Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 255/2024-T
Data da decisão: 2024-11-01  IVA  
Valor do pedido: € 14.153,77
Tema: IVA-Taxa reduzida-Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA- Reabilitação Urbana, desnecessidade de prévia aprovação de ORU.
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SUMÁRIO:

(i) São requisitos de aplicabilidade da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA; (a) empreitada de reabilitação urbana; (b) localização em áreas de reabilitação urbana delimitadas nos termos legais.

 

(ii) O legislador não previu, que para a aplicabilidade da taxa reduzida de IVA, de 6%, mencionada na supracitada verba, a necessidade da prévia aprovação de uma operação de reabilitação urbana (ORU) para o território em causa.

 

DECISÃO

I.RELATÓRIO

 

1. A..., LDA, pessoa coletiva nº..., com sede na ..., nº ..., ...-... ... (doravante designada por Requerente ou sujeito passivo) apresentou em 2024-02-22 pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2.º e artigo 10.º, nº 1 e 2, ambos do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro, (doravante designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida ou AT), com vista à declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa, e das liquidações adicionais de IVA nº ... de 2023-03-10, referente ao período de 2112T, no total de 2.050.88€, e nº..., referente ao período de 2203T no total de 12.102,89€.

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite em 2024-02-26, pelo Exmo. Senhor, Presidente do CAAD, e notificada à Requerida em 2024-02-29.

 

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificada às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário, que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

4.Em 2024-04-15 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, nº 1 alíneas a e b) na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

5. O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2024-05-07, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/ 2012, de 31 de Dezembro.

 

6. Devidamente notificada para tanto, a Requerida apresentou a sua resposta e o processo administrativo em 2024-06-12.

7.A Requerente apresentou em 2024-07-04 alegações escritas, onde fundamentalmente reitera e reforça o constante das suas peças processuais, procedendo ainda, à indicação da jurisprudência em abono da sua tese, concretamente jurisprudência do CAAD.

8. A AT não apresentou alegações escritas.

9. A fundamentar o seu pedido, o Requerente invoca em síntese, e com relevo para o que aqui importa, o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição):

10”. “Ora ao contrário do pressuposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), do DL 307/2009, de 23/10, não decorre que estamos perante uma reabilitação urbana apenas quando se verificar a aprovação de 2 requisitos/ instrumentos: ARU e ORU. ( Cfr., artigo 9º do pedido de pronúncia arbitral),

10.1 Outrossim, do mesmo regime legal advém que, para estarmos perante uma “empreitada de reabilitação urbana tal como definida em diploma específico”, é bastante que se trate comprovadamente de uma empreitada localizada numa ARU- como se demonstrou provou in casu, conforme decorre dos relatórios inspectivos ( cfr. docs.4 e 5) (Cfr., artigo 10.º do pedido de pronúncia arbitral),

10.2 De facto, contrariamente ao entendimento da AT, daquele regime legal não decorre que a reabilitação urbana depende ou está condicionada à aprovação da operação de reabilitação urbana (ORU) a desenvolver na ARU, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana. (Cfr., artigo 11º do pedido de pronúncia arbitral),

10.3Tanto assim é que, no caso concreto, foi determinada e aprovada uma ARU sem existir (segundo a AT) qualquer ORU. (Cfr., artigo 12.º do pedido de pronúncia arbitral),

10.4 Com efeito, daquele regime legal não se extrai que cada ARU corresponda necessariamente uma ORU, muito menos que, uma vez aprovada a ARU, esta caduca se, no prazo de três anos, não tiver sido aprovada a ORU correspondente. (Cfr., artigo 13.º do pedido de pronúncia arbitral),

10.5 Basta constatar que a ARU em causa foi definida e aprovada pela CM do Porto há vários anos e continua a substituir para todos os efeitos legais, como é notário e do conhecimento público ( Cfr., artigo 14º do pedido de pronúncia arbitral),

 

11. A Requerente juntou em anexo com o documento 5, uma declaração da Direção Municipal do Urbanismo, identificado com o nº do processo.../18/ CMP, declaração essa de localização em ARU, onde, para além do mais, e com relevo, consta o seguinte:

Assunto: Declaração de localização em ARU

Para efeitos de benefícios fiscais (aplicação da taxa reduzida de 6% prevista na verba 2.23 da Lista I anexo ao CIVA), declara-se que o prédio localizado na Rua ..., nº ... da União das Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. colau e Vitória, insere-se na ARU da Baixa com delimitação aprovada nos termos do previsto pelo artigo 13º do RJRU”.

12. A AT devidamente notificada para o efeito, através do despacho arbitral de 2024-05-07, apresentou tempestivamente a sua resposta, pugnando pela inexistência de qualquer ilegalidade relativa às liquidações de IVA aqui em crise, concluindo, consequentemente, pela improcedência do pedido formulado pelo Requerente.

13. Alega assim, em brevíssima síntese, em defesa da sua posição, e para o que aqui releva, que a exclusão da aplicação da taxa reduzida de IVA, à taxa de 6%(…) “Para que seja uma empreitada de reabilitação urbana, “ tal como definida em diploma especifico, não é suficiente que esteja em causa uma empreitada localizada numa ARU, pois de acordo com a alínea b), do nº 1, do art.º 7 do RJUR, a reabilitação urbana resulta da aprovação da operação de reabilitação urbana ( ORU) a desenvolver nas ARU, através de um instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana, logo, para a aplicação daquela verba, constitui condição necessária que o imóvel se encontre localizada numa ARU delimitada nos termos legais, situação que, no caso em apreço foi declarada pela Câmara Municipal do Porto e se considera comfirmada.

14. Contudo, a localização de um prédio numa ARU não constituí, por si só, condição bastante para se afirmar que as operações sobre ele efetuadas se subsumem no conceito de reabilitação urbana, e consequentemente, possa beneficiar da aplicação da taxa reduzida do imposto. É igualmente necessária a aprovação da correspondente ORU.( Cfr, artigo 11º da Resposta),

15. Conclui a AT, que “(…) deve o presente ppa ser julgado improcedente por não provado, com todas as consequências legais, nomeadamente, a absolvição da requerida do pedido.

16. O tribunal singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído, nos termos do disposto nos artigos 2º, nº1, alínea a), 5.º, 6.º do RJAT.

17. A acção é tempestiva, tendo o pedido de constituição do tribunal arbitral sido apresentado no prazo previsto no artigo 10.º nº 1 do RJAT. 

18. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15 do Código do Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29.º n1, alínea a) do RJAT.

19. O processo não enferma de quaisquer nulidades, não tendo sido suscitadas quaisquer expecções, inexistindo qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

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II. FUNDAMENTAÇÃO

A.MATÉRIA DE FACTO

A.1 Factos dados como provados

Perante os factos aportados ao processo, da factualidade aceite pelas partes, do processo administrativo, dos documentos juntos, e com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas, constituída em 2018-08-02, composta por um único sócio, com o capital social de 5000€, sendo titular do capital, o sujeito passivo (adiante designada por Requerente): B.... (Cfr., Relatório de inspeção com o nº 012023...);
  2. O objecto social da Requerente é a construção civil em todos os seus domínios e atividades conexas, prestação de serviços de engenharia e técnicas afins, nomeadamente certificações energéticas, compra, venda, e arrendamento de bens imobiliários; atividades imobiliárias por conta de outrem como mediação, avaliação e administração tributária, e que se dedica à prestação de serviços de construção civil a terceiros( Cfr., Relatório de inspeção com o nº 012023...);
  3. A Requerente está enquadrado no regime normal de IVA, com periocidade trimestral, e tem vindo a entregar com regularidade e atempadamente as declarações periódicas de IVA (Cfr, Relatório de inspeção com o nº 012023...);
  4. No decurso da sua atividade de prestação de serviços de construção civil, a Requerente efetuou obras de reconstrução e reabilitação do prédio localizado na Rua ... nº ... no Porto, União de Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória.
  5. A. Requerente emitiu as respectivas facturas com IVA e 6%.
  6. O imóvel reabilitado, supra identificado, insere-se numa área de reabilitação urbana (ARU) da baixa, com delimitação aprovada nos termos definidos pela Câmara Municipal do Porto- Direcção Municipal do Urbanismo, (Cfr., consta do documento 5 identificado pelos serviços camarários com o nº de Processo .../18/ CMP)

 

  1. No local acima identificado, “(…)verifica-se ainda que para o local  existe o processo de licenciamento de obras nº P/.../18/CMP de obras de ampliação e alteração, em curso, com alvará de licenciamento de obras de ampliação/ alteração NUD/.../2020/CMP, sendo que as obras em questão inserem-se no conceito de reabilitação urbana nos termos da alínea j), do artigo 2º do Regime Jurídico  da Reabilitação Urbana, que define uma forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, mantendo-se o todo ou parte substancial do existente, requalificando os sistemas de infraestruturas urbanas, equipamentos e espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios. A intervenção concorre simultaneamente para os objetivos traçados para a ARU da baixa, na medida em que se trata de uma intervenção que revitaliza substancialmente o existente, dinamizando o espaço urbano e acrescentando valor ao património edificado, nos termos previstos no RJRU, na sua atual redação (Cfr., documento junto ao processo e identificado com o nº NUD.../2024/CMP);
  2. O pedido de licenciamento de obras das obras de alteração e ampliação para o prédio identificado, deu entrada no Município do Porto, através de Requerimento com o nº.../18/CMP em 03-09-20218.

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, desenvolveu duas ações inspetivas internas à Requerente, identificados nos relatórios de inspeção (RIT) com os números: 0I2023... e 0I2023..., e relativos aos exercícios de 2021 e 2022 sucessivamente.

 

  1. Constando de ambos os RIT(s) que o motivo da inspeção se deveu à aplicação incorreta do imposto (IVA), à taxa reduzida de 6%, relativo a prestações de serviços de construção efetuadas.

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira propôs à Requerente, no exercício/ ano de 2021, uma correção ao IVA de 2.050,88€.

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, propôs ao Requerente, no exercício/ ano de 2022, uma correção ao IVA de 12.202,89€

 

  1. Totalizando as liquidações adicionais de IVA o montante de 14.153,77€.

 

  1. Em 2023-07-24, o Requerente apresentou reclamação graciosa junto do serviço de finanças de Braga- Serviço de Finanças de ..., peticionando  a anulação das liquidações/ correcções adicionais de IVA, no montante de €14.153.77, tendo a mesma sido tacitamente indeferida.

 

  1. Não se conformando com o indeferimento da reclamação graciosa, nem com as liquidações adicionais de IVA, o Requerente apresentou ao Centro de Arbitragem Administrativa e Tributária, o pedido de pronúncia arbitral em 2024-02-22, que deu origem ao presente processo.

 

A.2 Factos dados como não provados e Fundamentação da decisão da matéria de Facto

 

Com relevo para a decisão inexistem factos que devam considerar-se como não provados.

A matéria dada como provada, assenta nos documentos juntos pela Requerente e do processo administrativo junto.

 

A.3 Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [( cfr. art. 123º, nº2 do  CPPT, e nº 3 do artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis, ex vi, artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)].

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções da (s) questão (ões) de direito. (cfr. artigo 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 29º nº1 alínea e) do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental junta aos autos, o PA anexo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

Não se deram como provados, nem como não provados, as alegações produzidas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações conclusivas, insusceptíveis de prova, e cuja veracidade se terá que aferir em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.

 

B.DO DIREITO

 

A questão que é objeto do presente processo, reconduz-se à aplicabilidade da taxa de IVA reduzida, de 6%, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 18.º do Código do IVA, conjugada com a verba 2.23 da lista I anexa ao mesmo Código, às empreitadas de reabilitação urbana, e saber em que medida é necessária a aprovação da operação de reabilitação urbana, enquanto requisito de aplicabilidade do regime legal existente.

 

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Importa por ora, ainda que de forma sinóptica, traçar o enquadramento jurídico relativo à matéria objeto dos presentes autos.

Assim, determina o CIVA, na alínea a) do nº 1 do art.º 18:

“(…) As taxas do imposto são as seguintes:

Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6%;(…)”.

 

Por outro lado, tal disposição deve ser conjugada com a Lista I anexa ao CIVA, constando da verba 2.23, o seguinte:

“As empreitadas de reabilitação de edifícios e as empreitadas de construção ou reabilitação de equipamentos de utilização coletiva de natureza pública, localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou realizadas no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.”

 

Vejamos de acordo com o referido normativo, quais os requisitos para aplicabilidade da taxa reduzida de IVA:

  1. A existência de uma empreitada de reabilitação urbana
  2. Localizada em área de reabilitação urbana delimitada nos termos legais, e que consta de diploma próprio, concretamente o DL nº 307/2009, de 23 de Outubro ( ressalvadas as alterações introduzidas com o DL nº 10/2024, de 8 de Janeiro.)

 

Neste sentido, e conforme refere Clotilde Celorico Palma[1], (…) “face ao transcrito resultam, como condições para subsunção à referida previsão normativa:

  1. Tratar-se de uma empreitada de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico.
  2. Deve, a empreitada de reabilitação urbana, localizar-se em área de reabilitação urbana (…) delimitada nos termos legais.
  3. Deve, a empreitada de reabilitação urbana, realizar-se no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.

Verificados os referidos pressupostos- a operação em causa referir-se a uma empreitada sobre o imóvel situado em zona delimitada pelo município como área de reabilitação urbana e consistir numa obra de reabilitação realizada no âmbito e nos termos do RJRU, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional-, é de aplicar o disposto na referida verba, que determina a aplicação da taxa reduzida de 6% do IVA.

Ora, para o efeito, interessa desde logo analisar o conceito de “empreitada”. Na ausência de uma definição de empreitada no ordenamento jurídico fiscal, vale, de harmonia com o artigo 11.º, nº 2 da Lei Geral Tributária ( LGT), a noção acolhida no artigo 1207.º do Código Civil, segundo o qual, é “ o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”, entendendo-se por “ obra”, como vimos, todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis. Esta noção é secundada pela AT que, no & 9 da ficha doutrinária no Processo nº 13835, entende ser “essencial, portanto, que o mesmo (contrato de empreitada) tenha por objeto a realização de uma obra, feita segundo determinadas condições, por um preço previamente estipulado, um trabalho ajustado globalmente e não consoante o trabalho diário.”

Por outo lado, devemos ainda apurar o conceito de “reabilitação urbana”. Ora, para o efeito deve ser convocado o Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro, que aprovou o Regime Jurídico de Reabilitação Urbana.

Deste modo, atualmente, às empreitadas de reabilitação urbana, nos termos preceituados, em diploma específico concernente a este tipo de reabilitação, executadas em imóveis situados em áreas de reabilitação urbana legalmente tituladas e delimitadas ou realizadas no âmbito de operações de requalificação urbana de reconhecido interesse público nacional- também neste caso com inequívoca titulação e delimitação dos empreendimentos em causa- pode ser aplicada a taxa reduzida de IVA ao abrigo do disposto na verba 2.23 da lista 8 anexa ao CIVA, em conjugação com o disposto na alínea a) do nº1 do artigo 18.º do CIVA, ou seja a taxa reduzida de IVA de 6%.

Contudo, os meros fornecimentos de bens (ainda que envolvam a respetiva instalação) e / ou serviços não incluídos nas respetivas empreitadas, serão tributados à taxa normal, desde que não enquadráveis em qualquer das Listas anexas ao Código do IVA.[2]

Podem, por conseguinte, beneficiar da taxa reduzida de IVA, as empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas:

  1. Em imóveis ou espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais; ou
  2.  No âmbito de operações de requalificação, e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.

Como vimos, a principal condição para que possa ser aplica a taxa reduzida às empreitadas de reabilitação urbana, nos termos da referida verba 2.23, é que os imóveis estejam localizados em áreas de reabilitação urbana legalmente delimitadas.

Note-se que nem o empreiteiro nem o dono da obra, necessitam de adotar qualquer procedimento para efeitos de aplicação da taxa reduzida de IVA às empreitadas enquadráveis na mencionada verba 2.23, bastando, para o efeito, que se encontrem reunidos os requisitos constantes daquele normativo (…)”

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Afigura-se a este tribunal como claro, que o dissenso entre as partes, reside precisamente, e apenas, no relevo a atribuir à necessidade de aprovação prévia da operação de reabilitação urbana, enquanto condição legalmente exigida, e conforme defende a AT, para a aplicabilidade da taxa de IVA reduzida de 6% à empreitada contida numa área de reabilitação urbana (adiante designada de ARU).

 

No caso dos autos, a Requerente defende que;

“(…) do DL 307/2009, de 23/10, não decorre que estamos perante uma reabilitação urbana apenas quando se verificar a aprovação de 2 requisitos / instrumentos: ARU e ORU.

Outrossim, do mesmo regime legal, advém que, para estarmos perante uma “empreitada de reabilitação urbana tal como definida em diploma específico”, é bastante que se trate comprovadamente de uma empreitada localizada numa ARU- como se demonstrou e provou in casu, conforme decorre dos relatórios inspetivos[3]

De facto, contrariamente ao entendimento da AT, daquele regime legal não decorre que a reabilitação urbana depende ou está condicionada à aprovação da operação de reabilitação urbana (ORU) a desenvolver na ARU, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.

Tanto assim é que, no caso em concreto, foi determinada e aprovada uma ARU, sem existir segundo a AT qualquer ORU.

Com efeito, daquele regime legal não se extrai que a cada ARU corresponda necessariamente uma ORU, muito menos que, uma vez aprovada a ARU, esta caduca se, no prazo de três anos, não tiver aprovada a ORU correspondente. (…)”.

 

Por seu turno, e na perspetiva da AT;

(…) “Para que seja uma empreitada de reabilitação urbana, “tal como definida em diploma específico”, não é suficiente que esteja em causa uma empreitada localizada numa ARU, pois de acordo com a alínea b), do nº 1, do art.º 7.º, do RJRU, a reabilitação urbana resulta da aprovação da operação de reabilitação urbana (ORU) a desenvolver nas ARU, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.

Logo, para aplicação daquela verba, constitui condição necessária que o imóvel se encontre localizado numa ARU delimitada nos termos legais, situação que no caso em apreço, foi declarada pela Câmara Municipal do Porto, e se considera confirmada.

Contudo, a localização de um prédio numa ARU, não constitui, por si só, condição bastante para se afirmar que as operações sobre ele efectuadas se subsumem no conceito de reabilitação urbana, e consequentemente possa beneficiar da aplicação da taxa reduzida do imposto. É igualmente necessária a aprovação da correspondente ORU.

Nos casos em apreço, não ficou demonstrado que as obras cumprissem todos os requisitos, porquanto, se desconhece que o Município do Porto tenha aprovada uma ORU para a ARU da Baixa.

Recorde-se que, qualquer ORU, depois de aprovada, é enviada para publicação através de Aviso na 2ª. Série do Diário da República (DR) e divulgada na página eletrónica do município, com remessa, em simultâneo, ao Instituto da Habilitação e Reabilitação Urbana, I.P., por meios eletrónicos. Após pesquisa nos referidos meios de divulgação, não foi encontrada qualquer referência a tal (…)”[4]

 

Vejamos se assim é:

 

Analisando os normativos que regulam a matéria objeto do litígio, não decorre nem do Regime Jurídico de Reabilitação Urbana, nem da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, a necessidade da prévia aprovação da ORU, para que o Requerente possa beneficiar da taxa de IVA reduzida de 6%.

 

Isto posto:

 

Por razões de economia processual, e fundamentalmente, tendo em vista a uniformidade da jurisprudência (artigo 8º, nº 3 do Código Civil), proceder-se-á nesta sede, data venia, à remissão (com as eventuais e necessárias adaptações) para a Decisão proferida sob a égide do CAAD nº 947/2023-T, de 27 de Junho, (Rui Duarte Morais, Raquel Montes Fernandes, António Pragal Colaço):

 

(…) Em jeito de introdução, cumpre esclarecer que, perante uma redação estável da mencionada verba 2.23 desde 2009 até 2023, a AT foi adotando vários requisitos adicionais de interpretação desta norma que não decorrem do seu elemento literal, em particular, a posse de declaração de localização em ARU emitida pelo município competente, o licenciamento ou comunicação prévia da obra[5], ou mais recentemente, a prévia aprovação de uma ORU para determinado território. No caso em apreço, é este último requisito que está em análise, mas mesmo neste âmbito o entendimento da AT tem evoluído, porquanto começou por aceitar a aplicação da taxa reduzida de IVA quando o respetivo município atestasse que o projeto em causa consubstanciava uma operação de reabilitação urbana,[6] mas nos presentes autos, em que tal certificação existe (como resulta dos factos provados), argumenta ainda a necessidade de uma prévia aprovação da respetiva ORU.

 

A verba 2.23 da Lista I remete, como vimos, para o conceito de «reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico», pelo que este conceito tem de ser preenchido por recurso ao diploma específico em causa, a saber, o Regime Jurídico de Reabilitação Urbana, aprovado pelo Decreto-Lei N.º 307/2009, de 23 de Outubro (RJRU).

 

O RJRU contém um conjunto extenso de normas reguladoras e funcionais, que pretendem garantir intervenções urbanísticas alinhadas com os objetivos e os créditos de reabilitação definidos por cada município para o seu território. Para o efeito, as entidades municipais recorrem a instrumentos legais como a delimitação da zona de reabilitação urbana (ARU), a definição de operações de reabilitação urbana (ORU) e a emissão de licenças de construção que conformam projetos de obra, os quais, no essencial, servem propósitos de natureza urbanística.

 

No que respeita ao plano fiscal, o legislador optou por fazer remissões específicas, e não gerais, da verba 2.23 da Lista I para a reabilitação urbana.[7] Quer na redação desta verba após a aprovação do RJRU (que é posterior à aprovação do Código do IVA), quer na redação existente na vigência do seu antecessor ( in casu, o Decreto-Lei nº.104/2004, de 7 de Maio),não se retira do texto da referida verba, uma remissão genérica para o regime de reabilitação urbana- o que teria sido uma opção legislativa válida- mas sim, o recurso a ( apenas) dois aspetos ( conceitos) específicos do RJRU:

 

  1. Quando se refere ao conceito de «reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico», a verba 2.23 remete para a definição legal de reabilitação urbana constante da alínea j) do art.º 2 do RJUR[8], a qual define reabilitação urbana como « a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário, é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infra- estruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização colectiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição de edifícios»;
  2. Quando se refere a « a imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana», remete-se para a delimitação geográfica da ARU que é efetuada por cada município, no âmbito das atribuições que lhe são conferidas pelo RJRU.

 

O legislador urbanístico previu, ainda, para cada ARU, a existência de uma ORU enquanto diploma densificador da intervenção urbana a ser realizada nesse território delimitado. A aprovação dessa ORU, de acordo com o disposto no art.15 do RJRU, pode ocorrer em simultâneo com a da ARU, ou até ao prazo limite de 3 anos após a aprovação da respetiva ARU (sob pena de caducidade desta).

 

Note-se que o referido art.º 15 do RJRU não teria razão de existir se o legislador não pretendesse que a aprovação da ARU produzisse efeitos antes da aprovação da ORU. Nesse sentido, face à adoção do mencionado art.º 15, é de concluir que a delimitação de uma área de reabilitação urbana subsiste, mesmo sem aprovação da respetiva ORU[9], e é válida e eficaz perante terceiros, até à sua (eventual) caducidade. Tal conclusão é, igualmente, suportada pelo art.º14 do RJRU, que determina que a delimitação de uma área de reabilitação urbana ( i.e., a delimitação geográfica da ARU), obriga à definição, pelo município, dos benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património ( IMT e IMI) e confere aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios compreendidos nessa área o direito de acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana.

 

Ou seja, da conjugação dos art.ºs 14 e 15 do RJRU, conclui-se que a mera delimitação da ARU- com, ou sem, a aprovação simultânea da respetiva ORU- confere determinados direitos de acesso a apoios e incentivos fiscais  e financeiros à reabilitação urbana, como o sejam os benefícios fiscais respeitantes ao IMT, ao IMI e- estende este Tribunal- à taxa reduzida de IVA da verba 2.23 da Lista I.

 

Retomando a análise da verba 2.23 da Lista I, verifica-se que em momento algum esta elenca, como requisito ou critério de aplicação da taxa reduzida de IVA, a existência de uma ORU aprovada para o território ou, sequer, refere o conceito de operação de reabilitação urbana. O que o legislador fiscal pretendeu foi conceder um benefício fiscal, sob a forma de taxa reduzida de IVA, às intervenções urbanísticas que, cumulativamente, se insiram em determinadas zonas geográficas (ARU) e que revistam determinados critérios de intervenção urbanística sobre o tecido imobiliário (critérios esses que são definidos e aferidos pelas entidades municipais, e não pela AT), que lhe permitam obter a qualificação legal de reabilitação urbana ao abrigo do RJRU.

 

No mesmo sentido se conclui em processos arbitrais anteriores, tais com os processos nº 137/2022-T e nº 603/2022-T, em que a Requerida viu recusado o argumento de que aplicação da verba 2.23 dependia de um terceiro requisito, que consistia na prévia apreciação e aprovação de um pedido de licenciamento camarário, ou no processo n.º 354/2023-T, cujo sumário refere o seguinte:

“1. A verba 2.23 da lista I Anexa ao CIVA, tem aplicação quando verificadas as seguintes condições:

 

  1. Estamos perante uma empreitada de reabilitação urbana, conforme legalmente definida;
  2.  A Empreitada de reabilitação urbana realiza-se em imóvel ou em espaços públicos localizados em Área de Reabilitação Urbana (ARU), legalmente delimitada.

(…)

  1. Para além das duas condições referidas, nem da letra, nem do espírito da Lei, resulta qualquer outra exigência para a aplicação da taxa reduzida de IVA de 6% designadamente a exigência de que a Câmara Municipal tenha que atestar que a empreitada consubstancia uma “Operação de reabilitação urbana”.”

Conforme refere Clotilde Palama no seu voto de vencido no processo 517/2023-T, para apurar se é possível conceder o beneficio fiscal da taxa reduzida de IVA bastando a exigência de uma ARU sem ORU, “ importa desde logo salientar, que, distintamente do que se verifica em sede de concessão dos benefícios a que se refere o nº4 do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais ( EBF), que podem ser mobilizados quando estejam em causa encargos suportados pelo proprietário, com a reabilitação de imóveis, localizados em áreas de reabilitação urbana e recuperados nos termos das respetivas estratégias de reabilitação e no n.5 do mesmo artigo, a verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA não utiliza, não contém, nem emprega, em nenhum momento, o conceito de “ operação de reabilitação urbana” e muito menos refere ou remete para qualquer certificação pela Câmara Municipal a “ consubstanciar “ tal operação”.

 

Também Paula Oliveira e Dulce Lopes[10] defendem que da aprovação da ARU resultam já efeitos fiscais, não dependentes, em termos de eficácia, da aprovação da respetiva ORU: “ Com a Lei nº.32/2012, de 14 de Agosto, veio permitir-se ( mas não impor-se) que a decisão complexa ( traduzida num conjunto de decisões parcelares ou preliminares anteriormente referidas) seja faseada, procedendo-se, primeiro, à identificação dos concretos limites físicos da área a sujeitar à operação de reabilitação urbana ( arts. 7.º nº 3 e 13.º), apenas depois se aprovando essa operação (art.16.º), aprovação que integrará, para além da definição do tipo de operação a realizar (simples ou sistemática), também a estratégia ou programa estratégico a prosseguir.

 

Pretendeu-se, com esta alteração, promover, o mais antecipadamente possível, em área de reabilitação urbana, a reabilitação de edifícios e frações pelos seus proprietários ( mesmo antes da aprovação da correspetiva operação de reabilitação urbana), já que a delimitação daquela área tem como efeitos a definição, pelo município, dos benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património, designadamente o imposto municipal sobre imóveis ( IMI) e o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ( IMT), nos termos da legislação aplicável, bem como a concessão aos proprietários e titulares de outros direito, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações nela compreendidos do direito de acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, nos termos estabelecidos na legislação aplicável, sem prejuízo de outros benefícios e incentivos relativos ao património cultural.

 

(…)

“Entendemos, como resultado da melhor ponderação dos vários interesses em confronto, que se pode interpretar o referido benefício constante do Código do IVA como extensível a intervenções que, estando integradas em áreas de reabilitação urbana, não prejudicam (ou potenciam) os objetivos estratégicos antecipados aquando da delimitação destas áreas.

Achamos até adequado que assim seja, na medida em que, se assim se entender, não são apenas os municípios que têm de abdicar de receitas fiscais ( já que aqueles de que estes beneficiam, IMI e IMT, têm necessariamente  de ser definidas aquando da delimitação da ARU), fazendo também impender esse “ encargo sobre o Estado”.

 

Concluem, portanto, estas Autoras, à semelhança da posição assumida por Clotilde Celorico Palma no voto de vencida acima referido, que o benefício da taxa reduzida de IVA da verba 2.23 da Lista I pode ser concebido sem existência de uma ORU previamente aprovado, posição que este Tribunal acompanha. No mesmo sentido, Daniel S. de Bobos-Radu[11] esclarece que “ assim como nada justifica que a Administração Tributária ou os Tribunais afiram se um « produto farmacêutico» ou um « estabelecimento hoteleiro», para efeitos da subsunção, respetivamente, às verbas 2.5 e 2.17 da Lista I anexa do Código do IVA, cumpre com todos os pressupostos regulatórios que lhe sejam especificamente aplicáveis por força de outros regimes também nada justifica que a Administração Tributária ou os Tribunais tomem em linha de conta, v.g., a verificação do licenciamento ou comunicação prévia, ou a aprovação da operação de reabilitação urbana, para efeitos de aplicação da verba 2.23 da referida Lista I”.

 

De facto, a exigência da AT de uma prévia aprovação da ORU para aplicação da taxa reduzida de IVA ao abrigo da verba 2.23 da lista I não encontra o mínimo suporte legal, pelo que o seu acolhimento por via de instruções administrativas violaria o princípio da legalidade tributária, máxime da tipicidade tributária, previsto no n.º 2 do artigo 103 da Constituição da República Portuguesa.[12]

 

Acresce que tem sido entendimento constante da Requerida que a entidade competente para certificar que determinado projeto se enquadra no âmbito de uma intervenção de reabilitação urbana, nos termos do RJRU, é o município onde se insere o respetivo imóvel, não competindo à AT tal juízo (conforme, aliás, refere a Requerida, no ponto 35 da pág.22 do Relatório de Inspeção, citando uma sua informação vinculativa [13].

 

No caso em concreto, a Requerente juntou com o PPA, uma declaração provinda da Direção Municipal do Urbanismo, referente à Câmara do Porto, onde certifica que para os devidos benefícios ficais, “declara-se que o prédio localizado na Rua ..., nº ..., da União das Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé Miragaia, S. Nicolau e Vitória, insere-se na ARU da baixa com delimitação aprovada nos termos do previsto pelo artigo 13º do RJRU.”[14], e ainda um outro documento emanado da Câmara Municipal do Porto, identificado com o número de processo NUP/.../2024/CMP, onde declara “ (…) que as obras em questão inserem-se no conceito de reabilitação urbana, nos termos da alínea j) do artigo 2º do Regime Jurídico da Reabilitação urbana (...)”

 

Assim sendo, resulta claro e provado, que se encontram preenchidos os requisitos para aplicabilidade da taxa reduzida de IVA de 6%, e que constam da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, que não carece de prévia aprovação da ORU.

Em face do exposto, não assiste razão à Requerida, devendo as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios sub judice, ser anuladas, por erro nos pressupostos de direito, o que constitui vicio de violação de lei e do mesmo modo declarado ilegal o acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa.

 

III.JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

De conformidade ao disposto na alínea b) do artigo 24º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão, de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária a partir do termo do prazo para o recurso ou impugnação, devendo esta nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passiva e até ao termo do prazo para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários, “restabelecer a situação que existiria se a ato tributário não tivesse sido praticado, adoptando, os actos e operações necessárias para o “efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100º da LGT, aplicável ex vi, alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, que prevê:

 

Artigo 100º

Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo

 

“A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial, ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena restituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo de execução da decisão”.

 

Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD, não fazendo menção de decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se harmoniza e conjuga com o sentido de autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”

O nº 5 do artigo 24º do RJAT ao afirmar que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deverá ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário.

Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando coloca-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efetuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

 

Perante o que vem de expor-se, e face ao sentido decisório quanto ao mérito da causa, já sinalizado, decide este tribunal arbitral singular em condenar a Requerida ao pagamento dos juros indemnizatórios que se mostram devidos nos termos legais.

 

IV. DECISÃO

 

Face ao que vem exposto, decide estre tribunal arbitral singular em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência anular o acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa, bem como os actos de liquidação de IVA, nºs ..., relativo ao período 2112T e ..., relativo ao período 2203T,
  2. Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, que se mostrem devidos até integral pagamento/reembolso,
  3. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

De conformidade ao estatuído nos artigos 296º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97º -A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 14.153,77 € (catorze mil cento e cinquenta e três euros e setenta e sete cêntimos)

 

 

VI. CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 1, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 3º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I a este anexo, fixa-se o montante de custas em 918,00 € (novecentos e dezoito euros).

 

NOTIFIQUE-SE

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131-º do Código do Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, nº 1 alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, revisto pelo árbitro.

 

[A redação da presente decisão, rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas]

 

Um de Novembro de dois mil e vinte e quatro.

 

O Árbitro

 

(J. Coutinho Pires)

 

 

 



[1] Vide, Palma, Celorico Clotilde, O conceito de reabilitação urbana para efeitos de aplicação da taxa reduzida de IVA, Revista Eletrónica de Fiscalidade da AFP ( 2023) Ano V-número 1, págs.4 a 6.

[2] Este entendimento aplica-se, aliás, a qualquer verba da Lista I anexa ao CIVA em que o contrato de empreitada seja a única modalidade contratual aí prevista, independentemente dos restantes requisitos específicos exigíveis. Está neste caso o mero fornecimento, ainda que acompanhado da respetiva instalação, p. ex., de uma cozinha, quer o adquirente seja o dono da obra, quer ser o empreiteiro.

[3] Cfr., Ver Articulados 9 ao 13 da Petição inicial.

[4] Cfr., articulado 11 da Resposta.

[5] A título de exemplo, vejam-se a Informação Vinculativa n.12432, de 08.11.2017 e a Informação Vinculativa nº 13727, de 18.06.2018. À data dos factos ora em discussão, as informações vinculativas prestadas pela AT assentavam nas seguintes conclusões, que não mencionavam qualquer exigência ao nível da aprovação prévia de uma ORU ( a título de exemplo, transcrevemos o ponto 8 da informação vinculativa nº 13727, de 18.06.2018): “a contratação  de uma empreitada geral relativa à totalidade de uma obra de reabilitação em imóvel localizado em área de reabilitação urbana ( ARU), devidamente licenciada pelo respetivo município, por concessão do respetivo alvará, é suscetível de enquadramento na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA e, beneficiar da taxa reduzida de IVA a que se refere a alínea a) do nº 1 do artigo 18 do mesmo Código, quando cumulativamente: a) O respetivo alvará de licenciamento da reabilitação, concedido pela Câmara Municipal de…, nos termos do artigo 4.º do RJUE, tenha enquadramento na alínea j) do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23/10, nomeadamente, trata-se de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, através de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios e b) A adjudicação da referida empreitada tenha por base a universalidade dos bens e serviços cuja disponibilização se afigure essencial à concretização da operação constante do respetivo alvará”.

[6]  A título de exemplo, veja-se o ponto 40 da Informação vinculativa nº21440, de 01.07.2021, que conclui que “ sempre que a “ Câmara Municipal da área em que se situa o imóvel objeto de intervenção certifique que, nos termos do citado diploma legal, o projecto: a. Está integrado numa área de reabilitação  urbana; e b. consubstancia uma operação de reabilitação urbana, ser-lhe-á, verificados que sejam os restantes condicionalismos ( nomeadamente tratar-se de uma empreitada, nos termos do artigo 1207.º do Código Civil), aplicável a taxa reduzida do imposto, a que se refere a alínea a) do nº 1 do artigo 18.º do CIVA”.

[7] No mesmo sentido, Daniel S. de Bobos- Radu conclui que “ a utilização dos conceitos de « empreitada de reabilitação urbana» e « áreas de reabilitação urbana» na citada verba 2.23 tem unicamente um valor remissivo: encontrando-se os termos já definidos nos regimes  de origem, o legislador tributário aproveita as referidas definições,, uma vez que, por razões de analogia, as mesmas, qua tale, servem o propósito subjacente à delimitação do âmbito da previsão da taxa reduzida do imposto”, Cadernos de IVA 2023, Reabilitação Urbana na aceção do IVA: nota metodológica, pp.165-166.

[8]  O objectivo da remissão legislativa constante da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA era ainda mais claro na pendência do diploma anterior ao RJRU, onde se referia que a taxa reduzida de IVA era aplicada a “empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º104/2004, de 7 de Maio”.

[9] Note-se que, mesmo na ausência de uma ORU, o município continua a ter instrumentos urbanísticos que asseguram a conformidade de determinado projeto de obra com as políticas por si definidas e pretendidas ao nível de reabilitação do seu património imobiliário ( emissão de licenças de construção, fiscalização das empreitadas, etc.), que lhe permitem evitar a existência de empreitadas que, urbanisticamente, não estão alinhadas com essas politicas e que, fiscalmente, por esse mesmo motivo, não serão merecedoras de um beneficio fiscal ( de redução de taxa), o qual se pretende atribuir a quem recupera, de determinada forma e sob determinados critérios, edificações  legalmente qualificadas como degradadas.

[10] Reabilitação urbana em ARUS sem ORUS: que o conceito de reabilitação e que benefícios fiscais em matéria de IVA”, Questões Atuais de Direito Local, nº 13, Janeiro/ Março 2017, pp.30 e 31 e 45.

[11] Cadernos IVA 2023, Reabilitação Urbana na aceção do IVA: nota metodológica, pág.165.

[12] No mesmo sentido, V. o voto de vencida de Catarina Belim no processo arbitral n. º295/2022-T.

[13] No mesmo sentido, e meramente a título de exemplo, veja-se o ponto 39 da Informação vinculativa n. º21440, de 01.07.2021, que refere que a “ A entidade competente para certificar que determinado projeto se enquadra no âmbito de uma operação de reabilitação urbana, nos termos do Decreto-lei n.º307/2009, de 23 de Outubro ( 1), é a Câmara Municipal da área onde se situa o imóvel objecto de intervenção.”.

[14] Cfr., documento 5, declaração identificada com o nº do processo 1.../18/CMP.