SUMÁRIO:
1) O Tribunal Arbitral é materialmente competente para conhecer do pedido de anulação de liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário. 2) O acto tributário objecto de Pedido de Pronúncia Arbitral deve ser concretamente indicado e junto com o articulado inicial, cfr. art.ºs 10.º, n.º 2, al. b) do RJAT, 108.º, n.º 1 do CPPT e 79.º, n.º 3, al. a) do CPTA (aplicáveis ex vi art.º 29.º do RJAT). 3) É sobre o Autor que recai o ónus de observar os requisitos da petição inicial, ónus processual conforme ao princípio da auto-responsabilidade das partes. 4) Notificada a Requerente para se pronunciar sobre a matéria de excepção invocada pela Requerida, e tendo a mesma, quanto à excepção de ineptidão da petição inicial, vindo reconhecer (como também já antes no Pedido) não lhe ser possível nem exigível a junção ou sequer a identificação do(s) acto(s) tributário(s) objecto do Pedido, ficando o Tribunal no desconhecimento do(s) acto(s) impugnado(s), confirma-se, desde logo, a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, que determina a nulidade de todo o processo, obsta ao conhecimento do mérito e é causa de absolvição da instância, cfr. art.ºs 577.º, b) e 576.º, n.º 2 do CPC (aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT).
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernando Araújo (Árbitro-presidente), Marisa Isabel Almeida Araújo (Árbitro-vogal) e Sofia Ricardo Borges (Árbitro-vogal relatora), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 5 de Março de 2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., UNIPESSOAL Lda., nipc..., com sede na ..., n.º ..., ...-... Algés, doravante “Requerente”, ou simplesmente “Req.te”, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
Requer a constituição do Tribunal submetendo o Pedido de Pronúncia Arbitral sobre “atos de liquidação de CSR e sobre os consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas”.[1] (cfr. intróito do PPA)
Suportou, segundo refere, entre Maio de 2019 e Dezembro de 2022, Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) nos combustíveis que, nesses meses, adquiriu. Mais, refere, apresentou pedido de revisão oficiosa (Pedido de RO) “relativo às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) pela Autoridade Tributária e Aduaneira (...) e relativo aos consequentes atos de repercussão da referida CSR”. Pedido relativamente ao qual se formou presunção de indeferimento tácito, sustenta.
Suscita “a intervenção do Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, norma que prevê expressamente a competência deste Tribunal para apreciar pretensões atinentes à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, expõe. Assim, “vem suscitar a apreciação da legalidade daquele indeferimento tácito e do próprio ato de liquidação subjacente ao mesmo junto deste Tribunal, requerendo a respetiva anulação.” (cfr artigos 1.º e 2.º do PPA)
Não se conforma com o indeferimento do Pedido de revisão oficiosa, que formulou a 31.05.2023, “e, por conseguinte, com a legalidade dos atos de liquidação de CSR que lhe estão subjacentes, e, bem assim, dos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas (...) vem suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade dos supra referidos atos”.
E refere: “[e]m suma, constitui objeto da presente petição, a apreciação das liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) com base nas DIC submetidas pela B... e, bem assim, dos consequentes atos de repercussão da referida CSR”.
Segundo expõe, o indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa pode, tal como um indeferimento expresso, ser apreciado num processo arbitral. A apreciação do indeferimento tácito cabe no âmbito de competência do Tribunal Arbitral, defende.
No regime da CSR, embora o sujeito passivo seja o definido para efeitos de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), o respectivo encargo é suportado pelo consumidor do combustível. No caso, a Requerente. Que é, como tal, “parte legítima para peticionar a declaração de ilegalidade dos respetivos atos de liquidação, e consequentes atos de repercussão”, sustenta.
São os consumidores finais que têm interesse em agir, assevera, pois que “os montantes de CSR entregues ao Estado pelos fornecedores de combustível foram incluídos no preço de venda dos combustíveis e, portanto, repercutidos nos respetivos adquirentes.”
Nota, quanto à natureza da CSR e à competência material do Tribunal Arbitral, caso se entenda a mesma não constituir um imposto, que sempre tal competência abrange a apreciação de pretensões relativas a tributos sob administração da AT - com excepção apenas dos casos do art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Mais expõe que não pretende a apreciação da legalidade do regime da CSR mas sim “da ilegalidade de atos tributários, mormente de atos de repercussão de CSR”, “materializados nas faturas”. Resultando assim demonstrada a competência do Tribunal Arbitral.
Sustenta ainda que submeteu o pedido de revisão oficiosa tempestivamente, no prazo de quatro anos do art.º 78.º da LGT, que entende aplicável. E que o presente pedido é tempestivo por apresentado dentro do prazo de 90 dias contado da formação de indeferimento tácito, conclui.
Alega que a sua fornecedora de combustível, B..., S.A. (B...), entregou ao Estado os valores apurados nos actos de liquidação conjunta de ISP e de CSR praticados pela AT com base nas DICs submetidas, e que nas facturas que lhe emitiu repercutiu a CSR correspondente aos consumos. Junta declaração daquela que, assevera, o comprova.
Adquiriu gasóleo rodoviário e gasolina no período compreendido entre Maio de 2019 e Dezembro de 2022. E, tendo-os adquirido, nos termos das facturas emitidas pela B..., suportou a título de CSR, sustenta, a quantia global de € 202.520,71.
Sucede que, alega, a CSR foi considerada ilegal por contrária ao Direito da União Europeia (Direito da UE ou DUE). E assim apresentou, expõe, o pedido de revisão oficiosa “onde suscitou a revisão dos atos tributários de CSR e, consequentemente, dos atos de repercussão daquele imposto na sua esfera”.
Por não se conformar com o indeferimento do pedido “vem suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade daquela decisão de indeferimento, tacitamente presumida, e dos próprios atos de liquidação.” (cfr. artigo 47.º do PPA)
Em sede de Direito, desenvolve quanto à Directiva 2008/118/CE, de 16.12.2008 (Directiva), e à possibilidade de os Estados-Membros cobrarem outras imposições indirectas sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo.
Enquadra a CSR e expõe o seu entendimento quanto ao respectivo funcionamento. Entre o mais, defende, “o legislador determinou clara e expressamente que o encargo económico daquele imposto deve recair, por via da repercussão legal, nos respetivos consumidores de combustíveis, como a aqui Requerente.”
Mais, assevera, “emergem no âmbito da CSR, necessariamente, duas tipologias distintas de atos tributários: i) os atos de liquidação de CSR, emitidos pela AT com base nas DIC apresentadas pela fornecedora de combustível, na sequência dos quais esta entrega ao Estado o imposto aí apurado; e ii) os atos de repercussão da CSR liquidada, materializados nas faturas emitidas pela fornecedora de combustíveis (sujeito passivo da relação jurídico-tributária) aos consumidores de combustível (os terceiros repercutidos sobre os quais deve legalmente recair o encargo económico deste imposto).” (cfr artigo 72.º do PPA)
Exposto isto, afirma, ela Requerente, “entidade terceira sobre a qual a CSR foi legalmente repercutida”, vem pelo presente “contestar, em primeiro lugar, a legalidade dos referidos atos de repercussão da CSR (materializados nas faturas que lhe foram emitidas pela fornecedora de combustível), e, em segundo lugar, em face da existente correlação causal entre os dois tipos de atos acima indicados, a legalidade dos antecedentes atos de liquidação de CSR (praticados pela AT e notificados, tão somente, à referida entidade repercutente), atos que estão na origem daquelas repercussões e sem os quais as mesmas não existiriam.”
Para o caso de restarem dúvidas “acerca da formulação aqui referida”, expõe, junta declaração da fornecedora de combustível. Mais “faz juntar aos autos as faturas”, emitidas pela mesma, “que materializam os atos de repercussão cuja legalidade aqui se contesta”. (cfr artigos 74.º e 75.º do PPA) Afirma, em seguida, que “no que aos atos de repercussão de CSR diz respeito, não se mantêm dúvidas de que os mesmos se encontram claramente identificados”, e “no que diz respeito aos atos de liquidação de CSR, praticados pela AT e aos quais apenas foi conferido acesso à fornecedora de combustível (sujeito passivo da relação jurídico-tributária), a Requerente não se encontra em possibilidade de os identificar”, “não lhe é possível apresentar uma prova a que não pode aceder”. (cfr artigos 76.º e 77.º do PPA)
Invoca ilegalidade abstracta “dos atos tributários sub judice” decorrente de a CSR violar o DUE. Convoca Acórdão do TJUE, de 07.02.2022, no processo C‑460/21, caso Vapo Atlantic S.A. Sustenta que as normas que instituíram a CSR são desconformes à Diretiva, padecendo, por isso, os actos praticados ao seu abrigo de vício de ilegalidade abstracta. E sendo a AT obrigada a desaplicar tais normas verifica-se erro imputável aos serviços para efeitos do art.º 78.º, n.º 1, segunda parte, da LGT.
Alega ter direito ao “reembolso do imposto indevidamente liquidado” e a juros indemnizatórios.
Requer, a final, que seja declarada a ilegalidade (i) dos atos de repercussão e (ii) das correspondentes liquidações de CSR, “determinando-se, nessa medida, a sua anulação, com as demais consequências legais (...)”.
Lista como documentos juntos os seguintes: pedido de revisão oficiosa e prova de submissão; declaração da fornecedora de combustível; tabela-resumo de seus consumos de combustível no período, e “atos de repercussão de CSR (faturas emitidas (...) à Requerente)”
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É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 29.12.2023 e notificado à AT.
Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral os ora signatários, que atempadamente aceitaram o encargo.
As Partes foram notificadas da designação dos árbitros por comunicação de 14.02.2024 e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído a 05.03.2024.
Por despacho de 05.03.2024 o Tribunal notificou a Requerida para apresentar Resposta, mais para, querendo, solicitar a produção de prova adicional, e para juntar o PA.
A Requerida veio apresentar Resposta, aí se defendendo, desde logo, por excepção. Invoca, desenvolvendo: A) Ineptidão da Petição Inicial por falta de objecto e por contradição entre o pedido e a causa de pedir, B) Ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, C) Incompetência do Tribunal em razão da matéria e D) Caducidade do direito de acção.
Após, e sem conceder, defende-se por impugnação, pugnando pela total improcedência do PPA.
Entre o mais, expõe o seu entendimento no sentido de não existir prova que sustente os factos que vêm alegados pela Requerente - expondo os seus argumentos a respeito e impugnando o alegado -, bem como, como melhor desenvolve, no sentido de não haver desconformidade entre o regime da CSR e a Directiva.
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Por despacho de 17.04.2024 o Tribunal notificou a Requerente para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre a matéria de excepção invocada pela Requerida na sua Resposta.
E por requerimento de 03.05.2024 a Requerente veio exercer o contraditório relativamente às excepções. Defende não se verificar qualquer delas, em suma como segue.
Quanto à ineptidão da petição inicial, expõe que a Req.da entende que recai sobre si Req.te o ónus de identificar e juntar os actos de liquidação de CSR. Porém todos os actos tributários de que foi destinatária, assevera, estão devidamente identificados no PPA, “recaindo, por sua vez, sobre a Requerida o ónus de identificação das antecedentes liquidações de CSR praticadas pela própria AT e notificadas aos respetivos sujeitos passivos”. Dá nota de a Req.da entender que ela Req.te não cumpriu o ónus que sobre si impendia de identificar o objeto da acção ao não ter junto aos autos, nem identificado, os actos de liquidação de CSR. Pugnando pela improcedência da excepção, apela aos “efeitos do fenómeno da repercussão legal de tributos”, e desenvolve “cotejando tais efeitos com os ónus de prova vigentes no domínio procedimental/processual tributário”. Sustenta que os repercutidos apenas têm o “ónus de identificar e de comprovar os – únicos – atos tributários de que são destinatários (...) ou seja, os atos de repercussão legal corporizados nas faturas ou documentos equivalentes que lhes são dirigidos (...).” Refere Jurisprudência Arbitral que entende convocável. Defende que “os atos de repercussão legal consubstanciam atos tributários autonomamente sindicáveis por parte dos respetivos repercutidos (in casu, a Requerente).” Afirma que não lhe cabe o ónus de identificação e de comprovação doa actos de liquidação de CSR, “não tendo a Requerente (na sua qualidade de terceiro repercutido) acesso aos mesmos.” Defende que é a Req.da que está em condições de identificá-los. Cabe a esta, se necessário, proceder “à concreta e específica identificação dos atos de liquidação de CSR”, sustenta. Identificou “plena e devidamente” os “atos de repercussão da CSR”, cumprindo “todos os ónus probatórios que sobre si impendiam”.
Quanto à ilegitimidade, defende não ter aplicação o art.º 15.º do CIEC que a Req.da convoca. Ao este artigo prever um regime de reembolso não impede a aplicação de outros regimes gerais, como o da revisão oficiosa. Esta pode ser promovida pela AT no prazo de quatro anos após a liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços, possibilidade extensiva, cfr. n.º 7 do art.º 78.º da LGT, “ao contribuinte no seu sentido mais lato”, incluindo quem “suporta, por determinação legal, o encargo económico do imposto”, como ela Req.te, sustenta. Tem legitimidade para sindicar, via procedimento de revisão oficiosa, “a legalidade de atos tributários de liquidação de CSR, enquanto titular de interesse legalmente protegido”. Assevera, ainda, que uma interpretação no sentido da inexistência do direito dos “repercutidos legais (como é o caso da Requerente)” a recorrer ao procedimento de revisão oficiosa, ou que, entendendo aplicável à CSR o regime dos art.ºs 15.º e 16.º do CIEC, os exclua do âmbito subjetivo de aplicação deste, violaria os princípios do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva e da igualdade (cfr. art.ºs 20.º e 13.º da CRP) sendo materialmente inconstitucional.
Quanto à incompetência material, assevera que não assiste razão à Req.da ao qualificar a CSR como contribuição financeira e daí retirar a consequência de o Tribunal Arbitral ser materialmente incompetente. Segundo defende, a CSR é uma contribuição especial por maiores despesas e deve, por isso, perspectivar-se enquanto imposto, assim sendo arbitráveis os actos objecto da presente acção. Acresce que vem invocar a ilegalidade abstracta de actos tributários - por aplicadas normas violadoras do DUE - e não já de um regime jurídico/de actos legislativos.
Quanto à caducidade do direito de acção, e contra o defendido pela Req.da no sentido da impossibilidade de verificar o prazo de contestação dos actos de liquidação de CSR, expõe remetendo para o que afirmou ao pugnar não ocorrer excepção de ineptidão. Convoca Jurisprudência Arbitral. Retira por fim a concussão de que: “nas situações, como a presente, em que a entidade requerente no âmbito de um pedido de pronúncia arbitral suporte o imposto por via do mecanismo da repercussão legal e em que, nesse contexto, não tenha na sua posse os atos de liquidação que constituam o objeto da respetiva repercussão, caberá à AT, através dos meios ao seu dispor e ao abrigo dos poderes de indagação, averiguar a correlação entre os respetivos atos de repercussão legal (in casu, devidamente identificados pela Requerente) e os atos de liquidação de CSR que os antecedem e que estão na sua origem, não podendo a situação processual da Requerente sair prejudicada pelo referido facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não podem ter acesso.”
Não juntou documentos com o requerimento de resposta às excepções.
Com o PPA havia junto “declaração”, sem data, que finda com assinatura após menção “Pela B..., S.A.”, onde se lê que a mesma declara que a CSR por si entregue nos cofres do Estado “por referência ao combustível fornecido à empresa[2] (…), nos anos de 2019 a 2022, foi por si integralmente repercutida na esfera da referida empresa”. E “tabela-resumo”, facturas (“actos de repercussão”), Pedido de RO[3] e comprovativo de submissão deste.
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Por despacho de 06.05.2024, o Tribunal dispensou a reunião do art. 18º do RJAT e notificou as partes para apresentarem alegações escritas, querendo, a Req.te no prazo de 10 dias contados da notificação do despacho, e a Req.da no prazo de 10 dias contado da notificação das alegações da Req.te, ou da falta de apresentação das mesmas.
Não foram apresentadas alegações.
Por despacho de 02.09.2024 o Tribunal determinou a prorrogação do prazo para prolação da Decisão por dois meses, ao abrigo do art.º 21.º, n.º 2, do RJAT, pelas razões que aí exarou.
2. Saneamento
As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e estão devidamente representadas, cfr. art.ºs 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03.2011.
Vem invocada na Resposta matéria de excepção, cfr supra.
A Requerente, de seu lado, notificada pelo Tribunal para o efeito, veio exercer o contraditório, pronunciando-se no sentido de nenhuma delas ocorrer, cfr. supra.
Vejamos. Iniciando pela excepção de incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, como segue.
2.1. Da excepção de incompetência do Tribunal em razão da matéria
Nos termos conjugados do disposto no art.º 16.º do CPPT, art.º 13.º do CPTA, e nos art.ºs 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, 576.º, n.º 2 e 577.º, al. a) e 578.º, todos do CPC[4], a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do Tribunal, que é de conhecimento oficioso, precedendo o de qualquer outra matéria. Tratando-se de excepção dilatória obsta a que o Tribunal conheça do mérito e conduz à absolvição da instância.
Sendo que a competência em razão da matéria há-de determinar-se pelo pedido do Autor (pelo quid decidendum).[5] Se se preferir, através do confronto entre as normas que a definem e o teor da petição inicial, com destaque para o pedido e a causa de pedir.
E o Tribunal Arbitral, refira-se, tem competência para decidir sobre a sua própria competência: é o “princípio da competência da competência do Tribunal Arbitral”[6], desde há muito reconhecido como regra em matéria de arbitragem[7] (v. art.ºs 18.º da LAV[8] e 181.º/1 do CPTA).
A Requerida invoca esta excepção fundando-se, primeiramente, no seu entendimento de que o thema decidendum não é arbitrável. Do disposto no art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2021, de 22 de Março, decorre expressamente, expõe, que o legislador quis restringir a vinculação nesta sede ao âmbito de pretensões que respeitem especificamente a impostos, não se incluindo tributos de outra natureza, como as contribuições. E que o tributo de que se trata nos autos - CSR - é uma contribuição e não um imposto. Sempre sem conceder invoca, depois, a mesma excepção com fundamento em (i) pretender a Requerente, no rigor, além da determinação da restituição de uma quantia monetária, a apreciação pelo Tribunal Arbitral da legalidade do regime da CSR e não caber na sua competência a fiscalização da legalidade de normas em abstracto; (ii) não poder o Tribunal pronunciar-se sobre actos de repercussão de CSR, subsequentes e autónomos da sua liquidação.
A Requerente veio defender em contrário, cfr. supra.
Apreciando.
A Arbitragem Tributária, como arbitragem institucionalizada que é, reveste especificidades próprias. Desde logo a que decorre de, não obstante a sua natureza de arbitragem, tratar de direitos (créditos) indisponíveis. Assim, o respeito pelo Princípio da indisponibilidade, aplicável à AT, conduziu a que o legislador - cfr. art.º 4.º do RJAT - tivesse sido exigente ao ponto de determinar que a comum convenção de arbitragem sofresse aqui adaptações e, assim, que a AT se vinculasse à via da arbitragem, previamente, por Portaria.
De onde decorre que a competência do presente Tribunal se afere pelo disposto a este respeito nas disposições conjugadas do RJAT e da já referida Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação). Através da qual uma das partes, a AT, veio previamente vincular-se à jurisdição dos Tribunais Arbitrais a funcionar sob a égide do CAAD. À qual decidiu assim submeter-se, nos termos e condições que aí definiu por conjugação com o disposto no RJAT. Ao abrigo do disposto neste último Diploma legal, a saber, no seu art.º 4.º, n.º 1.[9]
Ora, se por um lado no RJAT a competência dos Tribunais Arbitrais é estabelecida nos termos do seu art.º 2.º, n.º 1, por outro, nos termos do art.º 2.º da referida Portaria, a AT recortou (excluindo) daquela esfera de competência (que, assim, delimitou) a apreciação das pretensões relativas a determinadas situações, a que não aceitou vincular-se.
Não vem sendo pacífica a questão de saber se na delimitação de competência pela Portaria se pretendeu excluir do conjunto das pretensões relativamente às quais a AT aceitou vincular-se, as de declaração de ilegalidade de actos em tributos que não constituam impostos stricto sensu.
Vejamos os dispositivos legais.[10] No RJAT, o art.º 2.º, no que aqui mais releva, dispõe:
“Artigo 2.º - Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; /(...)”
Por sua vez, na Portaria de Vinculação, rege o respectivo art.º 2.º assim:
“Artigo 2.º – Objecto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.”[11]
Da conjugação dos normativos supra - no art.º 2.º do RJAT a referência a “tributos” e, depois, no art.º 2.º da Portaria, a certo passo, a palavra “impostos” – resultaria (e em conjugação com outros argumentos que nessa interpretação se invocam) que teriam ficado excluídas da esfera de competência material dos Tribunais Arbitrais as pretensões respeitantes a outros tributos que não os pertencentes à espécie impostos. Como vem defendido na Resposta. E como, ademais, vem sendo uma das posições seguidas na Jurisprudência Arbitral.
Neste sentido podem ver-se, entre outras, as Decisões Arbitrais nos processos n.º 347/2017-T, n.º 115/2018-T, n.º 138/2019-T, n.º 31/2023-T.
Pela nossa parte, entendemos compreendida na competência material dos Tribunais Arbitrais a apreciação das pretensões ali indicadas seja quando referentes a impostos stricto sensu, seja quando referentes a outros tributos (“impostos” lato sensu, portanto). Apenas não se verificando essa competência nos casos expressamente excluídos pela Portaria de Vinculação – a saber, nas várias alíneas do respectivo art.º 2.º (supra, e v., aí, nossos destacados – a demonstrar, quanto a nós, como da própria letra da lei decorre que o vocábulo “impostos” foi utilizado no corpo do art.º 2º da Portaria no seu sentido lato, impostos lato sensu; nem de outra forma se compreenderia a utilização do vocábulo tributos dentro do artigo, na al. e), aditada em 2019). E desde que se trate de tributos cuja administração esteja cometida à AT. Como melhor desenvolvemos já em Decisão Arbitral de 18.08.2021, no processo n.º 879/2019-T (e já antes aproximáramos no processo n.º 599/2018-T), para cuja fundamentação remetemos.
Não se desconhecendo o Douto Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 545/2019, de 16.10.2019, em que a interpretação no sentido inverso é considerada compaginável com a Constituição; e v. a Douta Decisão Sumária do mesmo Venerando Tribunal, n.º 70/2024, de 08.02.2024, no processo n.º 1347/2023.
No sentido, que é o do nosso entender, de que cabe na competência dos Tribunais Arbitrais a apreciação das pretensões ali indicadas (art.º 2.º do RJAT) também quando referentes a outros tributos, que não impostos stricto sensu, se pronunciaram também os Tribunais Arbitrais, entre outros, nos processos n.º 312/2015-T, n.º 142/2018-T, n.º 156/2018, n.º 305/2020-T.
Quanto, por sua vez, à natureza jurídica da CSR, em qualquer caso sempre se faça uma breve referência. (Sem prejuízo do que já deixámos dito: como quer que seja, é nosso entendimento que o Tribunal Arbitral tem competência material para conhecer do PPA que tem por objecto actos de liquidação de tributos, sejam eles impostos stricto sensu, sejam eles contribuições financeiras ou, ainda, taxas - tem, pois, competência, nos termos conjugados do art.º 2.º do RJAT com o art.º 2.º da Portaria de Vinculação, para conhecer de pretensões em impostos lato sensu).
E também esta não é matéria pacífica, desde logo na Jurisprudência Arbitral. Considerando o tributo em apreço como sendo um imposto (stricto sensu) se pronunciaram, entre outros, os Tribunais Arbitrais nos processos n.º 629/2021-T, n.º 305/2022-T, n.º 113/2023-T, n.º 410/2023-T. Já em sentido diverso, de este tributo constituir efectivamente, em consonância com o seu nomen iuris, uma Contribuição, Contribuição Financeira, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nos processos n.º 31/2023-T, n.º 508/2023-T, n.º 520/2023-T (no mesmo sentido vão também diversos votos de vencido, como naqueles processos n.º 305/2022-T, n.º 410/2023-T). Sendo que quanto a tratar-se de tributo administrado pela Requerida é assente.[12]
Ao nosso olhar, e tal como o tributo foi configurado pela lei sua criadora, a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto[13], vigente ao tempo dos factos, estamos perante uma Contribuição Financeira.[14] Para tal apontam, quanto a nós, as características nela ínsitas de ser um tributo destinado a financiar um objectivo público - financiar a rede rodoviária nacional (art.º 1.º) no que respeita à sua concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento (art.º 3.º, n.º 2 e art.º 8.º), fim público cujo financiamento é assegurado subsidiariamente pelo Estado (art.º 2.º), constituir uma contrapartida pela utilização dessa rede conforme verificada pelo consumo de combustíveis (art.º 3.º), incidir sobre a gasolina e o gasóleo sujeitos ao ISP (incidência objectiva) e sobre os sujeitos passivos deste último imposto (incidência subjectiva) (art.ºs 4.º e 5.º), constituir receita própria da entidade pública encarregue do referido objectivo/fim público (art.º 6.º), e tendo sido pretendido o tributo não vir agravar os preços de venda dos combustíveis em causa (art.º 7.º).
Às Contribuições Financeiras, uma das (hoje comummente aceite, três) espécies de tributos admitidas pelo nosso Ordenamento Jurídico, se referiu o nosso legislador seja no art.º 3.º, n.º 2, parte final, da LGT, seja, desde logo, no art.º 165.º, n.º 1, al. i) da CRP. Sendo que são conhecidas as dificuldade/delicadeza de delimitação entre as espécies de tributos, precisamente em especial entre as Contribuições e os Impostos (stricto sensu).[15] A LGT define em geral os pressupostos tributos, maxime dos Impostos e das Taxas, cfr. art.º 4.º, n.ºs 1 e 2. E Doutrina e Jurisprudência vêm densificando ao longo do tempo os conceitos nesta delimitação tripartida dos tributos.
“Os impostos têm sempre por finalidade imediata o financiamento de despesas públicas, realizadas por entidades de direito público, não directamente individualizáveis (no sentido de que lhes é alheia uma ideia de contraprestação, pelo menos directa) e cujo financiamento é unilateral e autoritariamente imposto com base num princípio de capacidade contributiva. Ou que, nos termos do art.º 4.º, n.º 1 da LGT, assentam essencialmente na capacidade contributiva.[16] Já as taxas, não obstante terem, tal como os impostos, uma finalidade de financiamento dos encargos com funções públicas, circunscrevem-se ao âmbito de funções públicas individualizáveis, susceptíveis de proporcionar vantagens ou benefícios - que são identificáveis de forma directa, em concreto - a quem as utiliza ou delas simplesmente beneficia. Revestem-se, assim, de carácter não já unilateral mas sim sinalagmático (...).”[17]
As Contribuições, por sua vez, são de qualificação jurídica mais difícil, “(...) estaremos aqui perante tributos a meio caminho entre os impostos e as taxas, que reúnem características próprias quer de uma, quer da outra espécie. Uma figura híbrida, a que diversos Autores se vêm referindo como um “tertium genus” de receitas. Deles é própria também uma contraprestação, porém difusa, não individualizável. Sendo pois os respectivos beneficiários receptores de uma contraprestação colectiva, homogénea nesse conjunto de sujeitos, mas distinta daquela que seria a satisfação do interesse colectivo da comunidade como um todo. Revestem assim natureza grupal, e são também apelidadas de tributos paracomutativos por se entender traduzirem a contrapartida de prestações relativamente às quais apenas se presume (de uma forma mais difusa que nas taxas, mas menos que nos impostos) que os respectivos sujeitos passivos serão beneficiários. (...).”[18] Ou causadores. Contraprestação, pois, mas difusa - beneficiários presumíveis receptores de uma contraprestação colectiva, homogénea nesse grupo. Ou, bem assim - participantes do grupo causadores - presumíveis - da necessidade de tal prestação. Sinalagma difuso. No grupo.
Como escrevia Saldanha Sanches, “[a]o lado dos impostos que constituem a receita normal do Estado, e que se encontram afectos ao financiamento global das suas despesas, encontramos receitas tributárias – tributos parafiscais, parafiscalidade – que comparticipam de todas as características normais dos impostos – unilateralidade, coactividade, ausência de qualquer objectivo punitivo – mas se encontram afectas ao funcionamento de certas entidades públicas que comparticipam no preenchimento de objectivos públicos.”[19]
São tributos que têm como característica, assim também, a respectiva receita se encontrar destinada precisamente aos fins da prestação pública em causa, tendencialmente acompanhados de consignação da mesma, seja material seja orgânica, em favor de entidades públicas de base não territorial.
Retornando à CSR.
Como percorrido supra, do respectivo regime jurídico decorre a mesma se destinar a financiar objectivos públicos cuja prossecução se encontra a cargo de entidade pública de base não territorial (a então E.P. – Estradas de Portugal, E.P.E.). Quanto a estarmos perante fins públicos v. também o art.º 84.º, n.º 1, al. d) da CRP - as estradas pertencem ao domínio público. E terá o legislador entendido que os respectivos sujeitos passivos (art.º 5.º, n.º 1, da Lei 55/2007) serão presumíveis beneficiários da prossecução deste fim público - a devida concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. Presumíveis receptores de uma contraprestação colectiva, homogénea nesse grupo, que lhes aporta benefícios. Com efeito, não deixa de, com alguma propriedade, ser possível detectar, nos sujeitos passivos em questão (v. art.º 4.º do CIEC, ex vi art.º 5.º da Lei 55/2007), que introduzem no consumo os ditos combustíveis, para fins rodoviários, uma vantagem, para a sua actividade, proveniente de tal prestação a cargo da concessionária. Desde logo, será através da rede rodoviária existente, através assim da circulação rodoviária, que o seu produto vai, de forma intensiva, escoar-se. Assim o sinalagma difuso próprio das Contribuições Financeiras.
Por fim, também não será por o TJUE se ter pronunciado no sentido de a imposição em questão ser violadora da Directiva 2008/118/CE (cfr. Despacho Vapo Atlantic, proc. C-460/21), sempre se refira, que a natureza jurídica que foi conferida ao tributo pelo legislador que a criou, o nosso legislador, no Ordenamento Jurídico Português, resultará outra. Desde logo para efeitos de aferir da competência material do Tribunal. Uma coisa será o TJUE, considerando, num primeiro momento, o tributo recair na Directiva, e aferindo, depois, das suas características, tê-lo por violador da mesma. Tomando-o por imposição indirecta - para os efeitos daquela. Coisa distinta será o regime jurídico-tributário próprio do tributo, tal como consagrado pelo legislador, portanto, e assim a sua natureza jurídica.
Dito isto, seja considerando a CSR, ao tempo, como uma Contribuição Financeira, como propendemos a considerar, e como, afinal, o legislador a qualificou, assim lhe concedendo o seu nomen iuris - ademais com as implicações que também daqui se podem retirar para efeitos de aferir da competência material do Tribunal[20] (e tendo também em mente, como ao início dizíamos, que a competência em razão da matéria há-de determinar-se pelo pedido do Autor, pelo quid decidendum) -, seja a considerando como um verdadeiro imposto stricto sensu, retira-se a consequência de que o Tribunal é materialmente competente para conhecer do Pedido, tudo como percorrido supra.
Improcede, assim, a excepção, com o fundamento que vinha invocado e que vimos de apreciar.
A Requerida fundamenta ainda esta excepção em dois outros pontos (v. supra), a saber, estarem a ser peticionadas: (i) a fiscalização da legalidade de normas em abstracto (o regime jurídico da CSR), e (ii) a “pronúncia sobre actos de repercussão de CSR”.
Quanto a (i), sumariamente se diga que não procede o invocado fundamento. Resulta do PPA que a Requerente invoca como causa de pedir para a peticionada anulação dos actos de liquidação de CSR erro de direito. Erro alegadamente consistente na desconformidade da CSR com o DUE, por violação da Directiva 2008/118/CE. E a impugnação de actos de liquidação pode efectivamente ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade – cfr. art.º 99.º do CPPT e art.º 10.º, n.º 2, al. c) do RJAT. Sendo que é o acto de liquidação (não concretamente identificado, é certo) o que vem impugnado, ainda que com as vicissitudes que mais adiante se verá.
Quanto a (ii), e além do que acaba de se dizer, o invocado fundamento não chegaria a relevar, quanto a nós, em sede de excepção de competência material do Tribunal. É ponto que mais adiante trataremos, e para onde desde já remetemos.[21]
Improcede, em qualquer caso, a excepção de incompetência material do Tribunal.
Assim sendo.
Cabe então apreciar, agora, se se verifica a excepção de ineptidão da petição inicial (p.i.), também invocada pela Requerida. Que é de conhecimento oficioso, pode ser conhecida a todo o tempo até ao trânsito em julgado da decisão final, e que, a ocorrer, é determinante da nulidade de todo o processo, e causa de absolvição da instância (v. art.º 98.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CPPT, art.ºs 87.º, n.ºs 2 e 7 e 89.º, n.ºs 2 e 4, al. b), do CPTA, e art.º s 186.º, n.º 1, 196.º, 278.º, n.º 1, 576.º, n.º 2 e 577.º, al. b), e 578.º, todos do CPC).[22]
2.2. Da excepção de ineptidão da petição inicial
A Requerida invoca esta excepção com fundamento em falta de objecto. Numa súmula, por a Requerente não identificar quaisquer actos de liquidação de ISP/CSR praticados pela AT, nem as DIC submetidas pelo sujeito passivo de imposto, e apenas identificar/apresentar facturas de aquisição de combustíveis à sua fornecedora. Sendo que estas não comprovam qualquer acto tributário e delas não resultam provados actos de repercussão; nem ela Req.da pode proceder à identificação dos actos de liquidação, por impossível, conforme melhor desenvolve. Não tendo a Req.te identificado os actos tributários também não foi possível ao dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no art.º 13.º do RJAT, e a não identificação do acto compromete a finalidade do Pedido. A Req.te não identifica qualquer acto, nem é possível a si Req.da, como melhor desenvolve, identificar os actos de liquidação que a Req.te pretenderá ver sindicados. Conclui explicitando: “verifica-se exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário, violando o requisito da al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b) e 278.º, nº 1, al. b), do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT, devendo, consequentemente, determinar- se a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância.”
Notificada a Requerente, no seguimento, para exercer o contraditório relativamente à matéria de excepção constante aa Resposta, veio fazê-lo, pronunciando-se em defesa da não verificação da excepção de ineptidão da p.i. (como supra).
Em face do que, e atento o teor do dali constante (v. também nossos destacados aí), entende o Tribunal verificar-se caso de manifesta desnecessidade de novo contraditório com convite à junção e/ou concreta identificação dos actos tributários objecto do Pedido, nos termos do art.º 3.º, n.º 3 do CPC, e ao abrigo do princípio da livre condução do processo arbitral (cfr. art.º 19.º do RJAT) tendo a questão sido já suficientemente discutida.
Vejamos.
Quanto ao seu conteúdo, a petição inicial deve observar determinados requisitos, sob pena de ser considerada inepta. O pedido é um elemento objectivo da instância, não podendo subsistir incertezas/dúvidas quanto ao conteúdo da solicitação do autor e quanto ao objecto da actividade jurisdicional subsequente.
Dispõe o legislador no art.º 98.º do CPPT, versando sobre as nulidades do processo judicial tributário, assim:
“Artigo 98.º - Nulidades insanáveis
1. São nulidades insanáveis no processo judicial tributário:
a) A ineptidão da petição inicial; / (...)”
Por sua vez, nos termos do disposto no art.º 186.º do CPC é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial. Dispõe assim o artigo, no que aos autos mais releva:
“Artigo 186.º - Ineptidão da petição inicial
1. É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2. Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
(...)”
A ineptidão da petição inicial é, pois, de tal modo grave que gera a nulidade de todo o processo.
A nulidade de todo o processo é uma excepção dilatória, que cumpre ao Tribunal conhecer, e que, a verificar-se, obsta a que se pronuncie sobre o mérito da causa (v. art.ºs 98.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT, 87.º, n.ºs 2 e 7 e 89.º, n.ºs 2 e 4, al. b) do CPTA, 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.º 2 e 577.º, b) do CPC).
O Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) corresponde materialmente a uma petição inicial (p.i.).
A Requerente submeteu o PPA na origem dos presentes autos e requereu, em sede de petitório:
“(...) a ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos pela Requerente no decurso do período compreendido entre (...), e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustível, determinando-se, nessa medida, a sua anulação, com as demais consequências legais, designadamente, com o reembolso à Requerente de todas as quantias suportadas a esse título, no montante global de € 202.520,71, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios”.
Não obstante, não juntou aos autos - seja ab initio, como devido, seja posteriormente quando notificada pelo Tribunal para se pronunciar sobre a excepção exercendo o contraditório (cfr. supra) - o ou os actos tributários cuja anulação vem peticionar em juízo.
Os actos tributários, pois, que em contencioso anulatório, como é o nosso caso, constituem necessariamente o objecto do Pedido.[23]
Não só não juntou, como era seu dever - e sendo que tal constitui requisito da petição inicial, documento a ser necessariamente junto (cfr. art.º 10.º, n.º 2, al. b), do RJAT, e v. também o art.º 108.º, n.º 1 do CPPT e art.ºs 78.º, n.º 2, al. e) e 79.º, n.º 3, al. a) do CPTA) -, como sequer identificou concretamente esse ou esses que serão os actos que pretende ver anulados pelo Tribunal.
Trata-se de documento que deve acompanhar, instruir, a petição, sendo certo que é sobre a Requerente que recai o ónus de dar cumprimento aos requisitos da mesma previstos naqueles preceitos legais (v. parágrafo anterior).
Em comentário ao art.º 108.º, n.º 1 do CPPT, escreve Jorge Lopes de Sousa[24] assim: “(...) sendo o fim essencial do processo de impugnação judicial a eliminação jurídica de um acto em matéria tributária, desde que o impugnante o identifique e indique os vícios que entende que o afectam, poderá entender-se que há um pedido implícito de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência daquele acto. O essencial será que seja perceptível a intenção do impugnante.”
Não há, neste contexto, pedido perceptível sem identificação do concreto acto. Diga-se.
Tenha-se presente, ademais, o Princípio processual da auto-responsabilidade das partes, que é inerente ao princípio do dispositivo, e segundo o qual estas sofrem as consequências jurídicas prejudiciais da sua negligência ou inépcia na condução do processo, que fazem a seu próprio risco. Ao qual o Princípio da cooperação não será alheio, é certo, sem que, porém, elimine aquela responsabilidade, como bem se compreende. Ademais, estando nós em sede de acção constitutiva de anulação. Acção em que se pretende, pois, fazer valer um direito à anulação de um certo acto tributário, o acto concretamente impugnado (ao qual se imputam certos vícios).
Sobre o que, há-de ser proferida uma sentença que, a seu tempo, adquirirá força de caso julgado. Anulando, ou não, tal acto. Donde também, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, a importância de que se reveste a identificação do acto impugnado sem equívocos e/ou dúvidas.
Em coerência, v. como determinou o legislador tributário no, já referido, art.º 108.º, n.º 1, do CPPT, sob a epígrafe “Requisitos da petição inicial”: “[a] impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juíz do tribunal competente, em que se identifiquem o acto impugnado e a entidade que o praticou (...)”. O acto que se impugna é aquele, o acto X, e não o Y ou o Z.
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O processo de impugnação traduz o exercício de uma “jurisdição restrita”, contencioso de mera legalidade, visando a anulação dos actos tributários (ou a declaração da sua nulidade ou inexistência) - v. art.ºs 99.º e 124.º do CPPT.[25]
Entre os elementos essenciais da causa figura, precisamente, o objecto da acção.
O próprio acto em crise pode[26] perspectivar-se como sendo o objecto (stricto sensu) da acção.
(V., de novo, e entre o mais, o disposto pelo legislador no RJAT, art.º 10.º, n.º 2, al. b): “O pedido de constituição do tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via eletrónica (...) do qual deve constar: (...) b) A identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral.”; ou, assim também, ainda no RJAT, os art.ºs 13.º, n.º 4 e 24.º, n.º 2, respectivamente: “A apresentação dos pedidos de constituição de tribunal arbitral preclude o direito de (...) suscitar pronúncia arbitral sobre os actos objecto desses pedidos (...)”, “(...) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão (...) preclude o direito de (...) suscitar pronúncia arbitral sobre os actos objecto desses pedidos (...).”)[27]
Já numa perspectiva lato sensu, o objecto da acção será o que se alcança pela conjugação entre pedido e causa de pedir. (V., entre o mais, o mesmo art.º 10.º, n.º 2, agora al. c), do RJAT.)
O Regime da Arbitragem Tributária foi concebido pelo legislador como um meio alternativo de resolução conflitos em matéria tributária, ainda que só para determinados tipos de litígios (v. art.ºs 1.º e 2.º do RJAT). A acção arbitral tributária foi, a final, delineada como um meio alternativo ao processo de impugnação judicial.[28]
A impugnação judicial dos actos da Administração Tributária concretizados na liquidação de tributos (incluindo os actos que o legislador equiparou a actos de liquidação para este efeito[29]) segue a forma do processo tributário por excelência, a saber, o, já referido, processo de impugnação, comummente também designado “processo de impugnação judicial” – v. art.s 99.º e ss do CPPT.
Para o RJAT o legislador transportou, com potencial relevo para os autos, tão só, precisamente, o processo de impugnação judicial de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta - cfr. art.º 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.[30] Assim, dos actos tributários stricto sensu.
Ora, retornando aos autos, a Requerente não juntou e nem identificou qualquer concreto acto tributário stricto sensu, qualquer acto tributário de que o Tribunal Arbitral pudesse conhecer. A saber, não juntou e nem identificou concretamente quaisquer liquidações de CSR (sequer as declarações de introdução no consumo - DICs processadas/submetidas pelos sujeitos passivos).
Ainda que tenha indicado ser precisamente o objecto do pedido, a par do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, “a apreciação das liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) com base nas DIC submetidas pela B... e, bem assim (...)” (cfr 40.º do PPA); “vem suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade daquela decisão de indeferimento, tacitamente presumida, e dos próprios atos de liquidação.” (cfr 47.º do PPA)
Logo no PPA, ademais, “no que diz respeito aos atos de liquidação de CSR” reconhece que “a Requerente não se encontra em possibilidade de os identificar, não podendo tal facto prejudicar a sua posição, uma vez que não lhe é possível apresentar uma prova a que não pode aceder.” (cfr 77.º do PPA).
Mais, invocada a excepção de ineptidão da petição inicial na Resposta com este fundamento (falta de junção/identificação do acto ou actos de liquidação impugnados), e notificada pelo Tribunal para se pronunciar, a Requerente veio afirmar que é a Requerida “quem está, na verdade, em condições de identificar os atos (...) e, assim, proceder à específica identificação dos atos de liquidação de CSR aqui em causa (promovendo, nessa sequência, a sua junção aos presentes autos – tal como, aliás, vem requerido no pedido de pronúncia arbitral)”, ou, bem assim, que “nas situações, como a presente, em que a entidade requerente (...) não tenha na sua posse os atos de liquidação que constituam o objeto da respetiva repercussão, caberá à AT, através dos meios ao seu dispor e ao abrigo dos poderes de indagação, averiguar (...)” (cfr., respectivamente, 17.º e 85.º do requerimento de resposta às excepções).
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Aqui chegados, deve também dizer-se, face à referência, pela Req.te, de que caberia não a si, mas sim à Req.da identificar os actos de liquidação, bem se compreende, face a tudo o que antecede, que não procede um argumento no sentido de que seria à Parte contra quem interpõe a acção que caberia suprir aquele seu ónus processual, de dar cumprimento aos requisitos da petição inicial. Antes de mais porque estamos perante um verdadeiro pressuposto processual[31], pressuposto relativo ao objecto da causa. Sem o cumprimento do qual a petição não é apta. Com efeito, o Tribunal conhece daquilo que se lhe pede e na medida em que se lhe pede.
E também por assim ser, nem o legislador deixou de prever meios ao alcance das partes para obterem a documentação de que devam munir-se neste contexto. Sem prejuízo do princípio da colaboração a que estão mutuamente obrigados Administração Fiscal e contribuintes (v. art.ºs 48.º do CPPT e 59.º da LGT e, ainda, 11.º, n.º 1 do CPA). Sendo sobre o Autor que recai o ónus de proceder às investigações tidas por adequadas para obtenção dos elementos em falta na identificação do acto impugnado, tem ele a possibilidade de socorrer-se seja do procedimento previsto no art.º 24.º, n.º 1 do CPPT, seja do direito de consulta e informação previsto nos art.ºs 61.º e seguintes do CPA, seja ainda, a ser necessário, do meio processual previsto no art.º 104.º e seguintes do CPTA.
Não cabia, pois, à Req.da, em qualquer caso, suprir o ónus da Req.te e em sua substituição prover ao processo a documentação de que o prosseguimento dos autos depende. Não só nem tal se revelaria praticável em situações como a do caso - como desenvolvidamente a Req.da expõe na sua Resposta - como também os deveres decorrentes para a mesma do princípio do inquisitório não vêm aqui em questão. Além do mais, o dever da Req.da AT de descobrir por si a verdade factual no seio do procedimento /processo tributário (v. art.º 58.º da LGT) não deve confundir-se com o ónus da prova dos factos que caiba aos contribuintes, a este não se sobrepondo. Mais também não deve confundir-se o que no presente está em questão – a identificação do ou dos actos tributários objecto da acção, que a Req.te peticiona ao Tribunal anule – com aquilo que sejam elementos de prova dos factos indicados no Pedido. Dispensando maiores desenvolvimentos, v. como logo no RJAT as realidades não se confundem: art.º 10.º, n.º 2, al. b) versus al. d). Não ocorre, perante tudo o já exposto, preterição do princípio do inquisitório. Nem daqui decorrem violados os princípios do Estado de Direito, do acesso ao Direito e/ou o direito à tutela jurisdicional efectiva, da igualdade, ou outros. Com efeito, sendo o processo uma série de actos dirigidos a um fim, qual seja a Decisão judicial/arbitral que põe fim à lide, torna-se necessário, e compreensível, que o mesmo obedeça a formas e regras/requisitos adequados ao dito fim. Na ausência de regras o processo redundaria em insegurança, permitiria a indisciplina das partes e manobras prejudiciais a obter uma Decisão em tempo razoável e útil. Valor este precisamente afirmado pelo legislador Constituinte desde logo no art.º 20.º, n.º 4. E também assim se dando, afinal, cumprimento, entre o mais, ao art.º 268.º, n.º 4 da CRP.
Nem caberia também, por outro lado, o incumprimento do ónus processual da Req.te ser suprido pelo Tribunal, sempre se refira. Além do que vimos (princípio processual da auto-responsabilidade das partes incluído), e do mais que ainda se verá, nem este Tribunal está munido dos poderes de autoridade para intimar entidades externas à apresentação de documentos sob as penalidades da lei.
Impende sobre o impugnante o ónus processual de completa identificação do acto que pretende impugnar, cfr., entre o mais, os já referidos art.ºs 10.º, n.º 2, al. b) do RJAT, 108.º, n.º 1 do CPPT e 78.º, n.º 2, al. e) do CPTA. Normativos que não prevêem a possibilidade de o Tribunal suprir oficiosamente a falta de identificação do acto impugnado em termos de substituição dos ónus processuais que impendem sobre o Autor, transferindo-os para o Julgador. A Req.te não juntou e nem identificou o ou os actos impugnados. “I. Se a impugnante não identificou na petição o acto impugnado, não incumbia ao Tribunal a quo substitui-se à mesma na identificação e junção do mesmo acto. II. Ocorrendo total ausência de indicação do acto de liquidação passível de ser impugnado, no âmbito da presente impugnação judicial, daí decorre a falta de objecto da mesma e a ininteligibilidade do pedido apresentado na petição inicial.” (cfr. Acórdão do STA de 07/02/2018, proc.º 01400/17).
À dificuldade neste contexto reconhecida pela Req.te não será alheia, sempre se diga, a sua posição não ser nem a de sujeito passivo, nem outra, na relação jurídico-tributária de que fala. Como melhor também se verá infra.
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Conclui-se que o processo carece, assim, de objecto – perspectivado este em sentido estrito (v. supra). Inexiste nos autos acto (ou actos) que o Tribunal possa anular ou declarar ilegal. Sequer indicação concreta/identificação do acto impugnado que constituiria o objecto da acção arbitral que a Requerente desencadeou. O acto (ou actos) que pretendesse impugnar como lesivo dos seus direitos não foi por si junto ou sequer concretamente identificado. (E lembrando que o acto tributário só pode ser provado por documento, prova legal).
Perspectivando, por sua vez, se necessário fosse, o objecto no seu sentido amplo, conjugação do pedido e da causa de pedir, vejamos.
Se no PPA se lê, como supra, logo no início, que se suscita “a intervenção do Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, norma que prevê expressamente a competência deste Tribunal para apreciar pretensões atinentes à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, mais que “vem suscitar a apreciação da legalidade daquele indeferimento tácito e do próprio ato de liquidação subjacente ao mesmo junto deste Tribunal, requerendo a respetiva anulação” (sem o acto vir identificado, insista-se[32]) (cfr artigos 1.º e 2.º do PPA), lê-se também, mais adiante, que a Req.te, vem, afinal, “contestar, em primeiro lugar, a legalidade dos referidos atos de repercussão da CSR (...), e, em segundo lugar (...) a legalidade dos antecedentes atos de liquidação (...)”. E, no petitório, que seja declarada “a ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas (...) e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR (...) determinando-se, nessa medida, a sua anulação, com as demais consequências legais, designadamente, com o reembolso à Requerente de todas as quantias suportadas a esse título (...).” Percorrendo, pois, o PPA são diversos os pontos em que se revela de difícil apreensão o que é pedido e com que base a Req.te o pede. Assim, fala-se em visar a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, referentes ao período compreendido entre Maio de 2019 e Dezembro de 2022. Mas isto (como depois vem exposto) no que respeita, afinal, a abastecimentos realizados, nesse período, pela Req.te. Fala-se afinal em “atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas” e em “apreciação da ilegalidade de atos tributários, mormente de atos de repercussão da CSR” (cfr. 34.º do PPA) como, bem assim, em “os montantes de CSR entregues ao Estado” terem sido “incluídos no preço de venda dos combustíveis” (cfr 21.º do PPA) e fala-se, simultaneamente, em “pagamento indevido da prestação tributária” por si Req.te, adquirente dos combustíveis (cfr 98.º do PPA). Fala-se em “atos de repercussão de CSR” que “se encontram claramente identificados” e neste contexto em tabela-resumo referente aos consumos”, mais em “declaração emitida pela fornecedora” e em “atos de repercussão de CSR – i.e., as faturas emitidas pela B... à aqui Requerente” porém sem que das facturas conste referência a CSR, como a Req.te também reconhece ao ter que apurar por cálculos aritméticos os montantes que vem peticionar.
A acrescer, pois, à falta de objecto, por inexistência, nos autos, do acto a sindicar - só por si causa de ininteligibilidade do pedido e, assim, de ineptidão da petição inicial nesta sede (contencioso tributário de mera anulação) - a exposição apresentada pela Requerente revela-se confusa e não permite apreender, com segurança, o objecto, lato sensu, da causa.
Sempre se coloque, aqui chegados, a pergunta: a ser considerada procedente a acção, qual o acto que o Tribunal anulava? Não se sabe. E a decisão arbitral tributária assume, como a decisão dos Tribunais Tributários em processo de impugnação judicial, um carácter cassatório, de eliminação, total ou parcial, da Ordem Jurídica, do acto impugnado.
Ficando o Tribunal em tal desconhecimento, de qual seja o acto impugnado, e por tudo o que vem de percorrer-se, não pode senão concluir-se pela ineptidão da petição inicial. Por falta de objecto e/ou ininteligibilidade do pedido e causa de pedir. O que determina a nulidade de todo o processo. Excepção dilatória que constitui nulidade absoluta que afecta todo o processo, obsta ao conhecimento do mérito e tem por consequência a absolvição da instância. Tudo como vimos. E como se decidirá.
Antes, porém, refiram-se ainda três pontos.
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Um primeiro, para dizer que não seria por a Req.da se ter defendido nos autos que a conclusão a que chegámos poderia ser outra. A Req.da exercer defesa, ademais estando em causa direitos indisponíveis, é compreensível e desejável, e pode sim revelar que a mesma aproximou o sentido do pedido - em tese. É natural que se defenda, em tese, quanto às imputações que são feitas. Mesmo se se concluísse que a Req.da tinha interpretado convenientemente a petição inicial[33], não teria em qualquer caso sido compreendido qual o acto impugnado. E, em decorrência de tudo o que se viu, o contencioso em que nos movemos não é compatível com tal desconhecimento. Do acto.
No caso, a falta de clareza da petição sempre acarretou reflexos na defesa apresentada pela Req.da. E - determinante - o acto tributário objecto continua indeterminado.[34] Mais uma vez: a admitir que a acção fosse procedente, e que vinha a ser proferida uma decisão com força de caso julgado material, qual seria então o acto a anular? Nem foi junto, nem decorre do Pedido qual seja. O processo administrativo, e, mais ainda, o processo tributário, não se compadecem com generalidades, e o acto tributário só pode ser provado por documento (prova legal). A excepção de nulidade do processo decorrente da ineptidão da p.i. confirma-se em qualquer caso.
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Um segundo para deixar claro não ter o (alegado) indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa a virtualidade de constituir verdadeiramente o acto objecto dos autos. Como é bom de ver, o que se vem peticionar nessa sede, arbitral tributária, é a anulação/declaração de ilegalidade do acto de liquidação (rectius liquidação, autoliquidação, retenção na fonte ou pagamento por conta) – v. art.º 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT. E o acto de segundo grau serve precisamente o propósito de abrir a via para a apreciação da legalidade do acto de liquidação. Como, aliás, a Requerente também reconhece. A redacção conferida pelo legislador ao art.º 2.º do RJAT é clara a respeito, ao expressamente identificar as pretensões para as quais os Tribunais Arbitrais têm competência, e aí apenas se incluindo os actos de primeiro grau (diferentemente, v. o art.º 97.º, n.º 1, al.s c) e d) do CPPT; e poder ver-se, também, como na lei de autorização do RJAT[35] se previa como objecto possível do processo arbitral tributário, além dos actos que o legislador transportou para o RJAT (cfr. al.s a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º) também outros, e aí se incluindo os actos de “indeferimento de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, (...)”). O (alegado) indeferimento (tácito) do pedido de revisão não é, pois, o acto em crise. Aquele cuja anulação a Req.te vem, afinal, peticionar, com base na al. a), do n.º 1, do art.º 2.º do RJAT, que convoca. E que não pode deixar de ser um acto tributário stricto sensu.[36]
Mais, e sem prejuízo do que se disse, nem será dado assente, no caso, poder presumir-se o indeferimento. (Aqui voltaremos ao tratar a excepção de ilegitimidade, infra)
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E um terceiro, por fim, para sempre referir que outras excepções se verificavam nos autos.
Desde logo, a Requerente carece de legitimidade processual (activa).
Não é esse o entendimento da própria. Em seu entender, assiste-lhe legitimidade. Assim o afirma no PPA: “(...) atente-se o disposto na alíena a), do n.º 4, do artigo 18.º, da LGT (...) sendo reconhecida legitimidade à Requerente para suscitar a pronúncia arbitral com referência àquela matéria, a apreciação acerca da ilegalidade dos atos de repercussão de CSR deverá igualmente ser objeto de pronúncia por parte do CAAD (...)”. Desenvolve a respeito no contraditório à excepção de ilegitimidade (v. supra). Convoca, entre o mais, o art.º 18.º, n.º 4, al. a) da LGT, e defende essencialmente ser também ela repercutido legal e aí subsumir-se a sua situação.
Será, pois, nessa qualidade, de repercutido, que vem aos autos. Defende assim ter legitimidade processual activa.
Vejamos.
2.3. Da excepção de ilegitimidade
A ilegitimidade das partes configura uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que, sendo julgada procedente, obstará a que o Tribunal conheça do mérito da causa - v. art.º 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, al. e) do CPTA, e art.ºs 576.º, n.º 2 e 577.º, al. e) e 578.º do CPC.
Quanto ao regime da legitimidade das partes no contencioso tributário, vejamos.
Dispõe o legislador no art.º 65.º da LGT, sob a epígrafe “[l]egitimidade”, ainda que por referência ao procedimento tributário, que “[t]êm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”
Na LGT determina ainda o art.º 54.º, n.º 2, que “as garantias dos contribuintes (...) aplicam-se também à (...) repercussão legal a terceiros da dívida tributária, na parte não incompatível com a natureza destas figuras.”
No CPPT dita o art.º 9.º, também sob a epígrafe “[l]egitimidade”, no seu n.º 1, assim: “[t]êm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos (...) e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.” E o seu n.º 4, por sua vez, determina que têm legitimidade no processo judicial tributário (a par de outras) as entidades referidas nos números anteriores e, assim, naquele n.º 1.
No RJAT (v. Preâmbulo) o legislador cuidou de litígios “que opõem a administração tributária ao sujeito passivo”, e do pedido de constituição do tribunal arbitral deve constar a “identificação do sujeito passivo” (cfr. art.º 10.º, n.º 2, al. a) do RJAT).
Por sua vez, em matéria de legitimidade, conceito, v. o art.º 9.º do CPTA, que determina que o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida. Pelo que, “(...) a legitimação processual é aferida pela relação jurídica controvertida, tal como é apresentada pelo autor. Deste modo, há que atender à relação jurídica tal como o autor a apresenta e configura, isto é, à pretensa relação jurídica, e não à relação jurídica material, tal como ela se constituiu na realidade, sendo por isso indiferente, para a verificação da legitimidade, a questão de saber se o direito existe na titularidade de quem o invoca (...), matéria que diz antes respeito à questão de fundo e poderá, quando muito, determinar a improcedência da ação (...).”[37]
Princípio geral em matéria de legitimidade activa este, vindo de ver, que tem correspondência no CPC, art.º 30.º - “Conceito de legitimidade”, n.º 3: “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”. Ou seja, são partes legítimas as pessoas que o autor indique como sendo os sujeitos da relação controvertida.[38]
Ora, nos nossos autos, a própria Requerente reconhece não ser sujeito da relação jurídica controvertida. Reconhece vir aos autos não na qualidade de sujeito (passivo) da relação jurídico-tributária que configura (e do(s) acto(s) de liquidação), mas sim na qualidade, outra, de consumidor final – “repercutido”. E assim pugna pela sua legitimidade (cfr. supra).
Também esclarece, no PPA, que “os montantes de CSR entregues ao Estado pelos fornecedores de combustível foram incluídos no preço de venda dos combustíveis”. (cfr 21.º do PPA)
Dito isto.
Tal como apresenta a relação controvertida, a Requerente não é sujeito (passivo) da mesma. É, diferentemente, e segundo alega, entidade que suporta o encargo do imposto por repercussão. Como consumidor final dos combustíveis em apreço.
Mas a Requerente, ainda assim, entende que tem legitimidade activa nos presentes autos. Desde logo, processual. E porquê? Porque apesar de o legislador tributário ter sido claro ao determinar que não é sujeito passivo da relação jurídico-tributária “quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal” - v. n.º 3 versus n.º 4, al. a), do art.º 18.º da LGT - ainda assim o legislador disse que este (o repercutido legal que por essa via suporte o encargo do imposto) não o é (sujeito passivo), mas sem prejuízo do direito a meios de defesa nos termos das leis tributárias. Assim (inserido no Título II – Da relação jurídica tributária):
“Artigo 18.º - Sujeitos / (...)
3. O sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva (...) que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.
4. Não é sujeito passivo quem:
a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias;”
O que dizer, então?
Que é certo que quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal não deixará de ter meios de defesa, administrativos e jurisdicionais, ao seu alcance, no pressuposto de que prove interesse legalmente protegido (v., na LGT, art.ºs 9.º, n.º 1 – “[é] garantido o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos” e 65.º, segunda parte – “[t]êm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido”, e no CPPT, art.º 9.º, n.º 1, parte final - “[t]êm legitimidade (...) os contribuintes (...) e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”, e n.º 4).
Porém, desde logo, meios ao seu alcance nos termos das leis tributárias – como logo o disse o legislador no art.º 18.º, n.º 4, al. a) da LGT (supra).
Ou seja (e como primariamente decorreria do que já vimos de ver) não bastará a prova de qualquer interesse legalmente protegido, para o interessado poder figurar como parte activa na acção. Além de que tais interesses terão que ser interesses afectados pela decisão que possa ser tomada no procedimento tributário[39], recorde-se ainda a regra da correspondência entre direito e acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo: salvo se a lei determinar o contrário, haverá apenas um determinado meio processual que em cada caso pode ser utilizado para obtenção da tutela judicial (v. também o art.º 98.º, n.º 4 do CPPT, e o art.º 2.º, n.º 2 do CPC).[40]
Pois bem.
Os meios existentes - as formas de processo, se se preferir (e pensando agora apenas no processo) – são diversos (v. art.º 95.º, n.º 1 da LGT: “O interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei.”).
E só podem ser utilizados por referência a determinados tipos de actos.
O processo de impugnação judicial é a forma de processo tributário por excelência, dissemos já. Não a única, pois. E foi no seu âmbito que o legislador criou, como alternativa, a Arbitragem Tributária (v. art.ºs 1.º, 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 2 do RJAT).
O processo de impugnação judicial tem por objecto actos tributários (lato sensu).
A impugnação judicial prevista na al. a) do n.º 1 do art.º 97.º do CPPT – aquela que tem correspondência na al. a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT[41] – é a forma de processo adequada, o meio, próprio, nos termos das leis tributárias, para sindicar actos tributários stricto sensu (v. também supra, pág. 24).
A repercussão - repercussão legal - não é acto tributário stricto sensu.
Sequer acto tributário. Lembrando que o acto tributário é um acto administrativo. E v. no art.º 148.º do CPA (e no art.º 60.º do CPPT – Secção II – Da decisão), entre o mais, o elemento “decisão”, sempre presente. Decisão no exercício de poderes jurídico-administrativos.
Não o sendo a repercussão legal, já se vê, também assim a repercussão meramente económica. Como se concluirá suceder no caso.
***
Aproximando:
Estamos em CSR, reportando-se os autos a período em que vigorava a Lei n.º 55/2007.
A Requerente é consumidora de combustíveis, em concreto gasóleo e gasolina.
Não sendo, como reconhece, sujeito passivo da CSR, sujeito passivo na relação jurídico-tributária em que se enquadram os falados, mas não concretamente identificados, actos de liquidação de CSR. Que teriam ocorrido na esfera jurídica de empresa a si fornecedora dos mesmos. Porém, segundo alega, tendo-lhe sido repercutido a si o tributo em questão. Quando adquiriu os ditos combustíveis (cfr facturas juntas, de datas entre Maio de 2019 e Dez. de 2022).
A ser assim, como alega ser, a Req.te estaria a suportar ela própria o encargo da CSR.
Ao adquirir gasóleo e gasolina, ao pagar o respectivo preço, estaria também a incorrer - segundo alega afinal - no pagamento de CSR, a CSR que antes de si o sujeito passivo (SP) do tributo pagou ao Estado. O SP a quem o tributo foi liquidado (v. art.º 11.º do CIEC, ex vi art.º 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007) estaria, assim se terá que concluir, a fazer incluir no preço de venda à Req.te, daqueles litros do combustível em questão, o valor que em momento anterior pagou, por aqueles mesmos litros do combustível (... são os actos de liquidação ocorridos sobre os mesmos que vem pedir sejam anulados), de CSR, ao Estado (fazendo ademais a Req.te um cálculo por aplicação das respectivas taxas em vigor não necessariamente à data das liquidações - rectius da exigibilidade, cfr. art.º 8.º CIEC -, data que se desconhece..., mas sim à data das facturas...[42]).
Estaria assim a Req.te a suportá-lo, o tributo, a CSR, e segundo sustenta, por repercussão.
O que faria com que a sua situação recaísse, segundo também sustenta, na al. a) do n.º 4 do art.º 18.º da LGT. Quando aí se refere que não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal.
Previu o legislador, no art.º 18.º, n.º 4, al. a) da LGT, a possibilidade de acesso à justiça tributária, para tutela de direitos ou interesses legalmente protegidos, daqueles a quem, suportando o encargo do imposto por repercussão legal, possa, por essa via, advir lesão de interesses legalmente protegidos.
Ora.
Antes de mais, a repercussão, a ocorrer em CSR, sempre o será, diga-se, em moldes desde logo distintos da repercussão que se vê ocorrer em IVA, aí sim determinada por lei com carácter de obrigatoriedade – v. art.º 37.º do CIVA (com mais desenvolvimento v. Decisão Arbitral de 14.08.2024 no processo n.º 473/2023-T[43]).
No funcionamento do tributo aqui em questão, ao tempo, CSR, desde logo em se estando perante uma Contribuição Financeira, como propendemos a entender (v. supra), não haverá uma repercussão legal – pelo menos com o alcance que a Req.te pretende ver reconhecido de um valor (alegadamente) igual ao suportado a montante pelo SP ser por si suportado a jusante ao adquirir os combustíveis. Não terá sido querido pelo legislador tributário visar/onerar senão o grupo com o qual se estabelece o já referido sinalagma difuso (os sujeitos passivos do tributo), pelo que não se sustentaria a argumentação da Requerente. V., ademais, cfr. já supra também, como o legislador visou sim assegurar a neutralidade do tributo não o fazendo recair no preço – cfr. art.º 7.º da Lei 55/2007.
Ainda assim, considerando que é para o disposto no CIEC que a Lei 55/2007 remete em matéria de liquidação, cobrança e pagamento da CSR (ou mesmo atentando à alegada, pela Req.te, qualificação do tributo ao tempo como um imposto, e como é também um entendimento corrente na Jurisprudência Arbitral recente no tema), sempre se dê a seguinte nota.
Em matéria de impostos especiais sobre o consumo é conhecida a proximidade a características próprias da parafiscalidade (bem como do direito aduaneiro).
Diferentemente do que sucede em IVA, estamos aqui perante impostos monofásicos. O facto gerador do imposto verifica-se, em regra (excepções existem[44]), no momento da introdução no consumo (e quanto a esta, v. art.º 9.º do CIEC). Uma única vez, pois (v. art.º 7.º e ss. do CIEC).
Bem se vê já por aqui, a haver repercussão, mesmo que querida - por ser essa a lógica neste seio - pelo legislador, ela será um mecanismo particular (no sentido de levado a cabo por um particular), moldável, na disponibilidade dos operadores económicos, que operam, precisamente, no mercado, no seio das contingências próprias deste. Para dizer que não há, aqui, uma imposição legal de repercutir o tributo (menos ainda há uma imposição, sequer a possibilidade, de liquidação de novo do tributo; como, aliás, patente nas facturas, que nada contêm a título de CSR). Dir-se-á que estaremos perante o convocar - num contexto em que, apartando-se o princípio legitimador do da capacidade contributiva para se aproximar do princípio do benefício... - de uma regra geral, como na frase popularizada por Friedman, de que não há almoços grátis.
E nem será pela recentemente aditada formulação expressa “sendo repercutidos nos mesmos”, no art.º 2.º do CIEC, que o que vem de se dizer se altera. Também aí, nessa actualizada redacção, há um mero esclarecer da mesma regra geral que já vinha de antes (como, aliás, a atribuição de natureza interpretativa à norma também o revela[45]).
Em qualquer caso, a ser feita repercussão/transmissão para a frente de CSR pelo SP - rectius do encargo económico - em casos como este, a isso suceder, e mesmo que ao longo da cadeia económica, não só a operação em questão não resulta de uma concreta imposição expressa do legislador, desde logo tal não integrando o regime jurídico do tributo (diferentemente do que sucede em IVA). Como - e determinante - sempre estaremos perante uma operação do próprio agente económico (como assim, aqui sim, também afinal em IVA[46]). Que não da Administração Tributária (sequer operação que lhe viesse a ser submetida tornando-se a seu tempo definidora de uma situação individual e concreta).
A assim ocorrer, a Requerente poderá suportar o encargo económico do imposto por via de repercussão (poderá arcar com efeitos económicos do tributo, diríamos).
Operação, facultativa, realizada pelos agentes económicos.
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Dito isto.
Admitindo o legislador, na LGT, lei geral, que se pretendia ser uma lei de valor reforçado, como se sabe, a possibilidade, neste contexto, de o repercutido legal se ver lesado nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria tributária, determinou (al. a) do n.º 4 do art.º 18.º) que o mesmo poderá (sendo o caso) fazer uso de meios, procedimentais e processuais, para a respectiva tutela “nos termos das leis tributárias”. Habilitando/dirigindo assim o legislador a concretizá-lo nas leis tributárias. Referiu meios, remetendo pois (como nem poderia deixar de ser) para o disposto nas leis tributárias.
Ainda na LGT v. os art.ºs 9.º, n.º 2 e 95.º, n.º 1 - actos impugnáveis ou recorríveis nos termos da lei / direito de impugnar ou recorrer segundo as formas de processo prescritas na lei -, e o art.º 101.º, contendo o elenco de meios processuais tributários, depois concretizado no art.º 97.º do CPPT, de onde constam, na al. a) (com correspondência na al. a), n.º 1, art.º 2.º do RJAT) a forma de processo de impugnação sobre actos tributários stricto sensu, e, nas alíneas seguintes, outras (impugnação de outros actos tributários e outras formas de processo).
Ao recorrer à forma de processo de impugnação que tem por objecto actos tributários stricto sensu (via Arbitragem Tributária) a Requerente estava a escolher o meio processual nos termos das leis tributárias adequado à apreciação da legalidade de actos de liquidação de CSR. Acto tributário stricto sensu. Que a repercussão - mesmo a repercussão legal, como em IVA - não é, vimos, e aqui ainda voltaremos.
Não sendo sujeito passivo dos actos de liquidação de CSR que pretende impugnar (ainda que sem os identificar concretamente), carece de legitimidade processual para o efeito, uma vez que não é sujeito da relação controvertida (a relação jurídico-tributária em que tais actos se inserem), desde logo tal como por si delineada (cfr. supra).
E não estava, nisto também, em qualquer caso, a escolher meio processualmente adequado em sede de repercussão legal nos termos das leis tributárias. (O processo judicial tributário na forma de processo de impugnação judicial cfr. al. a) do n.º 1 do art.º 97.º do CPPT, e v. al. a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, tem por objecto a apreciação da legalidade de actos tributários stricto sensu, insista-se.)
Também não se verifica, sempre se refira, ao não assistir legitimidade processual nos presentes autos à Requerente, e por tudo o visto, preterição de quaisquer normativos Constitucionais. Desde logo os art.ºs 2.º, 13.º, 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP. Com efeito, dando concretização às garantias consagradas na Constituição em matéria de tutela jurisdicional efectiva, dita desde logo o art.º 95.º, n.º 1 da LGT: “[o] interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei” (v., ainda, aí, o art.º 9.º, n.º 2).
A terminar, e na sequência de tudo o que vimos, retornemos ainda, por uma última vez, ao art.º 18.º, n.º 4, al. a), da LGT, in fine: “nos termos das leis tributárias”.
Bem se conhece a manifesta complexidade da Ordem Jurídica tributária, complexidade que também nestas matérias - âmbito de aplicação de meios processuais tributários - impera. Não sendo inclusive de fácil apreensão, por vezes, a interligação entre LGT e CPPT.
Certo, porém, é que na LGT o legislador previu os princípios – os princípios fundamentais (cfr. Preâmbulo no respeitante ao Título IV - processo tributário), a depois ser desenvolvidos em sede de direito tributário adjectivo e de codificações especiais de cada tributo.
O art.º 18.º, n.º 4, al. a), não foi excepção, vimos, assim se remetendo para o disposto nas leis tributárias. Que é, pois, onde encontraremos os meios que o legislador consagrou, cumprindo o normativo.
Ora, vindo a Requerente aos autos (nos termos que vimos e sustentando-se na alegada qualidade de repercutida) pretender a anulação de actos tributários de liquidação em CSR, sempre seríamos remetidos para a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (v. supra) e, por remissão da mesma (v. art.ºs 4.º e 5.º), para o Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).
A Requerente, vimos, pretende, através da peticionada anulação dos actos de liquidação de CSR, o reembolso do tributo alegadamente por si suportado - o reembolso, a si, do montante de CSR que alegadamente teria suportado, como consumidor dos combustíveis, por repercussão.
No CIEC previu o legislador, como bem se compreende, meios procedimentais próprios, na esfera dos sujeitos passivos, para obtenção de reembolsos de imposto pago. Assim, dispõe o art.º 15.º, n.º 2 (CIEC), em sede de regras gerais de reembolso - no “Capítulo II, Liquidação, pagamento e reembolso do imposto” e, assim, norma aplicável ex vi art.º 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007 - que “[p]odem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.”
Ou seja, é aos sujeitos passivos do imposto que assiste (que o legislador nas leis tributárias atribui) legitimidade activa para requerer o reembolso. Sujeitos passivos, a saber: o depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado (v. art.º 4.º para que ali se remete). E reembolso que pode ter por fundamento, entre outros, erro na liquidação (v. art.º 16.º do CIEC).[47] Mecanismo de reembolso que corresponde a uma restituição do imposto pago pelo sujeito passivo. Pedidos de reembolsos a favor do sujeito passivo estes que são facultativos (v. n.º 2 daquele art.º 15.º - “[p]odem”), ficando na sua disponibilidade.
A ser suportado o encargo do tributo por repercussão, quem assim se considere lesado nos seus direitos poderá então, desde logo, junto dos seus fornecedores procurar fazê-los valer. Lembrando que repercussão nos preços (repercussão indirecta dos impostos através dos preços), a única possível no caso, sempre será algo que fica dependente do normal funcionamento dos mercados. Realidade própria do mundo económico. Repercussão eventual, mesmo se pretendida pelo legislador, ao longo do circuito económico. (Distintamente do que sucede em IVA, em que o próprio regime do imposto se estruturou com base na obrigação legalmente imposta, ao longo da cadeia, aos sujeitos passivos - todos os intervenientes na cadeia até ao consumidor final -, de liquidar o imposto e assim o cobrar juntamente com o preço dos bens/das operações a jusante, nas facturas, assim obrigatoriamente o repercutindo[48]).
Não deixando, neste contexto, já se vê, o sistema do Estado de prever a tutela de outros possíveis interesses lesados. Desde logo[49] em sede de relações jurídico-privadas.
Nem a harmonização Comunitária nesta sede, e o Direito da UE, se vêem coartados com o que vimos de ver, desde logo tendo em consideração o mais que também o nosso sistema judicial pode garantir. Com interesse v. (e lembrando que estamos em relações no seio do funcionamento do mercado, como vimos, portanto que não limitadas ao seio administrativo-tributário) Acórdão do TJUE de 20.10.2011, proc. C-94/10, Danfos A/S, com o seguinte ponto 1 no dispositivo: “As normas do direito da União devem ser interpretadas no sentido de que um Estado‑Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil.”
Em todo o caso, e em coerência com tudo o que vem de se percorrer, v. ainda o disposto na Lei 55/2007 (art.º 5.º, n.º 1) e sempre se recorde que os meios de reacção aos actos de liquidação previstos pelo legislador tributário são comuns ao Direito ao tributário e ao aduaneiro (v. art.º s 1.º da LGT e 1.º do CPPT).
Conclua-se.
Contrariamente ao que vem defendido pela Requerente, a norma - art.º 18.º, n.º 4, al. a) da LGT- não confere ao repercutido (sequer ao repercutido legal, que a Req.te nem é) legitimidade para impugnar a liquidação.
Tudo como percorrido.
E nem os art.ºs 18.º, n.º 4, al. a), 54.º, n.º 2, 65.º e 95.º, n.º 1 da LGT, em conjugação com o art.º 9.º, n.º 1 e 4 do CPPT, diga-se, reconhecem legitimidade a quem for titular de um interesse legalmente protegido conferindo, por si, legitimidade procedimental e processual nos autos.
A impugnação judicial terá por objecto um acto tributário, que no caso seria o acto de liquidação de CSR (cfr. art.º 11.º do CIEC, ex vi art.º 5.º da Lei 55/2007), e terá legitimidade na impugnação correspondente o respectivo sujeito passivo (que é o sujeito da respectiva relação jurídico-tributária, desde logo tal como configurada pelo Autor - cfr. supra). De poder ter um interesse legalmente protegido em matéria tributária e poder assistir ao repercutido (legal) interesse em recorrer aos Tribunais (v. também, além do mais, o art.º 268.º, n.º 4 da CRP, a que a Req.te faz apelo) não decorre que possa ser parte em acção de impugnação judicial tributária, que possa ser parte legítima na mesma. Como se sabe. E por tudo o que se viu.
(E o mesmo quanto à invocada/implicitamente assumida legitimidade procedimental. Referimos já que à Req.te não assiste, ao não ser sujeito passivo, legitimidade para o mecanismo dos pedidos de reembolso - cfr. CIEC, v. supra. Nem, ademais, assim o vemos, lhe assistia legitimidade em sede de pedido de revisão oficiosa. Por tudo o percorrido, a Req.te nos autos não qualifica como contribuinte de CSR, nem como sujeito passivo da mesma. Sendo que “a revisão dos actos tributários prevista e regulada no art.º 78.º da LGT pode ser desencadeada tanto pela administração tributária como pelos contribuintes ou outros sujeitos passivos das relações jurídicas tributárias”[50]. Ou seja, e voltando onde mais atrás o aproximáramos, o pedido de revisão oficiosa submetido pela Req.te não é de presumir-se, tacitamente, indeferido. Ao não existir, no contexto exposto, dever de decisão – v. art.º 56.º da LGT – por não preenchido o pressuposto procedimental subjectivo da legitimidade activa).
Do mesmo passo, as mesmas consequências se retiram com referência à acção arbitral tributária, meio de que a Requerente veio fazer uso e que é alternativo àquele, seguindo os mesmos termos no essencial.
Ainda se dê, aqui chegados, duas notas finais.
Uma, em qualquer caso se refira (independentemente de a Req.te não qualificar como repercutida legal... mas já que também convoca a norma para vir interpor a presente acção arbitral), a de que é também, quanto a nós, de admitir (sem prejuízo de tudo o que se disse), na menção, no art.º 18.º, n.º 4, al. a), a “pedido de pronúncia arbitral”, ter o legislador partido do teor da lei de autorização do RJAT, onde se referia como podendo vir a incluir-se no objecto do processo arbitral tributário “direitos ou interesses legítimos em matéria tributária”. Com efeito, o trecho em questão da norma é anterior à publicação do RJAT, no qual o objecto do processo arbitral viria a resultar mais restrito (assim amputado dessa matéria).[51] Temos presente o elemento temporal na interpretação.
Outra a carecer de algum maior aprofundamento (sempre sem prejuízo de tudo o que se disse), a de que nem as facturas - os documentos que a Req.te carreou nos autos[52] (mesmo após notificada para se pronunciar sobre a falta de junção do acto/a excepção de ineptidão) - supririam a inexistência do acto tributário, nem a sua junção permitiria alterar o que quer que seja do que vem dito. Assevera a Req.te que nas facturas que lhe foram emitidas houve lugar à repercussão da CSR. Fala em “actos de repercussão de CSR consubstanciados nas faturas” e em “ilegalidade de atos tributários, mormente de atos de repercussão da CSR, materializados nas faturas”, e em “atos de repercussão (...)os mesmos se encontram claramente identificados, dado que, para além da tabela-resumo referente aos consumos realizados (...) faz juntar igualmente (...) declaração emitida pela fornecedora (...) e (ii) os atos de repercussão de CSR – i.e., as faturas emitidas pela B...”. “Atos de repercussão materializados nas faturas”, refere.
Pretende, pois, que as facturas documentariam actos tributários, actos tributários de repercussão de CSR. Defendendo não lhe ser exigível juntar mais que as facturas.[53] Sempre nos foquemos aqui, muito sinteticamente. Aproximado que ficou, entretanto, de que se fala quando se fala em repercussão, em CSR (v. supra).
Comecemos então pelos conceitos.
Repercussão.
Depois, Facturas.
E por fim, revertendo ao início, Acto tributário.
Repercussão.
O legislador em CSR não tratou de repercussão, desde logo aquando da criação do tributo, cfr. máxime art.º 7.º da Lei 55/2007. Se atentarmos no disposto no CIEC, por sua vez, e atento o também disposto naquela mesma Lei (art.º 5.º, e segmento do CIECs para que aí se remete) veremos que, muito embora em sede de IECs esteja presente um princípio do benefício, legitimador, o legislador não determinou uma obrigação de repercussão dos mesmos. Diferentemente do que sucede em IVA, não há qualquer obrigação seja de liquidação ao longo da cadeia, do tributo, seja de repercussão do mesmo. Como acima já aflorado, mesmo a premissa que passou mais recentemente a constar do art.º 2.º do CIEC não é mais que a exteriorização de uma regra geral própria da realidade económica, já antes necessariamente presente.
De que se trata, afinal? De os agentes da cadeia económica - máxime o SP (que é apenas um, recorde-se, estamos em sede de impostos monofásicos, e, portanto, também o único no conhecimento exacto do que foi pago a título de CSR) - poderem fazer recair/reflectir, no valor do preço que cobram aos seus clientes, despesas em que antes incorreram. Assim sendo uma possibilidade fazerem-no ponderando também o custo em que aí incorreram a montante inclusive com referência à CSR. Tratar-se-à, assim, em todo o caso, de fazer incluir no valor do preço dos bens esse custo, antes incorrido. Que não um adicionar à factura do montante que se liquidasse, aí, de imposto (como em IVA). Sem surpresa, não figura CSR nas facturas.
A repercussão a ocorrer será, pois, em casos como o dos autos - art.º 7.º, n.º 1 do CIEC -, a transmissão, na cadeia económica, do encargo económico do tributo, incorporado-o, esse encargo, como custo da actividade económica que também é, nos preços. Em alguma medida.
Pois que não há aqui, como visto, uma imposição legal de proceder à repercussão. Os agentes económicos fá-lo-ão, a ser o caso, - essa incorporação do encargo nos preços - que não por uma concreta imposição determinada legalmente. Vimos.
Repercussão económica, afinal. Que não repercussão legal cfr. art.º 18.º, n.º 4, al. a).
Aquele, por sua vez, a quem esta possível transmissão do encargo/custo antes incorrido com o imposto afectará, o agente económico seguinte na cadeia, pagará um determinado preço que reflectirá também esse custo. Mas não porque quem o antecede esteja, nisso, a dar cumprimento a uma imposição legal de (liquidação e) repercussão.
Não há, neste contexto, repercutido legal, a Requerente não o é.
Poderá ser repercutida - no sentido de sofrer nestes termos um encargo próprio dos efeitos económicos do imposto. Mas não por via de uma imposição legal de repercussão do imposto liquidado, CSR. Não lhe é exigido o pagamento de CSR. Não é, pois, sujeito de qualquer dívida tributária em CSR.
Facturas.
As facturas titulam/documentam o negócio jurídico a elas subjacente.
E nem nelas figura qualquer verba a título de CSR.
Não se alcança, assim, como possa ver-se as facturas como documentando actos tributários de repercussão da CSR, como retratando actos tributários de liquidação.
A possível transmissão-repercussão de custos económicos, incorporando-os nos preços dos bens, não será senão levada a cabo pelos próprios agentes económicos, inexistindo imposição por parte do legislador tributário de que assim o façam.
Nem há aí qualquer liquidação, sequer pelo sujeito passivo/pelos agentes económicos (como em IVA sucede).
E a ocorrer essa transmissão-repercussão económica, inexiste qualquer intervenção (seja então, seja em posterior assentimento/aceitação/ confirmação ou não) da Administração Tributária.
Não há, pois, um acto tributário ou liquidação, seja em sentido estrito, seja em sentido amplo. Não há uma decisão administrativa sobre uma situação individual e concreta respeitante ao contribuinte em aplicação da lei tributária material.
Sequer se alcança como possa ver-se essa transmissão do custo como um acto. Menos ainda como um acto administrativo - acto tributário. A querer-se qualificá-lo como um acto, estamos perante um acto do agente económico (seja ele o sujeito passivo, seja agente económico posterior na cadeia).
Sem maiores desenvolvimentos, recorremos às palavras (a ler com as necessárias adaptações e actualizações) de Alberto Xavier[54]: “É certo que, ao menos em certos impostos - como no imposto de transacções e nos direitos aduaneiros - a liquidação não é uma simples operação mental, por se dever corporizar num documento (factura ou fórmula de despacho), cuja elaboração é rigorosamente disciplinada por lei (...). A elaboração dos referidos documentos, de harmonia com a lei fiscal, bem como a indicação neles do imposto correspondente ao valor da transacção, constitui, porém, não a forma de um acto jurídico de aplicação da norma tributária material, anterior ao pagamento, mas a simples realização de um dever tributário acessório, imposto por lei (...). Ora, foi a inegável autonomia destas operações de registo e escrita em relação ao pagamento que levou o próprio legislador a assimilá-las à actividade da Administração fiscal, usando os mesmos conceitos para as designar (...) sem se preocupar em distinguir aí onde se verifica a prática de um acto de aplicação da norma material pela Administração dali onde um simples particular, cumprindo um dever instrumental, regista em documentos adequados os factos sujeitos a imposto e o tributo que lhes corresponde.”
Pois bem, no caso da CSR, como visto, tão pouco chega a haver liquidação do tributo entre agentes económicos e/ou ao consumidor final/utilizador. Repercussão legal. Não há, aqui, o cumprir de uma obrigação acessória/de um dever instrumental.
Aqui não estamos perante repercussão legal. Por maioria de razão não há acto tributário.
Adicionado que seja, pelo agente económico, um custo no preço em reflexo do custo em que incorreu ao pagar a CSR, tal é alheio a qualquer intervenção da Administração Tributária.
Faculdade dos agentes económicos, ainda que admitida/querida pelo legislador, havíamos visto. Operação dos agentes económicos, a ocorrer.
Própria do mundo económico.
Acto tributário.
Aproximámos acima o conceito de acto tributário. Remetemos para o disposto no art.º 148.º do CPA, e no art.º 60.º do CPPT.
O acto tributário é, além do mais, e do já dito, organicamente administrativo.[55]
Não cabe, pois, visto o percorrido, falar num tal de acto tributário de repercussão de CSR (e que as facturas documentariam) como pretende a Requerente.
Pois bem.
Acto tributário em CSR será o constante do art.º 11.º do CIEC (v. também aí art.º 10.º-A) – a liquidação de CSR, que é efectuada com base nas DIC apresentadas/submetidas pelos agentes económicos sujeitos passivos de CSR. Liquidação lato sensu. Acto tributário stricto sensu e, assim, o acto impugnável nos termos do art.º 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
*
Em suma, verificava-se nos autos, a par da excepção de ineptidão da petição inicial, também e desde logo, excepção dilatória de ilegitimidade processual activa.
3. Decisão
Termos em que decide este Tribunal Arbitral:
Declarar nulo todo o processo por ineptidão da petição inicial e, consequentemente, absolver a Requerida da instância.
4. Valor do processo
Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 202.520,71, valor indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida.
5. Custas
Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, a cargo da Requerente (cfr. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, considerando-se, quanto à acção, que a perde o Autor quando o Réu é absolvido da instância).
Lisboa, 30 de Outubro de 2024
Os Árbitros,
Fernando Araújo (Presidente)
(Acompanho a fundamentação e o sentido da decisão, com a ressalva de que entendo que a CSR foi um verdadeiro imposto, nascido do ISP e a ele regressado, após a sua extinção na Lei nº 24-E/2022, de 30 de Dezembro, acompanhada de concomitante aumento da taxa de ISP pelo valor da ex-CSR – o que não afecta, como assinalado na fundamentação, a questão da (in)competência do tribunal.
Em reforço da conclusão de ineptidão do pedido por falta de identificação de um acto tributário a impugnar, assinalaria ainda o incumprimento, na facturação exibida pela Requerente, do estabelecido na al. b) do nº 1 do art 11º da Lei nº 5/2019, de 11 de Novembro, e na al. a) do nº 2 do art. 9º do Regulamento Relativo ao Regime de Cumprimento do Dever de Informação do Comercializador de Combustíveis Derivados do Petróleo e de GPL ao Consumidor, da ERSE, publicado no Diário da República, II Série, de 20/2/2020 – a impossibilitar definitivamente qualquer prova formalizada, e minimamente rigorosa, através da facturação aos consumidores de combustíveis, de uma eventual repercussão económica da CSR.)
Sofia Ricardo Borges (Vogal- Relatora)
Marisa Isabel Almeida Araújo (Vogal)
(Com voto de vencido)
Voto de Vencido
(Em evolução de raciocínio)
Os atos de repercussão não se subsumem a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT, pelo que os Tribunais Arbitrais não são competentes para os apreciar. Porém, a Requerente não solicita a apreciação da legalidade dos atos de repercussão. O pedido da Requerente circunscreve-se aos atos de liquidação de CSR emanados da AT, dos quais, como acima dito, o Tribunal pode conhecer.
Quanto à legitimidade da Requerente, o RJAT não contém a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, por via da aplicação do seu artigo 29.º, n.º 1, que remete para as disposições legais de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.
Da regra geral do direito processual, constante do artigo 30.º do CPC, resulta que é parte legítima quem tem “interesse direto” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade ativa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (v. artigo 9.º, n.º 1 do CPTA).
A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um ato tributário, cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da LGT, como “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”.
Neste domínio, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas (v. artigo 1.º, n.º 2 da LGT).
O CPPT consagra uma norma específica à legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”. E o artigo 78.º da LGT, no âmbito da revisão dos atos tributários, assegura a mesma posição apelando aos conceitos de sujeito passivo e de contribuinte.
Em relação aos sujeitos passivos não originários, o legislador teve a preocupação de justificar, de forma especificada, a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual. Assim, quanto aos responsáveis solidários, a legitimidade processual deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (v. artigo 9.º, n.º 2 do CPPT). E, relativamente aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (v. artigo 9.º, n.º 3 do CPPT). Em ambas as situações constitui-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias –, o que sucede igualmente com o substituto.
In casu, a Requerente invoca a qualidade de repercutido legal para deduzir a ação arbitral. Todavia, a CSR não constitui um caso de repercussão legal. A Lei n.º 55/2007, que institui a CSR, não contém qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo. Basta atentar, para esta conclusão, no artigo 5.º, n.º 1 da citada lei: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”. Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, pelo que o artigo 5.º, n.º 1 não remete para o artigo 2.º do CIEC (que prevê a repercussão legal nos impostos especiais sobre o consumo), mas apenas para as normas desse código que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.
Acresce que a alteração legislativa operada no Código dos IEC, cuja redação (do artigo 2.º) passou a conter a referência expressa à repercussão, é posterior à data dos factos sob apreciação, pelo que, se fosse de seguir a posição da Requerida, estar-se-ia perante um caso flagrante de aplicação retroativa de normas fiscais. Esta conclusão não resulta afastada pela atribuição de natureza interpretativa pelo legislador[56], pois a retroatividade inerente às leis interpretativas “é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.” (v. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 16 de dezembro de 2020. No mesmo sentido se pronuncia o recente acórdão do mesmo Tribunal, n.º 503/2024, de 25 de junho de 2024).
Em síntese, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (v. artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil). E a alteração legislativa do Código dos IEC, ocorrida em dezembro de 2022, que passou a consagrar a repercussão nos IEC, além de não ser subsidiariamente aplicável à CSR, por falta de norma remissiva, mesmo que o fosse, não poderia reger a situação em análise porque é posterior à data dos factos.
Ora, não sendo a Requerente o sujeito passivo da CSR, substituto, responsável ou repercutido legal desta contribuição, não lhe assiste legitimidade processual, a menos que, como interessada, alegue e demonstre factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, i.e., que evidencie um interesse direto e legalmente protegido na sua esfera (v. artigo 9.º, n.º 1 in fine do CPPT), passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo, ónus que sobre si impende.
Conforme antes referido, a Requerente não logrou atestar que suportou a CSR contra a qual reage, ou a medida em que a suportou. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente ação arbitral, tendo em conta que não é sujeito passivo, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutido legal da CSR. Diversamente, o que se demonstrou foi que a Requerente considera os gastos incorridos com a aquisição de combustíveis (incluindo os impostos inerentes aos mesmos) como fazendo parte da sua estrutura de custos, que reflete nos preços (tarifas) praticadas com os seus clientes, transferindo, portanto, o encargo económico da CSR para terceiros.
À face do exposto julgar-se-ia verificada a exceção de ilegitimidade da Requerente, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado.
O árbitro
Marisa Isabel Almeida Araújo (Vogal)
[1] Todos os sublinhados e/ou negritos na presente serão nossos, salvo se indicado em contrário.
[3] Que foi o acto junto pela Requerente ao Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral.
[4]Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para os mesmos se remeter na presente).
[5] V. Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil", Coimbra 1979, pág. 91
[6](na sua vertente positiva)
[7] Diferentemente do Centro de arbitragem institucionalizada, que não tem interferência nas decisões dos casos submetidos a cada Tribunal Arbitral. V. Mariana França Gouveia, “Curso de Resolução Alternativa de Litígios”, Almedina, 3.ª Edição, 2014, pp. 183 e 125
[8] Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14.12).
[9] “Artigo 4.º – Vinculação e funcionamento
1 – A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.”
[10](na versão actualmente em vigor)
[11] A al. e) foi aditada pela Portaria n.º 287/2019, de 03 de Setembro.
[12] V. art.º 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, e v. Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de Dezembro.
[13] São desta Lei os artigos para que agora remetermos.
[14] O que não se confunde com apreciar da sua conformidade à Constituição, que nos presentes autos não se coloca.
[15] Sobretudo enquanto na ausência de Regime Geral (cfr. art.º 165.º, n.º 1, al. i) da CRP), v. Sofia Ricardo Borges in “Contributos contenciosos para o estudo da natureza e das implicações dos regimes jurídicos das taxas e contribuições financeiras (...)”, RFPDF, Ano XII, ¼, Almedina, 2021, pp. 290 e ss.
[16]Art.º 4.º, n.º 1 da LGT: “Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.”
[17] V. Sofia Ricardo Borges in “A Taxa de Segurança Alimentar Mais” - (…)”, RFPDF, Ano X, ¾, Almedina, 2018, p. 187 e ss.
[18] Sofia Ricardo Borges in “A Taxa de Segurança Alimentar Mais” - (…)”, RFPDF, Ano X, ¾, Almedina, 2018
[19] Saldanha Sanches, “Manual de Direito Fiscal”, 1998, p. 25
[20] Como se lê em declaração de voto de vencido (Jorge Lopes de Sousa) no processo n.º 410/2023-T, que neste ponto acompanhamos, “nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. (...)”
[21] (infra ao tratarmos de conceitos, a final)
[22] Todos Diplomas Legais aplicáveis ex vi art.º 29.º do RJAT.
[23] Se dúvidas houvesse, pode ver-se Joaquim Freitas da Rocha, in “Lições de Procedimento e Processo Tributário”, Almedina, 6.ª Ed., 2018, p. 307, ii) in fine (reportando-se ao processo de impugnação judicial): “(...) o certo é que, indubitavelmente, é o ato de liquidação (ou equiparado) o seu objeto.”
[24] in “Código de Procedimento e de Processo Tributário” Anotado e Comentado, Vol. II, Áreas Editora, 6.ª Ed., p. 208.
[25] (ainda que com a abrangência, que se reconhece na competência dos Tribunais que neste contexto decidem, de condenar nas consequências dessa mesma anulação)
[26] (e deve, no nosso contexto, vimo-lo já)
[27] (de notar, com especial relevo para os autos, como também atentando nestes últimos dispositivos fica por demais evidente a indispensabilidade da concreta identificação do acto ou actos objecto do Pedido)
[28] V., entre o mais, o n.º 2 da Lei de Autorização - Lei n.º 3-B/2010, de 28.04, art.º 124.º (não tendo a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, que dali constava, sido concretizada no RJAT).
[29] Autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta, cfr. art.º 97.º, n.º 1, al. a) do CPPT
[30] (incluídos foram, também, em separado, os actos de fixação da matéria tributável em certas circunstâncias, actos de determinação da matéria colectável, e actos de fixação de valores patrimoniais - cfr. não já al. a) mas sim al. b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT – o que não releva para os nossos autos)
[31] V. José Lebre de Freitas, in “Introdução ao processo civil...”, 3.ª Ed., Coimbra, 2013
[32] (dispensando maiores desenvolvimentos, e sem prejuízo do que já se viu, sempre se diga que nem seria uma referência genérica a determinado espaço temporal dentro do qual foram emitidas à Req.te facturas de combustíveis por sujeitos passivos de CSR, que cumpriria, como bem se compreende, com o desiderato, i.e., que permitiria identificar os actos de liquidação de CSR que a Req.te pretenderá ver anulados)
[33] (a expressão do legislador no CPC, art.º 186.º, n.º 3)
[34] (nem, além do mais e sem prejuízo de tudo o que se disse, a Req.da estaria no conhecimento, desde logo, da correspondência entre sucessivas e inúmeras facturas dos combustíveis, combustíveis que a seu tempo hão-de ter sido introduzidos no consumo, e as e-DICs a montante e/ou as liquidações mensais emitidas aos sujeitos passivos)
[35] LOE 2010, art.º 124.º (Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril)
[36] No mesmo sentido de ser objecto da acção arbitral o acto de primeiro grau, e não os de segundo ou terceiro, pode ver-se Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Anotado”, Almedina, 2016, pp. 70-71
[37] v. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 5.ª edição, Almedina, 2021, p. 95.
[38] (salvo quando a lei disponha em contrário)
[39] V. Jorge Lopes de Sousa em anotação ao art.º 9.º do CPPT, op. cit., Vol. I, p. 120, nota 11.
[40] Também o referindo, em anotação ao art.º 98.º do CPPT, v. Jorge Lopes de Sousa, op. cit., Vol. II, p. 88
[41] (vimos já que nem a outra al. do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT releva aos autos)
[42] (constate-se, independentemente de ter ou não ocorrido alteração de taxas desde a data, desconhecida, dos actos tributários)
[43] (a pp. 23-24 e 30-33)
[44] V. art.º 7.º, n.º 2 do CIEC
[45] V. art.º 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro.
[46] V. Decisão Arbitral de 14 de Agosto de 2024 no processo n.º 473/2023-T.
[47] Pedido de reembolso a submeter pelos sujeitos passivos - que a Req.te não é – no prazo de 3 anos a contar da liquidação, cfr art.º 15.º.
[48] Em cumprimento afinal de uma obrigação acessória em IVA (como melhor desenvolveu a ora relatora na Decisão Arbitral de 14 de Agosto de 2024 no processo n.º 473/2023-T).
[49] (sempre sem preocupações de exaustão)
[50] José Casalta Nabais, in “Estudos de Direito Administrativo Fiscal”, Almedina, 2020, p. 83
[52] (além do seu articulado de pedido de revisão oficiosa e o mais cfr. supra).
[53] (mais junta declaração, cfr supra aflorado, para provar que a sua fornecedora teria repercutido nela a CSR, e “tabela-resumo” dos consumos; sendo que tal, por evidente em face do que vem exposto, não altera o que quer que seja do que vimos concluindo).
[54] Alberto Pinheiro Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, Livraria Almedina, Coimbra, 1972, pp. 62-63
[55] Como também nas palavras de Alberto Xavier, op cit, p. 89
[56] V. artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro.