facto lesivo ocorreu na esfera da Requerente na data da aquisição, será a partir dessa data que o prazo de 4 anos se conta para sindicar a ilegalidade das liquidações de CSR ocorridas no período em questão;

 

III - SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e encontram-se devidamente representadas.

Não existem incidentes que importe decidir.

A cumulação de pedidos é admissível ao abrigo do art.º 104.º, n.º 1 al. b) CPPT, aplicável ao processo tributário por força da al. a) do nº 1 do art.º 29.º do RJAT, uma vez que a apreciação dos pedidos cumulados tem por base as mesmas circunstâncias de facto, e os mesmos são suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo.

A Autoridade Tributária suscitou as exceções de incompetência material do tribunal, ineptidão da petição inicial, de ilegitimidade processual e substantiva da Requerente e da caducidade do direito de ação.

Por obstarem, todas as exceções suscitadas, ao conhecimento do mérito do pedido, devem ser apreciadas antes de entrar nesse conhecimento.

O conhecimento das exceções dilatórias deve obedecer à ordem estabelecida nos arts. 595.º, n.º 1, al. a), e 278.º do NCPC.

O conhecimento da matéria de ineptidão da petição inicial precede o de todas as restantes exceções dilatórias, uma vez que gera a nulidade de todo o processo (Ac. TRC de 21-11-2023, proc. 158/19.5T8LRA.C2. Rel: Arlindo Oliveira).

Vejamos:

O artigo 98º, n.º 1, alínea a) do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto no artigo 29º, n.º 1, alínea d) do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis do processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.

Por seu turno, sobre o que se considera constituir ineptidão da petição inicial, dispõe o artigo 186º, n.º 1 do CPC, também subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário por força do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, que se diz inepta a petição inicial:

  1. Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir
  2. Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
  3. Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

No caso vertente, estão à partida excluídas as causas das alíneas b) e c), pelo que haverá que averiguar se se verifica a situação prevista na al. a): falta ou ininteligibilidade da indicação do pedido ou da causa de pedir.

O pedido existe. A Requerente pede que o Tribunal arbitral declare a ilegalidade das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (doravante CSR) que incidiram, no momento da respetiva introdução no consumo, sobre o combustível depois revendido à Requerente.

A causa de pedir reside na ilegalidade da própria CSR, por violação do Direito da União Europeia, nomeadamente da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo, por não prosseguir “motivos específicos”, e também no facto de ter ocorrido repercussão desse imposto ilegal, no preço do combustível cobrado à Requerente. A causa de pedir é, pois, claramente inteligível.

Quanto à inteligibilidade do pedido, consideramos que esta pode ter várias dimensões. Uma delas é a da formulação do pedido em termos linguísticos e lógicos inteligíveis. Essa inteligibilidade não se põe em causa no caso dos autos. Havendo repercussão da CSR, tendo, por via dessa repercussão, a Requerente suportado a CSR, sendo a respetiva liquidação ilegal, a Requerente suportou indevidamente – indevidamente porque em violação da lei – um imposto.

Mas uma outra vertente é a identificação do objeto do pedido.

Como já se disse no acórdão arbitral emanado no processo 604/2023-T, em que fomos relatora, para a inteligibilidade do pedido “não basta que o pedido seja claro em abstrato na sua formulação, mas é ainda necessário que ele seja suficientemente concretizado para poder servir de base ao processo, ie, para que o Tribunal possa efetivamente conhecer o objeto do processo.” E concretizar o pedido, no caso do contencioso de anulação de atos administrativos, “significa necessariamente identificar os atos cuja anulação se pretende, como, aliás, decorre do artigo 108º do CPPT, quando estipula que “[A] impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido”.

Importa, pois, ver se estão identificados os atos impugnados e se, a verificar-se falta dessa identificação, esta compromete irremediavelmente a inteligibilidade do pedido. Ao contrário do que parece resultar implícito da resposta da Requerida, a Requerente não pede ao Tribunal arbitral que aprecie a legalidade de atos de repercussão, mas apenas de atos de liquidação, como resulta claramente do artigo 26º da petição inicial.

 

Desde logo, efetivamente, não encontramos no pedido de pronúncia arbitral a identificação dos atos de liquidação de CSR cuja anulação é pedida. A Requerente alega que, “com base nos extratos mensais disponibilizados por aquele fornecedor, foi possível apurar o número de litros de cada tipo de combustível adquirido pela Requerente, no período entre Julho de 2019 a Dezembro de 2022 (extratos enviados para a AT no âmbito do pedido de revisão oficiosa).” E conclui que “com base nos documentos de prova entregues à Requerida e ao Douto Tribunal Arbitral é possível apurar: qual a quantidade de litros de gasolina e de gasóleo que foi abastecida em viaturas da Requerente; qual o valor da CSR correspondente a essa quantidade de litros; os montantes e as datas em que esses abastecimentos foram faturados à Requerente; as transferências bancárias comprovativas de que a Requerente suportou efetivamente o gasto com a CSR.”

O problema da construção argumentativa da Requerente reside em que a quantidade de litros de gasolina e de gasóleo que foi abastecida em viaturas da Requerente, o valor da CSR correspondente a essa quantidade de litros e os montantes e as datas em que esses abastecimentos foram faturados à Requerente não nos fornecem qualquer elemento para identificar as liquidações de CSR que se impugnam.

O artigo 5º nº 1 da Lei nº 55/2007, que criou a CSR, dispõe que “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”

De acordo com o artigo 7º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo, os factos geradores do ISPP são: a produção em território nacional dos produtos a que se refere o artigo 5.º; a entrada em território nacional, quando provenientes de outro Estado-Membro, dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular; e a importação dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular. A todos estes factos se refere o artigo 8º do CIEC como “introdução no consumo”. Como consequência lógica dos factos tributários apontados, o ISPP é exigível no momento da introdução no consumo dos produtos referidos no artigo 5.º (ou da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o presente Código). Tal significa que o sujeito passivo do ISPP é a entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo, sendo esta, nos casos mais comuns e regulares, o depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado (artigo 4º, n.º 1, al. a).

No caso da CSR, o sujeito passivo é, então, a entidade responsável pela introdução no consumo. A introdução no consumo é declarada à Autoridade Tributária através de uma Declaração de Introdução no Consumo (DIC) (artigo 10º do CIEC), sendo com base nessa DIC que a AT procede à liquidação do imposto.

São estas as liquidações, e apenas estas, cuja legalidade o Tribunal teria que apreciar, e concluindo-se pelo mérito do pedido, anular, a fim de, eventualmente, dar provimento à pretensão da Requerente de condenação da AT à restituição do imposto repercutido. Ainda que o tribunal viesse, numa apreciação do mérito da causa, a dar como provado que no preço da compra do combustível adquirido pela Requerente foi repercutida CSR, ainda assim não seria possível ao Tribunal, devido à configuração do processo contencioso de anulação, condenar a Requerida ao reembolso do imposto, por ventura indevido, sem, primeiro, anular as liquidações de CSR. Pelo que, sem a identificação destas liquidações, não é possível satisfazer o interesse da Requerente. Ou seja, a condenação, pedida pela Requerente, da AT à restituição do imposto seria sempre, necessariamente, uma consequência da anulação das liquidações de CSR.

Como já vimos, a Requerente nem identifica estas liquidações, nem fornece quaisquer elementos que permitam identifica-las. Ao não estarmos perante uma repercussão formalizada, não é possível, nem ao Tribunal, nem à Autoridade Tributária, identificar as liquidações de CSR às quais corresponderiam – a existir repercussão – as repercussões alegadamente ocorridas. Só as entidades fornecedoras, na melhor das hipóteses, poderiam efetuar a correspondência entre as faturas emitidas e as liquidações de CSR. Mas tal correspondência não foi realizada.

A propósito da impossibilidade de a Requerida identificar os atos de liquidação a partir dos elementos fornecidos pela Requerente, tenha-se em conta que a própria Autoridade Tributária já alega, na sua contestação (cfr. artigos 99.º e seguintes), que não lhe é possível estabelecer correspondência entre os documentos apresentados pela Requerente e quaisquer liquidações de imposto.

E, portanto, embora a Requerente diga várias vezes que a Autoridade Tributária tem conhecimento dos atos de liquidação que correspondem às aquisições, a verdade é que não existem elementos objetivos que permitam estabelecer uma tal correspondência em termos seguros.

Assim sendo, verifica-se efetivamente uma falta de concretização do pedido, por falta de identificação dos atos de liquidação da CSR, que o torna ininteligível, na parte referente à identificação do objeto, verificando-se igualmente, em consequência, a ineptidão da petição inicial, a qual é uma exceção dilatória que conduz à nulidade de todo o processo, e, portanto, à impossibilidade de julgamento do pedido, conforme os artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil (Ac. TRC, de 18.10.2016, proc. 203848/14.2YIPRT.C. Rel: Manuel Capelo).

 

VII – DECISÃO

Pelo exposto, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente a exceção de ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade do pedido, arguida pela Requerida, e, consequentemente, anular todo o processo e absolver a Requerida da instância.

 

VIII - VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.ºA do CPPT, e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em 33.962,00 € (trinta e três mil, novecentos e sessenta e dois euros).

 

IX - CUSTAS ARBITRAIS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1 836.00 € nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente.

Registe-se e notifique-se.

 

Porto, 08 de novembro de 2024

O Árbitro

 

 

(Nina Aguiar)