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SUMÁRIO
I - A verba 17.1.4 da T.G.I.S. tributa a utilização de crédito sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou outra, em que o prazo de utilização seja indeterminado ou indeterminável, à taxa de 0,04% sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.
II - O contrato de concessão de crédito no qual se encontra definido, determinado e determinável o prazo de reembolso ou restituição, não obstante ser considerado uma operação financeira, mas não sob a forma de conta corrente, não se enquadra na norma de incidência da Verba 17.1.4 da TGIS.
DECISÃO ARBITRAL
A árbitra Adelaide Moura, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral singular, decide o seguinte:
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Relatório
A... LDA., sociedade por quotas, com o número de identificação fiscal (“NIF”)..., com sede em ..., ..., ...-......, e pertencente à área do Serviço de Finanças de Loures ... (“Requerente”), no seguimento da liquidação de Imposto do Selo n.º 2023..., por referência ao ano de imposto de 2020, no valor de 42.893,52 EUR, e com data de limite de pagamento de 16-10-2023, veio, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra o ato tributário impugnado, peticionando a respetiva anulação e das liquidações de juros compensatórios e o reconhecimento do direito da Requerente a indemnização pela prestação indevida de garantia bancária no montante de 432,60 EUR, acrescido dos respetivos juros que vierem a ser debitados pela respetiva instituição financeira até ao levantamento da referida garantia.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida”, “Autoridade Tributária” ou “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 03-01-2024 e notificado à AT em 09-01-2024.
O Requerente não procedeu expressamente à nomeação de árbitro.
Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do RJAT foi designada a árbitra do presente Tribunal Arbitral singular, que comunicou ao Conselho Deontológico do CAAD a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.
As partes foram notificadas da nomeação, não tendo qualquer delas manifestado vontade de a recusar, tendo o Tribunal sido constituído em 12-03-2024, por despacho do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em harmonia com as disposições contidas no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
Notificada em 13-03-2024, a AT apresentou a sua resposta em 26-04-2024. Foi junto o respetivo processo administrativo em 02-05-2024.
Em 13-05-2024, ao abrigo dos princípios subjacentes ao processo arbitral, o Tribunal dispensou, por despacho, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações finais escritas.
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Posições das Partes
1. Requerente
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A Requerente é uma sociedade por quotas, constituída em 19-10-1982, e que tem como objeto social a prestação de serviços no âmbito da gestão de pragas, proteção ambiental e higiene sanitária / gestão de resíduos, consultadoria e auditoria em higiene, segurança e qualidade alimentar, comercialização por grosso e a retalho de papel, de produtos de higiene, proteção de marca, bem como formação profissional e a comercialização de produtos e equipamentos relacionados com a sua atividade.
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O capital social da Requerente é detido pelas seguintes entidades: (i) B... B.V., sociedade de direito neerlandês, com o NIF português ... e com sede nos Países Baixos (“B...”), detentora de uma quota no montante 325.118,64 EUR, correspondente a uma participação social de 99,97% do capital social; e (ii) C..., sociedade de direito inglês, com o NIF português ... e com sede no Reino Unido (“C...”), detentora de uma quota no montante 100,00 EUR, correspondente a uma participação social de 0,3% do capital social.
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Em 28-12-2017, a Requerente celebrou, na qualidade de mutuária, um contrato de mútuo (“Contrato de Mútuo”), a título oneroso, com a sua sócia, a sociedade C..., na qualidade de mutuante.
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O ponto “2. Amount” do Contrato de Mútuo prevê que a C... garante, a título de empréstimo, um montante até ao limite máximo de 10.000.000,00 EUR.
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O ponto “4. Availability” do Contrato de Mútuo estabelece que o montante mutuado ficará disponível até ao terceiro aniversário, contado da data da celebração do Contrato de Mútuo (entre 28-12-2017 e 28.12.2020), e será disponibilizado em uma ou mais tranches.
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No ponto “6. Interest” do Contrato de Mútuo é fixado que sobre os montantes mutuados vencem-se juros, numa base diária, a uma taxa anual fixa de 2.629%, os quais deverão ser liquidados sobre o valor total dos montantes mutuados pendentes até ao terceiro dia útil de junho de cada ano.
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Nos termos do ponto “7. Repayment and Prepayment” do Contrato de Mútuo, o reembolso à C... das quantias mutuadas deverá ocorrer até 28-11-2022.
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Em 17-01-2023, a Requerente foi notificada do início do procedimento de inspeção tributária, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI202..., de âmbito parcial dirigida ao IRC, IVA e Imposto do Selo de 2020.
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Em 28-06-2023, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (“PRIT”) emitido pela AT, bem como para, querendo, exercer no prazo de 15 dias, o direito de audição relativamente ao conteúdo mesmo.
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No decurso do referido prazo, a Requerente apresentou, através do Portal das Finanças, o pedido de agendamento da reunião de regularização, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 58.º-A do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”), o que veio a ocorrer em 19-07-2023.
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Em 20-07-2023, a Requerente submeteu, através do Portal das Finanças, a declaração com os montantes acordados na reunião havida em 19-07-2023.
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Posteriormente, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) nos termos do qual a AT veio a emitir a liquidação do Imposto do Selo n.º 2023..., por referência ao período de tributação de 2020, e respetivos juros compensatórios, com o valor total a pagar de 42.893,52 EUR e com data-limite de pagamento de 16-10-2023.
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O não pagamento do aludido montante pela Requerente no referido prazo, implicou a instauração do processo de execução fiscal (“PEF”) n.º ...2023... .
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Para a suspensão do aludido PEF, a Requerente constituiu e apresentou uma garantia bancária, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 199.º do CPPT, a qual foi aceite pelo respetivo órgão de execução fiscal.
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Para a constituição da garantia bancária, a Requerente incorreu em diversos custos e encargos associados à prestação da mesma, designadamente Imposto do Selo e comissões bancárias, no montante total de 432,60 EUR, ao qual acrescem juros (cf. cópia da fatura-recibo dos custos e encargos suportados pela Requerente).
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A Requerente não se conforma e não aceita a correção levada a cabo pela AT que resultou na emissão dos atos tributários sub judice, por enfermarem de vícios determinativos da sua ilegalidade.
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A AT considerou que o Contrato de Mútuo celebrado pela Requerente se tratava de um contrato de crédito utilizado sob a forma de conta corrente, enquadrável, alegadamente, na verba 17.1.4. da TGIS.
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A AT optou por liquidar, erradamente como se demonstrará em seguida, o Imposto do Selo, por referência ao ano de 2020, mediante a aplicação da taxa de 0,04% à média mensal dos saldos em dívida dividido por 30.
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Caso se conclua pela sujeição do Contrato de Mútuo à verba 17.1.4. da TGIS, então o facto tributário deverá reportar-se ao último dia de cada mês, neste caso do ano de 2020, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 5.º do Código do Imposto do Selo.
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Caso contrário, o facto tributário deverá reportar-se ao momento da sua realização, o que equivale dizer que, tratando-se de um crédito de prazo determinado, a obrigação do imposto nasce no momento da sua utilização, também nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 5.º do Código do Imposto do Selo.
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Significa isto que o não enquadramento do Contrato de Mútuo como um contrato em que o respetivo prazo não se encontra determinado nem determinável, levará forçosamente à conclusão que o nascimento da obrigação tributária ocorreu no momento da sua utilização (i.e., em 01-01-2018 e em 31-07-2018).
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Neste último caso, verificar-se-á que o prazo do direito à liquidação já se encontra transcorrido, por decurso do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”).
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Um crédito tem prazo determinado, ou indeterminado, se o período que medeia entre a utilização e o seu reembolso se encontrar, ou não, previamente definido, sendo irrelevante, para estes efeitos se o contrato em si tem, ou não um prazo de vigência.
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A verba 17.1.4. da TGIS elenca o crédito sob a forma de conta-corrente e o descoberto bancário como modalidades que, em princípio, o prazo de utilização é indeterminado ou indeterminável.
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O contrato de conta-corrente comercial é um negócio típico e nominado, a qual implica, antes de mais, uma obrigação, assumida pelas partes contratantes de manter uma determinada relação de negócios sob a forma contabilística de uma conta-corrente, a qual tem, ínsita, uma função de crédito: consoante o sentido do saldo e até ao encerramento da conta, as partes podem ficar, reciprocamente, na situação de credor e de devedor.
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Por seu turno, o descoberto em conta de depósito à ordem tem a particularidade de que a utilização de crédito é feita através de um saque a descoberto, isto é, sobre uma conta bancária que não tem provisão suficiente para satisfazer o saque.
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Conforme resulta da factualidade exposta, dúvidas não restam que o crédito utilizado pela Requerente, no âmbito do Contrato de Mútuo, não reveste as modalidades de conta-corrente ou descoberto bancário (com ou sem prazo de utilização).
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O fator temporal constitui elemento determinante da carga fiscal a suportar pelas operações de crédito nos contratos sem prazo determinado, tendo o legislador fiscal adotado um sistema distinto para conferir relevância tributária à temporalidade do crédito.
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No caso sub judice o Contrato de Mútuo foi celebrado, em 28-12-2017, entre a Requerente e a sua sócia, a sociedade C..., com o montante máximo de 10.000.000,00 EUR.
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O montante mutuado encontrou-se disponível desde a celebração do contrato em 28-12-2017 e até 28-12-2020.
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Nos termos do ponto “7. Repayment and Prepayment” do Contrato de Mútuo, o reembolso das quantias mutuadas à C... ocorreu até 28-11-2022.
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Ou seja, do clausulado no Contrato de Mútuo, resulta claro que a utilização do crédito poderia ocorrer entre 28-12-2017 e 28-12-2020, sendo as quantias mutuadas reembolsadas à entidade mutuante.
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Deste modo, é questão isenta de dúvidas que o crédito contraído pela Requerente tinha um prazo determinado, considerando que o período que medeia entre a utilização do crédito (i.e., entre 28.12.2017 e 28.12.2020) e o seu reembolso (i.e., 28.11.2022) se encontrava previamente definido e fixado no Contrato de Mútuo.
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Assim, não só os prazos para a utilização e reembolso do crédito eram determináveis, como aqueles prazos se encontravam claramente determinados e previamente definidos nas cláusulas que regulam o Contrato de Mútuo.
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Consequentemente, tendo o Contato de Mútuo termo determinado, não poderia, em qualquer cenário, ter aplicação a verba 17.1.4. da TGIS, ficando desde logo excluída a sua tributação ao abrigado daquela norma.
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A AT olvidou-se de analisar o Contrato de Mútuo, em particular, as cláusulas que regulam o seu termo, optando, assim, por levar a cabo correções que manifestamente colidem com a norma de incidência ínsita na verba 17.1.4. da TGIS.
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A aplicação da verba 17.1.4. da TGIS tem como elemento determinante o fator temporal dos contratos de crédito, não tendo relevância se determinado contrato reveste qualquer forma (e.g., linha de crédito, conta corrente ou descoberto bancário), mas antes que o respetivo prazo de utilização não se encontre determinado ou não seja determinável.
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As modalidades de crédito utilizadas sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, caracterizam-se por permitir ao mutuário o saque até determinado montante, permitindo o reembolso na medida dos interesses e necessidades do creditado, reconstituindo assim a linha de crédito à sua disposição.
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O crédito subjacente ao Contrato de Mútuo seria a única conta-corrente que não “corre”, isto é, sem qualquer variação do seu saldo ao longo do respetivo período de utilização, o que seria, só por si, suficiente para demonstrar que o entendimento da AT está errado.
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O Contrato de Mútuo configura um crédito de prazo determinado, cujo nascimento da obrigação tributária ocorreu no momento da sua utilização (i.e., em 01-01-2018 e em 31-07-2018) e não, como a AT quer fazer crer, um crédito utilizado sob a forma de conta-corrente.
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A Requerente não aceita a liquidação adicional do Imposto do Selo em crise por ser manifestamente ilegal e contrária à verba 17.1.4. da TGIS.
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O Contrato de Mútuo não tem enquadramento na verba 17.1.4. da TGIS, não podendo ser tributado, em sede de Imposto do Selo, ao abrigo da referida disposição legal.
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A liquidação de Imposto de Selo em crise, referente ao ano de 2020, ser considerada ilegal, pelo que a correção realizada pela AT nos termos do RIT, enferma de vícios determinativos da sua ilegalidade, por erro nos pressupostos de direito e de facto e, por consequência, anuláveis, nos termos do artigo 163.º do CPA.
2. Requerida
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A pretensão anulatória da Requerente, assenta em primeira linha e a título principal, na não sujeição do sobredito Contrato de Mútuo à verba 17.1.4. da TGIS.
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A ação inspetiva desencadeada pela OI 2023... – que incidiu sobre o período de tributação de 2020 - descreve a existência de um empréstimo concedido pela empresa mãe à A..., tendo-se apurado, depois da análise às demonstrações financeiras e demais elementos disponibilizados, designadamente o contrato de mútuo, que “se tratou de uma linha de crédito concedida, em 28-12-2017, pela C... à A..., podendo as tranches/adiantamentos atingir até 10 M€, as quais venceriam juros a uma taxa anual de 2,629% …”, “com juros calculados numa base diária e capitalizados semestralmente”.
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De acordo com o que foi apurado pelos SIT: i) em 01-01-2018, foi realizado o pagamento de 7.990.564,45 € à D..., diretamente realizado pela empresa mãe, limitando-se a Requerente a reconhecer a dívida e o ativo financeiro correspondente à sociedade adquirida (valor que viria a ser pago em 28-11-2022), ii) em 31-07-2018, foi realizado um segundo adiantamento de fundos no montante de 497.170,40 € (desta vez com passagem efetiva pela conta bancária da Requerente), o qual viria a ser integralmente ressarcido em 28-11-2018.
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Tendo sido no RIT concluído que: “Assim, o imposto em falta em cada período de imposto (mês) e considerando que a A... teve à sua disposição em todos os dias dos meses do ano de 2020 (desde 28-11-2018, data em que se procedeu ao pagamento parcial do crédito utilizado) a quantia de 7.990.564,45 (dado que neste período não houve reforço nem reembolso de qualquer valor) ... totaliza o montante de 38.354,76 €”.”
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O contrato foi celebrado entre mutuário/devedor, com sede em Portugal, e mutuante/credor, com sede no Reino Unido, no montante máximo de 10.000.000,00 €, com efeitos a partir de 28 de dezembro de 2017, tendo sido fixado o dia 28 de novembro de 2022 como data limite de reembolso (ponto “1.1” do clausulado – “Repayment Date”).
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A quantia a mutuar estará disponível até 27 de dezembro de 2020 (3 anos a contar da data da celebração do contrato – cfr. ponto “4” – “Availability”), que poderá ser sacada de uma só vez ou em mais vezes, devendo o seu reembolso final ser efetuado até à data fixada para o “Repayment Date” – 28 de novembro de 2022.
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Qualquer adiantamento ou parte dele poderá ser pré-pago a qualquer momento, sendo que, se o mutuário pagar antecipadamente a totalidade do empréstimo, esse pré-pagamento deverá ser acompanhado de todos os juros acumulados sobre o mesmo (ponto “7” – “Repayment and Prepayment”).
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Apesar de se observar terem ocorrido apenas duas operações financeiras [i) em 01-01-2018 o pagamento de 7.990.564,45 € à D... foi diretamente realizado pela empresa mãe, limitando-se a Requerente a reconhecer a dívida e o ativo financeiro correspondente à sociedade adquirida (valor que viria a ser pago em 28.11.2022) e ii), em 31-07-2018, foi realizado um segundo adiantamento de fundos no montante de 497.170,40 € (desta vez com passagem efetiva pela conta bancária da Requerente), o qual viria a ser integralmente ressarcido em 28-11-2018].
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Tal circunstância não lhes retira as características intrínsecas de empréstimos em conta corrente, cujo prazo não é determinado nem determinável, isto, porque, recorde-se, o Contrato de Mútuo celebrado entre o credor e a Requerente previa a possibilidade do acesso à quantia mutuada ser concretizado não apenas num só resgate, mas no número de vezes que se mostrassem necessárias, num intervalo temporal compreendido entre 28 de dezembro de 2017 e 27 de dezembro de 2020, até ao montante máximo de 10.000.000,00 EUR, podendo o(s) reembolso(s) da quantia mutuada também ser feita num período alargado, balizado pela data da sua celebração – 28-12-2017 - e a data fixada para o “Repayment Date” – 28-11-2022 (no ponto “7” - “Repayment and Prepayment” – prevê-se expressamente, como foi referido supra e se realça, que qualquer adiantamento ou parte dele possa ser pré-pago a qualquer momento, sendo que, se o mutuário pagar antecipadamente a totalidade do empréstimo, esse pré-pagamento deverá ser acompanhado de todos os juros acumulados sobre o mesmo).
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O RIT concluiu que o montante mutuado que a Requerente teve à sua disposição em todos os dias dos meses do ano de 2020 cabe na previsão da verba 17.1.4 da TGIS.
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Já que o contrato em apreço não tem, no que diz respeito à disponibilização de fundos, uma data fixa. E o mesmo se diga quanto à existência de uma data de reembolso que apenas não pode ultrapassar a data fixada para o “Repayment Date” – 28-11-2022.
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No caso presente inexiste um qualquer anúncio preciso do início ou termo final previamente acordados para que ocorra qualquer exfluxo ou influxo, tornando-se, assim, impossível identificar o momento exato do início e fim da relação creditícia.
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A inexistência de uma referência a uma data precisa para o reembolso, ficando dependente exclusivamente da vontade das partes, permite afirmar que, como atesta o RIT, o empréstimo não é efetuado por prazos determinados ou determináveis, mas sob a forma de conta corrente com levantamentos conforme as necessidades da Requerente e devoluções efetuados de forma aleatória ao longo de um período alargado.
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Revestindo a forma de regularização do crédito uma compensação entre débitos e créditos, efetivada através de um encontro de contas, qualificado como um verdadeiro contrato de conta corrente regulado pelos artigos 344.º e seguintes do Código Comercial, que tem, entre outros efeitos, o da “compensação recíproca entre os contraentes até à concorrência dos respetivos crédito e débito ao termo do encerramento da conta corrente”, de modo a que apenas seja exigível o saldo dela resultante (artigo 346º do Código Comercial) e “termina no prazo da convenção, e, na falta de prazo estipulado, por vontade de qualquer das partes e pelo decesso ou interdição de uma delas” (artigo 346.º, do Código Comercial), resulta que “só o encerramento fixa invariavelmente o estado das relações jurídicas das partes, produz de pleno direito a compensação do débito com o crédito corrente e determina a pessoa do credor e do devedor.” (artigo 350.º, do Código Comercial).
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Daqui decorre, que o sobredito Contrato de Mútuo, face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes à verba 17.1.4. da TGIS, sempre estaria sujeito a tributação – como sucedeu – em sede de Imposto do Selo, ao abrigo da referida disposição legal.
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Não se verificando, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer direito a juros indemnizatórios.
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Para que a AT incorra no dever de pagamento dos juros indemnizatórios é necessário que estejam preenchidos os seguintes requisitos: 1. Que haja um erro num ato de liquidação de um tributo; 2. Que ele seja imputável aos serviços; 3. Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; 4. Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
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O direito a juros indemnizatórios depende da existência de um erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, de que tenha resultado o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, ou seja, a lei quis relevar, para efeito de pagamento de juros indemnizatórios, o erro que tenha levado a AT a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte.
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A liquidação em causa não provém de qualquer erro dos Serviços, mas decorre diretamente da aplicação da lei.
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Não se verificando qualquer ilegalidade na liquidação, fica prejudicada a análise do pagamento de indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária, ao abrigo do disposto no art.º 53º da LGT.
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O presente pedido de pronúncia arbitral deverá ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.
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Saneamento
O Tribunal Arbitral é competente, encontra-se regularmente constituído e o pedido é tempestivo, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1 e 10.º do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades. Não há assim qualquer obstáculo à apreciação da causa. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
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Matéria de facto
1. Factos provados
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Em 28 de dezembro de 2017, a Requerente celebrou, na qualidade de mutuária, um contrato de mútuo (“Contrato de Mútuo”), a título oneroso, com a sua sócia, a sociedade C..., na qualidade de mutuante (cf., cópia do contrato de empréstimo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e que foi anexo ao PPA como Documento n.º 2).
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O mesmo Contrato de Mútuo previa o seguinte:
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Que a C... garantia, a título de empréstimo, um montante até ao limite máximo de 10.000.000,00 EUR;
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O montante mutuado ficaria disponível até ao terceiro aniversário, contado da data da celebração do Contrato de Mútuo, e seria disponibilizado em uma ou mais tranches;
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Sobre os montantes mutuados vencer-se-iam juros, numa base diária, a uma taxa anual fixa de 2.629%, os quais deveriam ser liquidados sobre o valor total dos montantes mutuados pendentes até ao terceiro dia útil de junho de cada ano;
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O reembolso das quantias mutuadas à C... deveria ocorrer até 28-11-2022.
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Na sequência de uma ação inspetiva, com base na Ordem de Serviço OI2023..., em cujo âmbito foi incluído o Imposto do Selo de 2020, foi emitido o Relatório de Inspeção Tributária (cf. Processo Administrativo).
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No âmbito do RIT, a AT considerou que o Contrato de Mútuo se subsumia a uma linha de crédito concedida em 28-12-2017 pela C... à A..., cujo reembolso não estava dependente de prazo determinado ou determinável, concluindo que a operação tem enquadramento na verba n.º 17.1.4. a que corresponde uma taxa de 0,04%.
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Com base na correção efetuada, a AT procedeu ao apuramento de um montante de Imposto do Selo de 38.354,76 EUR.
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A AT emitiu a liquidação do Imposto do Selo n.º 2023..., por referência ao período de tributação de 2020, e respetivos juros compensatórios, com o valor total a pagar de 42.893,52 EUR e com data-limite de pagamento de 16-10-2023.
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Não tendo ocorrido o pagamento voluntário da dívida fiscal, o serviço de finanças instaurou contra a Requerente o processo de execução fiscal (“PEF”) n.º ...2023... para cobrança coerciva da dívida, no montante global de 43.110,25 EUR, tendo procedido à citação pessoal através de comunicação emitida em 30-10-2023.
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A Requerente requereu a suspensão do processo de execução fiscal mediante a prestação da garantia bancária nº ... emitida pelo Banco Santander Totta, S.A., no montante de 54.543,19 EUR.
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Com a emissão e prestação da garantia, a Requerente suportou custos e encargos que totalizam a quantia de 432,60 EUR.
2. Factos não provados
Não se verificaram outros factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido considerados provados.
3. Motivação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada, nos termos do artigo 123.º, n.º 2 do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência e conhecimento, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC e regras gerais do CC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontra estabelecida na lei é que o princípio da livre apreciação não domina na apreciação das provas produzidas.
Em concreto, a convicção do Tribunal fundou-se na prova produzida nos autos, incluindo os documentos e processo administrativo juntos pelas partes.
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Matéria de Direito
1. Objeto e âmbito do processo
Face às posições assumidas pelas partes, vertidas nos respetivos articulados, cabe ao Tribunal Arbitral apreciar e decidir sobre a ilegalidade e anulação do ato tributário impugnado, atendendo ao regime de tributação aplicável em sede de Imposto do Selo.
2. Apreciação
Considerando a matéria controvertida nos presentes autos, e para efeitos de enquadramento jurídico e fiscal, interessa começar por evidenciar as disposições legais mais relevantes para a boa decisão da causa.
Código do Imposto do Selo
Artigo 1.º - Incidência objetiva
1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
(…)
Tabela Geral do Imposto do Selo
(…)
17 Operações financeiras:
17.1 Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título excepto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respectivo valor, em função do prazo:
17.1.1 Crédito de prazo inferior a um ano - por cada mês ou fração 0,04%
17.1.2 Crédito de prazo igual ou superior a um ano 0,50%
17.1.3 Crédito de prazo igual ou superior a cinco anos 0,60%
17.1.4 Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 0,04%
(…)
A questão de fundo dos presentes autos consiste em saber se a operação financeira em causa é enquadrável na verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, estando em causa aferir se no Contrato de Mútuo em causa se considera que o prazo de utilização é determinado ou determinável.
Da (i)legalidade da liquidação de Imposto do Selo sindicada
JORGE BELCHIOR LAIRES E RUI PEDRO MARTINS, no seu “Imposto do Selo”, defendem que “A determinação (ou não) do prazo da operação de crédito não deverá aferir-se quanto ao contrato de crédito em si, porque este tem, em princípio, sempre um prazo estabelecido. A análise deve ser feita quanto ao período de utilização de crédito, considerando-se que o prazo se encontra determinado se estiver previamente fixado pelas partes o período que decorre entre a utilização e o reembolso.”
A Requerida, no âmbito dos presentes autos, defende que o Contrato de Mútuo em causa encontra previsão na verba 17.1.4 da TGIS, por entender que o crédito concedido foi utilizado sob a forma de conta corrente, não sendo o referido prazo de utilização determinado nem determinável.
No que ao conceito de conta-corrente diz respeito, escreveu JOEL TIMÓTEO RAMOS PEREIRA que: “2. Dá-se o contrato de conta corrente quando duas pessoas (singulares ou colectivas) tendo de entregar valores uma à outra, se obrigam a transformar os seus créditos em artigos de "deve" e "haver", sendo apenas exigível o saldo final resultante da sua liquidação. Os artigos 344.º e 350.º do Código Comercial estabelecem os efeitos do contrato de conta-corrente, a saber:
a) A transferência da propriedade do crédito indicado em conta corrente para a pessoa que por ele se debita;
b) A novação entre o creditado e o debitado da obrigação anterior, de que resultou o crédito em conta corrente;
c) A compensação recíproca entre os contraentes até à concorrência dos respectivos créditos;
d) A exigibilidade só do saldo resultante da conta corrente;
e) O vencimento de juros das quantias creditadas em conta corrente a cargo do debitado desde o dia do efectivo recebimento.”
E, como resulta da decisão arbitral do tribunal coletivo proferida no processo n.º 544/2017-T, “(…) a taxa prevista na verba 17.1.4 tem o seu campo de aplicação delimitado àquelas outras situações em que, pelos próprios termos do contrato, não seja possível determinar um momento certo em que haverá necessariamente lugar ao reembolso, só assim se justificando que o imposto, em tais casos, seja liquidado por aplicação de uma taxa média calculada mensalmente. O tipo de taxa previsto na verba 17.1.4 aplica-se, por conseguinte, quando não se encontre previamente definido o prazo de utilização do crédito e não seja possível tributar por qualquer das regras estabelecidas nas verbas 17.1.1 a 17.1.3. (…).”
Isto significa, como referem JORGE BELCHIOR LAIRES E RUI PEDRO MARTINS, no que à verba 17.1.4 da TGIS diz respeito, que, “A lei começa, pois, por elencar o crédito sob a forma de conta-corrente e o descoberto bancário como modalidades em que, em princípio, o prazo de utilização é indeterminado ou indeterminável. Dizemos “em princípio” porque a aferição dependerá sempre da análise de cada caso concreto, podendo concluir-se que, não obstante a forma adotada pelas partes, o prazo do crédito se encontra à partida determinado, não sendo por isso tributado nesta verba”.
Compulsado o Contrato de Mútuo em apreço, celebrado em 28 de dezembro de 2017, constata-se que o prazo de utilização do crédito concedido encontra-se perfeitamente determinado em três anos, até 28 de dezembro de 2020. Tal como também determina a respetiva data de reembolso, ou seja, 28 de novembro de 2022, conforme factualidade provada nos presentes autos.
Procede, pois, nesta parte o pedido da Requerente, não havendo que liquidar Imposto do Selo nos termos da verba 17.1.4. da TGIS.
Dos juros compensatórios
Sendo os juros função do retardamento no pagamento de determinada prestação tributária (artigo 35.º, nº 1 da LGT) e sendo a dívida inexistente, os juros compensatórios respetivos não serão devidos. Nessa linha de raciocínio é inválida a liquidação de juros compensatórios liquidados no âmbito da liquidação sindicada.
Indemnização por prestação indevida de garantia
A Requerente veio ainda requerer o pagamento da correspondente indemnização por prestação de garantia indevida, invocando o disposto no artigo 53.º da LGT, tendo para o efeito alegado e demonstrado que procedeu à contratação de garantia bancária a favor da AT, para efeito de obter a suspensão do processo de execução fiscal em vista da impugnação do ato tributário de liquidação do imposto.
Sem dúvida que o artigo 171.º do CPPT garante a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada, que poderá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, havendo de entender-se que o processo arbitral é também o meio processual próprio para deduzir esse pedido visto que poderá ter por objeto a apreciação de pretensões relativas à declaração de legalidade de atos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
O artigo 53.º da LGT admite ainda que o devedor que ofereça garantia bancária ou equivalente para suspender a execução fiscal será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos, salvo quando se verifique na impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, caso em que a indemnização não está dependente do prazo pelo qual vigorou a garantia.
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Decisão
Face ao exposto, decide este Tribunal Arbitral:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação de Imposto do selo nº 2023..., bem como a liquidação de juros compensatórios, tudo no montante de 42.893,52 EUR;
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Julgar procedente o pedido de indemnização por prestação de garantia bancária indevida;
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
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Valor
Fixa-se o valor do processo em 42.893,52 EUR, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VIII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 EUR nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5 do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 12 de novembro de 2024
A árbitra singular
Adelaide Moura
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