SUMÁRIO:
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Estando em causa liquidações de IMI, na sequência da inscrição de prédio à respetiva matriz através da submissão de declaração Modelo 1 de IMI, é aplicável o regime previsto no n.º 3 do artigo 113º do CIMI e não o decorrente do n.º 1 do versado preceito.
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Tendo o retardamento das liquidações de IMI por base a adoção de uma conduta pelo sujeito passivo em conformidade com orientações genéricas emitidas pela Administração Tributária e à míngua de qualquer fundamentação que a sustente, é ilegal a liquidação de juros compensatórios devido por tal suposto retardamento.
DECISÃO ARBITRAL
Requerente: A...- SUCURSAL EM PORTUGAL (doravante “Requerente”)
Requerido: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” e/ou “Requerida”)
1. Relatório
A...- SUCURSAL EM PORTUGAL, com o NIPC ..., com sede no ..., ..., ..., ..., ... - ... ...-..., Cascais, vem, nos termos previstos nos artigos 102.º n.º 1 alínea a) do CPPT e 10.º n.º 1 alínea a) do RJAT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar o seu pedido de pronúncia arbitral (PPA), com vista à anulação dos ato tributários de liquidação de IMI e Juros compensatórios referente ao anos de: 2019, com o n.º 2022..., no valor de € 8.764,85; de 2020, com o n.º 2022..., no valor de € 8.522,09; de 2021, com o n.º 2022..., no valor de € 8.203,35.
A Requerente, no seu PPA (o qual se dá aqui por integralmente reproduzido) defende a existência de ilegalidade dos atos tributários, assente nos seguintes fundamentos, que infra se sintetizam:
- Erro nos pressupostos de facto e de direito, dado as liquidações objeto destes autos terem por base avaliação efetuada no decurso do ano de 2023, pelo que se encontra violado o disposto no n.º 1 do artigo 113º do CIMI e bem assim perante um caso de retroatividade fiscal, a qual é uma prática estritamente proibida pelo artigo 103.º n.º 3 da CRP, adicionado ao diploma pela Lei n.º 1/97, de 20/09.
- A AT procedeu, ilegalmente, à liquidação de juros compensatórios, o que apenas se compreende por má-fé ou incompetência, na medida em que a o atraso na liquidação do IMI em causa não poderá deixar de ser imputável à Requerida e não à Requerente, pelo que não pode, em qualquer caso, tais juros deixarem de ser anulados.
- Por fim, para além de peticionar a anulação dos atos tributários, igualmente requer o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto e acrescido, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 e 100.º n.º 1 da LGT.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, por seu turno, apresentou Resposta em 17.06.2024 (a qual se dá aqui por integralmente reproduzida), na qual em suma, defendeu a conformidade legal da liquidação objeto destes autos, pugnando assim pela improcedência da fundamentação e pedidos aduzidos pela Requerente, admitindo, no entanto, não serem devidos juros compensatórios, os quais, entende já terem sido objeto de revogação, posicionamento este que infra se sintetiza:
- A existência de um parque eólico subsume-se ao conceito de prédio ínsito no artigo 2.º do Código do IMI, pelo que não estando inscrito na matriz, impôs a necessária inscrição na matriz predial do mesmo e a respetiva determinação do seu valor patrimonial tributário, o qual ocorreu através de procedimento de avaliação nos termos do artigo 14º e seguintes do CIMI.
- No caso de prédios omissos, logo que a avaliação se torne definitiva, liquidar-se-á o imposto a que houver lugar, nos termos do n.º 3 do artigo 37º do CIMI, com observância do prazo de caducidade para o exercício do direito à liquidação do imposto presente no artigo 116.º do Código do IMI e nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária (LGT), de quatro anos, pelo que não será de colher a arguida violação do princípio constitucional da proibição da retroatividade fiscal, enunciada no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), e replicada em diversos preceitos da lei tributária.
- Quanto ao pedido de anulação dos juros compensatórios, considera a Requerida que assiste razão à Requerente, tendo a AT já procedido à revogação dos mesmos.
- Por último, entende que, em face do defendido em matéria da conformidade das liquidações de IMI em apreço, inexiste qualquer erro imputável aos serviços, não estando na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. artigo 266.º, n.º 2, da CRP e artigo 55.º da LGT), razão pela qual deve improceder o peticionado quanto ao pagamento de juros indemnizatórios.
O árbitro único foi designado em 17.04.2024.
Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 09.05.2024.
A Requerente veio a prescindir da inquirição da testemunha inicialmente arrolada, no seguimento de despacho arbitral datado de 13.09.2024.
Face ao posicionamento das partes e estar-se perante litígio que tem no seu cerne apenas divergência sobre a aplicação do direito, o Tribunal Arbitral proferiu despacho a prescindir da reunião arbitral a que se refere o artigo 18º do RJAT, a convidar as partes para, querendo, formularem alegações escritas, para que a Requerente procedesse ao pagamento da taxa arbitral subsequente, consignando que a data para prolação se estimava ocorrer dentro do prazo a que alude o n.º 1 do artigo 21º do RJAT.
A Requerente veio a apresentar o comprovativo da taxa arbitral subsequente e a formular alegações, nas quais e em suma, reiterou o posicionamento anterior quanto à ilegalidade das liquidações e bem assim quanto ao direito a juros indemnizatórios, concluindo deverem “(…) os atos de liquidação de IMI relativos aos anos de 2019, 2020 e 2021 ser anulados, com as demais consequências legais, designadamente a restituição do montante indevidamente suportado, no valor de 25.490,29 Euros, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios calculados nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 100.º, n.º 1 da LGT.”
Por seu turno, a Requerida apresentou requerimento, na qual informou dar por integralmente reproduzido o teor da Resposta anteriormente deduzida.
Por despacho de 21.10.2024, veio o Tribunal Arbitral a proferir despacho, solicitando elementos adicionais, relativos ao procedimento de inscrição matricial do prédio e avaliação, consignando direito ao contraditório pela Requerente, tendo a Requerida vindo a juntar o Processo Administrativo (PA) instrutor em 25.10.2024.
A Requerente exerceu o contraditório, onde defendeu que perante o teor do PA, se está perante inscrição do prédio por iniciativa do sujeito passivo e não oficiosamente, como sustentou a Requerida, reiterando o entendimento segundo o qual “Avaliação esta posterior ao período de liquidação em causa, violando, de modo grosseiro, o disposto no artigo 113.º n.º 1 do CIMI – o artigo aplicável in casu, e não o n.º 3 do 113.º do CIMI – bem como o artigo 103.º n.º 3 da CRP.”
2. Saneamento
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março), tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado tempestivamente.
O processo não enferma de nulidades.
Estando-se perante um pedido que tem por objeto três diferentes atos tributários, importa ter presente que nos termos do n.º 1 do artigo 3º n.º 1 do RJAT “a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
Ora, no caso em apreço, está-se perante não só identidade de imposto – IMI – como igualmente perante a existência de identidade de fundamentos, isto é, a causa de pedir é a mesma para todos os atos tributários arbitralmente sindicados.
Por fim, importa considerar que só podem ser cumuladas no processo arbitral tributário as pretensões materialmente conexas para as quais o tribunal seja competente, o que é o caso nos presentes autos.
Assim, neste caso, admite-se a cumulação de pedidos, nos termos dos artigos 104º do CPPT e 3º do RJAT.
Não tendo sido erigidas exceções, nada obsta a que se conheça do mérito do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.
3. Matéria de facto
3. 1. Factos provados:
Analisada a prova documental produzida, o posicionamento das partes face à factualidade trazida a estes autos, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:
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A ora Requerente explora, devidamente licenciada para o efeito, desde 04.08.2005, em terrenos baldios possuídos pela junta de freguesia, sito em ..., União de Freguesias ... e ..., concelho de ..., um parque eólico constituído por oito aerogeradores, uma torre, respetivas sapatas/fundações e bem assim uma subestação (adiante designado por “Parque Eólico”), conforme teor dos anexos 1 e 4 do ofício remetido pela Requerente à AT e constante do PA e respetiva declaração Modelo 1 de IMI constante do PA.
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A Requerente apresentou - com data de 7 de Janeiro de 2022 - revisão oficiosa sobre as liquidações de IMI relativas aos anos de 2011 a 2019 e, bem assim, uma reclamação graciosa – em 14.07.2021 - da liquidação de IMI referente a 2020, relativamente a 9 prédios urbanos inscritos na matriz com os números..., ..., ..., ..., ..., ... e ... da União de Freguesias de ... de ... e..., do Concelho de ..., e com os números ... e ... da União de Freguesias de ..., ..., ... e ..., do Concelho de ...- cfr. Doc 5 e 7 do PPA), correspondendo cada prédio a cada um dos oito aerogeradores e da subestação que integram o Parque Eólico supra identificado, na qual esta contestava a consideração individualizada de cada um destes nove elementos enquanto prédio de per si.
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Em resultado de tais meios de defesa, veio a AT a proceder à eliminação da matriz predial de tais nove prédios urbanos e a anular as respetivas liquidações de IMI supra.
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Através do ofício ... de 02.09.2022, veio a AT a notificar a Requerente para proceder, nos termos do artigo 13º do CIMI à inscrição na matriz do prédio - Parque Eólico “...”), através da apresentação de declaração Modelo 1, acompanhada dos elementos a que se refere o n.º 2 do artigo 37º do CIMI – cfr. PA.
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Em 28.09.2022 veio a Requerente a submeter eletronicamente a solicitada declaração Modelo 1, à qual coube o registo n.º ... (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – Cfr. PA), por motivo de: prédio novo; e da qual fez constar, entre outros dados, os seguintes elementos:
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Na sequência desta submissão eletrónica, procedeu a Requerente à junção dos seguintes elementos documentais: cópia da Modelo 1 provisoriamente submetida, licença de exploração, planta de localização, mapa de imobilizado líquido, discriminação de custos terreno, sapata, torre e subestação, aqui se dando por reproduzido o teor dos versados documentos – cfr. PA.
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A Modelo 1 veio a ser validada em 29.09.2024 pelo Serviço de finanças de ... .
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Por notificação eletronicamente assinada em 30.05.2024, pelo Chefe de Finanças de ..., veio este a dar conhecimento à Requerente do resultado da avaliação ao prédio urbano a que se refere a Modelo 1 de IMI supra, inscrito provisoriamente na matriz predial urbana sob o n.º P... .
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Tal inscrição predial do Parque Eólico veio a tornar-se definitiva, dando origem ao artigo ... da União de Freguesias de ... e ..., concelho de ..., tudo conforme teor do PA.
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Em face da factualidade decorrente do número anterior, a AT veio a proceder à liquidação de IMI sobre o referido prédio urbano, emitindo as respetivas notas de cobrança: de 2019, com o n.º 2022 ..., no valor de € 8.764,85; de 2020, com o n.º 2022..., no valor de € 8.522,09; e de 2021, com o n.º 2022..., no valor de € 8.203,35 - cfr. Doc. 1 junto com o PPA.
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A Requerente procedeu ao respetivo pagamento em 22.11.2023 – cfr. Doc. 1 do PPA.
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Inconformada com os atos tributários em causa, em 27.02.2024, veio a Requerente a apresentar o presente Pedido de Pronúncia Arbitral, tendo pago a respetiva taxa arbitral inicial.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
3. 2. Factos não provados:
Inexistem factos que se considerem não provados, com relevo para a boa decisão deste pleito.
3.2. Fundamentação da matéria de facto provada:
Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Os factos dados como provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente da prova documental junta aos autos pelo Requerente e bem assim pelo respetivo teor do Processo Administrativo instrutor, que foi apreciada pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos e tendo presente a ausência da sua contestação especificada pelas partes, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
4. Matéria de direito:
4.1.Objeto e âmbito do presente processo
Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se os atos tributários de IMI e bem assim os respetivos juros compensatórios enfermam dos vícios infra e constitucionais que lhe são apontados pela Requerente e, em caso afirmativo, decidir quanto ao direito a juros indemnizatórios pelo indevido pagamento dos atos tributários aqui arbitralmente sindicados.
4.2. Erro sobre os pressupostos de facto e de direito – violação do n.º 1 do artigo 113º do CIMI:
Invoca o Requerente em abono do vício supra identificado, que as liquidações objeto dos presentes autos são destituídas de sustentação legal, designadamente ao ter apurado o valor tributável relativo à tributação de IMI de 2019 a 2021 com base em avaliação efetuada em 2023, o que no entender resulta na violação do n.º 1 do artigo 113º do CIMI e do n.º 3 do artigo 103º da CRP.
Importa, pelo exposto, começar por apreciar a questão erigida relativa à violação do n.º 1 do artigo 113º do CIMI.
Desde já se avança que não colhe razão à Requerente relativamente a tal aventado vício.
Senão vejamos, dispõe o versado normativo o seguinte:
“Artigo 113º
Competência e prazo da liquidação
1 - O imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) Última atualização: Leis 82-B/2014 e 82-D/2014, ambas de 31/12 70 relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita.
2 - A liquidação referida no número anterior é efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte.
3 - Logo que a avaliação de prédio omisso, melhorado, modificado ou ampliado se torne definitiva, liquida-se o imposto a que houver lugar, com observância do disposto no n.º 1 do artigo 116.º
4 - As restantes liquidações, nomeadamente as adicionais e as resultantes de revisões oficiosas, são efectuadas a todo o tempo, sem prejuízo do disposto no artigo 116.º
5 - Sempre que os pressupostos da isenção deixem de verificar-se e os sujeitos passivos não dêem cumprimento ao disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 13.º, a administração fiscal procede à liquidação extraordinária do imposto desde o ano, inclusive, ao da caducidade da isenção.
6 - Não há lugar a qualquer liquidação sempre que o montante do imposto a cobrar seja inferior a (euro) 10.”
Entende a Requerente que no caso das liquidações cuja (i)legalidade ora se apreciam não poderia a AT deixar de ter considerado o disposto no n.º 1 do citado preceito legal e nessa medida abster-se de proceder às liquidações referentes aos anos em questão, por não ter baseado o cálculo do respetivo imposto no VPT constante da matriz em cada um dos períodos anuais a que respeitam os atos tributários.
Ora, não obstante tal perspetiva, certo é que lido atentamente o teor do referido preceito resulta isento de margem para dissonante conclusão que não poderia a AT ter trilhado, no caso em apreciação, a solução legal decorrente do n.º1 de tal concreto comando normativo, por falta de subsunção de tal previsão normativa ao caso dos autos.
Se do disposto no n.º 1 do artigo 113º do CIMI é possível colher o regime-regra para fixação do valor tributável para efeitos de tributação em sede de IMI, certo é que o legislador consagrou no n.º 3 as regras especificamente aplicáveis não só para prédios omissos à matriz, como igualmente para todos aqueles prédios que embora já inscritos, sejam objeto de definitivo melhoramento, modificação ou ampliação, pelo que as regras conducentes à fixação do valor tributável do prédio apenas se poderão colher do regime constante do n.º 1, caso não seja aplicável o regime especial decorrente do n.º 3, o que não se verifica perante o quadro fático em apreço.
Nos presentes autos está-se perante um prédio urbano constituído por um Parque Eólico que estava omisso, isto é, não se encontrava inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia da sua localização (dada a eliminação dos nove anteriores prédios – factos 2 e 3 dos factos provados), pelo que, em matéria de liquidação do IMI não poderá deixar de se aplicar a previsão normativa decorrente do n.º 3 da norma já supra citada, nos termos da qual se regula que: “Logo que a avaliação de prédio omisso, (…) se torne definitiva, liquida-se o imposto a que houver lugar, com observância do disposto no n.º 1 do artigo 116.º.”
O que, dada a factualidade supra dada por assente, se verificou no caso dos atos tributários sub judicio, isto é, a AT, após notificar a Requerente para o efeito, veio esta última a submeter em 28.09.2022 a declaração Modelo 1 relativa ao Parque Eólico, a qual haveria de dar lugar ao prédio urbano ..., expressamente o qualificando como “Prédio Novo”, aliás, refira-se que quanto a essa questão o posicionamento das partes se afigura absolutamente convergente.
Nesta sequência, foi o prédio cuja inscrição na matriz se requereu, de modo próprio pelo sujeito passivo (embora notificado para o efeito pela AT) e não oficiosamente como propugnou em sede de Resposta a Requerida.
E tal factualidade resulta isenta de qualquer dissonância face ao PA ulteriormente feito chegar aos autos.
Em obediência ao disposto no n.º 1 do artigo 37º do compêndio vindo de citar: “A iniciativa da primeira avaliação de um prédio urbano cabe ao chefe de finanças, com base na declaração apresentada pelos sujeitos passivos ou em quaisquer elementos de que disponha.”, pelo que ante este conspecto factual, impunha-se a avaliação do prédio urbano em causa, o que veio a suceder em 2023.
Sendo que, nos termos do n.º 4 do supra referido normativo, “A avaliação reporta-se à data do pedido de inscrição ou actualização do prédio na matriz.” (Redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro)
Saliente-se que, em matéria de avaliação nada foi trazido aos autos que ponha em causa a definitividade do valor patrimonial tributário que serviu de base aos atos tributários aqui arbitralmente sindicados.
Ora, estando-se perante a inscrição de um novo prédio (urbano), até à submissão da Modelo 1, tal realidade predial encontrava-se omissa na respetiva matriz, não podendo assim o sujeito ativo da relação jurídico-tributária deixar de proceder à avaliação do mesmo e a partir daí proceder à liquidação em conformidade com o estatuído em tal n.º 3 do artigo 113º do CIMI.
Do teor da parte final de tal n.º 3 resulta expressamente que tal liquidação de IMI sobre prédios omissos se deve efetuar “(…) com observância do disposto no n.º 1 do artigo 116º.”
Consagrou o legislador, no artigo 116º do CIMI o seguinte:
“Artigo 116.º
Caducidade do direito à liquidação
1 - As liquidações do imposto, ainda que adicionais, são efectuadas nos prazos e termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária, salvo nas situações previstas no n.º 5 do artigo 113.º, caso em que a liquidação é efectuada relativamente a todos os anos em que o sujeito passivo gozou indevidamente dos benefícios, com o limite de oito anos seguintes àquele em que os pressupostos da isenção deixaram de se verificar.
2 - No caso previsto no n.º 2 do artigo 9.º, o prazo de caducidade do direito à liquidação conta-se a partir do ano em que ao prédio seja dada diferente utilização.”
Da leitura da primeira parte do n.º 1 do citado preceito legal, resulta que a AT deve proceder à liquidação nos prazos e termos previstos nos artigos 45º e 46º da LGT, visto não se estar perante qualquer situação enquadrável à solução decorrente da segunda parte do versado normativo, razão pela qual não se poderá deixar de trazer à colação também estes normativos.
Nesta conformidade, prevê o artigo 45º da Lei Geral Tributária, o seguinte:
“Artigo 45.º
Caducidade do direito à liquidação
1 – O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
2 – No caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.(Redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro)
3 – Em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.(Redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro)
4 – O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
5 – Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.
6 – Para efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1, as notificações sob registo consideram-se validamente efetuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
7 – O prazo referido no n.º 1 é de 12 anos sempre que o direito à liquidação respeite a factos tributários conexos com:(Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
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país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças que devendo ser declarados à administração tributária o não sejam; ou (Aditada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
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contas de depósito ou de títulos abertas em instituições financeiras não residentes em Estados membros da União Europeia, ou em sucursais localizadas fora da União Europeia de instituições financeiras residentes, cuja existência e identificação não seja mencionada pelos sujeitos passivos do IRS na correspondente declaração de rendimentos do ano em que ocorram os factos tributários. (Redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)
Retornando ao caso que em concreto ora nos atém e sendo seguro que não se está perante liquidação a coberto do disposto no n.º 1 do artigo 113º do CIMI, dispunha a AT, por conjugação dos n.º1 e nº 4 do artigo 45º da LGT, de um prazo geral de 4 anos para emitir as liquidações arbitralmente sindicadas.
E tal direito à liquidação do imposto, nos termos em que foi efetuada, advém justamente das normas habilitantes constantes do n.º 3 do artigo 113º do CIMI e do n.º 1 do artigo 116º do versado compêndio[1], sempre com as limitações temporais que decorrem do também já citado artigo 45º, n.º 1 e n.º 4 da Lei Geral Tributária.
Não estando em causa, como não está nos vertentes autos, a questão relativa à caducidade do direito à liquidação, a qual não foi erigida pela Requerente, a presente apreciação confina-se à aferição atinente à acomodação legal quanto à emissão dos atos tributários relativamente aos períodos (anuais) de 2019 a 2021, com base em avaliação efetuada a posteriori (no caso, no decurso de 2023).
E, relativamente a esta matéria, nos termos vindos de assentar, dúvidas não subsistem quanto à habilitação legal da AT em emitir (subsequentemente à entrega da Modelo 1, do respetivo procedimento avaliativo que se lhe seguiu e com a consequente fixação de VPT sobre o prédio urbano em apreço) liquidações de IMI relativas a tais períodos temporais, desde que devidamente confinadas ao período temporal tido por legalmente admissível nos termos do citado artigo 45º da LGT.
Ora, como supra se deixou expresso, não se afigura, nem sequer se questiona que a emissão de tais liquidações de IMI referentes aos anos de 2019 a 2021 tenham exorbitado o âmbito temporal decorrente da aplicação do preceito acabado de supra identificar.
Importa, ainda assim, ter igualmente presente que nos termos da alínea a) do n. 1 do artigo 9º do CIMI, este imposto é devido a partir “Do ano, inclusive, em que a fracção do território e demais elementos referidos no artigo 2.º devam ser classificados como prédio;”.
Consagrou o legislador no versado artigo 2º do CIMI o seguinte:
“Artigo 2.º
Conceito de prédio
1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”
Preceitua o n.º 2 do artigo 6º do CIMI, constituírem prédios urbanos industriais aqueles edifícios ou construções para tal licenciados: “2 – (…) industriais (…) são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”
Por seu turno, nos termos do n.º 1 do artigo 10º, considera-se concluído um prédio urbano:
Artigo 10.º
Data da conclusão dos prédios urbanos
1 - Os prédios urbanos presumem-se concluídos ou modificados na mais antiga das seguintes datas:
a) Em que for concedida licença camarária, quando exigível;
b) Que a declaração de inscrição na matriz indique como data de conclusão das obras;
c) Em que se verificar uma qualquer utilização, desde que a título não precário;
d) Em que se tornar possível a sua normal utilização para os fins a que se destina.
Ora, da concatenação dos três preceitos vindos de citar, não se poderá deixar de concluir que o Parque Eólico se subsume ao conceito de prédio urbano industrial, o qual se deverá considerar concluído pela aplicação do mais antigo dos critérios legais supra citados no n.º 1 do artigo 10º do CIMI.
No caso em apreço e inexistindo qualquer elemento que permita inferir que os elementos tidos em atenção pela AT foram diversos daqueles pela Requerente declarados na declaração Modelo 1 e respetivos elementos juntos a esta, temos que o Requerente assume como data do facto e bem assim da ocupação, a data de 04.08.2005.
Sendo que tal data corresponde à data de emissão da licença provisória de exploração do Parque Eólico em causa, pelo que tal prédio urbano seria suscetível de ser tributado em sede de IMI, desde, pelo menos, tal momento temporal, o que, no entanto, e em concreto não poderia ocorrer in casu, por força da limitação temporal a que a AT está sujeita nos termos dos n.º 1 e 4 do artigo 45º, aplicáveis por remissão do n.º 1 do artigo 116º do CIMI, para o qual remete o legislador na parte final do n.º 3 do artigo 113º do CIMI - liquidação de IMI relativa a prédios omissos.
Estando-se perante a inscrição de prédio omisso, o qual após tal inscrição foi objeto da respetiva avaliação, reportada à data da inscrição do prédio, considerando a natureza e tipologia do prédio urbano em causa e nada se invocando quanto a eventuais desconformidades legais que pudessem inquinar o valor patrimonial tributário que teve por base o cálculo do imposto liquidado referente aos anos de 2019 a 2021, desconformidade alguma se colhe do procedimento levado a efeito, o qual se tem por factual e juridicamente assente em pressupostos conformes ao legalmente estatuído, mormente em matéria de LGT e Código de IMI, na medida em que se limitou a liquidar o imposto “a que houver lugar”, considerado o teor conjugado dos n.º 3 do artigo 113º do CIMI, e a limitação temporal decorrente dos n.º 1 e 4 do artigo 45º da LGT, por expressa remissão do n.º 1 do artigo 116º do CIMI.
Irrelevando assim para a boa decisão destes autos, a convocação pela Requerente da jurisprudência, também de raiz arbitral, no que se refere à aplicação do n.º 1 do artigo 113º do CIMI, porquanto em tais decisões a factualidade-base é absolutamente distinta relativamente àquela em que repousa o presente processo, ou seja, apenas neste está em causa a liquidação de IMI na sequência de inscrição de prédio omisso à matriz predial, o qual, mereceu por parte do legislador um regime diverso do decorrente do regime previsto no n.º 1.
Por tudo quanto se deixa alinhado, não podia in casu ser aplicável o regime de liquidação decorrente do n.º 1 do artigo 113º do CIMI, censura alguma legal merecendo as liquidações levadas a efeito por via da aplicação do n.º 3 do versado preceito, o qual resulta ser o procedimento subsumível ao caso ora em apreciação.
4.3. Da violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal – artigo 103º, n.º 3 da CRP:
A par com tal invocada existência de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, sustenta a Requerente que de tal procedimento levado a efeito pela AT configura violação ao princípio da proibição da retroatividade fiscal ínsita no n.º 3 do artigo 103º da CRP, designadamente por aplicação às liquidações de IMI de 2019, 2020 e 2021 um VPT fixado em data posterior, causa de pedir anulatória esta que cabe apreciar.
Dispõe o n.º 3 do artigo 103º da CRP, que:
“Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.”
No caso dos autos, a questão a decidir assenta, na sua essência, na circunstância de o VPT aplicável aos atos tributários terem sido apurados no seguimento da avaliação levada a efeito em momento posterior aos períodos a que os ato tributários impugnados respeitam.
A respeito do já citado normativo constitucional e pelo facto deste tribunal arbitral secundar o entendimento que dele dimana sobre a temática, não podemos deixar de citar trecho do acordado pelo Tribunal Constitucional, no âmbito do processo n.º 319/2012 (e que, na sua essência, vem sendo consistentemente reiterado por aquele), segundo o qual “Assim, para que o Estado possa cobrar um imposto ele terá que ser previamente aprovado pelos representantes do povo e terá que estar perfeitamente determinado em lei geral e abstrata, só assim se evitando que esse poder possa ser exercido de forma abusiva e arbitrária, indigna de um verdadeiro Estado de direito.
Por outro lado, o mesmo princípio da legalidade não poderá deixar de impedir que a lei tributária disponha para o passado, com efeitos retroativos, prevendo a tributação de atos praticados quando ela ainda não existia, sob pena de se permitir que o Estado imponha determinadas consequências a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que os seus atores tivessem podido adequar a sua atuação de acordo com as novas regras.
Esta exigência revela as preocupações do princípio da proteção da confiança dos cidadãos, também ele princípio estruturante do Estado de direito democrático, refletidas na vertente do princípio da legalidade, segundo o qual, a lei, numa atitude de lealdade com os seus destinatários, só deve reger para o futuro, só assim se garantindo uma relação íntegra e leal entre o cidadão e o Estado.
É neste sentido que deve ser entendida a opção do legislador constituinte de, na revisão constitucional de 1997, consagrar no artigo 103.º, n.º 3, a regra da proibição da retroatividade da lei fiscal desfavorável. Com esta alteração constitucional não se visou explicitar uma simples refração do princípio geral da proteção da confiança dos cidadãos, inerente a toda a atividade do Estado de direito democrático, mas sim expressar uma regra absoluta de definição do âmbito de validade temporal das leis criadoras ou agravadoras de impostos, prevenindo, assim, a existência de um perigo abstrato de grave violação daquela confiança.
O Tribunal Constitucional tem vindo a seguir o entendimento que esta proibição da retroatividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei (v.g. acórdãos n.º 128/2009, 85/2010 e 399/2010, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).” (grifados nossos)
Sufragando este tribunal arbitral, como supra se referiu, o entendimento do Tribunal Constitucional vindo de citar, à luz dos princípios orientadores de tal jurisprudência constitucional que sobre a interpretação do n.º 3 do artigo 103º da CRP versa, impõe concluir-se inexistir qualquer vício que atente contra a referida norma constitucional em apreciação.
Tendo presente o que já de expendeu sobre a matéria de inscrição e avaliação do prédio omisso a que foi sujeito o prédio urbano objeto dos atos tributários arbitralmente sindicados, importa relevar que tal avaliação foi concretizada com base em norma jurídica cuja entrada em vigor ocorreu em momento anterior ao facto gerador do imposto em apreço nestes autos.
Aliás, a este respeito, a Requerente nada aduz em sentido inverso, isto é, não sustenta a retroatividade na aplicação in casu de um qualquer normativo, seja em matéria de inscrição do prédio, seja de avaliação ou mesmo em matéria de liquidação, cujo essencial do respetivo regime aplicável e concretamente aplicado tenha decorrido da aplicação de preceito temporalmente posterior ao ano mais antigo a que respeitam as liquidações aqui postas em crise, ou seja, que sejam posteriores ao ano de 2019.
Isto é, a aplicação do regime e procedimento assente na aplicação do n.º 3 do artigo 113º e do n.º 1 do artigo 116º, ambos do CIMI, com o enquadramento temporal decorrente da limitação de 4 anos para efeitos de liquidação imposta pelo artigos 45º, n.º 1 e 4 da LGT era preexistente ao mais antigo dos anos a que se refere o imposto liquidado – 2019 – não tendo conhecido qualquer alteração no que a tal procedimento e liquidação relativa a prédio omisso concerne.
O legislador foi sobejamente claro ao estabelecer todo o procedimento a jusante da inscrição de um prédio omisso à matriz, tendo-o feito em momento temporalmente anterior a que respeita o facto tributário relevante para cada um dos anos de imposto em causa – 31 de dezembro do ano a que o imposto respeita, por força do n.º 1 do artigo 8º do CIMI – pelo que in casu o sujeito ativo da relação jurídico-tributária se limitou a efetuar a aplicação desse mesmo regime legal, vigente não só à data da submissão da declaração Modelo 1, como também dúvidas não subsistirão quanto ao facto de tais comandos legislativos terem entrado em vigor em momento temporal manifestamente anterior à ocorrência do facto tributário mais vetusto – 2019.
Neste conspecto, o legislador deu, atempadamente, a conhecer o âmbito e alcance objetivo e temporal, nomeadamente, em matéria de liquidação de Imposto Municipal sobre os Imóveis, ao fazer expressamente prever que os prédios omissos e cuja inscrição matricial seja suscitada, terá de ser efetuada nos termos do n.º 1 do artigo 116º do CIMI, com referência ao limite temporal estabelecido nos n.º 1 e 4 do artigo 45 da LGT.
Ante o exposto, não se vislumbra existir qualquer aplicação retroativa da norma tributária, nem sequer retrospetividade, na medida em que as disposições legais convocadas no âmbito do procedimento que levou a liquidação dos tributos são temporalmente anteriores ao início do período do imposto a que se reporta a liquidação mais antiga – 2019.
Em suma, pretendendo a norma constitucional em causa proteger a confiança e as legítimas expetativas dos cidadãos, enquanto pilar do Estado de direito democrático, tais desideratos assentam em assegurar pela proibição de aplicação de normas legais posteriores à ocorrência do facto tributário relevante, na aceção da retroatividade autêntica, conforme decorre da jurisprudência do Tribunal Constitucional supra e que ora se secunda.
Ora, manifestamente que não é esse o caso dos autos, porquanto os comandos legislativos aplicáveis e aplicados quanto ao regime atinente à tributação em sede de IMI de prédio omisso são de vigência temporalmente anterior à ocorrência de qualquer um dos três factos tributários, pelo que não pode tal violação do n.º 3 do artigo 103º da CRP deixar de improceder.
4.4. Da ilegalidade dos juros compensatórios liquidados:
Peticionou ainda a Requerente, no seu PPA, a anulação dos juros compensatórios liquidados nos atos tributários de IMI ora objeto de impugnação arbitral, aduzindo que apenas má-fé ou incompetência dos serviços poderiam justificar tais juros, na medida em que se limitou sempre a agir em conformidade com as orientações administrativas da AT no que ao “conceito de prédio” diz respeito.
Não obstante, em sede de Resposta, veio a Requerida pugnar ter já ocorrido a revogação administrativa de tais juros compensatórios, assim assumindo um posicionamento de aparente convergência em matéria de ilegalidade dos mesmos.
No entanto, não menos certo é que não resulta dos autos qualquer evidência documental que sustente a mera asserção revogatória constante de tal processado, nem sequer o momento em que a mesma possa ter ocorrido, sendo certo que tal asserção (de revogação parcial) foi veiculada apenas em sede de Resposta, isto é, quando já se havia constituído este Tribunal Arbitral.
Pelo que, atento o princípio do dispositivo e continuando a vigorar na nossa lei adjetiva o princípio do pedido, de acordo com o qual o tribunal (aqui, arbitral) deve resolver qualquer conflito de interesses que a ação pressupõe desde que essa resolução lhe seja pedida (art. 3º, n.º 1 do CPC) e tendo por farol a efetividade da decisão à luz do princípio da tutela jurisdicional efetiva ínsito no n.º 4 do artigo 20º da CRP, importa apreciar tal pedido.
O n.º 1 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária, estabelece que “São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
A este respeito, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir, de entre outros, no acórdão proferido no recurso nº 12147; de 28-6-95, proferido no recurso nº 19014; de 20-3-96, proferido no recurso nº 20042; de 2-10-96, proferido no recurso nº 20605; de 18-2-98, proferido no recurso nº 22325; de 3-10-2001, proferido no recurso nº 25034; de 16-02-2005, proferido no recurso nº 1006/04; de 12-07-2005 proferido no recurso nº 12649 e de 19-11-2008, proferido no recurso nº 325/08.) que a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e que, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte e da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação (…)” [2].
Assim, a validade da liquidação de juros compensatórios “depende, da existência de culpa, a qual consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstrato (face à diligência de um bom pai de família) e que, por isso, tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência e aptidão de um bonus pater famílias (...)” (ibidem; realce acrescentado).”
Em idêntico sentido, no âmbito do contencioso tributário arbitral, diversas têm sido as decisões, como as decorrentes dos processos n.º 5/2013-T, n.º 109/2012-T, n.º 220/2013-T, n.º 675/2014-T, n.º 675/2014-T e n.º 866/2019-T, de entre outras.
Conforme decorre da matéria de facto provada – facto 2 - já anteriormente os nove elementos (8 aerogeradores e 1 subestação) que constituem atualmente o artigo ... - Parque Eólico –haviam sido inscritos na respetiva matriz predial, mas desta feita individualmente, em obediência a orientações genéricas então emanadas pela AT através do denominado direito circulatório, in casu, por via da emissão da Circular 8/2013.
Circular essa que previa no seu ponto 2. dispunha que: “ Cada aerogerador (torre eólica) e cada subestação são unidades independentes em termos funcionais, pelo que constituem prédios para efeitos do disposto no artigo 2.° do Código do IMI (CIMI).
Decorre assim da factualidade dada por provada que as liquidações a que se referem o facto 1. resultam do estrito cumprimento de tais orientações genéricas emanadas da AT.
Sucede que, por via da suscitação junto dos tribunais superiores relativamente àquele que se entendia dever ser o conceito de prédio relativamente a parques eólicos e solares, veio o Supremo Tribunal Administrativo, entre outras decisões, entretanto prolatadas, a acordar no sentido de que (e no que releva para o presente pleito):
“I - Para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis, “prédio” é toda a fração de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes com carácter de permanência (elemento físico), que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva (elemento jurídico) e que em circunstâncias normais tenha valor económico (elemento económico) – art. 2º do CIMI.
II - Um Parque Eólico estrutura-se sobre uma fração de território, que ocupa, organizando-se com variados e interligados elementos constituintes ou partes componentes (onde se destacam os aerogeradores conectados em paralelo, os postos de transformação, as linhas áreas e os cabos subterrâneas de ligação, a subestação e o centro de comando), com ligação ao solo com carácter de permanência, sendo esse conjunto de elementos imprescindível à atividade económica que se pretende desenvolver: a produção de energia elétrica, através da atividade de transformação da energia eólica, e a sua injeção no sistema elétrico de potência para venda de acordo com a tarifa regulada em Portugal, sendo essa injeção ou conexão ao sistema elétrico um dos principais parâmetros de um parque eólico.
III - Os elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico não podem, de per si, ser considerados como prédios urbanos da espécie “outros”, na medida em que não constituem partes economicamente independentes, isto é, não têm aptidão suficiente para, por si só, desenvolverem a referida atividade económica, caracterizando-se como elementos ad integrandum domum, sem autonomia económica relativamente ao todo de que fazem parte.”[3]
Assim, o entendimento vazado em tal instrução administrativa genérica era contrário àquele que veio a ser, de forma uniforme (pelo menos quanto ao), o conceito de prédio decorrente da jurisprudência dos tribunais superiores, do qual o trecho do sumário supra é exemplo revelador.
Destarte, não se pode deixar de concluir que o comportamento da Requerente se limitou a trilhar aquele que era então o entendimento de tal direito circulatório emitido pela AT.
Sucede que, por força de tais decisões judiciais, veio a AT inverter o seu entendimento quanto àquele que deveria ser o “conceito de prédio” no que diz respeito aos parques eólicos, através da emissão de uma nova instrução administrativa sobre esta temática, a Circular 2/2021, no âmbito do qual se passou a prever, entre o mais, o seguinte:
“Parque eólico, na caracterização dada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo - uma fração de território (terrestre ou marítimo) organizado e estruturado com variados e interligados elementos constituintes e partes componentes - onde se destacam os aerogeradores conectados em paralelo, um ou mais edifícios onde se localizam a(s) subestação(ões) e o centro de operação e manutenção – com ligação ao solo e com caráter de permanência, sendo todo esse conjunto de bens e equipamentos imprescindível à atividade económica em questão: atividade de transformação da energia eólica em energia elétrica, sua injeção no sistema elétrico de potência e consequente venda desta eletricidade à rede elétrica de acordo com a tarifa regulada em Portugal para o sector eólico em geral.”
Em face de tal alteração de perspetiva quanto à realidade a partir da qual se deveriam qualificar determinados elementos como “prédio” para efeitos tributários e na sequência dos meios de defesa suscitados pela Requerente, na qual arguiu o desfasamento entre tal orientação genérica e as liquidações de IMI que haviam sido anteriormente emitidas, ainda considerando cada elemento (aerogerador ou subestação) como um prédio, veio a AT, em data que não se consegue exatamente precisar, eliminar tais nove prédios da matriz e a revogar as respetivas liquidações de IMI que sobre tal conjunto de prédios recaiu.
Ora, considerando que o comportamento tributário da Requerente foi sempre alinhado com as orientações genéricas então vigentes (Circular 8/2013), falta de diligência alguma pode ser assacada a esta, antes decorrendo da incorreta interpretação pela AT daquele que à luz da jurisprudência dos tribunais superiores deveria ser considerada a realidade suscetível de configurar “prédio”.
Neste conspecto, à míngua de acervo probatório relativo a uma ou mais datas exatas em que tal eliminação da matriz dos nove prédios teve lugar, não é possível aferir do eventual cumprimento ou não pela Requerente do prazo de 60 dias a que alude o n.º 1 do artigo 13º do CIMI, face à data em que tal realidade predial veio a ser inscrita na matriz, essa conhecida e que teve lugar através da declaração Modelo 1 de IMI, submetida eletronicamente em 28.09.2022.
Sucede porém, que nos autos que ora se apreciam, inexiste qualquer elemento documental do qual decorram, ainda que sumariamente, as razões pelas quais são devidos juros compensatórios, idêntica omissão da AT se verificando quanto ao explicitar sobre a partir de que data a Requerente deveria ter procedido à inscrição do prédio.
Igualmente, a AT é omissa quanto a qualquer culpa (entendida como omissão da diligência devida) da Requerente que pudesse estar na origem do suposto atraso nas liquidações de IMI e muito menos procedendo à demonstração dessa mesma culpa.
A AT quedou-se assim pela mera exigência «automática» de juros compensatórios, sem demonstrar quaisquer factos constitutivos do direito à sua liquidação sendo certo que a fundamentação externalizada é absolutamente insuficiente para concluir pela existência de um nexo de causalidade entre a atuação da Requerente e o atraso nas liquidações em causa, não evidenciando, nem sequer a título de negligência, a razão de ser de tal cifra feita constar em cada um dos atos tributários de IMI em apreço, de onde não pode deixar de se reconhecer a ilegalidade da sua liquidação.
4.5. Dos Juros indemnizatórios e restituição do valor indevidamente pago:
A Requerente requereu, por último, no âmbito do seu PPA, o reembolso do valor indevidamente satisfeito e ainda o pagamento de juros indemnizatórios.
Em face da solução conferida aos atos tributários de IMI liquidados e ora em causa, os quais não merecem censura, pela sua conformidade ao quadro legal aplicável, prejudicado está o direito à restituição do imposto pago e bem assim à perceção dos requeridos juros indemnizatórios.
No entanto e como igualmente se firmou no ponto anterior, a liquidação de juros compensatórios nos versados atos tributários carece de sustentação legal, pelo que quanto a estes impõe-se conhecer sobre tal peticionado direito pela Requerente formulado nesta matéria.
Nos termos do n.º 1 do artigo 43º da LGT: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Sendo que nos termos do n.º 2 do referido normativo se considera “(…) também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”
Conforme se concluiu no ponto 4.4. verifica-se que a atuação da Requerente foi estribada justamente em orientações genéricas para o efeito emanadas da AT – inscrição matricial inicial dos nove prédios entretanto eliminados pela Administração Tributária - pelo que o retardamento das liquidações de IMI relativamente ao posteriormente criado artigo ..., não poderá deixar de ser imputado a uma incorreta interpretação por esta do quadro legal aplicável, o que, no caso em concreto passou pela adoção de um critério quanto ao “conceito de prédio” carecido de sustentação na ordem jurídico-tributária, conforme vem sendo repetidamente decidido pela jurisprudência.
Perante o exposto, tem a Requerente o direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia indevidamente liquidada a título de juros compensatórios e ainda a sobre tal indevidamente montante pago, ser reembolsada.
Os juros indemnizatórios devem ser contados, relativamente a cada pagamento, desde a data em que foi efetuado, até ao integral reembolso à Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil.
Decisão:
Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral:
-
Julgar improcedente o pedido de ilegalidade relativamente aos atos tributários de IMI de 2019, 2020 e 2021 objeto destes autos e já supra melhor identificados;
-
Julgar procedente o pedido de ilegalidade dos juros compensatórios emitidos no âmbito dos atos tributários a que respeita a alínea anterior, assim anulando a liquidação de tais juros e condenar a Requerida à restituição dos mesmos;
-
Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios sobre o montante indevidamente pago a que se refere a alínea b), nos termos dos artigos 43º e 100º da LGT;
Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 25.490,29
Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente e Requerida, na proporção de 94 % e 6 %, respetivamente, em função do respetivo decaimento vindo de aqui decidir.
Notifiquem-se as partes e oportunamente arquivem-se os autos
Lisboa, 07 de novembro de 2024.
O árbitro singular,
(Luís Sequeira)
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.
[1] Em idêntico sentido, vide António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás, in Tributação do Património, Almedina, 2015, pág. 302;
[2] Acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo em 22 de janeiro de 2014 no Processo 01490/13, disponível, como os demais arestos dos tribunais superiores referidos neste edido de pronúncia arbitral, em www.dgsi.pt
[3] Acórdão do STA, no âmbito do processo n.º 0140/15, de 15.03.2017, disponível em www.dgsi.pt