Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 17/2024-T
Data da decisão: 2024-11-06   Outros 
Valor do pedido: € 2.128,68
Tema: Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário. Liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 49º e 54º do TFUE.
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SUMÁRIO:

  1. O regime jurídico do ASSB, ao diferenciar as entidades residentes das entidades não residentes, não permite aos operadores económicos a livre escolha da forma jurídica apropriada para o exercício das suas actividades, violando a liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 49º e 54º do TFUE;
  2. Para que a diferença de tratamento seja compatível com o TFUE é necessário que respeite a situações que não sejam objectivamente comparáveis ou que seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

  1. RELATÓRIO:

A... S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na ..., nº ..., ..., em Lisboa, doravante simplesmente designada Requerente ou A..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (doravante ASSB) referente ao passivo apurado no ano de 2022, no valor de € 2.128,68, a anulação deste mesmo acto de autoliquidação e a consequente condenação da Requerida no reembolso à Requerente do montante pago indevidamente, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

  1. O Tribunal de Justiça da União Europeia, no acórdão proferido no processo C-340/22, deixou claro que a impossibilidade de as sucursais, em virtude da sua natureza jurídica, deduzirem capitais próprios e instrumentos equiparáveis à sua base tributável em sede de ASSB é discriminatória face às instituições de crédito residentes e às filiais de instituições não residentes;.
  2. O ASSB viola ainda o direito europeu, concretamente a liberdade de estabelecimento, prevista nos artigos 49º e 54º do TFUE;
  3. Uma medida que constitua uma violação à liberdade de estabelecimento apenas é considerada compatível com o direito da União se for justificada por uma das derrogações previstas nos artigos 52º e 65º do TFUE ou por razões imperiosas de interesse geral e se, em qualquer caso, respeitar o princípio da proporcionalidade, o que não sucede in casu.
  4. O ASSB viola a Lei de Enquadramento Orçamental, concretamente, o princípio geral da não consignação de receitas, porquanto as receitas do ASSB se destinam exclusivamente ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, não se enquadrando em nenhuma das excepções a este princípio previstas no artigo 16º nº 2 da Lei de Enquadramento Orçamental, nem tendo carácter excepcional e temporário;
  5. Viola ainda o princípio da especificação orçamental, dado que a classificação do ASSB como “impostos directos diversos” não permite identificar o tipo de tributação em causa nem a receita cobrada através deste imposto;
  6. As sucursais de instituições de crédito com sede principal e efectiva fora do território português não têm personalidade jurídica, não detendo, assim, nem capital social nem capitais ou fundos próprios;
  7. Pelo que se encontram impossibilitadas, ao contrário do que sucede com as entidades residentes, de deduzir ao seu passivo quaisquer montantes a este título;
  8. O ASSB trata as sucursais de forma discriminatória, face às entidades residentes;
  9. O ASSB viola o princípio constitucional da igualdade, não respeitando o critério da incidência sobre a totalidade dos contribuintes de forma igualitária, nem tributando de acordo com a capacidade contributiva dos contribuintes;
  10. Existem muitos outros sectores, para além do bancário, que beneficiam de isenção de IVA e aos quais não é aplicável nenhum imposto equiparável ao ASSB.

 

A Requerente juntou 11 documentos e arrolou quatro testemunhas, cuja inquirição foi dispensada por despacho devidamente notificado às partes.

Na sequência da prolação, a 21 de Dezembro de 2023, do acórdão do TJUE, no âmbito do processo C-340/22, a Requerente juntou novo requerimento e 5 documentos, devidamente notificados à Requerida.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 2 a) do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa a signatária, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral foi constituído em 12 de Março de 2024.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, invocando, em síntese, o seguinte:

  1. O ASSB não viola o direito europeu.
  2. Não se verifica qualquer discriminação das sucursais de instituições não residentes em relação às instituições residentes;
  3. O parecer junto pela Requerente não constitui meio de prova;
  4. O ASSB não viola a Lei de Enquadramento Orçamental, em nenhuma das vertentes sindicadas pela Requerente;
  5. As sucursais abrangidas pelo ASSB não se encontram impedidas de deduzir as rubricas do capital próprio ou elementos do passivo equiparáveis;
  6. Os fundos alocados às sucursais pela sede, não remunerados, que constituem o capital afecto são, por natureza, equiparados a capital próprio, pelo que não entram para o cálculo da base de incidência do ASSB;
  7. A tributação das instituições de crédito em sede de ASSB não configura qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do sector financeiro em geral;
  8. O ASSB apenas violaria o princípio da igualdade se os sectores não financeiros estivessem sujeitos a uma tributação indirecta equivalente ou, pelo menos, comparável.
  9. O ASSB respeita o princípio da capacidade contributiva, incidindo sobre o valor do passivo e dos derivados fora do balanço;

A Requerida juntou um documento e não arrolou testemunhas, tendo junto o processo administrativo.

Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, tendo sido as partes convidadas a apresentar alegações.

Em 09.07.2024, a Requerente juntou um documento, tendo a Requerida, notificada para o efeito, exercido o contraditório em relação ao mesmo.

 

II.SANEAMENTO:

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

Não existem excepções que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

 

III.MATÉRIA DE FACTO:

  1. Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é a sucursal em Portugal do B..., S.A., instituição de crédito de direito luxemburguês com sede e efectiva administração no Luxemburgo;
  2. A 27/06/2023 a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB relativo ao exercício de 2022, que incidiu sobre a média anual dos saldos finais do passivo de cada mês, tendo sido concretizada com base nos dados contabilísticos consolidados em 31/12/2022 (docs. 3 e 11);
  3. Da autoliquidação efectuada pela Requerente resultou imposto a pagar no valor de € 2.128,68, que foi pago pela Requerente (doc. 4);
  4. A Requerente deduziu reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação de ASSB relativo ao exercício de 2022 (doc. 2), a qual foi indeferida por despacho notificado à Requerente (doc. 1);
  5. O pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária e de pronúncia arbitral foi apresentado em 30/12/2023.

 

  1. Factos não provados

Com interesse para os autos, nenhum outro facto se provou.

 

  1. Fundamentação da matéria de facto

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base os elementos constantes dos autos, a prova documental junta pelas partes e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.

 

IV.DO DIREITO:

 

Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre determinar se o ASSB viola:

  1. o direito europeu, na vertente da liberdade de estabelecimento;
  2. a Lei de Enquadramento Orçamental;
  3. o princípio constitucional da igualdade, na vertente da capacidade contributiva.

O tribunal optou por começar pela análise da alegada violação do direito europeu, desde logo, porque o princípio do primado do direito europeu impõe que as violações do direito europeu assacadas ao acto impugnado sejam conhecidas previamente; por outro lado, tal impõe-se pela norma contida no artigo 124º, nº 2 do CPPT, por a eventual procedência da alegada violação do direito europeu determinar uma tutela dos interesses ofendidos de forma mais estável e eficaz.

 

Cumpre então decidir.

 

  1. Da alegada violação do direito europeu:

A Requerente por invoca que o ASSB viola a liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49º do TFUE, por prejudicar as sucursais, face às entidades residentes, uma vez que o ASSB incide sobre o passivo bruto das sucursais e sobre o passivo líquido das entidades residentes.

A Requerida opõe-se, invocando não existir qualquer violação do direito europeu, já que as sucursais têm elementos que podem ser reconhecidos como capitais próprios e que, por via disso, podem ser deduzidos à base tributável do ASSB.

Vejamos:

Na senda do que já se decidiu no acórdão do CAAD, proferido em 24.05.2024, no processo 19/2024-T, o «ASBB foi criado pelo artigo 18º da Lei nº 27-A/2020, de 24 de Julho, com o objectivo de reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo sector financeiro à que onera os demais setores.

Prescreve o artigo 2º do respectivo regime jurídico que são sujeitos passivos do ASSB:

a) As instituições de crédito com sede principal e efectiva da administração situada em território português;

b) As filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efectiva da administração em território português;

c) As sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efectiva fora do território português.

Incidindo, conforme resulta do artigo 3º do regime jurídico, sobre o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos, deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.

Quanto à sua base de incidência, prescreve o artigo 4º do respectivo regime jurídico que se entende por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com excepção dos seguintes:

a) Elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios;

b) Passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido;

c) Os depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo relevam apenas na medida do montante efectivamente coberto por esses Fundos;

d) Passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados;

e) Receitas com rendimento diferido, sem consideração das referentes a operações passivas; e

f) Passivos por activos não desreconhecidos em operações de titularização.

De acordo com a Requerente, o facto de as sucursais, não detendo personalidade jurídica (cfr. alínea rr) do artigo 2º -A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), não terem, por natureza, elementos que possam ser reconhecidos como capitais próprios e instrumentos equiparáveis que possam ser deduzidos à base tributável de ASSB é discriminatório face às instituições de crédito residentes e às filiais de instituições não residentes.

Com efeito, ao contrário do que sucede com as sucursais, as instituições de crédito residentes e as filiais de instituições não residentes detêm personalidade jurídica, pelo que podem deduzir à sua base tributável de ASSB os capitais próprios e instrumentos equiparáveis.

É certo que, como defende a Requerida, há elementos que as sucursais podem reconhecer como capitais próprios e, assim, deduzir à base tributável do ASSB. É o caso do capital afecto, caso exista.

Mas tal possibilidade não afasta a evidência de que existe um vasto conjunto de elementos que podem ser reconhecidos como capitais próprios e que as instituições de crédito residentes e as filiais não residentes podem deduzir à base tributável, o que não sucede com as sucursais, por apenas serem admitidos às entidades com personalidade jurídica. É o que sucede, por exemplo, com as obrigações convertíveis, as obrigações participantes e as ações preferenciais remíveis.

E assim sendo dúvidas não restam de que o regime jurídico do ASSB cria, de facto, uma distinção entre entidades residentes e entidades não residentes, colocando estas últimas numa situação mais desfavorável face às primeiras.

Dito isto, nos termos do artigo 49º do TFUE são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro, prescrevendo, por seu turno, o artigo 18º do mesmo Tratado a proibição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

E o regime jurídico do ASSB, conforme exposto, cria, de facto, uma restrição à liberdade de estabelecimento, na medida em que diferencia entidades residentes e não residentes, discriminando as entidades em função da sua nacionalidade.

Sobre a questão pronunciou-se o TJUE, no Acórdão C-340/22, de 21/12/2023.

É certo que este acórdão não foi proferido em sede de reenvio prejudicial no âmbito dos presentes autos, pelo que, em rigor, não se encontra este tribunal vinculado às suas conclusões.

No entanto, tal vinculação parece, no caso, evidente.

Quer porque o dito acórdão foi proferido em processo em tudo semelhante ao dos autos, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, quer em face do princípio do primado do direito comunitário, que impõe a prevalência do direito da União sobre o direito nacional.

Pelo que, por razões de uniformidade jurisprudencial, as conclusões do Acórdão do TJUE proferido no processo C-340/22 serão seguidas por este tribunal.

Assim, começou aquele TJUE por considerar que a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49º e 54º TFUE abrange, no que se refere às sociedades constituídas segundo a legislação de um Estado-Membro e que tenham a sua sede social, administração central ou estabelecimento principal na União, o direito de exercerem a sua actividade noutros Estados-Membros por intermédio de uma filial, sucursal ou agência – cfr. ponto 37.

Prossegue o acórdão referindo que o artigo 49º do TFUE deixa expressamente aos operadores económicos a possibilidade de escolherem livremente a forma jurídica apropriada para o exercício das suas actividades noutro Estado-Membro, não devendo esta livre escolha ser limitada por disposições fiscais discriminatórias – cfr. ponto 38.

No caso dos autos, parece evidente que o regime jurídico do ASSB, ao diferenciar as entidades residentes das entidades não residentes, não permite aos operadores económicos a livre escolha da forma jurídica apropriada para o exercício das suas actividades.

De acordo com o TJUE, uma cobrança obrigatória que prevê um critério de diferenciação aparentemente objectivo, mas que, na maioria dos casos desfavorece, tendo em conta as suas características, as sociedades que têm a sua sede noutro Estado-Membro e que estão numa situação comparável à das sociedades com sede no Estado-Membro de tributação constitui uma discriminação indirecta em razão do lugar da sede das sociedades, proibida pelos artigos 49º e 54º do TFUE – cfr. ponto 42 do Acórdão a que se vem de fazer referência.

Conforme resulta dos pontos 45 e 46 do referido Acórdão do TJUE, afigura-se que o regime jurídico do ASSB não permite às sucursais das instituições de crédito não residentes exercer as suas actividades nas mesmas condições que se aplicam às filiais de instituições de crédito não residentes.

Com efeito - prossegue o TJUE -, ao onerar indistintamente o passivo das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, esta regulamentação permite que as filiais reduzam a base de incidência através da dedução dos capitais próprios e dos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios, embora essa dedução pareça ser legalmente inadmissível para as referidas sucursais.

É certo que, conforme defende a Requerida, o TJUE conclui que é ao órgão jurisdicional de reenvio, in casu, este tribunal arbitral, que incumbe verificar se efectivamente as premissas que estão na base das conclusões do TJUE se encontram corretas. Isto é, é a este tribunal arbitral que incumbe verificar se de facto, ao contrário das entidades residentes e das filiais não residentes, as sucursais não residentes se encontram impedidas de deduzir ao seu passivo, base tributável do ASSB, os capitais próprios e outros instrumentos financeiros equiparáveis.

No caso dos autos, como já exposto, embora se possa defender a possibilidade de dedução, pelas sucursais não residentes, do capital afecto, tendencialmente terão muito menos possibilidades de o fazerem do que as entidades com personalidade jurídica, desde logo por lhes estar vedado, em face da ausência de personalidade jurídica, o acesso a alguns tipos de capitais próprios.

Donde não se possa defender que as sucursais de instituições não residentes podem exercer a sua actividade nas mesmas condições que as entidades residentes e as filiais de instituições não residentes.

Existe, assim, no regime jurídico do ASSB, uma diferença de tratamento entre entidades residentes e não residentes, diferença essa susceptível de limitar a livre escolha da forma jurídica adequada para o exercício de uma actividade noutro Estado-Membro, o que constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49º e 54º TFUE.

Nem se diga, como defende a Requerida, que, sendo as instituições de crédito residentes e as filiais e sucursais de instituições de crédito não residentes tratadas pelo regime jurídico do ASSB de forma idêntica, não haverá qualquer discriminação, provindo a distinção das normas de incidência do ASSB apenas e só natureza jurídica das sucursais.

Isto porque, como se defendeu no acórdão do TJUE a que se vem de fazer referência, desconsiderando o regime jurídico do ASSB as diferenças existentes entre os respectivos sujeitos passivos, decorrentes da sua natureza jurídica e as consequências daí decorrentes, verifica-se de facto uma discriminação, violadora da liberdade de estabelecimento.

Tal diferença de tratamento pode, ainda assim, ser compatível com o TFUE. Para que tal suceda, impõe-se que respeite a situações que não sejam objectivamente comparáveis ou que seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

O que, in casu, e como veremos, não sucede.

Desde logo, não resulta do regime jurídico do ASSB, para efeito da sua incidência subjetiva, qualquer distinção entre as instituições de crédito residentes e as filiais e sucursais de instituições de crédito não residentes, sendo este aplicável, transversalmente, a todas estas entidades.

O regime jurídico do ASSB não procede, para efeito da sua aplicação, a qualquer distinção entre entidades residentes e entidades não residentes, nada resultando do respectivo regime que permita concluir pela existência de qualquer distinção entre a actividade exercida por uma instituição de crédito residente e a actividade desenvolvida por uma instituição de crédito não residente, através de uma sucursal ou filial.

Por outro lado, conforme resulta expressamente do artigo 1º do regime jurídico do ASSB, este tem por objectivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo sector financeiro à que onera os demais sectores.

Ora, conforme resulta do ponto 55 do acórdão do TJUE, para que se possa defender a existência de uma razão imperiosa de interesse geral, é necessário que se demonstre a existência de um nexo directo entre a vantagem fiscal em causa e a compensação da mesma através de uma determinada cobrança fiscal.

No caso dos autos, a Requerida adiantou diversos argumentos que, no seu entender, justificam a tributação, em sede de ASSB, das instituições de crédito, alegando, desde logo, que tal tributação tem como fundamento a reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo sector financeiro e a que onera os demais sectores de actividade, atenta a isenção de IVA de que os serviços e operações financeiras beneficiam.

Mas não avançou qualquer argumento susceptível de justificar a diferença de tratamento, em sede de ASSB, entre as entidades residentes e as filiais e as sucursais não residentes, designadamente que tal diferença de tratamento se justificasse por razões imperiosas de interesse geral.

Donde, não se demonstrado nem que a diferença de tratamento respeite a situações que não sejam objectivamente comparáveis nem que seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral, terá, necessariamente, de se concluir que a diferença de tratamento, que é evidente, não é compatível com o TFUE, tal como já se decidiu no acórdão do TJUE C-340/22: “a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49º e 54º do TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito residentes, bem como das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais.”

Em face do exposto, o acto de liquidação de ASSB impugnado é considerado ilegal, por violar a liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 49º e 54º do TFUE, impondo-se, por isso, a sua anulação, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

Fica, pois, prejudicado, em face da procedência desta questão, o conhecimento das demais questões elencadas.

 

Peticiona ainda a Requerente a condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios.

Quanto aos juros indemnizatórios, prescreve o artigo 43º da LGT:

“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução.”

No caso dos autos, pese embora não se possa concluir pela existência de um erro imputável aos serviços, que em rigor apenas se limitaram a aplicar a lei em vigor à data dos factos, a verdade é que a Requerente, em face da decisão dos presentes autos e da consequente anulação da liquidação impugnada, se viu forçada a pagar um tributo em montante superior ao devido.

Assim, são devidos juros indemnizatórios, a pagar pela Requerida à Requerente, calculados sobre o imposto liquidado em montante superior a devido, calculados às taxas legais desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da correspondente nota de crédito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 61º nº 5 do CPPT.»

 

Pelo exposto, considera-se procedente o pedido formulado pela Requerente relativo à anulação do indeferimento da reclamação graciosa em apreço e consequente anulação da liquidação de ASSB impugnada, devendo, ainda, a Requerida reembolsar a Requerente do imposto indevidamente pago e pagar juros indemnizatórios, calculados sobre aquele valor, à taxa legal, desde a data do pagamento até à data da emissão da correspondente nota de crédito.

 

V.DISPOSITIVO:

 

Em face do exposto, julga-se integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, decide-se:

  1. anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada;
  2. anular a liquidação de ASSB relativa ao exercício de 2022;
  3. condenar a AT a reembolsar à Requerente o valor do imposto pago;
  4. condenar a AT no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, calculados sobre o valor indevidamente pago, às taxas legais, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da correspondente nota de crédito;
  5. Condenar a AT no pagamento das custas.

 

VI.VALOR DA CAUSA

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 2.128,68, que não foi questionado pela Requerida, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

VII.CUSTAS

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 612,00.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 6 de Novembro de 2024

 

O Árbitro,

 

Cristina Aragão Seia