Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 279/2024-T
Data da decisão: 2024-11-08  IMI  
Valor do pedido: € 15.008,18
Tema: IMI. Prédio omisso. Princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal.
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SUMÁRIO:

 

  1. Ciente de um prédio (parque eólico) que, todavia, nunca deixou de existir, na caracterização dada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, e a Requerente nada alega ou prova em sentido contrário, a AT, uma vez determinado o seu valor patrimonial tributário, limitou-se a exigir o pagamento do que era devido nos anos anteriores, com a limitação temporal do prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto.
  2. As liquidações do imposto operadas pela AT têm enquadramento normativo que as permite (cf. artigos 113º, n.º 3 e 116.º, n.º 1 do CIMI), sem extravasar os estritos contornos da lei, tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 103.º, in fine, da Constituição da República Portuguesa.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            I. RELATÓRIO

 

  1. A...- SUCURSAL EM PORTUGAL, (doravante Requerente) com o NIPC ..., com sede no ..., ..., ..., ..., ...-... ...- ..., Cascais, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e 102.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), com vista à anulação dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto Municipal sobre os Imóveis (“IMI”) n.ºs 2022..., 2022 ... e 2022... referentes, respetivamente, ao período de tributação de 2019, 2020 e 2021,  peticionando ainda o reembolso da quantia total de € 15.008,18, acrescida de juros indemnizatórios.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 29 de fevereiro de 2024 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

  1. Ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 17 de abril de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

  1. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 9 de maio de 2024.

 

  1. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:

 

A Requerente detém uma licença de exploração para o parque eólico de ..., sito na...– ..., na freguesia de ..., conselho de ... .

Este parque eólico é constituído por quatro aerogeradores (comumente designadas como turbinas eólicas) e uma subestação

Em 11 de janeiro de 2022, a Requerente deu entrada no Serviço de Finanças Cascais ... de uma revisão oficiosa do ato de liquidação de IMI relativo aos anos de 2011 a 2019, por considerar tais atos ilegais, uma vez que a AT considerava nessas liquidações que cada aerogerador e subestação eram uma unidade independente em termos funcionais.

Na sua decisão, a AT reconheceu o erro e deferiu parcialmente a o pedido, propondo a restituição do IMI indevidamente pago pela Requerente aos anos de 2017, 2018 e, de maior relevância no caso em apreço, 2019.

Em 2023, por iniciativa da AT, foi realizada uma nova avaliação ao parque eólico da Lameira, que veio alterar o Valor Patrimonial Tributário do prédio (doravante VPT) em questão, nos termos do artigo 38.º do Código do IMI (doravante CIMI), atribuindo-lhe um VPT de 1.563.890,00 Euros (um milhão quinhentos e sessenta e três mil oitocentos e noventa euros).

Na sequência desta avaliação, em outubro de 2023, foram notificadas – para grande espanto da Requerente – as liquidações de IMI relativas ao ano de 2019, 2020 e 2021, com os valores apurados a partir do novo VPT.

A AT dispunha de 4 anos, nos termos do artigo 45.º n.º 1 da LGT para liquidar o IMI relativo ao parque eólico da Lameira, o que o fez – de 2019 a 2022.

No entanto, esta liquidação de imposto teve por base a avaliação deste imóvel que foi posterior ao período de liquidação em causa, violando, de modo grosseiro, o disposto no artigo 113.º n.º 1 do CIMI bem como o artigo 103.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP).

Estamos perante um caso de retroatividade fiscal, uma prática estritamente proibida pelo artigo 103.º n.º 3 da CRP.

O Tribunal Constitucional já se veio pronunciar em inúmeros acórdãos sobre o princípio da proibição da retroatividade fiscal.

Na jurisprudência, também é claro este entendimento, como podemos ver na decisão do Tribunal Arbitral (CAAD) emitida no processo n.º 526/2015-T, datada de 2016-04-27.

Na decisão emitida pelo Tribunal Arbitral (CAAD) no processo n.º 775/2022-T, datada de 2023-06-16, o tribunal vem expor o seguinte: “37. No fundo, a Requerente pretende que o VPT fixado em 2021 seja considerado na liquidação de IMI de 2019. 38. Todavia, não existe qualquer base legal para se admitir que o ato de fixação de um novo VPT possa produzir efeitos retroativos, o que facilmente se compreende à luz do princípio da segurança jurídica. 39. Não assiste, portanto, razão à Requerente.

Para além das liquidações – ilegais – do imposto, a AT também liquidou juros compensatórios no valor total de 933,17 Euros (novecentos e trinta e três euros e dezassete cêntimos).

Os juros compensatórios, de acordo com o artigo 117.º do CIMI aplica-se nos seguintes termos: “1 - Quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou totalidade do imposto devido, a esta acrescem juros compensatórios, nos termos do artigo 35.º da Lei Geral Tributária”.

Relativamente ao IMI liquidado relativo ao ano de 2019, este foi alvo de uma revisão oficiosa que determinou o reembolso do valor pago no momento.

No caso do IMI liquidado em 2020, este foi alvo de uma reclamação graciosa cujo resultado foi o mesmo – o deferimento do pedido e a consequente anulação dos atos de liquidação de IMI referentes a esse ano.

Em ambos os casos, demonstrando-se a assunção de um erro, não por parte da Requerente, mas imputável à Autoridade Tributária!

Pelo que não se concede a liquidação – manifestamente ilegal – de juros compensatórios.

 

  1. A Requerida, tendo sido devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta em 12 de junho de 2024, mas não remeteu o processo administrativo, tendo concluído pela improcedência da presente ação e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido. A Requerida sustentou a sua resposta, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:

 

A Requerente apresentou um requerimento de revisão oficiosa das liquidações de IMI relativas aos anos de 2011 a 2019 e, bem assim, uma reclamação graciosa da liquidação de IMI referente a 2020, relativamente a 5 prédios urbanos inscritos na matriz com os números..., ..., ..., ... e ... da União de Freguesias de ... e ..., do Concelho de ... .

Nesses procedimentos administrativos, a Requerente contestava que naqueles atos tributários se considerasse que cada aerogerador e subestação do parque eólico, era uma unidade independente em termos funcionais e que cada uma dessas realidades era um prédio para efeitos de IMI.

Tendo a jurisprudência dos Tribunais Superiores concluído, nos termos acima referidos, que o aerogerador, tal como a subestação, não são prédios para efeitos de IMI, foi, em conformidade, deferido o aludido na Reclamação graciosa e na Revisão oficiosa.

Pelo que, nessa sequência, os prédios em causa foram eliminados da matriz.

Sendo inequívoca a qualificação jurídica do parque eólico, como prédio para efeitos de tributação em sede de IMI, e sendo a realidade fáctico-jurídica que compõe aquele bem fiscal, abrangida pela norma de incidência constante do artigo 2.º do CIMI, impõe a lei um dever de inscrição do prédio (o parque eólico) omisso na matriz, ex vi do n.º 1 do artigo 13.º do mesmo Código, e impõe também a lei, a inerente determinação do valor patrimonial tributário desse bem, através do procedimento de avaliação, o que foi concretizado e notificado.

Tratando-se de um prédio urbano, dita o n.º 4 do artigo 37.º do CIMI que a avaliação se reporta à data do pedido de inscrição do prédio na matriz, fazendo a própria lei retroagir, neste contexto, o resultado da determinação do valor patrimonial tributário.

Especifica, no entanto, o legislador, no número 3 do artigo 113.º do CIMI, que, nos casos de prédios omissos, logo que a avaliação se torne definitiva, liquidar-se-á o imposto a que houver lugar.

Isso, naturalmente, com observância do prazo de caducidade para o exercício do direito à liquidação do imposto presente no artigo 116.º do CIMI e nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária (LGT), o qual será, in casu, de quatro anos.

Atento o enquadramento normativo supra evidenciado, não será de colher a arguida violação do princípio constitucional da proibição da retroatividade fiscal, enunciada no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), e replicada em diversos preceitos da lei tributária.

Não será, por conseguinte, aplicável ao presente caso a regra estatuída no n.º 1 do artigo 113.º do CIMI, como defende a Requerente, mas sim o regime dos prédios omissos a que alude o n.º 3 do preceito, liquidando-se o imposto que for devido assim que o procedimento de avaliação torne definitivo o valor patrimonial aí apurado.

Por outro lado, cumpre ainda referir que a jurisprudência invocada pela Requerente não infirma, tão-pouco, a posição que aqui defendemos, dada a dissemelhança entre as situações fáctico-jurídicas que os Tribunais foram chamados a dirimir.

Em suma, tratando-se o parque eólico de um prédio (novo) omisso na matriz, totalmente distinto dos demais prédios que foram objeto de inscrição e avaliação pela AT, o ato tributário de liquidação de IMI haverá que ser determinado com base no valor patrimonial tributário que for resultante do procedimento de avaliação deste prédio urbano, com base nos seus elementos estruturantes, observando-se o prazo de caducidade para o exercício desse direito pela AT.

 

  1. Em 10 de julho de 2024, a Requerente apresentou requerimento a dispensar a testemunha por si arrolada.

 

  1. Por despacho de 27 de setembro de 2024, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. O Tribunal Arbitral notificou as Partes da possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas, facultativas, por prazo simultâneo de 15 dias. Mais informou as Partes de que a decisão final seria proferida até ao dia 9 de novembro de 2024.

 

  1. Em 15 de outubro de 2024, veio a Requerente apresentar as suas alegações escritas, reiterando, no essencial, a respetiva posição já defendida nos autos.

 

  1. Em 16 de outubro de 2024, veio a Requerida informar os autos de que não pretendia produzir alegações finais escritas dando por integralmente reproduzido todo o aduzido na Resposta apresentada.

 

 

 

II. SANEAMENTO

 

  1.  O tribunal arbitral foi regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

A cumulação de pedidos de IMI referentes a diversos períodos de tributação feita pela Requerente é admissível, visto que a respetiva procedência depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito, tal como previsto no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Factos provados

 

  1. Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A requerente é uma sucursal em Portugal da sociedade alemã B..., cuja atividade consiste no planeamento e construção de parques eólicos em Portugal, assim como a produção de energia eólica – conforme documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral (“PPA”);
  2. No âmbito da sua atividade, e para o exercício desta, a Requerente detém uma licença de exploração para o parque eólico de ..., sito na...– ..., na freguesia de ..., conselho de ... (cf. – conforme documento n.º 3 junto com o PPA);
  3. Este parque eólico é constituído por quatro aerogeradores (comumente designadas como turbinas eólicas) e uma subestação – conforme documento n.º 3 junto com o PPA e afirmações das partes no mesmo sentido: art. 16.º da petição inicial e art. 12.º da Resposta da Requerida.
  4. Em 14 de julho de 2021, a Requerente deu entrada, junto da AT, de reclamação graciosa do ato de liquidação de IMI relativo ao ano de 2020. Em 11 de janeiro de 2022, a Requerente apresentou, junto da AT, um pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação de IMI relativo aos anos de 2011 a 2019. A Requerente considerou tais atos de liquidação ilegais, uma vez que a Autoridade Tributária considerava nessas liquidações que cada aerogerador e subestação eram uma unidade independente – conforme documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o PPA.
  5. No seguimento de decisão de deferimento proferida pela AT, de 10-08-2021, relativa a Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente sobre a liquidação de IMI de 2020, a AT eliminou os aerogeradores e a subestação da matriz – conforme documento n.º 7 junto com o PPA.
  6. Em 2023, a AT procedeu à inscrição oficiosa do Parque Eólico da ... enquanto prédio urbano na matriz, tendo realizado uma avaliação da  ...a, nos termos do artigo 38.º do CIMI, atribuindo-lhe um VPT de 1.563.890,00 Euros – conforme documento n.º 6 junto com o PPA;
  7. Em outubro de 2023, foram notificadas à Requerente as liquidações de IMI, datadas de 08-08-2023 relativas ao ano de 2019 (n.º 2022..., no valor de 5.160,57 €), 2020 (n.º 2022 ..., no valor de 5.017,64 €) e 2021 (n.º 2022 ..., no valor de 4.829,97 €), com os valores apurados a partir do novo VPT – conforme documento n.º 1 junto com o PPA e afirmações das partes no mesmo sentido: art. 20.º da petição inicial e art. 16.º da Resposta da Requerida;
  8. Em 27 de fevereiro de 2024, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que originou os presentes autos.

 

§2 – Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

  1. Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.
  2. O Tribunal Arbitral não tem o dever de se pronunciar sobre todos os factos alegados pelas partes, mas tão só o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, conforme resulta do disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Neste sentido, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Considerando as posições assumidas pelas partes nas respetivas peças processuais, o disposto no artigo 110.º, n.ºs 6 e 7, do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. A Requerente contesta as liquidações de IMI referentes aos anos de 2019, 2020 e 2021, considerando enfermarem as mesmas do vício de violação de lei uma vez que tais liquidações tiveram subjacente uma avaliação do imóvel posterior aos períodos de liquidação em causa, o que, no seu entender, configura um caso de retroatividade fiscal em violação do artigo 103 nº 3 da Constituição da República Portuguesa.

 

A AT, por seu turno, considera que não será de colher a arguida violação do princípio constitucional da proibição da retroatividade fiscal, porquanto, em suma, tratando-se o parque eólico de um prédio (novo) omisso na matriz, totalmente distinto dos demais prédios que foram objeto de inscrição e avaliação pela AT, o ato tributário de liquidação de IMI haverá que ser determinado com base no valor patrimonial tributário que for resultante do procedimento de avaliação deste prédio urbano, com base nos seus elementos estruturantes, observando-se o prazo de caducidade para o exercício desse direito pela AT.

Vejamos.

 

Como resulta da matéria provada, a Requerente, em 14 de julho de 2021, deu entrada, junto da AT, de reclamação graciosa do ato de liquidação de IMI relativo ao ano de 2020. Em 11 de janeiro de 2022, a Requerente apresentou, junto da AT, um pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação de IMI relativo aos anos de 2011 a 2019. A Requerente considerou tais atos de liquidação ilegais, uma vez que a Autoridade Tributária considerava nessas liquidações que cada aerogerador e subestação eram uma unidade independente.

Tendo em conta a jurisprudência dos Tribunais Superiores, segundo a qual o aerogerador, tal como a subestação, não são prédios para efeitos de IMI, a AT, em conformidade, deferiu o aludido na reclamação graciosa e na revisão oficiosa.

Com efeito, a Requerente havia até então sido tributada em sede de IMI por realidades que não configuravam prédios para efeitos de IMI. Em face das decisões tomadas, a AT eliminou os prédios em causa da matriz, procedendo à inscrição oficiosa do Parque Eólico enquanto prédio urbano na matriz no ano de 2023.

Tendo em conta o prédio inscrito, a AT procedeu, no referido ano de 2023, à avaliação do parque eólico, com vista a determinar o seu valor patrimonial tributável, que fixou em € 1.563.890,00, posto que o art. 1° do CIMI estabelece que o IMI incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português.

Tal imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeitar – artº 8º, nº 1 do CIMI –, desde «o ano, inclusive, em que a fração do território e demais elementos referidos no artigo 2.º devam ser classificados como prédio», artº 9º, nº 1, a) do CIMI.

Em 2023 foi, pois, determinado o valor patrimonial tributário do imóvel que deveria ter sido tido em conta desde pelo menos 2011 e, não foi, porque, conforme acima visto, o enquadramento tributário dos parques eólicos feito pela AT não era, até à emissão da circular 2/2021, de 3 de março, o correto.

Ciente de um prédio (parque eólico) que, todavia, nunca deixou de existir, na caracterização dada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, e a Requerente nada alega ou prova em sentido contrário, a AT, uma vez determinado o seu valor patrimonial tributário, limitou-se a exigir o pagamento do imposto que era devido nos anos anteriores, com a limitação temporal do prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto.

Fê-lo em conformidade com o disposto nos artigos 113º, n.º 3 e 116.º, n.º 1 do CIMI, que estabelecem, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 113.º

Competência e prazo da liquidação

1 – (…)

2 – (…)

3 - Logo que a avaliação de prédio omisso, melhorado, modificado ou ampliado se torne definitiva, liquida-se o imposto a que houver lugar, com observância do disposto no n.º 1 do artigo 116.º

(…)

 

Artigo 116.º

Caducidade do direito à liquidação

1 - As liquidações do imposto, ainda que adicionais, são efectuadas nos prazos e termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária, salvo nas situações previstas no n.º 5 do artigo 113.º, caso em que a liquidação é efectuada relativamente a todos os anos em que o sujeito passivo gozou indevidamente dos benefícios, com o limite de oito anos seguintes àquele em que os pressupostos da isenção deixaram de se verificar.

 

Como está bom de ver, as liquidações do imposto operadas pela AT têm enquadramento normativo que as permite, sem extravasar os estritos contornos da lei, tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 103.º, in fine, da Constituição da República Portuguesa.

  Nesta perspetiva, entendemos que está acautelada a observância do princípio da legalidade, não se verificando qualquer inconstitucionalidade que fira os atos impugnados.

Daí que, face ao exposto, o pedido formulado pela Requerente tem de ser decidido como improcedente.

 

V. PEDIDO DE REEMBOLSO DA QUANTIA PAGA E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

  1. Como resulta do exposto, foi julgado improcedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IMI. Sendo assim, ficam prejudicados os restantes pedidos, nomeadamente, o de reembolso das quantias pagas a este título e correspondentes juros indemnizatórios. 

 

VI. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido arbitral formulado de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IMI relativos aos anos de 2019, 2020 e 2021, e, consequentemente, julgar prejudicados os pedidos de reembolso das quantias pagas e do pagamento de juros indemnizatórios.

 

VII. VALOR DO PROCESSO

           

Fixa-se ao processo o valor de € 15.008,18, indicado pela Requerente, respeitante ao montante de IMI cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

VIII. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 918,00, a cargo da Requerente, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifiquem-se as Partes e, bem assim, o Ministério Público para efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 3, da CRP, no artigo 72.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional) e no artigo 17.º, n.º 3 do RJAT.

 

Porto, 8 de novembro de 2024.

 

O Árbitro,

 

Francisco Melo