Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 893/2023-T
Data da decisão: 2024-11-17  IRS  
Valor do pedido: € 46.850,85
Tema: IRS de RNH. Requisitos.
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SUMÁRIO:

1. Não pode um contribuinte reivindicar o estatuto de RNH sem se inscrever previamente no sítio das Finanças como determinado na lei.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

O árbitro Vasco António Branco Guimarães árbitro singular designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 06-02-2024, decide o seguinte:

  1. Relatório

A..., que também usa o nome artístico de B..., titular do NIF ..., residente na Rua..., n.º ... – R/C Esq. em Lisboa, notificado da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) do ano de 2022, no valor total de € 46.850,85 (quarenta e seis mil, oitocentos e cinquenta euros e oitenta e cinco cêntimos), vem, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), em conjugação com a alínea a), do artigo 99.º e do n.º 2 do artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), apresentar PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL, com vista a ser declarada a ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2022, no valor total de € 46.850,85 e respetivos juros de mora, com a consequente anulação da liquidação e restituição do imposto e juros de mora pagos, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do respetivo pagamento até integral reembolso; ou, caso assim não se entenda, a título subsidiário, ser declarada a ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2022, no valor total de € 46.850,85 e respetivos juros de mora a consequente anulação parcial da liquidação de restituição do imposto e juros de mora pagos em excesso, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do respetivo pagamento até integral reembolso.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 29-11-2023.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 18-01-2024 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 06-02-2024.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em 03-03-2024 em que por exceção e impugnação defendeu que os pedidos devem ser julgados improcedentes.

A Requerente respondeu às exceções em 21-03-2024. Após suspensão da instância por despacho de 27-03-2024 foi a instância retomada em 25-07-2024 face ao Acórdão proferido em 29-05-2024 pelo Supremo Tribunal Administrativo sobre matéria semelhante à que determinou a suspensão do processo arbitral em análise. Cfr. Acórdão do STA dado ao processo 0842/23.9BESNT.

Por despacho de 11-10-2024, foi decidido dispensar as Alegações das Partes.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados:

 Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

A)           O Requerente é um músico e disc jockey (DJ) de nacionalidade francesa, que atua sob o nome artístico de B..., e faz parte do duo, C..., que realiza espetáculos em discotecas, clubes, festivais e outros eventos e espaços similares, em variados países do mundo.

B)           Durante o ano de 2019, o Requerente alterou a sua morada para Portugal, para Rua ..., n.º ..., ..., ..., em Lisboa, conforme resulta da certidão de registo de cidadão da União Europeia, emitida pela Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo da Lei n.º 37/2006, de 9 de agosto, que atesta a sua residência na Rua ..., n.º..., ..., Apt. ..., ...-... Lisboa (documento n.º 6 junto com o PPA).

C)           No dia 12 de julho de 2019, o Requerente apresentou declaração de início de atividade tendo indicado como atividade principal, a atividade de “Músicos”, sob o código 2013 da Tabela de Atividades do artigo 151.º do CIRS, e como atividades secundárias, as seguintes atividades:

• Atividades das artes do espetáculo– CAE 90010;

• Atividades de gravação de som e edição de música – CAE 59200; e

• Locação de propriedade intelectual e produtos similares – CAE 77400

(documento n.º 7 junto com o PPA).  

D)          O Requerente não apresentou o pedido de inscrição como residente não habitual (“RNH”) para o ano de 2019, no prazo estipulado no n. º 10 do artigo 16.º, isto é, antes do dia 31 de março de 2020.  

E)            O Requerente tomou conhecimento de que reúne os legais para requisitos beneficiar do regime dos RNH, apesar da não submissão do pedido de inscrição como RNH no prazo estabelecido no artigo 16.º do CIRS.

F)            No dia 28 de junho de 2023, o Requerente apresentou a Declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2022, na qual foi declarado nos Anexos C e J o lucro tributável apurado no âmbito da Categoria B, no montante total de € 133.771,70, com origem em rendimentos obtidos no estrangeiro no valor de € 217.860,18 (documento n.º 8 junto com o PPA).

G)           A Declaração Modelo 3 submetida não incluiu o Anexo L relativo aos RNH.

H)          Na sequência da apresentação da sobredita declaração de rendimentos, foi o Requerente notificado da demonstração de liquidação de IRS n.º 2023..., de 17 de julho de 2023, da qual resultou o valor de imposto a pagar de € 46.850,85, com a data-limite de pagamento de 31 de agosto de 2023 (documento n.º 12 junto com o PPA).

I)             O imposto liquidado acrescido de juros de mora, no valor total de € 47.074,73 foi pago no dia 4 de novembro de 2023 (documento n.º 13 junto com o PPA).

K)           No dia 10 de fevereiro de 2023, o Requerente apresentou pedido de inscrição como RNH.

L)            A Requerida alegou a exceção da incompetência do Tribunal arbitral em função da matéria e a improcedência do pedido e citou jurisprudência e doutrina.

2.2. Factos não provados.

Não existem outros factos para provar face ao objeto da impugnação.

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:

Os factos provados baseiam-se nos articulados e documentos juntos pela Requerente e Requerida e no processo administrativo.

Não se retiram outros factos relevantes dos articulados por serem citações de textos legais, acórdãos ou posições de parte sem conteúdo fáctico.

3. Matéria de direito

As questões de mérito que são objeto deste processo são:

  1. Saber se a verificação das condições legais de obtenção do estatuto de RNH se impõem ope juris às liquidações apresentadas pelo SP sem ter efetuado a inscrição legalmente prevista e regulada na norma aplicável para a qualificação deste estatuto.
  2. Saber se o Tribunal Arbitral tem competência legal para se pronunciar sobre esta matéria.

 

3.1. Posições das Partes

A Requerente defende em resumo:

  1. Que o estatuto de RNH resulta da verificação das condições objetivas definidas na norma que dispensam a manifestação expressa do SP da intenção de beneficiar do estatuto de RNH, sendo este requisito legal meramente declarativo e, em consequência dispensável.

A Requerida defende:

  1. Por exceção: o Tribunal arbitral é incompetente para se pronunciar sobre a matéria;
  2. Por impugnação: A posição do SP não tem sustentação legal nem factual.

 

3.2. Saneamento do processo:

O objeto da impugnação em análise é a apreciação da legalidade da liquidação n.º 2023 ... de 2022 emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira e constantes da demonstração de acerto de contas 2023 ... no montante total a pagar de € 46850,85.

O processo de impugnação contenciosa tem como objeto aferir se os pressupostos de facto e de Direito foram respeitados e a liquidação não enforma de um qualquer vício que determine a sua anulação por erro.

É parte essencial da apreciação de legalidade a verificação da legitimidade da incidência subjetiva e conformidade formal e material dos atos praticados pelos intervenientes da relação jurídica fiscal. Na lógica de apreciação da legalidade da liquidação não existe nenhuma limitação de apreciação por parte do Tribunal nas áreas que fazem parte e integram a adesão da AT à apreciação arbitral do CAAD.

O tribunal é competente para apreciar a liquidação tal como esta foi realizada e exposta ao Tribunal e nas condições em que o foi.

Improcede assim a exceção de incompetência alegada pela Requerida.

3.3.        Apreciação da questão.

Dos factos provados e da apreciação feita resulta que a determinação do rendimento tributável tal como apresentada pela Requerente está conforme à lei tendo sido feita e apresentada sem mencionar a qualidade de RNH na declaração entregue e liquidada. É legalmente possível obter, por via de recurso de uma autoliquidação apresentada pelo SP, a inscrição no estatuto de RNH? Entendemos que não. As razões são aparentemente claras:

  1. O estatuto de RNH é um benefício concedido a quem o requerer.  São várias e todas subjetivas as razões para requerer ou não o estatuto de RNH. Comecemos por verificar que este estatuto implica ter residência em mais que uma jurisdição territorial e isso pode não ser conveniente ou aceitável por razões pessoais, sociais ou profissionais. Cfr. Artigo 13.º e 16.º do CIRS.
  2. O estatuto de RNH não pode ser aplicado ope juris pela Administração Tributária porque corresponde ao exercício de um direito subjetivo do Sujeito Passivo que não pode nem deve ser exercido pela AT oficiosamente. Para além da impossibilidade física implicaria uma violação da esfera da vida privada do contribuinte.

 

Pelo exposto resulta que a liquidação sujeita à apreciação deste Tribunal não deve ser anulada por erro sobre os pressupostos de facto e de direito por os mesmos não existirem.

Improcede assim, de facto e de Direito, a posição da Requerente.

4.            III – Questões prejudicadas

Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (art. 608º do CPC, ex vi art. 29º, 1, c) e e) do RJAT).

 

5.            Decisão.

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, julgando como legal a liquidação impugnada, decaindo o Requerente em todos os pedidos efetuados.

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em Euro 46850,85 (quarenta e seis mil oitocentos e cinquenta euro e oitenta e cinco cêntimos).

 

Custas: Vai o Requerente condenado em custas nos termos do artigo 97.º -A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo o seu montante fixado em 2.142,00 Euro.

 

Registe e Notifique.

 

Lisboa, 17 de novembro de 2024

 

 

O Árbitro

 

(Vasco Branco Guimarães)