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Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Pedro Nuno Ramos Roque e Dr. Jorge Carita (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 14-05-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., com o número de identificação de pessoa coletiva ... e com domicílio fiscal na ..., ..., ...-... ..., (doravante designada por “Requerente”), , apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação das liquidações adicionais de IRC n. 2022... e 2022..., referentes aos exercícios de 2016 e 2017, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022..., que daquelas liquidações apresentou.
A Requerente pede ainda juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-03-2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 23-04-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 14-05-2024.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que «não deverá ser apreciado e decidido o segmento referente ao pedido de alargamento da dotação de RFAI de 2017 no montante de €119.306,75, sob pena de excesso de pronúncia» e que deve ser julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral
Em 08-07-2024, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e por declarações de parte.
Na reunião foi decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.
Apenas a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou alegações, com o que juntou um documento.
A Requerente nada veio dizer sobre o documento junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira com as alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Importa conhecer da questão colocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativa ao não conhecimento pelo tribunal arbitral da questão «da acumulação do benefício RFAI com o Portugal 2020»
2. Questão do não conhecimento da questão da acumulação do benefício RFAI com o Portugal 2020
A Requerente defendeu, em suma, que em agosto de 2022, recebeu a decisão final do Portugal 2020, o qual determinou a isenção de reembolso no valor de € 146.034,98 (anexo 6) e que, na sequência, «deverá concluir-se e reconhecer-se que estão reunidas as condições para proceder ao recálculo do RFAI, com vista a consideração de todos os investimentos do projeto desenvolvido nestes períodos, 2016 e 2017, sendo que, para o efeito, se junta o Anexo 7, com o respetivo recálculo, do qual resulta uma correção, na dotação do RFAI, a favor do sujeito passivo, no valor de € 149.062,22».
A Autoridade Tributária e Aduaneira opõe-se ao conhecimento deste pedido porque, em, suma, esse reconhecimento não foi objecto de apreciação anteriormente, nem no processo inspectivo nem na reclamação graciosa, e no presente processo está em causa «a legalidade do ato tributário que deu origem às liquidações adicionais de IRC e correspondentes juros compensatórios relativas aos períodos de tributação de 2016 e 2017, de decorreu das correções efetuadas pela AT em resultado do procedimento de inspeção tributária efetuado àqueles períodos, ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI202100828 e OI202100829».
A arbitragem tributária foi criada pelo Governo através do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa que lhe foi concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que, no seu n.º 2, permitia criar um processo arbitral tributário que deveria constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.
No n.º 4 desse artigo 124.º estabeleceu-se que o âmbito da autorização prevista no presente artigo compreende, nomeadamente, as seguintes matérias:
a) A delimitação do objecto do processo arbitral tributário, nele podendo incluir-se os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária;
Utilizando essa autorização legislativa, o Governo estabeleceu no artigo 2.º, n.º 1, alínea A), do RJAT que «a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta».
É, assim, inequívoco que o Governo, no exercício dos poderes legislativos que exerceu ao abrigo da autorização legislativa, não utilizou todos os poderes que lhe foram concedidos, designadamente o de os tribunais arbitrais poderem reconhecer direitos ou interesses legítimos que não foram objecto de actos daqueles tipos.
No caso em apreço, a questão de saber se estão «reunidas as condições para proceder ao recálculo do RFAI, com vista a consideração de todos os investimentos do projeto desenvolvido nestes períodos, 2016 e 2017» não foi apreciada na inspecção tributária nem na reclamação, pelo que não está subjacente a qualquer das liquidações impugnadas.
De resto, o valor indicado pela Requerente é o de € 65.192,52, em que não se inclui aquele valor de € 149.062,22 cujo reconhecimento a Requerente pretende.
Assim, como bem defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, este Tribunal Arbitral não tem poderes para conhecer de tal questão.
3. Matéria de facto
Mostram os autos o seguinte com relevo para a decisão:
-
Foi efectuada uma inspecção tributária à Requerente, ao abrigo das Ordens de Serviço externas nºs OI2021... e OI2021...relativa aos exercícios de 2016 e 2017, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, em que se refere, além do mais, o seguinte:
Assim, no essencial, os investimentos elegíveis são os que, cumulativamente, cumpram as seguintes condições:
► Respeitem a investimento inicial;
► Proporcionem a criação de postos de trabalho e a sua manutenção.
Sob este enquadramento, procedeu-se à análise dos elementos solicitados ao SP justificativos das deduções efetuadas, à coleta do IRC, a coberto do RFAI, nos períodos de tributação em análise - Campo 355 (Benefícios fiscais) do Quadro 10 (Cálculo do imposto) das respetivas declarações periódicas de rendimentos Modelo 22, transpostas do Anexo D às mesmas.
A. Valores declarados pelo sujeito passivo nos anexos D das declarações modelo 22 de cada ano:
Nos anos de 2016 e 2017 o sujeito passivo registou dotações do período nos montantes de € 14.148,07 e € 79.008,79, respetivamente. No ano de 2017 esta dotação não foi deduzida na sua totalidade no próprio exercício em que foi registada, por insuficiência de coleta, tendo o saldo transitado para o exercício seguinte, conforme se demonstra no quadro seguinte:
Na sequência da notificação efetuada em 02-07-2021 (Anexo 1), o sujeito passivo remeteu através de email de 06-07-2021, em formato PDF, os dossiers de RFAI dos anos 2016 e 2017 que se juntam em Anexo 2.
Enviou também os balancetes gerais analíticos dos anos de 2016 e 2017, os extratos de conta do registo contabilístico dos ativos adquiridos nos anos de 2016 e 2017 e um mapa em PDF, com um quadro evolutivo do número de trabalhadores, com o total por meses dos anos de 2015 a 2020.
Na deslocação efetuada às instalações do sujeito passivo em 02-07-2021, foram-nos facultadas fotocópias das faturas do investimento realizado em 2016 e 2017 (Anexo 3 e 4), considerado elegível pelo sujeito passivo para efeitos de RFAI.
Dos referidos dossiers, verifica-se que o SP considerou elegíveis os seguintes montantes e enquadramento 5 numa das tipologias de investimento inicial:
Face ao supra exposto, procedeu-se à análise dos requisitos elencados no sentido de verificar se foram ou não cumpridos, considerando, desde logo, que a empresa exerce a sua atividade na área da indústria transformadora, encontrando-se coletada pelo exercício da atividade principal de “Fabricação de embalagens de plástico”, CAE "22220", e, portanto, enquadrável no conjunto de CAE's considerados elegíveis pelas sucessivas versões do RFAL,
III.1.1.1. Análise aos investimentos
Consta em ambos os dossiers remetidos pelo SP, relativamente aos anos de 2016 e 2017 que "Com base nos investimentos presentes neste projeto, à empresa tem como plano reforçar a sua capacidade produtiva no futuro. A aquisição de equipamentos dotados de características mais inovadoras ao nível de automação e
consumos, que são também uma preocupação, pois, permitem que à A... mantenha/melhore a sua competitividade no sector. Manter uma dinâmica de melhoria constante em todos os seus produtos, processos e atividades, de forma a assegurar a qualidade e manter uma relação comercial cada vez mais forte com os seus clientes, fornecedores, colaboradores e parceiros de negócio, ao mesmo tempo que contribui para a sustentabilidade ambiental, revestem o essencial da missão preconizada pela empresa”.
Consta ainda dos dossiers referidos que o investimento considerado foi iniciado em 2016, prevendo-se que termine em 2017, sendo constituído pelas seguintes aplicações relevante em cada um desses anos:
Ano 2016
Ano 2017
Importa, então, analisar se os investimentos considerados elegíveis pelo sujeito passivo constituem investimento inicial, tal como preconizado pela legislação nacional e da União Europeia.
Antes, porém, refira-se que, sendo o RFAI um benefício fiscal automático (não dependente de reconhecimento), é despoletado pela declaração do sujeito passivo em que invoca o seu direito ao mesmo, pelo que o ónus de provar o direito a usufruir deste benefício fiscal é, nos termos do n.° 1 do artigo 74.° da Lei Geral Tributária (LGT), do sujeito passivo, e passa pelo cumprimento das obrigações previstas no RFAI e na prestação dos esclarecimentos que a inspeção venha a considerar necessários face à análise.
Assim, o cumprimento das obrigações acessórias também assume especial relevância, pois dele depende o controlo eficaz da verificação dos respetivos pressupostos e da observância das condições impostas aos titulares desse direito (conforme dispõe o artigo 7.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais - EBF). Note-se que,
nos termos do n.º 2 do artigo 14.° do EBF, os benefícios fiscais extinguem-se pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário.
Daí ser imprescindível que o sujeito passivo cumpra as obrigações acessórias previstas no artigo 25.° do CFI, nomeadamente o estipulado no artigo 7.° da Portaria n.° 297/2015, de 21/09, assumindo especial importância a alínea a) do n.º 1 desse artigo. Assim, deve o sujeito passivo incluir no processo de documentação fiscal a
que se refere o artigo 130.º do CIRC a descrição do investimento inicial, indicando designadamente os objetivos, áreas de intervenção e os principais investimentos, bem como o respetivo enquadramento numa das tipologias previstas no Regime.
Não basta, por isso, uma descrição genérica dos objetivos do investimento nem discriminar investimentos "avulso" por respeitarem à aquisição de ativos isolados ou a intervenções pontuais na instalação industrial pré-existente. Impõe-se a identificação de um projeto/investimento integrado e agregador, com objetivos e área de intervenção concretamente definidos, de forma a que seja justificado, entre outros, o seu enquadramento numa das tipologias abrangidas pelo conceito de investimento inicial (também não basta dizer que visam o aumento da capacidade do estabelecimento), e os postos de trabalho proporcionados diretamente pelo investimento realizado. E. recorde-se. esta condição não se encontra cumprida.
Além disso, o RFAI pretende apenas incentivar o investimento novo e adicional que seja, simultaneamente, incremental em relação ao investimento já existente, incremental em termos de capacidade instalada (tipologia indicada pelo sujeito passivo) e incremental ainda em termos de postos de trabalho criados. Um investimento de substituição, de reposição, de mero complemento do já existente, que não satisfaça qualquer uma destas condições encontra-se, portanto, excluído do conceito de investimento inicial. Todavia, foi apenas apresentado um conjunto de aquisições de ativos, não se verificando, nem tendo sido indicada nem demonstrada, uma relação ou interligação entre todos eles que permita agregá-los num projeto único, representativo de uma estratégia global, suscetível de alcançar um dos objetivos do investimento inicial, no caso, a tipologia indicada de aumento da capacidade instalada. (alínea d) do n.º 2 do artigo 2° da Portaria 297/2015).
Nas orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional, em relação ao período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia C209/01, de 2013-07-23, consta o seguinte:
"3. APRECIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE DOS AUXÍLIOS COM FINALIDADE REGIONAL
3. 1. Princípios de apreciação comuns
(...)
26. (...) Para o efeito, a Comissão só considerará uma medida de auxilio compatível com o Tratado se cumprir cada um dos seguintes critérios:
(...)
d) Efeito de incentivo: o auxílio deve alterar o comportamento da ou das empresas em causa, de modo a que estas criem novas atividades que não teriam realizado na ausência do auxílio ou que só teriam realizado de uma forma limitada ou diferente, ou noutro local (secção 3.5);
(. ..)
3.5. Efeito de incentivo
60. Os auxílios com finalidade regional só podem ser considerados compatíveis com o mercado interno se tiverem um efeito de incentivo. Apenas existe um efeito de incentivo quando o auxílio altera o comportamento de uma empresa de um modo que a leve a exercer uma atividade adicional que contribui para o desenvolvimento de uma região, atividade que não realizaria na ausência do auxílio ou que realizaria apenas de forma limitada ou diferente ou num outro local. Os auxilias não devem subvencionar os custos de uma atividade que uma empresa teria, em todo o caso, suportado, nem compensar o risco comercial normal de uma atividade económica.
(...)
62. Se o auxilio não alterar o comportamento do beneficiário incentivando investimentos (adicionais) na região em causa, pode considerar-se que o mesmo investimento teria sido nela realizado, mesmo na ausência do auxílio. Esse auxilio carece de efeito de incentivo para alcançar o objetivo regional e não pode ser aprovado como compatível com o mercado interno." (sublinhado nosso).
Ou seja, o eventual aumento da capacidade da empresa que também provém do "normal" investimento contínuo em ativos, quer substituindo os obsoletos, quer complementando os que existem, não pode caber na definição de investimento inicial, porque os apoios que daí poderiam advir seriam claramente incompatíveis com o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). De facto, tem que haver uma separação entre investimento na manutenção das atividades pré-existentes e investimento na expansão dessas atividades, atenta a tipologia indicada de aumento da capacidade instalada. Ou, dito de outro modo, tem que haver separação entre um projeto integrado e agregador que se enquadre numa das tipologias de investimento inicial, com objetivos e área de intervenção concretamente definidos, e os constantes investimentos de substituição, manutenção e atualização exigidos por uma exploração desta natureza e dimensão, ainda que daí resultem ganhos de eficiência ou outros.
Com base nos elementos facultados pelo sujeito passivo, constata-se que todos os bens de investimento foram considerados enquadrados no âmbito da tipologia prevista no ponto ii. da alínea a) do n.° 49 do artigo 2.° do RGIC, ou seja, "aumento da capacidade de um estabelecimento existente".
Ora, em qualquer empresa enquadrada no CAE da indústria transformadora, o investimento na manutenção da instalação industrial é uma constante, quando mais não seja para complementar ou substituir peças ou equipamentos que se desgastam com a atividade normal da empresa ou que ficam obsoletos, etc. Na realidade, não é possível manter uma instalação industrial desta natureza em funcionamento, sujeita a um intenso desgaste, sem efetuar investimentos constantes e por montantes significativos na sua manutenção, para além de outros, os relacionados com a eficiência dos processos de produção existentes, com o objetivo específico de melhoria da produtividade do trabalho ou da redução dos custos, investimentos para economizar matérias-primas, energia ou mão-de-obra, investimentos que se destinem à melhoria das condições de trabalho e proteção do ambiente, muitas vezes impostos pela legislação em vigor, etc. Todavia, estes investimentos não têm enquadramento no conceito de investimento inicial.
De igual forma, e conforme já referido, também os investimentos em ativos isolados, não inseridos no âmbito de um projeto agregador com objetivo único delineado para uma das quatro tipologias da alínea a) do n.º 49 do artigo 2. 0 do RGIC não são, desde logo, passíveis de eleição para efeitos do RFAI. Acresce que, ao se tratarem de aquisições de bens ou serviços avulsos, não se configuram como investimento relevante e proporcionador da criação de postos de trabalho, conforme impõe a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI ("efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho"). Na verdade, o investimento tem de ser de tal forma relevante de modo a ser indutor da criação de postos de trabalho.
A este respeito foi emitida a ficha doutrinária n.0 2020 001469, sancionado por Despacho de 28 de maio de 2020, da Diretora de Serviços do IRC, onde é referido que:
(...) para que o investimento efetuado em aplicações relevantes seja elegível, é necessário que integre o conceito de "investimento inicial", não se considerando como aplicação relevante a "aquisição isolada" de ativos que não integrem tal conceito e, ainda, não sendo elegível como aplicação relevante o investimento na
"aquisição de equipamentos de substituição.
E, tem sido entendimento que a referida norma [alínea d) do n.º 2 do artigo 2.° da Portaria n.° 297/2015] pressupõe a existência de uma estratégia global de investimento, realidade que não se compagina com a aquisição isolada de qualquer bem do ativo."
E ainda que
"De facto, não obstante os investimentos em causa terem como objetivo comum o aumento da rentabilidade da empresa, o aumento da produtividade, redução do desperdício e modernização da empresa, entre outros, não se inseriram numa estratégia global de investimento com a finalidade de atingir o fim subjacente às tipologias do investimento indicadas: "aumento da capacidade de um estabelecimento já existente" (...)"
O investimento realizado pela A... e enquadrado como elegível para efeitos de RFAI não cumpre integralmente o anteriormente descrito. Analisando o investimento realizado em cada ano, podemos concluir que efetivamente o equipamento adquirido não seguiu a orientação de qualquer projeto de investimento integrado e efetivamente incremental em relação ao já existente, razão pela qual nem sequer foi indutor da criação de postos de trabalho, conforme relataremos no ponto seguinte.
Os investimentos considerados foram:
• Ano 2016
No ano de 2016 o sujeito passivo apresentou um conjunto de investimentos avulso e não justificado como sendo integrados em qualquer projeto de investimento inicial, e que por si só também não oferecem condições de elegibilidade, uma vez que não proporcionam o aumento da capacidade de um estabelecimento existente
e não criam por si só postos de trabalho. Correspondem a melhoramentos à equipamentos existentes, equipamentos de segurança ou material informático, investimentos de substituição, ferramentas diversas e outros bens de investimento, que se encontram disseminados por toda a instalação industrial pré-existente e relativamente aos quais não se encontra justificada nem foi observada a sua associação direta e imprescindível à uma estratégia de reestruturação visando a expansão da capacidade produtiva da empresa. Repare-se que não está em causa à necessidade de tais bens ou a sua conexão com a atividade da empresa, mas uma exigência acrescida no sentido de limitar o investimento elegível no âmbito do RFAI ao estritamente relacionado com a expansão ou ao aumento da capacidade produtiva. E os ativos identificados no quadro anterior não cumprem essa função, consubstanciando investimentos correntes justificados pela instalação industrial pré-existente na qual foram de imediato utilizados, meramente assessórios de equipamentos básicos (que inexistem na listagem anterior) ou nem isso.
Desde logo, o SP incluiu no investimento considerado elegível, para efeitos de RFAI do ano de 2016, a aquisição de vários moldes:
Os referidos moldes entraram logo em funcionamento nesse ano, uma vez que já se encontram registadas as suas depreciações à taxa de 25%, no mapa de depreciações e amortizações do ano de 2016, ou seja, os moldes adquiridos foram utilizados em máquinas de injeção já existentes na empresa, em substituição de outros que tiveram que ficar parados, uma vez que, cada máquina de injeção apenas utiliza um molde de cada vez.
Aliás, como é habitual nesta atividade e nos foi dado a perceber aquando da visita às instalações, os moldes adquiridos são utilizados em várias máquinas de injeção, sendo uma necessidade constante da atividade do sujeito passivo e existindo em número significativamente superior ao número dessas máquinas. A aquisição de moldes não deixa de corresponder a uma despesa de ativos de substituição e não a uma despesa referente a um investimento inicial, pois a sua conceção decorre de alterações de produtos. Efetivamente, a injeção de plásticos carateriza-se pela enorme diversidade de peças que é possível fabricar, bastando, para o efeito alterar
as ferramentas específicas de cada uma, ou seja, o respetivo molde. O molde, por vezes, é do próprio cliente, e quando assim não é, integra o custo específico de cada peça produzida ou é faturado ao cliente em separado.
Aliás, é prática da empresa a alienação e aquisição de novos moldes, conforme se pode verificar nos mapas de depreciações e amortizações, e mapas de mais valias e menos valias (Anexo 5).
Relativamente à aquisição de moldes, saliente-se o entendimento que consta também da ficha doutrinária da AT resultante da Informação Vinculativa Processo 2018 003941, PIV n.0 14471, sancionado por Despacho, de 12 de dezembro de 2018, da Diretora de Serviços do IRC, na qual se conclui que "o investimento na aquisição
dos "moldes" necessários à realização da atividade de exploração corrente (...), nos mesmos termos em que já vinha sendo exercida, não integra o conceito de investimento inicial e como tal, não poderá ser elegível para efeitos do benefício fiscal previstos nos art. 0 23.° do CFI"
A mesma ficha doutrinária refere que a aquisição de moldes "é uma necessidade constante e fundamental para o fabrico dos seus produtos, sendo manifesto que a aquisição dos "moldes", enquanto equipamento básico fundamental e constante ao processo de laboração normal da empresa, não estará a contribuir para "... criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente", não integrando o conceito de investimento inicial'.
É ainda de salientar, conforme já antes referido, que cada máquina de injeção só trabalha com um molde de cada vez, ou seja, se o sujeito passivo tiver ao dispor, nas suas instalações, duas máquinas de injeção, só vai estar a utilizar dois moldes de cada vez, nem que disponha de 100 moldes e continue a comprar outros mais.
De facto, os moldes são ferramentas usadas no processo de transformação, sendo necessários tantos moldes quantos os formatos das peças plásticas fabricadas. São utilizados em função das necessidades de fabrico, e, sempre, um de cada vez ou um por cada máquina. Não deixam de corresponder, por isso, a um investimento de substituição, pois a sua aquisição é uma necessidade permanente que decorre da diversidade de peças fabricadas, solicitadas pelos clientes.
No dossier de RFAI apresentado para o ano de 2016, o sujeito passivo caracteriza os investimentos considerados elegíveis para efeitos e RFAI como "Aquisição de novos equipamentos de elevada potência e qualidade, fortemente automatizado, e com uma elevada capacidade de produção e baixos consumos, permitem não só aumentar a produtividade da empresa, como também manter o nível de qualidade dos produtos que tem vindo a oferecer. Estes equipamentos vão marcar detalhadamente e com alto nível de pormenor as bases pretendidas pela empresa permitindo aumentar a automação e a velocidade do processo produtivo". (Sublinhado nosso)
Conforme acima ficou demonstrado, em 2016 não houve sequer a aquisição de novos equipamentos básicos com impacto na capacidade instalada, mas apenas de ferramentas e outros ativos acessórios, designadamente e para além dos moldes, um programa para computador, uma retificadora, um sistema de exaustão da fábrica como um todo, uma lavadora de pavimentos e uma bancada inox. Por tal motivo, os investimentos realizados pelo sujeito passivo no ano de 2016, não reúnem os requisitos para serem considerados elegíveis para efeitos de RFAI, tratando-se de aquisições isoladas que não integram o conceito de investimento inicial e em nada contribuem para o aumento da capacidade instalada.
E apesar de o sujeito passivo referir, nos dossiers apresentados, que o plano de investimentos foi iniciado em 2016 e concluído em 2017, não se verifica a necessária agregação nem foi justificada qualquer interligação entre todos esses ativos, de modo a reputá-los de um investimento inicial, necessariamente distinto e incremental em relação ao pré-existente e concretizador de uma estratégia de expansão da atividade. Com efeito, todos entraram em funcionamento à medida que iam sendo adquiridos, sem qualquer conexão uns com os outros, mas sim, com a instalação industrial pré-existente globalmente considerada.
Para além de tudo isto, o sujeito passivo falhou o critério de criação líquida de postos de trabalho no ano de 2016, conforme se relatará no capítulo seguinte.
Assim sendo, conforme se concluirá, o sujeito passivo não cumpriu as condições cumulativas impostas pelo RFAI, ou seja, que os investimentos considerados respeitem a investimento inicial e proporcionem a criação de postos de trabalho e a sua manutenção, razão pela qual, não tem direito a deduzir o beneficio fiscal apurado com base neste investimento.
• Ano 2017
Tal como para o ano anterior, o SP apresentou um conjunto de investimentos avulso não integrados em qualquer projeto de investimento inicial, e que por si só também não oferecem condições de elegibilidade, uma vez, apenas a máquina de injeção apresenta potencial para proporcionar o aumento da capacidade existente, no entanto, não passa da aquisição de um ativo isolado que não concretiza uma estratégia de reestruturação através da expansão da atividade, e um indício claro disso mesmo é o facto de não serem criados postos de trabalho. Com efeito, para além da referida máquina, na sua maioria são ou substituição de equipamentos existentes ou equipamentos complementares e de segurança da própria instalação pré-existente, tais como:
Da listagem aos bens de investimentos supra explanados, referente ao ano de 2017, importa referir, que:
• A máquina de injeção, no valor total de€ 241.929,50, é admissível como aplicação relevante, embora, isoladamente, não concretize uma efetiva e visível expansão da atividade, e além disso, o sujeito passivo não demonstrou em que medida o investimento efetuado, originou aumento da capacidade instalada, tipologia por si indicada (desconhece-se qual a capacidade instalada antes e no pós projeto - capacidade em termos de quantidades produzidas).
• Relativamente à aquisição de moldes, pelas razões já invocadas, nomeadamente pelo facto de se tratarem de uma necessidade fundamental e constante ao processo de laboração normal da empresa, não contribuem para o aumento da capacidade do estabelecimento, pelo que não integram o conceito de investimento inicial, conforme já relatado anteriormente. De facto, a injeção de plástico através da utilização de moldes, é o método mais comum para a produção de artigos em plástico, por ser um processo rápido e em grande escala, bastando a alteração ou substituição do molde para introduzir mudanças de design ou melhoramento das funcionalidades dos artigos produzidos. A utilização de um molde na nova máquina ou nas anteriores, implica que se deixe de utilizar outro, ou seja, que se deixe de produzir um produto "x" e passe a produzir um produto "y", ambos peças em plástico, podendo sempre voltar a substituir o molde e produzir novamente produto "x", "z'', etc, de acordo com o molde utilizado. Ou seja, não é o simples facto de se ter adquirido um molde que implica um aumento da capacidade de produção.
• Relativamente aos restantes bens de investimento, designadamente, a aquisição de sistema de câmaras de vigilância para substituir o anterior (que tinha menos câmaras), porta corta fogo do armazém de produtos acabados e Eurochiller (para arrefecimento das máquinas), não poderão ser elegíveis, por se tratarem de aquisições isoladas e/ou de substituição, cuja utilização é transversal a toda a instalação fabril, e logo, não enquadráveis no conceito de investimento inicial. Mas ainda que algum do investimento pudesse ser enquadrado como um investimento inicial, não existiu, quanto às aplicações antes referidas, qualquer preocupação em separar, de forma tão rigorosa quanto possível, a parte afeta ao investimento novo da parte afeta ao pré-existente, não podendo, obviamente, tal falha aproveitar ao sujeito passivo.
• Portanto e em resumo, nenhuma das aquisições de bens de investimento em 2016 e 2017 foi efectuada no âmbito de uma reestruturação da instalação fabril, ou seja, dentro de uma estratégia de expansão da atividade, antes pelo contrário, já que, todos os ativos adquiridos foram disseminados e utilizados, imediatamente à medida que foram adquiridos, no âmbito da instalação pré-existente. Não se confirma assim, que constituam um projeto de investimento integrado (único, conforme designado pelo sujeito passivo), em que se verifique uma relação de interdependência entre as aplicações reputadas de relevantes, visando o concreto objetivo de incrementar a atividade instalada, desígnio indicado, mas não demonstrado pelo sujeito passivo.
• Parte desses ativos são moldes, sendo a aquisição de moldes uma necessidade permanente do processo produtivo (são as diferentes formas do mesmo produto - peças em plástico, que sistematicamente vão sendo substituídos), outros são de substituição elou são meramente acessórios ou nada têm a ver com a função produtiva, para além de serem destinados/utilizados na instalação pré-existente (retificadora, sistema de exaustão, lavadora de pavimentos, porta corta fogo, câmaras de vigilância e Eurochiller), restando apenas uma máquina de injeção instalada no edifício fabril, que, isoladamente, não concretiza uma efetiva estratégia de reestruturação ou redimensionamento da atividade cujo risco justificaria o beneficio fiscal no âmbito do RFAI.
Assim e em relação à exigência de enquadramento num investimento inicial que aumente a capacidade do estabelecimento, esta constitui condição sine qua non de acessibilidade aos benefícios fiscais no âmbito do RFAI, que não se destinam a subsidiar os investimentos que decorrem do normal funcionamento de uma atividade industrial (manutenção das atividades pré-existentes), pelo que este pressuposto é de verificação obrigatória nas aquisições de ativos efetuadas nos anos 2016 a 2017 considerados elegíveis para a correspondente dedução à coleta. Efetivamente, tem que haver um efeito do incentivo (secção 3.5 das OAR, citado anteriormente), e não foi demonstrado nem se retira da análise efetuada, que passou pela visita às instalações e pela verificação física de todo o investimento realizado nos anos em análise, que o mesmo constitua um investimento inicial distinto e incremental em relação ao pré-existente, ou seja, um efetivo investimento de reestruturação através da expansão da capacidade instalada {tipologia indicada pelo sujeito passivo), suscetível de projetar a atividade da empresa para um patamar superior, como, de resto, também indicia a ausência de postos de trabalho adicionais, que se abordará a seguir.
De facto, para que os investimentos pudessem ser considerados elegíveis para o benefício em causa, existia uma outra condição imprescindível, ou seja, que os investimentos considerados relevantes tivessem originado a criação de postos de trabalho e a sua manutenção, critérios que também não se verificam conforme se
concluirá a seguir.
III.1.1.2. Criação de postos de trabalho
Como atrás se referiu, uma das condições, para se obter o direito ao benefício fiscal, relaciona-se com a criação de postos de trabalho, requisito sempre imposto em todas as redações do regime do RFAI.
Nos termos das disposições conjugadas das alíneas c) e f) do n.º 4 do artigo 22 do CFI, podem beneficiar do RFAI os sujeitos passivos de IRC que efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, regra geral, 3 anos para as micro ou PME, e 5 para as grandes empresas.
O RFAI constitui-se assim como uma medida ativa de apoio ao investimento e emprego, em consonância com o enquadramento europeu em que se insere, desde logo, o § 31 do preâmbulo do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que determina que "Os auxílios estatais com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável”.
Ou seja, não releva todo e qualquer investimento, mas somente o investimento que proporcione a criação de postos de trabalho específicos (que terão que se traduzir numa função específica, com conteúdo funcional específico e compatível com esse investimento, correspondendo, portanto, a uma necessidade permanente desse investimento para operar conforme pretendido), e que os postos de trabalho criados aumentem o nível de empregabilidade na empresa e na região, medido pelo aumento líquido do número de trabalhadores ao serviço da empresa.
No concerne, ao requisito da criação de postos de trabalho e a sua manutenção, embora a solução adotada para efeito de quantificação dos benefícios fiscais no âmbito do RFAI (entre as soluções permitidas pelo n.º 4 do artigo 14º do RGIC), tenha por base os custos do investimento elegível e não os custos salariais decorrentes da criação de emprego em virtude do investimento, a alínea f) do n.º 4 do artigo 22º do CFI, não deixa de exigir que o investimento proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção, até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento. E essa exigência é efetuada praticamente nos mesmos termos que resultam do n.º 9 do artigo 14° do RGIC (Regulamento n.º 651/2014 da Comissão), aplicável quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, ou seja:
"a) O projeto de investimento deve conduzir a um aumento liquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período;
.../...
c) Cada posto de trabalho criado através do investimento deve ser mantido na zona em causa durante um período mínimo de cinco anos a contar da data em que a vaga foi preenchida, ou três anos no caso de PME."
Este "aumento liquido do número de trabalhadores", também definido no § 32 do artigo 2.° do RGIC, corresponde ao conceito de "criação de postos de trabalho" ou "criação de emprego", de acordo com as Orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para 2014-2020 (OAR), publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.° C 209, de 23 de julho de 2013:
"...2 Definições
.../...
k) «Criação de emprego», um aumento liquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período do número aparente de postos de trabalho criados."
.../...
o) «Número de trabalhadores», o número de unidades de trabalho anuais (UTA), isto é, o número de assalariados a tempo inteiro durante um ano; os trabalhadores a tempo parcial ou os trabalhadores sazonais são considerados como frações de UTA;
Portanto, tal como resulta do quadro de direito europeu acima assinalado, a aferição da criação e manutenção dos postos de trabalho deve ser feita nos moldes já referidos, i.e., globalmente, pois só assim se pode afirmar que o investimento tenha sido indutor da criação de emprego, pressuposto que deve ser incremental (aumento líquido ou criação liquida).
Sendo o RFAI um auxílio com finalidade regional que prevê dotações anuais, a aferição da criação de postos de trabalho será feita por referência a 31de dezembro face à "média dos 12 meses anteriores" (dezembro de n-1a novembro de n) conforme comparativo previsto na secção do RGIC alusiva aos auxílios com finalidade regional (n.° 9 do artigo 14.° do RGIC):
"um aumento liquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período".
Acerca da condição relativa à criação de postos de trabalho proporcionada pelo investimento relevante e da sua manutenção, face ao disposto na alínea f) o n.º 4 do artigo 22° do CFI, a AT já se pronunciou no sentido de que, "apenas pode integrar o conceito de "criação de postos de trabalho" a admissão de trabalhadores através da celebração de contrato de trabalho sem termo (ou por tempo indeterminado), abrangendo a admissão de trabalhadores novos e de trabalhadores que já estivessem na empresa mas ao abrigo de um contrato com termo" (conforme S 1 da ficha doutrinária PIV n.° 818- Processo 2010 001800).
Determina ainda, atendendo ao disposto no RGIC e nas OAR, que a condição de "criação de postos de trabalho" se considera "cumprida quando, à data de 31 de Dezembro (...) se verifique um aumento líquido do número de trabalhadores relativamente à média dos 12 meses precedentes" (conforme § 2), acrescentado que "pode acontecer com admissão de um único trabalhador" (conforme§ 3).
Ora, a relevância atribuída ao vínculo contratual manifesta na Informação Vinculativa convocada, não resulta em si mesma, nem poderia, de qualquer exigência emanada das normas europeias em matéria de auxílios do Estado com finalidade regional, mas tão só da seleção da modalidade contratual, à luz da legislação laboral vigente em Portugal, que garanta que a admissão de um funcionário se destina a ocupar uma função específica diretamente criada pelo investimento e não à satisfação de necessidades temporárias da empresa. Só assim é possível distinguir, dentro das oscilações normais da força de trabalho, as que correspondem à criação de postos de trabalho proporcionadas pelo investimento relevante (funções específicas e permanentemente necessárias para que o investimento funcione), e que não podem incluir trabalhadores admitidos ao abrigo de contrato com termo, que, de acordo com o artigo 140° do Código do Trabalho, só pode ser celebrado para satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas mesmas necessidades.
Em síntese, a condição relativa à criação de postos de trabalho proporcionada pelo investimento relevante e à sua manutenção, face ao disposto na alínea f) o n.º 4 do artigo 22° do CFI, tem que ser cumprida "à custa" de contratos de trabalho sem termo, e os postos de trabalho criados (criar é incrementar em relação ao existente) têm que garantir um acréscimo efetivo do número global de trabalhadores admitidos na empresa em determinado período, salvaguardando assim os valores subjacentes aos auxílios com finalidade regional, nos quais se inscreve o RFAI, designadamente, no § 31 dos considerandos do RGIC:
"Os auxílios com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável."
Em resposta ao ponto II da notificação efetuada em 02-07-2021 (Anexo 1), que se transcreve: "Tendo em vista a confirmação da "criação líquida de postos de trabalho e sua manutenção", solicita-se o envio de um quadro evolutivo do número de trabalhadores no final de cada um dos meses de Dez 2015 até Dez 2020, distribuídos por tipologia de contrato (sem termo e com termo), ou outras situações, de modo a mencionar o número total de trabalhadores em cada um dos meses, uma vez que o aumento liquido/manutenção de postos de trabalho é medido em função do número global de trabalhadores da entidade, a 31 de dezembro, face à média dos 12 meses anteriores, onde se encontrem evidenciadas as entradas e saídas desse mês.", o sujeito passivo enviou o seguinte mapa
Verificando-se que o mapa enviado não continha 0s elementos solicitados, foi novamente solicitado ao sujeito passivo através de email de 07 de julho de 2021 "mapa com à identificação de todos os colaboradores da empresa, tipo de contrato (sem termo e com termo), data de entrada, data de saída, e a sua distribuição pelos
meses de Dez 2015 a Dez 2020, sendo 05 mapas enviados através de email de 27 de julho de 2021, que se encontram em Anexo 6.
Antes de se proceder à aferição da condição de criação de postos de trabalho em cada um dos anos de 2016 e 2017 e da sua manutenção, refira-se que o sujeito passivo fez constar dos seus dossiers RFAI o cálculo da média do número global de trabalhadores (não o fez para os contratados sem termo), que não se apresenta em conformidade com o que decorre do CFI, interpretado no contexto institucional e normativo do RGIC. Com efeito, considerou à média de cada ano (janeiro a dezembro) em vez da média dos últimos 12 meses (dezembro de n-1 a novembro de n), que comparou com a média do ano precedente e não com o número existente no final do período de tributação em que realizou o investimento,
E conforme resulta do nº 9 do artigo 14º do RGIC (Regulamento nº 651/2014 da Comissão):
“a) O projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período;
De facto, a empresa manteve-se em atividade durante o período em que realizou o investimento, pelo que, haverá certamente oscilações na força de trabalho relacionadas com essa atividade, e, por tal motivo, nada justifica uma comparação com a realidade existente no ano anterior.
Ano de 2016:
Relativamente à criação de postos de trabalho, refere o sujeito passivo genericamente no ponto 2.4 do Dossier RFAI 2016:
“No que respeita à criação líquida de postos de trabalho, a A... realizou a criação líquida de 4 postos de trabalho diretamente relacionado com o investimento em causa.
Os colaboradores foram contratados em 2016 através da celebração de contrato sem termo, sendo que, segundo o contrato de trabalho assinados pelos mesmos, desenvolvem as funções de operadores de máquinas para fabrico de produtos de matérias plásticas”.
Analisados os mapas que se encontram em Anexo 6 e os contratos de trabalho celebrados em 2016 e que se encontram em Anexo 7, conclui-se que foram admitidos apenas os seguintes funcionários:
De referir que relativamente à funcionária C..., consta da cláusula terceira do contrato trabalho a termo certo: "A celebração do presente contrato é motivada pela execução da tarefa determinada precisamente definida e não duradoura, resultante da satisfação das encomendas em carteira, feitas pela D..., S.A., com uma duração prevista de 20 dias..."
E as saídas que se verificam neste ano são:
Tendo em conta os dados fornecidos pelo SP e os declarados por este nos relatórios únicos (nos termos do artigo 32° da Lei n.º 105/2009, de 14 de setembro e Portaria n.º 55/2010, de 21 de janeiro), fornecidos pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), bem como nas Declarações Mensais de Remunerações, nomeadamente nos anexos A e B de 2016 e 2017, foi possível calcular o número de trabalhadores com contratos sem termo e contratos com termo no fim de cada mês, assim como apurar a média durante os 12 meses precedentes do período n (dezembro do ano n-1 a novembro do ano n), conforme quadros infra para cada um dos anos em análise:
No quadro acima, é possível verificar, a média dos 12 meses, a qual, quando comparada com o número de trabalhadores existentes a 31 de dezembro do período n, permite aferir a ocorrência (ou não) de "aumento líquido do número de trabalhadores" em cada um dos períodos em análise.
Em 2016, o n.º global médio de trabalhadores nos 12 meses precedentes cifrou-se em 27 quando no mês de dezembro desse ano existiam 26 (menos 1), não se verificando qualquer aumento do total de trabalhadores ao serviço da empresa, não se encontrando assim cumprida a condição de criação de emprego. Relativamente aos trabalhadores com contrato sem termo, (postos de trabalho permanentes, onde teriam que se incluir os criados pelo investimento considerado relevante), não se verificou qualquer aumento, uma vez que, a média foi de 23,67 quando no mês de dezembro desse ano existiam apenas 24 (mais 0,33, inferior a uma unidade de trabalho anual). Ou seja, não se verificou sequer o aumento de um trabalhador com este vínculo (um posto de trabalho).
Assim, no que concerne ao período de 2016, além de se considerar que não existiu o aumento líquido do n.° de trabalhadores nesse ano, muito menos se verifica a criação de 4 postos de trabalho (operadores de máquinas) referidos pelo sujeito passivo no Dossier de RFAI.
Ano de 2017:
Tal como no ano de 2016, quanto à criação de postos de trabalho, refere o sujeito passivo no ponto 2.4 do Dossier RFAI 2016 "No que respeita à criação líquida de postos de trabalho, a A... realizou a criação líquida de 4 postos de trabalho diretamente relacionado com o investimento em causa.
Os colaboradores contratados em 2017 através da celebração de contrato sem termo, sendo que segundo o contrato de trabalho assinados pelos mesmos, desenvolvem as funções de operadores de máquinas para fabrico de produtos de matérias plásticas."
Analisados os mapas que se encontram em Anexo 6 e os contratos de trabalho celebrados em 2017 e que se encontram em Anexo 8, conclui-se que foram admitidos os seguintes funcionários:
E as saídas que se verificam neste ano são:
Efetuado o mesmo cálculo para aferir da eventual criação de postos de trabalho, apresentam-se os dados do ano de 2017:
Não obstante se ter verificado a contratação de 8 funcionários no ano de 2017, saíram 4, e calculando a média com base nos 12 meses precedentes (pressuposto exigido em termos de RFAI) em função das entradas e saídas desse ano, o n.° global médio de trabalhadores nos 12 meses precedentes cifrou-se em 30,75 quando no mês de dezembro desse ano existiam 31 (mais 0,25), ou seja, uma variação inferior à unidade de trabalho anual, pelo que, não se verificou o aumento de, pelo menos, um trabalhador.
Efetuada a mesma análise aos trabalhadores com contrato sem termo, (postos de trabalho permanentes, onde teriam que se incluir os criados pelo investimento considerado relevante), a média foi de 30,58 quando no mês de dezembro desse ano existiam 31, ou seja, tal como no calculo global, uma variação inferior à unidade,
pelo que, não se verificou o aumento de, pelo menos, um trabalhador.
Analisados os contratos de trabalho assinados em 2017, verifica-se que todos eles foram celebrados para a função de "Semiespecializado, com exceção do contrato da funcionária F... que foi para a função de Assistente Administrativo.
O sujeito passivo limitou-se a indicar, no ponto 2.4 dos dossiers RFAI a criação líquida de 4 postos de trabalho de operadores de máquinas em cada um dos anos de 2016 e 2017. Tendo ficado por demonstrar um pressuposto essencial da acessibilidade ao benefício do RFAI, o que se refere ao nexo de causalidade entre a realização dos investimentos com relevância e elegíveis para o benefício fiscal e a criação dos postos de trabalho identificados pelo sujeito passivo, não é possível confirmar se as oscilações verificadas na força de trabalho entre 2016 e 2017 resultaram desses investimentos ou dos pré-existentes, ou ainda, se consistem nas
oscilações normais da força de trabalho, em função do aumento da procura dos produtos produzidos, ou quaisquer outras circunstâncias. Acresce que, observada a máquina de injeção de plásticos em funcionamento aquando da visita às instalações, verificou-se que não necessita de qualquer operador em permanência, pois funciona de forma automática, não se identificando, nos restantes ativos adquiridos, necessidades permanentes de postos de trabalho para operar conforme pretendido. O objetivo de adquirir "...equipamentos dotados de caraterísticas mais inovadoras ao nível da automação e consumos ..." é manifesto logo no ponto 1.1 dos dossiers RFAI apresentados, pelo que, também por esse motivo, o impacto observado a nível do emprego seria perfeitamente negligenciável, razão pela qual, a oscilação verificada no efetivo de trabalhadores
da empresa até terá mais a ver com a atividade pré-existente do que com o investimento realizado.
III. 1.1.3. Resumo das correções
O RFAI pretende apenas incentivar o investimento adicional que seja, simultaneamente, incremental em relação ao investimento já existente, incremental em termos de capacidade instalada (tipologia indicada pelo sujeito passivo) e incremental ainda em termos de postos de trabalho criados, de forma a alcançar o objetivo de coesão subjacente aos auxílios com finalidade regional, através do apoio ao investimento e à criação de emprego num contexto sustentável. Objetivamente, teria que consubstanciar um investimento de reestruturação visando o redimensionamento da atividade através do aumento da capacidade instalada (tipologia indicada), de modo a que o benefício fiscal concretizasse o objetivo para o qual foi criado, ou seja, que se verificasse um efeito do incentivo.
Recorda-se o que consta a este propósito nas orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional, em relação ao período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia C209/01, de 2013-07-23:
"3. APRECIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE DOS AUXÍLIOS COM FINALIDADE REGIONAL
3. 1. Princípios de apreciação comuns (...)
26. (...) Para o efeito, a Comissão só considerará uma medida de auxílio compatível com o Tratado se cumprir cada um dos seguintes critérios:
(. ..)
d) Efeito de incentivo: o auxílio deve alterar o comportamento da ou das empresas em causa, de modo a que estas criem novas atividades que não teriam realizado na ausência do auxílio ou que só teriam realizado de uma forma limitada ou diferente, ou noutro local (secção 3.5);
(...)
3.5. Efeito de incentivo
60. Os auxílios com finalidade regional só podem ser considerados compatíveis com o mercado interno se tiverem um efeito de incentivo. Apenas existe um efeito de incentivo quando o auxílio altera o comportamento de uma empresa de um modo que a leve a exercer uma atividade adicional que contribui para o desenvolvimento de uma região. atividade que não realizaria na ausência do auxílio ou que realizaria apenas
de forma limitada ou diferente ou num outro local. Os auxílios não devem subvencionar os custos de uma atividade que uma empresa teria, em todo o caso, suportado, nem compensar o risco comercial normal de uma atividade económica.
(. . .)
62. Se o auxílio não alterar o comportamento do beneficiário incentivando investimentos (adicionais) na região em causa, pode considerar-se que o mesmo investimento teria sido nela realizado. mesmo na ausência do auxílio. Esse auxílio carece de efeito de incentivo para alcançar o objetivo regional e não pode ser aprovado como compatível com o mercado interno." (sublinhado nosso).
Tal como ficou dito e se reforça, o RFAI é um benefício fiscal automático (não dependente de reconhecimento), despoletado pela declaração do sujeito passivo em que invoca o seu direito ao mesmo. A inobservância das condições impostas faz extinguir o direito ao mesmo (artigo 14.°n.s 1e 2 EBF e artigo 14° da LGT). Resumidamente, a análise expõe:
• Existência apenas de listagens de aquisições de ativos avulsos, sem articulação entre si e não justificados como sendo articulados e integrados em qualquer projeto de investimento inicial, com múltiplas aquisições que na sua maioria são investimentos de substituição. manutenção e funcionamento. complementos ou melhoramentos a equipamentos existentes e, ainda, bens que o próprio regime exclui.
• Falta de demonstração de outro pressuposto essencial da acessibilidade ao benefício do RFAI, o que se refere ao nexo de causalidade entre a realização dos investimentos considerados elegíveis para o benefício fiscal e a criação de postos de trabalho proporcionadas por esse investimento, pelo que a análise teve que se cingir às oscilações globais da força de trabalho, cuja causa não se encontra determinada;
• Além disso, não se verifica a criação de postos de trabalho proporcionados pelo investimento, e bem assim a criação de emprego.
• Como vimos anteriormente, é o próprio SP que nos dossiers do RFAI, enquadrando a sua atividade e os investimentos realizados, claramente os afasta da definição de investimento inicial. O enfoque é o de redução de custos de fabrico e melhoria de eficiência dos processos (já existentes), na melhoria da qualidade do fabrico (de produtos já existentes) e aumento de produtividade (diferente de aumento de capacidade). Diz, aliás, que os investimentos foram na aquisição de equipamentos de elevada potência e qualidade, fortemente automatizado. que diz conduzir a um aumento da automação e a velocidade do processo produtivo. A automação é precisamente o oposto do que se pretende com a condição de criação de postos de trabalho, num contexto sustentável.
Assim, todas as dotações de RFAI dos períodos de 2016 e 2017 são ilegítimas, na medida em que, segundo o n.º 2 do artigo 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na sua parte I relativa aos princípios gerais, "os benefícios fiscais (...) caducam (...), quando condicionados, pela verificação dos pressupostos da respectiva condição resolutiva ou pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário".
Consequentemente, nos termos dos artigos 1.º e 22.° a 26.º do CFI, importa proceder à correção dos valores inscritos no quadro 074 do anexo D da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC dos períodos de 2016 e 2017, eliminando os montantes de € 14.148,07 e € 79.008,79, respetivamente, correspondentes às dotações RFAI de cada um desses períodos.
Por conseguinte, os valores de dedução efetuados a título de RFAI serão corrigidos nos períodos em que foram utilizados. Assim, e na sequência da presente ação inspetiva, será liquidado adicionalmente imposto nos períodos de tributação de 2016 e 2017, nos montantes seguintes:
Tendo sido efetuadas correções às dotações RFAI declaradas pelo sujeito passivo no período de 2017, as deduções efetuadas nos períodos posteriores a 2017 também serão, em conformidade, corrigidas.
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Na sequência da inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações adicionais do IRC n.º 2022..., de 2022-02-23 e n.º 2022..., de 2022-03-03, referentes aos períodos de tributação de 2016 e 2017, respetivamente, as correspondentes liquidações de juros compensatórios, bem como as demonstrações de acerto de contas (notas de cobrança) n.º 2022... (2016) e n.º2022... (2017), nos montantes totais a pagar de €16.807,13 e de €48.385,39 (perfazendo o total ora impugnado de € 65.192,52);
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A Requerente pagou as quantias liquidadas em processos de execução fiscal que foram instaurados para sua cobrança coerciva (quadro de fls. 2/254 do projecto de decisão da reclamação graciosa, que consta do processo administrativo);
-
A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações, a que foi atribuído o n.º ...2022...;
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A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 16-11-2023, proferido pela Diretora de Finanças adjunta da Direção de Finanças de ..., que consta do processo administrativo, que remete para a fundamentação do projecto de decisão, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
Com efeito, quanto à natureza da relação de trabalho adequada para preenchimento de um posto de trabalho criado por um investimento, a questão tem que ser, obviamente, dirimida é luz da legislação interna (não há um Código do trabalho europeu comum), o que se percebe, pois, sendo uma questão de ordem prática, coloca-se aquando da admissão de um trabalhador em função da legislação laboral da região (EM)e do posto de trabalho que vai preencher.
A natureza da relação de trabalho associada aos postos de trabalho diretamente criados por um investimento produtivo, à luz do Código de Trabalho, é a de contrato sem termo, que é a regra geral e a situação não se enquadra nas exceções previstas nos artigos 140,° do CT. Com efeito, não encontrará, dentro das circunstâncias que constam deste artigo, nenhuma que se adeque a um posto de trabalho criado por um investimento produtivo, donde, tem que se concluir que terá que ser preenchido por contratados sen termo. O que faz todo o sentido, estendendo-se o caráter de permanência do investimento aos postos de trabalho criados em razão do mesmo.
Logo, para controlo do preenchimento desta condição imposta pelo RFAI, a AT teria necessariamente que estabelecer esta correlação entre postos de trabalho eventualmente criados pelo investimento e respetivo vínculo contratual, esperando-se, deste modo, ter sanado a dúvida expressa pela Reclamante no ponto 81 da PI. Aliás, basta analisar as circunstâncias em que, à luz da legislação laboral, pode ser celebrado um contrato de trabalho a termo certo, para concluir pela sua
incompatibilidade para justificar o preenchimento de postos de trabalho proporcionados por um investimento produtivo, facto que pode ser facilmente confirmado junto da ACT (Autoridade para as Condições de Trabalho).
Há, portanto, uma dupla exigência ou condições de cumprimento cumulativo, ou seja, o investimento tem que permitir criar e manter emprego (aumento do número total de trabalhadores, do estabelecimento), à custa de contratados sem termo (aumento dos contratados sem termo induzido pelo investimento). E tais aumentos têm que ser aferidos em relação a uma média, seja para evitar distorções provocadas por oscilações pontuais da força de trabalho, seja para evitar que as empresas que não criem e mantenham uma atividade económica substancial em razão do investimento, beneficiem de vantagens indevidas. Os postos de trabalho criados e o nível de emprego atingido em razão dos mesmos, devem ser mantidos nos períodos seguintes (3 ou 6 anos), tendo em conta a natureza incremental este pressuposto, que acompanha a do investimento. Além disso, o objetivo não é criar emprego momentâneo, mas emprego sustentável.
Factualmente, remete-se para o RlT, essencialmente para as páginas 24 a. 26, a conclusão que resulta da análise efetuada, acerca da qual a Reclamante nem sequer se pronuncia, deslaçando-se desde lago o facto de continuar a faltar a demonstração do nexo de causalidade entre a realização dos investimentos considerados elegíveis para o benefício fiscal e a criação de postos de trabalho proporcionados por esse investimento, pelo que, a análise aí exposta Incidiu sobre o movimento geral de trabalhadores, independentemente das causas que o justificam.
(...)
Conforme se referiu no anterior ponto 4.1 .... PONTO PRÊVIO e também no início deste tópico e se reitera, nem nos dossiers RFAJ apresentados durante a ação inspetiva, nem nos dossiers de substituição, foi estabelecido qualquer nexo de causalidade entre o investimento realizado e a criação de postos de trabalho em razão do mesmo.
Dos dossiers de investimento agora apresentados, consta meramente afirmado no ponto 1.28 de cada um deles que o investimento realizado proporcionou a criação de postos de trabalho. Mas nada referiu acerca dos concretos postos de trabalho criados nem identificou os funcionários que os foram ocupar, até porque, considera que esta exigência que consta da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, consubstancia um ,erro jurídico de transposição da legislação comunitár1a para a ordem jurídica nacional (cfr ponto 73 da PI).
Portanto, tanto os argumentos expandidos pela Reclamante a este propósito, como a respetiva análise, não passam do plano teórico, ou seja, não alteram o sentido da decisão plasmada naquele relatório.
Neste pressuposto, cumpre esclarecer, em primeiro lugar, que as listagens apresentadas não incluem adições a imobilizações. em curso (investimentos em curso). Todas as aplicações consideradas relevantes foram adquiridas ao longo e em praticamente todos os meses de janeiro, a dezembro de cada um dos anos de .2016 e 2017, foram de imediato reconhecidas contabilisticamente em ativo firme (no caso, no AFT), e entraram em ·funcionamento nos meses em que foram adquiridas, eventualmente, com exceção da construção do armazém de matérias primas e produtos acabados, que se pr0longou por 2018, mas não consta do RFAI de 2016 e 2017.
Não se compreendendo, por tal motivo, a alusão que faz a Reclamante a entendimento da AT dirigido a investimento constituído, somente, por adições aos investimentos em curso", nem toda a abordagem teórica acerca do momento em que, nesse caso, devem ser criados os postos de trabalho (pontos 89 a 94 da P\), uma vez que, apesar de alegar, entre outros, no ponto 26 da FI, que "O investimento
realizado em sede de RFAI incorpora um projeto de investimento decorrido entre 2016 e 2018 ...''. as suas caraterísticas não permitem que a condição de criação de postos de trabalho possa ser cumprida/aferida apenas no final desse ano de 2018.
Por exemplo, as máquinas de injeção/sopro (apenas a adquirida em 2017 consta das despesas consideradas no âmbito do RFAI), foram adquiridas, respetivamente, em março de 2016 e março de 2017, e nesses mesmos meses foi iniciada a sua utilização, conforme consta dos mapas de depreciações e amortizações (Anexos III e IV - Mapas de 2016 e 2017, respetivamente). O mesmo sucedeu com os restantes ativos considerados relevantes, adquiridos e com entrada em funcionamento ou Inicio de utilização em quase todos os meses dos anos em causa. Ora, se os ativos foram adquiridos ao longo de 2016 e 2-017 e entraram de imediato em funcionamento, é lógl.co concluir-,se que, ou criaram postos de trabalho até esse momento ou não necessitam de postos de trabalho adicionais para funcionar conforme pretendido, O problema é que existem tantas datas de entrada em funcionamento quantos os ativos adquiridos, tornando, por tal motivo, Indeterminável o momento em que se deve co1slderar verificada a condição da criação de postos de trabalho.
(...)
Sucede que não se verifica uma relação da Interdependência entre os ativos adquiridos no sentido de entrarem em funcionamento em simultâneo, uma vez que a sua aquisição não seguiu a orientação de qualquer projete integrado de investimento inicial, mas sim de aquisições isoladas, efetuadas à medida das necessidades da infraestrutura produtiva pré-existente, substituindo e-equipamentos obsoletos e entretanto alienados ou introduzidas melhorias pontuais. Não existe, pois, uma data inicio e uma data fim, seguida de uma data de entrada em funcionamento do investimento globalmente considerado, que possa ser utilizada como data de referência para a verificação da condição da criação de
Postos de trabalho. E além disso, não se reconhece aptidão ao investimento de substituição para criar postos de trabalho, razão pela qual, também por este motivo, é afastado dos auxilias regionais ao investimento, entre os quais, se encontra o RFAI.
(...)
O entendimento de que o posto de trabalho deve ser dissociado do trabalhador que o ocupe (ponto 1,24). o que, no limite, permitiria que a criação de postos de trabalho exigida peto RFAI se considerasse cumprida sem a admissão de qualquer trabalhador. Obviamente e pelos motivos já expressos anteriormente, não se pode conceber tal interpretação. É o próprio conceito de criação de emprego que utiliza, indistintamente, postos de trabalho e trabalhadores, sob pena da tal norma não ter qualquer efeito útil relativamente ao objetivo de reduzir o número de desempregados:
- Nos pontos 1.22. e 1.23. é referido que a mera compra de uma máquina, implica a criação de um posto de trabalho imputável à mesma, e que, pelo facto de a empresa trabalhar por turnos, terá de contratar pelo menos três novos colaboradores. Ora, se verificarmos que foram adquiridas 2 máquinas de injeção/sopro, uma em 2016 e outra em 2017, que entraram em funcionamento nos meses em que foram adquiridas (março de cada um desses anos), teriam que ser criados, pelo menos, 6 postos de trabalho, 3 em cada ano. Todavia, de acordo com o RIT e o Anexo l da PI, o número total de trabalhadores do estabelecimento até diminuiu entre dezembro de 2015 e dezembro de 2016 (- 1 trabalhador), e em 2017, aumentou apenas 5 (valores absolutos reportados a 31 de dezembro de cada um desses anos), resultando um aumento 0íiquido de apenas 4 trabalhadores nos 2 anos. Não obstante, recorde-se o que consta dos dossiers RFAI apresentados Inicialmente pela Reclamante, cujo excerto foi transcrito e páginas 24 e 26 do RIT, em que indicava a criação dê 8 postos de trabalho nestes 2 anos:
Ano de 2016:
•No que respeita à criação líquida de postos de trabalho, a A... realizou a criação líquida de 4 postos de trabalho diretamente relacionado mm o investimento em causa.
Os colaboradores foram contratados em 2016 através da celebração de trabalho sem termo, sendo que, segundo o contrato de trabalho assinados pelos mesmos, desenvolvem as funções de operadores de máquinas para fabrico de produtos de matérias plásticas."
Ano de 2017:
“No que respeita à criação líquida de postos de trabalho, a A... realizou a criação líquida de 4 postos de trabalho diretamente relacionado com o investimento em causa.
Os colaboradores contratados em 2017 através da celebração de contrate sem teimo, sendo que segundo o contrato de trabalho assinados pelos mesmos, desenvolvem as funções de operadores de máquinas para fabrico de produtos de matérias plásticas.”
- Para além da divergência de números, reitera-se que não foi demonstrada a causa do aumento de 4 trabalhadores no estabelecimento no biénio 2016-2017, não sendo possível confirmar se as oscilações verificadas na força de trabalho entre 2016 e 2017 resultaram desses investimentos ou dos preexistentes, ou antes, se consistem nas oscilações normais da força de trabalho, em função do aumento da procura dos produtos produzidos (e consequente aumento do número de turnos), ou quaisquer outras circunstâncias, pois, como é referido nos dossiers RFAI agora apresentados (ponto 1.27), "... existe muito fluxo de funcionários derivado das aferentes entradas e saídas consoante as necessidades de produção, licenças de maternidade, despedimentos,";
- Quanto â questão do 'trabalho temporário" suscitada pela Reclamante no ponto 1.23 dos dossiers RFAI, no sentido de que os postos de trabalho criados são, inicialmente, preenchidos por trabalhadores temporários, refira-se que se trata de uma modalidade de contratação (subcontratos) que não releva para o apuramento da condição de criação de postos de trabalho a que alude o RFAI. A relação é diretamente estabelecida com uma ETT (Empresa de Trabalho Temporário) e não com um trabalhador/assalariado e é uma relação de prestação de serviços e não uma relação de trabalho. O próprio Código do Trabalho também não o permite, conforme resulta do enquadramento do trabalhador temporário que se encontra perfeitamente delimitado no artigo 189.° daquele normativo, e que estipula o seguinte:
(...)
De qualquer modo, toda a problemática suscitada pela Reclamante ficaria sanada se:
i) existisse uma efetiva estratégia. de investimento inicial de extensão/aumento da capacidade do estabelecimento,
ii) sustentada por um projeto agregador, que permitisse distingui-la do investimento corrente dirigido à manutenção da operacionalidade da unidade produtiva já existente,
iii) com um período de execução determinado,
iv) com uma data em que as aplicações entrassem em funcionamento, e,
v) coma identificação e justificação dos postos de trabalho diretamente criados para o efeito.
Mas não é esse o caso, pois, para além de não existir qualquer projeto que agregue e justifique a necessidade daquelas aplicações para a concretização de urna das finalidades de um investimento inicial (no caso, de extensão de capacidade), os ativos foram adquiridos ao longo de quase todos os meses de 2016 e, 2017, entraram em funcionamento em cada um desses meses, e não foi demonstrada a criação de quaisquer postos de trabalho por qualquer um deles ou pelo seu conjunto, pois limitaram-se a considerar as, oscilações totais da força de trabalho independentemente das causas que lhes deram origem.
-
A Requerente apresentou à inspecção tributária os dossiers de RFAI que constam do anexo 2 ao Relatório da Inspecção Tributária, cujos teores se dão como reproduzidos;
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Os bens indicados pela Requerente nos dossiers RFAI foram efectivamente adquiridos e estão ao seu serviço, disseminados pelas instalações (depoimento da testemunha G...);
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A Requerente tem como principal actividade a fabricação de embalagens para a indústria farmacêutica, designadamente as que estão em contacto directo com os medicamentos (declarações de parte do administrador H... e depoimento da testemunha G...)
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A actividade referida exige cuidados acrescidos e certificações tendo em vista assegurar a não contaminação dos medicamentos e evitar a possibilidade de contrafacção (declarações de parte do administrador H...);
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A Requerente apresentou um projecto de investimento abrangido pelo Sistema de Incentivos às empresas – Inovação empresarial, no âmbito do Portugal 2020 (doravante referido como “Portugal 2020”), que foi aceite (documentos n.ºs 1 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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O projecto de investimento referido permitiu à Requerente aumentar da sua capacidade produtiva, com uma nova linha de produção de frascos de plástico para a indústria farmacêutica e construção de um novo pavilhão, bem como potenciar a sua internacionalização, através da entrada em novos mercados externos (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e declarações de parte do administrador H...);
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Com os novos produtos fabricados após os investimentos referidos, a Requerente entrou no mercado francês, em 2017 (declarações de parte do administrador H...);
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Os investimentos subjacentes às correcções efectuadas no Relatório da Inspecção Tributária não foram incluídos no projecto Portugal 2020 (declarações de parte do administrador H... e depoimento da testemunha G...);
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A não inclusão de todos os investimentos no projecto Portugal 2020 deveu-se aos factos de na fase de candidatura não tinham todos os orçamentos necessários e ter havido esquecimento de inclusão naquele de alguns bens e surgirem novas necessidades na sequência de exigências de clientes posteriores à apresentação da candidatura e observações feitas por clientes em auditorias às instalações da Requerente, em que colocavam novas condições para os produtos serem aceites (declarações de parte do administrador H...);
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A rectificadora – 3.549,74€ (...) e o computador Toshiba Protege Office 2016 – 1.688,54€ (...) foram colocados por lapso no RFAI 2016, não estando relacionados com o projecto de investimento (declarações de parte do administrador H...);
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A Requerente teve necessidade de ampliar as instalações, em face da maior necessidade de espaço para armazenar produtos acabados (declarações de parte do administrador H...);
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As máquinas adquiridas em 2016 foram incluídas no projecto Portugal 2020 (declarações de parte do administrador H...);
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A máquina Magic adquirida em 2017 insere-se no projecto de aumento da capacidade da Requerente (declarações de parte do administrador H...);
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Os moldes para injecção de plástico adquiridos destinaram-se a ser utilizados nessas máquinas adquiridas em 2016 e 2017 (declarações de parte do administrador H...);
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Os moldes desse tipo duram mais de 20 anos (declarações de parte do administrador H...);
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A Requerente tinha mais de 100 moldes, quando foi efectuada a inspecção tributária (depoimento da testemunha G...);
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A Requerente continuou a utilizar os moldes que tinha adquirido anteriormente (declarações de parte do administrador H...);
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As câmaras de vigilância referidas no RIT destinaram-se a um pavilhão novo destinado a guardar produtos acabados e eram necessárias por estarem obrigados a controlar as entradas e saídas nas instalações por razões de segurança (evitar contrafacções), não tendo sido incluídas no projecto Portugal 2020 por esquecimento (declarações de parte do administrador H...);
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O Eurochiller é um equipamento auxiliar das máquinas destinado a arrefecimento dos moldes com que elas trabalham (declarações de parte do administrador H...);
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A porta contrafogo foi instalada no âmbito das obras inerentes à construção do novo pavilhão, mas que não foi incluído na candidatura ao “Portugal 2020” (declarações de parte do administrador H...);
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À medida que os investimentos eram feitos, eram utilizados (declarações de parte do administrador H...);
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O acréscimo de trabalhadores verificou-se com trabalhadores temporários que eram, depois, convertidos em permanentes, o que se justificou por, na sequência de uma situação grave provocada por um trabalhador, a Requerente passar a querer assegurar que os trabalhadores permanentes satisfazem as exigências necessárias para trabalharem com produtos que exigem cuidados acentuados (declarações de parte do administrador H...);
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Mesmo quando foram substituídos trabalhadores não houve eliminação do respectivo posto de trabalho (declarações de parte do administrador H...);
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A contratação de novos trabalhadores não ocorre imediatamente com os investimentos pois só depois de a Requerente obter autorização dos clientes, na sequência da apresentação de amostras, começam a fabricação (declarações de parte do administrador H...);
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As aquisições e equipamentos em 2016 só em 2017 exigiram a contratação de novos trabalhadores (declarações de parte do administrador H...);
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A inspecção tributária foi informada durante a inspecção que a Requerente tinha apresentado o projecto de investimento Portugal 2020, relacionado com os investimentos incluídos no RFAI (depoimento da testemunha G...);
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No ano de 2016, a Requerente acabou com menos um trabalhador ao seu serviço do que o que tinha no início do ano (depoimento da testemunha G...);
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Em 2017, houve aumento de 4 funcionários (entraram 8 e saíram 4) (depoimento da testemunha G...);
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O número de trabalhadores ao serviço da Requerente tem vindo a aumentar desde 2016 (declarações de parte do administrador H...);
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O processo produtivo da Requerente é fortemente automatizado não dependendo as máquinas da presença ou controle permanente de trabalhadores (depoimento da testemunha G...);
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A Requerente, para além de ter trabalhadores permanentes, recorre a trabalhadores temporários (depoimento da testemunha G...);
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As instalações da Requerente são também utilizadas por outra empresa de injecção de plástico que se dedica ao fabrico de caixas para lentes de contacto que pertence aos mesmos detentores do capital (depoimento da testemunha G...);
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Os moldes só podem ser utilizados um de cada vez pela máquina de injecção (depoimento da testemunha G...);
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A Requerente, depois de elaborado o RIT, apresentou novos dossiers de RFAI dos anos de 2016 e 2017, que constam dos documentos n.ºs 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, em que se indicam a data de 30-06-2022 como sendo a da sua elaboração;
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Entre o ano de 2015 e o ano de 2017 a produção da Requerente aumentou cerca de 6 milhões de frascos, o que se traduz num aumento de cerca de 27%. (declarações de parte do administrador H...);
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Em 01-03-2024, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
3.1. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
3.1.1. Não se provou que específicos trabalhadores foram contratados pela Requerente relacionados com os investimentos, nos anos de 2016 e 2017.
3.1.2. Não se provou que o sistema de exaustão da fábrica como um todo, uma lavadora de pavimentos e uma bancada inox estivessem relacionados com o projecto de aumento da capacidade da Requerente. Afigura-se que, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira no RIT, são «investimentos correntes justificados pela instalação industrial pré-existente na qual foram de imediato utilizados».
3.1.3. Não se provou que a porta corta fogo (€ 4.428,53) o compressor parafuso (€ 15.000,00) e o “comprovador Estanquiedad Easytest” tenham relação com o projecto de investimento ou tenham alguma relação com o aumento da capacidade da Requerente.
3.1.4. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo, bem com, nos pontos indicados, com base nas declarações de parte e depoimento referidos.
O declarante e a testemunha aparentaram isenção e conhecimento directo dos factos dados como provados com base nas suas afirmações.
4. Matéria de direito
Resulta da prova produzida que a Requerente fez investimentos em 2016 e 2017, que incluiu no RFAI, que estão relacionados com um projecto de investimento que foi apresentado pela Requerente para efeitos do Portugal 2020, que foi aprovado.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a relevância para o RFAI de investimentos feitos pela Requerente em 2016 e 2017 por, em suma e em geral, entender faltar prova do enquadramento daqueles no conceito de «investimento inicial», designadamente por alguns deles serem «investimentos de substituição» ou não terem potencialidade para aumentar a capacidade da Requerente, e faltar prova de que esses investimentos fossem indutores da criação de postos de trabalho.
Relativamente aos investimentos de 2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que os investimentos realizados não adicionavam capacidades (moldes, lavadora de pavimentos, rectificadora, programa de computador, bancada inox e sistema de exaustão).
Quanto aos investimentos de 2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não podia ser aceite a inclusão da porta de um edifício, por não ser elegível, e quanto aos restantes não estarem relacionados com aumento da capacidade, designadamente não se saber se eram
material de substituição, inclusivamente a máquina incluída pela Requerente.
A Requerente defende, em suma, que
– fundamentação das correções efetuadas pela Inspeção Tributária ainda que com recurso à legislação comunitária, não efetua uma interpretação nem completa, nem correta da mesma;
– no caso particular da condição da criação líquida de postos de trabalho, existindo jurisprudência sobre este tema, deveria a Autoridade Tributária proceder a uma análise que contemplasse toda a legislação;
– não existem dúvidas que os investimentos realizados visaram o aumento da sua capacidade produtiva, implicando necessariamente o aumento dos seus recursos humanos;
– a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, tendo o ónus da prova dos factos que invoque;
– a fundamentação utilizada enferma de vícios que não se mostram de acordo com a legislação portuguesa e comunitária, sobre a matéria.
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém as posições assumidas no RIT, quanto às questões nele apreciadas que foram fundamento das liquidações impugnadas.
4.1. Vício de falta de fundamentação substancial
A Requerente imputa às liquidações impugnadas vício de deficiência de fundamentação, pelo que importa, antes de mais, distinguir-se os conceitos de «fundamentação material» e «fundamentação formal».
Esta última «pode ser entendida como uma exposição enunciadora das razões ou motivos da decisão», enquanto a fundamentação material corresponde à «recondução do decidido a um parâmetro valorativo que o justifique: no primeiro sentido, privilegia-se o aspecto formal da operação, associando-a à transparência da perspectiva decisória; no segundo, dá-se relevo à idoneidade substancial do acto praticado, integrando-o num sistema de referência em que encontre bases de legitimidade». (...)
«O dever da fundamentação expressa obriga a que o órgão administrativo indique as razões de facto e de direito que o determinaram a praticar aquele acto, exteriorizando, nos seus traços decisivos, o procedimento interno de formação da vontade decisória. O dever cumpre-se desde que exista uma declaração a exprimir um discurso que pretenda justificar a decisão, independentemente de esse arrazoado». (VIEIRA DE ANDRADE, O dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, páginas 11-13).
Apenas a falta de fundamentação formal constituirá vício de forma.
A falta de fundamentação substancial, por incorrecção ou falta de prova dos pressupostos de facto ou o erro de direito, consubstanciará vício de erro sobre os pressupostos de facto ou erro sobre os pressupostos de direito.
Neste sentido, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-09-2011, proferido no processo n.º 0494/11:
O facto de, porventura, a valia substancial dos fundamentos aduzidos nesse discurso fundamentador não ser suficiente para retirar a conclusão que aí se retirou, isto é, ser insuficiente ou inapta, do ponto de vista legal, para suportar a correção efetuada, é matéria que não contende com a fundamentação formal do acto, mas sim com a fundamentação substancial, que pode levar à procedência da impugnação por força dos vícios de violação de lei que foram invocados.
Com efeito, não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exatidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. É que, como adverte SÉRVULO CORREIA ("Noções de Direito Administrativo", I, pág. 403.), «a fundamentação pode ser inexata e ser suficiente, por permitir entender quais os pressupostos de facto e de direito considerados pelo autor do acto. Deste modo, a inexatidão dos fundamentos não conduz ao vicio de forma por falta de fundamentação. Ela pode sim revelar a existência de outros vícios, como o vicio de violação de lei por erro de interpretação ou aplicação de norma, ou (...) por erro nos pressupostos de facto» (...)".
No caso em apreço, o vício de falta de fundamentação que a Requerente imputa às liquidações impugnadas reporta-se a falta de fundamentação substancial e não a deficiências que afectem a percepção das razões pelas quais a Autoridade Tributária e Aduaneira decidiu como decidiu, pelo que improcede o vício apontado pela Requerente.
4.2. Regime do RFAI e conceito de «investimento inicial»
O RFAI foi criado pelo Orçamento Suplementar para 2009 e veio ser incluído no Código Fiscal do Investimento (CFI), pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho, e posteriormente revisto pelo DL n.° 162/2014, de 31 de Outubro, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho.
O âmbito do RFAI, na redacção vigente em 2016 e 2017, é definido no artigo 22.º do CFI nos seguintes termos:
Artigo 22.º
Âmbito de aplicação e definições
1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.
2 - Para efeitos do disposto no presente regime, consideram-se aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa:
a) Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:
i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em investimentos na indústria extrativa;
ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas;
iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;
iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística;
v) Equipamentos sociais;
vi) Outros bens de investimento que não estejam afetos à exploração da empresa;
b) Ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.
3 - No caso de sujeitos passivos de IRC que não se enquadrem na categoria das micro, pequenas e médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, as aplicações relevantes a que se refere a alínea b) do número anterior não podem exceder 50 % das aplicações relevantes.
4 - Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente capítulo os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:
a) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade;
b) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;
c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, ou cinco anos nos restantes casos, os bens objeto do investimento ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, alterado pelas Leis n.ºs 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 2/2014, de 16 de janeiro, ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 31.º-B do Código do IRC;
d) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento dos seus débitos devidamente assegurado;
e) Não sejam consideradas empresas em dificuldade nos termos da comunicação da Comissão - Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 249, de 31 de julho de 2014;
f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c).
5 - Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso.
6 - Para efeitos do disposto no número anterior, não se consideram as adições de ativos que resultem de transferências de investimentos em curso transitado de períodos anteriores, exceto se forem adiantamentos.
7 - Nas regiões elegíveis para auxílios nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 107.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia constantes da tabela do artigo 43.º, no caso de empresas que não se enquadrem na categoria das micro, pequenas e médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, apenas podem beneficiar do RFAI os investimentos que respeitem a uma nova atividade económica, ou seja, a um investimento em ativos fixos tangíveis e intangíveis relacionados com a criação de um novo estabelecimento, ou com a diversificação da atividade de um estabelecimento, na condição de a nova atividade não ser a mesma ou uma atividade semelhante à anteriormente exercida no estabelecimento.
No entanto, há que ter em conta que o RFAI constitui um regime de auxílio com finalidade regional, sendo objecto, actualmente, do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho de 2014 (RGIC), pelo que, em caso de divergência entre o Direito Nacional e o Direito da União Europeia, tem de se aplicar o regime previsto neste diploma, em face da supremacia do Direito da União Europeia, imposta pelo n.º 4 do artigo 8.º da CRP.
Nos termos do artigo 2.º, n. º 2, na redacção anterior à Lei n.º 12/2022, de 27 de Junho, o RFAI constitui um regime «de auxílios com finalidade regional aprovados nos termos do, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC).»
No n.º 31 do Preâmbulo do RGIC refere-se que «os auxílios com finalidade regional podem ser concedidos para promover a criação de novos estabelecimentos, a extensão da capacidade de um estabelecimento existente, a diversificação da produção de um estabelecimento ou uma mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente».
O artigo 2.° do RGIC fornece várias definições, entre as quais se incluem os n.ºs 41 e 49, que esclarecem o que se entende por Auxílios regionais ao investimento e Investimento inicial.
41) «Auxílios regionais ao investimento», os auxílios com finalidade regional concedidos para um investimento inicial ou um investimento inicial a favor de uma nova atividade económica;
9) «Investimento inicial»,
a) Um investimento em ativos corpóreos e incorpóreos relacionado com a criação de um novo estabelecimento, aumento da capacidade de um estabelecimento existente, diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente; ou
b) Uma aquisição de ativos pertencentes a um estabelecimento que tenha fechado ou teria fechado se não tivesse sido adquirido, desde que seja adquirido por um investidor não vinculado ao vendedor e exclua a mera aquisição das ações de uma empresa;
Semelhante definição de «investimento inicial» é adoptada na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de Setembro, em que se refere que
Os benefícios fiscais previstos no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento apenas são aplicáveis relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC, considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.
As normas que prevêem benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que devem ser interpretadas, em princípio, nos seus termos, sem ampliações ou restrições, com primazia do elemento literal, como é jurisprudência pacífica sobre a interpretação desse tipo de normas ( [1] ), sem prejuízo da aplicação da regras gerais de interpretação e princípios jurídicos, designadamente em situações em que a redacção das normas seja imprecisa. ( [2] ).
Isto é, as normas sobre benefícios fiscais devem ser interpretadas em termos estritos, o que se é certo que não afasta a necessidade de interpretação, designadamente teleológica, não viabiliza a exigência de requisitos restritivos do campo de aplicação do benefício fiscal para que não há qualquer suporte textual, designadamente o de, relativamente a investimentos de que decorra aumento da capacidade de um estabelecimento existente, não se estar perante «investimento de substituição».
À face da referida definição de «investimento inicial» não é de excluir deste conceito o «investimento de substituição», pois, no que aqui interessa, se ele estiver relacionado com «aumento da capacidade de um estabelecimento existente» enquadra-se no âmbito desta definição. Isto é, por exemplo, a substituição de uma máquina por outra mais moderna e eficiente poderá incluir-se no conceito de «investimento inicial».
Na verdade, o n.º 49 do artigo 2.º do RGIC e o artigo 2.º, n.º 2, alínea d), da Portaria n.º 297/2015 apenas exigem, no que aqui interessa, que os investimentos estejam «relacionados» com aumento da capacidade de um estabelecimento existente.
A esta luz, basta a relação desses investimentos com o aumento da capacidade produtiva para assegurar o direito da Requerente a dele usufruir, independentemente de ela se concretizar imediatamente na fabricação de novos produtos ou vir a ter como resultado um aumento da produção. Não há suporte legal para restringir a aplicação do benefício fiscal a investimentos que produzam resultados imediatos, nem sequer para o afastar quando, contra a vontade do investidor, os investimentos acabarem por não produzir os resultados pretendidos.
A não exclusão do «investimento de substituição» destes conceito é confirmada indirectamente no CFI pelo facto de ela estar expressamente prevista no seu artigo 11.º, n.º 4, para os benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo (BFCIP), mas não estar prevista para o RFAI ou para a DLRR, o que, no pressuposto de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), permite concluir que não se pretendeu estender aquela exclusão ao RFAI e à DLRR.
Para além disso, as normas sobre benefícios fiscais integram-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, por força do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, pelo que é proibida pelo artigo 11.º, n.º 4, da LGT a integração de lacunas de regulamentação através de aplicação analógica, o que afasta a possibilidade de aventar quanto ao RFAI e à DLRR aquela regra especial do BFCIP.
A elegibilidade de investimentos de substituição para efeito de benefícios resulta também das posições da Comissão Europeia, publicitadas nas FAQs n.ºs 25 e 80 do «General Block Exemption Regulation (GBER) Frequently Asked Questions July 2015» ( [3] ), em que se refere a inelegibilidade desses investimentos quando enquadráveis no conceito de «alteração fundamental do processo global de produção de um estabelecimento existente» ( [4] ), mas quando se trata de investimentos enquadráveis no conceito de «extensão da capacidade de um estabelecimento existente», a que se refere a FAQ 26.
Nesta FAQ 26, que se reporta, ao conceito de «extensão da capacidade de um estabelecimento existente» refere-se o seguinte:
26.What is meant by "extension of the capacity of an existing establishment"? Is this to be taken to mean production of a greater volume of all products?
The extension of capacity of an existing establishment means that the existing establishment is put into a situation where it can manufacture more volume of at least one of the products already produced in the establishment, whilst the underlying overall production process is not fundamentally changed.
Isto é, em tradução livre:
26. O que se entende por "extensão da capacidade de um estabelecimento existente"? Isso deve ser entendido como a produção de um volume maior de todos os produtos?
A extensão da capacidade de um estabelecimento existente significa que o estabelecimento existente é colocado em uma situação em que pode fabricar mais volume de pelo menos um dos produtos já produzidos no estabelecimento, enquanto o processo de produção geral subjacente não é fundamentalmente alterado.
Como se vê, não há, quanto a este conceito de «extensão da capacidade de um estabelecimento existente», qualquer referência a afastamento dos equipamentos de substituição e, pelo contrário, incluem-se neste conceito todas as situações em que, com o equipamento adquirido, o estabelecimento passa a poder fabricar mais volume de pelo menos um dos produtos já produzidos no estabelecimento.
Por outro lado, não se exige que cada um dos investimentos tenha potencialidade para, por si só, aumentar a capacidade de produção, bastando que tenham potencialidade para influenciar esse aumento integrados num conjunto de aquisições que o geram.
No caso em apreço, resulta claramente da prova produzida que alguns dos investimentos que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou inelegíveis a o RFAI têm potencialidade para colocar a Requerente em situação em que lhe passou a ser possível «fabricar mais volume de pelo menos um dos produtos já produzidos no estabelecimento», o que é patente quanto aos novos moldes (nos valores globais de € 27.950,00 e € 32.670,00, os adquiridos em 2016 e 2017, respectivamente) que lhe permitiram fabricar tipos de frascos diferentes dos que podia produzir sem eles.
Este erro de interpretação da lei em que ocorreu a Autoridade Tributária e Aduaneira não afecta, no entanto, a correcção do seu entendimento quanto à não elegibilidade de outros investimentos.
Desde logo, são inelegíveis para o RFAI do ano de 2016 os investimentos com a rectificadora (€ 3.549,74) e com o Toshiba Protege Office 2016 (€ 1.688,64), que o próprio administrador da Requerente reconheceu que não estão relacionados com o projecto referido.
Por outro lado, quanto ao sistema de exaustão da fábrica como um todo (€ 15.404,00), uma lavadora de pavimentos (€ 4.275,00) e uma bancada inox (€ 3.725,00), adquiridos em 2016, não se provou a sua relação com o aumento de produção projectado, pelo que não há que censurar a conclusão da Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido da não elegibilidade para o RFAI. Designadamente, o administrador da Requerente não esclareceu a sua relação com o projecto de investimento apresentado ao Portugal 2020.
No que concerne aos investimentos realizados em 2017, além dos moldes no valor global de € 32.670,00, provou-se a relação com o projecto quanto à máquina Magic (€ 241.929,50), quanto ao Eurochiler Dry Cooler, necessário para arrefecimento dos moldes a utilizar nas máquinas (€10.550,00) e as câmaras de vigilância destinadas à segurança do novo edifício (€ 2.294,52).
No que concerne à porta corta fogo (€ 4.428,53) ao compressor parafuso (€ 15.000,00) e “comprovador Estanquiedad Easytest” não se fez prova da sua relação com o projecto de investimento referido ou com aumento da capacidade da Requerente.
Assim, em relação às despesas com moldes no valor global de € 27.950,00, em 2016, e € 32.670,00, em 2017, bem quanto à máquina Magic (€ 241.929,50), quanto ao Eurochiler Dry Cooler (€10.550,00) e as câmaras de vigilância destinadas à segurança do novo edifício (€ 2.294,52), as correcções efectuadas enfermam de vício de falta de função substantiva por erro sobre os pressupostos de direito e de facto.
No entanto, não se pode concluir sem mais pela anulação das liquidações impugnadas, uma vez que o n.º 4 do artigo 22.º do CFI atribui natureza cumulativa aos requisitos que elenca e, por isso, basta a não verificação de um deles para sustentar as correções efetuadas.
Na verdade, como vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, quando um acto administrativo ou tributário tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a legalidade de um acto tributário (ou administrativo) é irrelevante que um deles seja ilegal, pois "o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto". ( [5] )
Assim, há que apreciar o fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativo à criação de postos de trabalho.
4.3. Condição da criação e postos de trabalho
A alínea f) do n.º 4 do artigo 22ºº do CFI estabelece, como requisito do RFAI, que os sujeitos passivos de IRC «efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c)».
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que este requisito previsto no CFI se reconduz ao previsto na alínea a) do n.º 9 do artigo 14.º do RGIC, em que se estabelece que «o projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período».
Para fundamentar a sua interpretação, a Autoridade Tributária e Aduaneira invocou no RIT uma ficha doutrinária em que se adopta o entendimento de que «apenas pode integrar o conceito de "criação de postos de trabalho" a admissão de trabalhadores através da celebração de contrato de trabalho sem termo (ou por tempo indeterminado), abrangendo a admissão de trabalhadores novos e de trabalhadores que já estivessem na empresa, mas ao abrigo de um contrato com termo».
Feita a análise dos números de trabalhadores da Requerente, com base no número global médio de trabalhadores nos 12 meses antes a Dezembro de 2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que
Em 2016, o n.º global médio de trabalhadores nos 12 meses precedentes cifrou-se em 27 quando no mês de dezembro desse ano existiam 26 (menos 1), não se verificando qualquer aumento do total de trabalhadores ao serviço da empresa, não se encontrando assim cumprida a condição de criação de emprego. Relativamente aos trabalhadores com contrato sem termo, (postos de trabalho permanentes, onde teriam que se incluir os criados pelo investimento considerado relevante), não se verificou qualquer aumento, uma vez que, a média foi de 23,67 quando no mês de dezembro desse ano existiam apenas 24 (mais 0,33, inferior a uma unidade de trabalho anual). Ou seja, não se verificou sequer o aumento de um trabalhador com este vínculo (um posto de trabalho).
Assim, no que concerne ao período de 2016, além de se considerar que não existiu o aumento líquido do n.° de trabalhadores nesse ano, muito menos se verifica a criação de 4 postos de trabalho (operadores de máquinas) referidos pelo sujeito passivo no Dossier de RFAI.
Relativamente ao ano de 2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que
Não obstante se ter verificado a contratação de 8 funcionários no ano de 2017, saíram 4, e calculando a média com base nos 12 meses precedentes (pressuposto exigido em termos de RFAI) em função das entradas e saídas desse ano, o n.° global médio de trabalhadores nos 12 meses precedentes cifrou-se em 30,75 quando no mês de dezembro desse ano existiam 31 (mais 0,25), ou seja, uma variação inferior à unidade de trabalho anual, pelo que, não se verificou o aumento de, pelo menos, um trabalhador.
Por isso, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que se justificava a não aceitação da totalidade dos investimentos do RFAI, por incumprimento da condição prevista na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI.
A Requerente defende, em suma, o seguinte:
– a condição da criação postos de trabalho não se deve aplicar ao RFAI, dado que o incremento dos gastos salariais face ao investimento elegível efetuado não integra o montante do benefício, sendo apenas considerados os investimentos em ativos fixos tangíveis;
– estamos perante um erro jurídico de transposição da legislação comunitária para a ordem jurídica nacional, não cabendo ao Estado português impor uma condição que o Regulamento não impõe;
– estão em causa postos de trabalho e não o colaborador que o ocupa;
– não existe qualquer menção ao contrato de trabalho sem termo ou por termo indeterminado na legislação vigente em sede de RFAI nem no regulamento comunitário subjacente;
– não há qualquer fundamento para concluir que só se pretendeu a criação de emprego duradouro, pois não se formula qualquer exigência, para atribuição do benefício, de que os postos de trabalho criados sejam ocupados por trabalhadores contratados a termo certo;
– a condição de criação de postos de trabalho possa ser cumprida apenas no período em que se finaliza o investimento em curso;
– ainda que possa ocorrer a criação líquida no decorrer do investimento em curso, a mesma pode não ocorrer no período em que se iniciou o mesmo;
– não faz qualquer sentido aplicar a média decorrida entre dezembro de n-1 e novembro de n, dado que os valores do ano n já estão influenciados pela criação de postos de trabalho do investimento;
– a comparação deverá ser efetuada sempre com os meses precedentes ao investimento, ou seja, ao início da entrada em funcionamento dos bens objeto de investimento que proporcionaram a criação dos postos de trabalho;
– para cada máquina é preciso pelo menos um colaborador por turno, além dos restantes colaboradores afetos a outras funções que não a produção fabril;
– a mera aquisição de novas máquinas implica a criação de postos de trabalho, conforme exposto nos Dossier RFAI de 2016 e 2017 apresentados nos anexos 2 e 3;
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira adere à fundamentação do RIT, dizendo ainda que é à Requerente que compete a comprovação inequívoca dos factos por si alegados, para efeitos de atribuição do benefício fiscal RFAI, nos termos do n.º1 do art.º 74.º da LGT e da Portaria n.º297/2015, de 21 de setembro.
Antes de mais, impõe-se esclarecer que as orientações administrativas invocadas ela Autoridade Tributária e Aduaneira não têm relevância como fundamento de direito das correcções efectuadas.
Na verdade, nos termos do artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT, as orientações administrativas vinculam (unicamente) Administração Tributária, surgindo no âmbito do princípio da colaboração recíproca que compreende, designadamente, a publicação de orientações genéricas sobre a interpretação e a aplicação das normas tributárias [art. 59.º, n.º 3, alínea b) da LGT].
Deste modo, as circulares e fichas doutrinárias não constituem fontes de direito fiscal, integrando antes o chamado «direito circulatório», composto por orientações genéricas dirigidas aos serviços da administração fiscal relativas à interpretação e aplicação das normas tributárias, mas que não vinculam os Tribunais nem os contribuintes.
À face do princípio da legalidade fiscal, proclamado no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes», pelo que não pode por via de uma orientação administrativa ser regulamentada uma situação de incidência tributária, como é o campo de aplicação de benefícios fiscais.
Apreciando a questão à luz dos diplomas legislativos referidos, tem de se constatar que não há suporte textual para concluir que o investimento relevante tem de proporcionar um aumento líquido de postos de trabalho.
Na verdade, na alínea f) do n.º 4 do artigo 21.º do CFI não se faz referência a aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento, mas apenas a «criação de postos de trabalho» e sua manutenção, o que constitui um elemento interpretativo de acentuada relevância no âmbito de benefícios fiscais, pois, como é jurisprudência pacífica e já se referiu, as normas sobre benefícios fiscais devem ser interpretadas em termos estritos, o que, se é certo que não afasta a necessidade de interpretação, designadamente teleológica, não viabiliza a exigência de requisitos para que não há qualquer suporte textual.
Por outro lado, se é certo que o n.º 9 do artigo 14.º do RGIC, refere que «o projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período», também o é que ele é apenas aplicável «quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados», como nele se refere expressamente, o que não sucede no caso, pois está-se perante benefício fiscal baseado em investimento em activos fixos tangíveis e intangíveis (artigo 21.º, n.º 2, do CFI).
Na verdade, aquele artigo 14.º do RGIC prevê, no seu n.º 4, como custos elegíveis, «custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos» [alínea a)], e «custos salariais estimados decorrentes da criação de emprego, em virtude de um investimento inicial, calculados ao longo de um período de dois anos» [alínea b)],ou «uma combinação» desses custos [alínea c)] e o seu n.º 9, em que se alude ao «aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa» só se aplica «quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, descritos no n.º 4, alínea b)».
Esta expressa referência no n.º 9 do artigo 14.º do RGIC à alínea b) do n.º 4, e não também à sua alínea a) ou à sua alínea c), constitui uma manifestação de vontade legislativa expressiva de que aquele aumento líquido do número de trabalhadores apenas é exigido nos casos de auxílios calculados com base em postos de trabalho ou em custos salariais estimados.
De resto, com se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 307/2019-T ( [6] ), «terá sido por ter noção do quanto se expôs que o legislador não utilizou a expressão “criação líquida de emprego”, quando a mesma era utilizada, por exemplo, no art.º 19.º do EBF vigente à data, esse sim, um benefício fiscal que tem por base os custos de investimento em postos de trabalho».
Como também se refere no mesmo acórdão:
«Tendo em conta que, pelos fundamentos expostos, não se deverá equiparar a expressão “criação de postos de trabalho” a “criação líquida de postos de trabalho”, dever-se-á, em obediência ao princípio hermenêutico do legislador razoável, obter um resultado interpretativo que seja coerente com a teleologia do benefício fiscal em questão e que tenha um efectivo conteúdo prático.
Nessa perspectiva, a única interpretação que não se reconduza à “criação líquida de postos de trabalho”, será, julga-se, a de que a “criação de postos de trabalho” pressuposta pelo benefício fiscal em questão se refere à criação de postos de trabalho, e a sua manutenção, causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.
Ou seja: o que está em causa é que o investimento realizado por determinada empresa será elegível para usufruir do benefício fiscal em questão se, e na medida em que, dele resulte, de forma causalmente adequada, a criação de, pelo menos, um posto de trabalho, e a sua manutenção».
Assim, é errado o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira ao transpor para este benefício fiscal enquadrável na alínea a) do n.º 4 do artigo 14.º do RGIC, (como custos elegíveis, «custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos») o regime previsto no seu n.º 9 quanto ao «aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa» que só se se aplica «quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, descritos no n.º 4, alínea b)».
Por outro lado, como bem defende a Requerente, a aceitar-se a compatibilidade da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI com o Direito da União Europeia, a aferição da criação pelos investimentos de um posto de trabalho só pode fazer-se quando estiver concretizada a totalidade dos investimentos, no fim do período projectado para os realizar.
Na verdade, num projecto de investimento que decorrer por um período de três anos, como sucede no caso em apreço, só no último ano, 2018, se poderá concluir se dos investimentos resultou ou não a criação de um posto de trabalho, o que não foi averiguado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Pelo exposto, tem de se concluir que a interpretação da Autoridade Tributária e Aduaneira enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito quanto à interpretação da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, pelo que não pode basear-se nela a não aplicação do RFAI a qualquer dos investimentos referidos.
4.4. Omissão de diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material e ónus da prova
A Requerente refere nas conclusões do pedido de pronúncia arbitral que «determina o artigo 58.º da Lei Geral Tributária, que a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» e que «nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».
No entanto, a Requerente não especifica em que poderá ter consistido a omissão de diligências ou não aplicação das regras do ónus da prova pela Administração Tributária.
De qualquer modo, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou durante a inspecção as diligências que entendeu necessários, com visita as instalações e notificações à Requerente para esclarecimentos, pelo que não se demonstra que tenha havido omissão de diligências que devessem ser efectuadas.
No que concerne ao ónus da prova, o artigo 74.º, n.º 1, da LGT estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».
No específico caso dos benefícios fiscais, o artigo 14.º, n.º 2, da LGT estabelece que «os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou às normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito».
Desta norma infere-se que o ónus da prova dos pressupostos dos benefícios fiscais recai sobre os contribuintes e concretiza-se através da revelação desses pressupostos ou autorização para eles serem revelados à Administração Tributária.
Na falta de cumprimento desse ónus, os benefícios fiscais ficam sem efeito, como estatui a parte final daquele n.º 2 do artigo 14.º.
O artigo 65.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) confirma esta conclusão ao estabelecer, no seu n.º 1, que «salvo disposição em contrário e sem prejuízo dos direitos resultantes da informação vinculativa a que se refere o n.º 1 do artigo 57.º, o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei» e, no seu n.º 5, que «a manutenção dos efeitos de reconhecimento do benefício dependem de o contribuinte facultar à administração fiscal todos os elementos necessários ao controlo dos seus pressupostos de que esta não disponha».
Resulta, assim, destas normas que, nos casos em que a Administração Tributária não dispõe de elementos de prova dos benefícios fiscais, é o contribuinte que lhos tem de fornecer, «sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito», como determina a parte final do n.º 2 do artigo 14.º da LGT.
Por isso, no caso em apreço, sendo pressuposto do benefício fiscal a realização dos investimentos relacionados com o aumento da capacidade da Requerente, é sobre esta que recai o ónus da prova dessa relação.
Assim, não se demonstra que a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha violado a regra do ónus da prova, ao decidir contra a Requerente, nos pontos em que entendeu não ter sido feita prova dessa relação.
4.5. Conclusão
Os investimentos elegíveis para o RFAI, dotações e deduções considerados pela Requerente são os que constam do quadro que segue:
A situação global da Requerente quanto às liquidações impugnadas é a que consta do quando que segue, incluído na decisão da reclamação graciosa:
De harmonia com o exposto, tendo em conta a dedução à colecta de 25% prevista no artigo 23.º, n.º 1, alínea a), subalínea 1) i) do CFI (na redacção vigente em 2016 e 2017), o pedido de pronúncia arbitral procede:
– relativamente ao ano de 2016 quanto às correcções relativas a moldes no valor de € 27.950,00, pelo que a Requerente tem direito à dedução à colecta de € 6.987,50 (49,39% do valor deduzido, que foi de € 14.148,07);
– relativamente ao ano de 2017, quanto às correcções relativas a moldes no valor global de € 32.670,00, e quanto às correcções relativas à máquina Magic (€ 241.929,50), ao Eurochiler Dry Cooler (€10.550,00) e às câmaras de vigilância destinadas à segurança do novo edifício (€ 2.294,52), no valor total de € 287.444,02, a que corresponde a dedução à colecta de 71.861,01. Como a Requerente, no ano de 2017, apenas deduziu à colecta o valor de € 42.392.40, conclui-se que tem direito a deduzir este valor (sem prejuízo de correcção relativamente ao ano de 2018 que não é objecto do presente processo).
5. Juros compensatórios
Nas liquidações impugnadas foram incluídos juros compensatórios de € 2.659,06, em 2016, e € 5.993,99, em 2017.
As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto as liquidações de IRC (artigo 35.º, n.º 8, da LGT) pelo que enfermam dos mesmos vícios que afectam aquelas liquidações, justificando-se a sua anulação em percentagens correspondente às anulações das liquidações de IRC: 49,39% quanto à liquidação de juros compensatórios incluída na liquidação de IRC de 2016 (€ 1.313,31), e 100% quanto à liquidação de juros compensatórios incluída na liquidação de 2017 (€ 5.993,99).
6. Juros indemnizatórios
A Requerente pagou as quantias liquidadas, em data não determinada e pede juros indemnizatórios.
Na sequência da anulação parcial das liquidações, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias indevidamente suportadas, no montante global de € 56.687,20, calculado com base nos seguintes valores:
– € 6.987,50 de IRC de 2016;
– € 1.313,31 de juros compensatórios de 2016;
– € 42.392.40 de IRC de 2017;
– € 5.993,99 de juros compensatórios de 2017.
O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, conclui-se que há erros nas liquidações imputáveis aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta que as elaborou por sua iniciativa.
Os juros indemnizatórios devem ser contados, com base no valor reembolsar de € 56.687,20, desde as datas em que foram efectuados os pagamentos das quantias liquidadas, até integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
7. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Anular a liquidação de IRC n.º 2022..., relativa ao período de 2016, quanto aos valores de IRC e juros compensatórios de € 6.987,50 e € 1.213,31, respectivamente;
-
Anular a liquidação de IRC n.º 2022..., relativa ao período de 2017, bem como a respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022... quanto aos valores de IRC e juros compensatórios de € 42.392,40 e € 5.993,99, respectivamente;
-
Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 56.687,20, acrescida de juros indemnizatórios, determinados nos termos referidos no ponto 6 deste acórdão.
8. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 65.192,52, indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
9. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 13,05% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 86,95%.
Lisboa, 24-09-2024
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(relator)
(Pedro Nuno Ramos Roque)
(Jorge Carita)
( [1] ) O TJUE tem decidido que as normas derrogatórias, como são as relativas a isenções e benefícios fiscais, devem ser objecto de interpretação estrita (acórdãos 14-06-2007, processo C-434/05, n.º 16; de 05-03-2015, processo C-553/13, n.º 39; de 07-02-2022, processo n.º C-460/21, n.º 26; de 08-10-2020, processo C-235/19, n.º29; de 12-03-2015, processo C-594/13, n.º 17).
( [2] ) Essencialmente neste sentido, CLOTILDE CELORICO PALMA, Enquadramento das operações financeiras em Imposto sobre o Valor Acrescentado, in Colecção Cadernos IDEFF, n.º 13, [Coimbra], Almedina, 2011, páginas 60-63.
[4] Nestas FAQs refere-se:
25. What is meant by a "fundamental" change in the production process? How is it to be distinguished from a non-fundamental change?
Initial investment in the form of a fundamental change in the overall production process of an existing establishment means the implementation of a fundamental (as opposed to routine) process innovation. The simple replacement of individual assets without fundamentally changing the overall production process constitutes a replacement investment which is not eligible for regional investment aid as it does not qualify as a fundamental change of an overall production process, and thus is not considered to constitute an initial investment. The fact of having replaced individual items of equipment by others that are more performing (unless this leads to a fundamental change on the overall production process) would also be considered a non-eligible replacement investment.
80.Regarding the notion of “fundamental change in the production process”: does it mean that during the modernization (fundamental change) all the assets (or some of the assets) have to be replaced by the new assets and the costs of the new assets have to be at least the same as the depreciation of the old assets during the preceding 3 years entered in the accounts?
Initial investment in the form of a fundamental change in the overall production process of an existing establishment means the implementation of a fundamental (as opposed to routine) process innovation. The GBER does not define the notion of fundamental change. However, the GBER requires that the eligible expenditure to be incurred for investments in tangible and intangible assets necessary for the implementation of this process innovation exceeds a certain threshold. Under Article 14 (7) of the GBER this threshold is defined as "the depreciation of the assets linked to the activity to be modernized in the course of the preceding three fiscal years." The sum of depreciation is calculated over the three fiscal years that preceded the start of works of the project. "Start of works" is defined in Article 2 (23) of the GBER.
The simple replacement of individual assets without fundamentally changing the overall production process constitutes a replacement investment which is not eligible for regional investment aid as it does not qualify as a fundamental change of an overall production process, and thus is not considered to constitute an initial investment. This holds also if individual items of equipment are replaced by others that are more performing unless this leads to a fundamental change on the overall production process. Under Article 14 (4) eligible costs are investment costs in tangible and intangible assets. Under Article 14 (8) for large undertakings the costs of intangible assets are eligible only up to a limit of 50 % of the total eligible investment costs for the initial investment. Under Article 14 (6) the assets acquired have to be new, except for SMEs.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-5-2000, processo n.º 39073, publicado em Apêndice ao Diário da República de 09-12-2002, página 4229.
Na mesma linha, pode ver-se o acórdão do acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2004, processo n.º 28055, em que se entendeu que "tendo o acto contenciosamente impugnado uma pluralidade de fundamentos, a invalidade de um deles não obsta a que o tribunal conheça dos restantes e só no caso de concluir pela invalidade de todos eles pode e deve julgar o acto nulo ou anulável".
[6] Posição também adotada nos acórdãos arbitrais proferidos nos processos n.ºs 488/2019-T, 546/2020-T, 500/2021-T, 508/2021-T, 544/2022-T e 483/2022-T.