SUMÁRIO:
1. Não sendo a Requerente o sujeito passivo da CSR, nem repercutido legal desta contribuição, não lhe assiste legitimidade processual, a menos que, como interessada, alegue e demonstre factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade.
2. As facturas dos fornecedores de combustíveis não permitem atestar que a Requerente suportou, efectivamente, o tributo contra o qual reage. E esta seria a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente acção arbitral.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Hélder Faustino, designado pelo CAAD para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 13 de Setembro de 2024, decide o seguinte:
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RELATÓRIO
1. No dia 7 de Julho de 2024, na sequência da presunção de indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa apresentado em 19 de Dezembro de 2023, junto da Alfândega de Braga, o contribuinte A... S.A., titular do número de identificação de pessoa colectiva..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ..., (“Requerente”), formulou pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º, no n.º1 do artigo 6.º, e nos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”), solicitando a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de CSR referentes aos exercícios de 2019, 2020, 2021 e 2022, no valor total de € 59.827,93, que lhe foram imputadas enquanto repercutida, bem como, em termos mediatos, a declaração de ilegalidade desses actos de liquidação, com a consequente anulação das mesmas e dos correspondentes actos de repercussão, e inerente restituição dos montantes em causa, porquanto indevidamente pagos pela Requerente, acrescido dos juros indemnizatórios que venham ser devidos à taxa legal aplicável.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
2.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o presente signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
2.2. As Partes foram devidamente notificadas da designação, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
2.3. Por requerimento de 15 de Julho de 2024, a Requerida solicitou a identificação do(s) acto(s) de liquidação cuja legalidade a Requerente pretende ver sindicada. Por Despacho, na mesma data, do Presidente do CAAD, ficou a matéria remetida para decisão do tribunal a constituir.
2.4. Em relação à identificação do(s) acto(s) objecto do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente apresentou em 22 de Outubro de 2024, alegações escritas relativas à matéria de excepção, em respeito do princípio do contraditório.
2.5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 13 de Setembro de 2024.
3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
4. A Requerida apresentou Resposta em 4 de Outubro de 2024, defendendo-se por excepção(ões) e impugnação.
5. Não tendo sido requerida a produção de prova adicional, para além da prova documental incorporada nos autos, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. Foi facultada às Partes a possibilidade de, querendo, apresentar alegações escritas, no prazo simultâneo de 10 (dez) dias, podendo a Requerente pronunciar-se sobre a matéria de excepção invocada pela Requerida.
6. As Partes apresentaram alegações escritas, a Requerida em 10 de Outubro de 2024 e a Requerente em 22 de Outubro de 2024, em respeito do princípio do contraditório.
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SANEAMENTO
7. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
8. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão devidamente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
9. Em face das excepções invocadas (relativas à competência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, à ilegitimidade da Requerente, à ineptidão do pedido de pronúncia arbitral e à caducidade do direito de açcão), impõe-se o conhecimento prioritário das mesmas (vd., ponto IV abaixo). Seguir-se-á – se a resposta àquelas o permitir – a análise do mérito do pedido.
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FUNDAMENTAÇÃO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
10. Com relevância para a presente decisão, consideram-se assentes e provados os seguintes factos:
10.1. A Requerente é uma sociedade por quotas constituída em 1997, cujo objecto social visa a “Demolição de edifícios e de outras construções; terraplanagens, drenagem e outras preparações dos locais de construção; construção civil e obras de hidráulica e electricidade no âmbito de obras públicas e particulares. Actividades de construção e de reparação de: estradas, autoestradas, ruas e de vias urbanas para veículos e peões; pistas de aeroportos e de aeródromos; obras de superfície em estradas e auto-estradas; instalação de guardas de protecção, sinais de trânsito e similares não eléctricos. Inclui trabalhos de pavimentação, calcetamento e pintura de sinalização horizontal. Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Preparação e a entrega de betão pronto. Recolha e transporte de entulhos, de resíduos e de desperdícios inertes. Valorização e o processamento (mecânico, químico ou biológico) de desperdícios e resíduos metálicos e não metálicos em produtos destinados a uma nova transformação. Transporte de mercadorias por conta de outrem.” (cfr. certidão permanente - Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
10.2. No âmbito da prossecução das suas actividades empresariais, a Requerente dispõe de uma frota de veículos e de máquinas.
10.3 Nos exercícios de 2019, 2020, 2021 e 2022, a Requerente adquiriu, 534.640,15 litros de gasóleo e 5.550,22 litros de gasolina, (Documentos n.º 4 a 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
10.4. Em 19 de Dezembro de 2023, a Requerente deduziu, junto da Alfândega de Braga, um pedido de revisão oficiosa com vista à anulação das liquidações de CSR e dos consequentes actos de repercussão consubstanciados nas facturas emitidas pelos fornecedores de combustível referentes ao gasóleo e à gasolina aos mesmos adquiridos pela Requerente nos exercícios de 2019 a 2022 – pedido sobre o qual não recaiu, até ao momento, qualquer decisão (Documentos n.º 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
10.5. Para tanto, a Requerente alegou que com a aquisição do referido combustível, em resultado da repercussão efectuada pelos fornecedores de combustíveis, suportou, a título de CSR, a quantia global de € 59.827,93 (Documentos n.º 4 a n.º 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
10.6. Em 7 de Julho de 2024 foi apresentado o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
III.2. FACTOS NÃO PROVADOS
11. Não foi feita prova de que tenha sido a Requerente a suportar economicamente o imposto em causa, dado que, para fazer tal prova, seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas: i. Que a CSR foi repercutida à Requerente, quais os montantes e em que períodos; ii. Que foi a Requerente que suportou em definitivo o encargo da CSR, ou seja, que no preço dos bens / serviços que presta aos seus clientes não estava contemplada a repercussão de CSR (e/ou a medida em que não o estava), por forma a poder sustentar que suportou, de forma efectiva, o encargo do imposto. A Requerente limitou-se a juntar as facturas de aquisição de combustível aos seus fornecedores de combustíveis, as quais não contêm os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto.
III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
12. O Tribunal Arbitral não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas Partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
13. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
14. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos.
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APRECIAÇÃO DE EXCEPÇÕES E QUESTÕES PRÉVIAS QUE PODEM OBSTAR (OU NÃO) AO CONHECIMENTO DO MÉRITO DO PRESENTE PEDIDO ARBITRAL
IV.1. INTRODUÇÃO E SEQUÊNCIA
15. A questão jurídica material ou de fundo reporta-se à ilegalidade (ou não) da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, por ser (ou não) um tributo desconforme ao Direito da União Europeia, nomeadamente com o n.º 2 do artigo 1.º da Directiva 2008/118/CE, de 16 de Dezembro de 2008, tendo por base o entendimento sufragado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia de 7 de Fevereiro de 2022, no Processo n.º C-460/21.
16. Porém, na resposta, a Requerida invoca várias excepções (muito bem resumidas na resposta da Requerente às excepções invocadas), que, a proceder alguma, obstam ao conhecimento do pedido – e que, por isso, são de decisão prévia e antecedente.
17. A decisão arbitral tem de conhecer, em primeiro lugar, estas questões – as quais, a proceder, algum delas, prejudicam o conhecimento das restantes (das questões materiais suscitadas nos presentes autos) – cfr. artigo 608.º do CPC.
IV.2. A POSIÇÃO DAS PARTES
18. Efectua-se, de seguida, a súmula dos argumentos das Partes, sem prejuízo de mais desenvolvimentos aquando da decisão destes temas na decisão arbitral.
IV.2.1. QUANTO À (IN)COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL EM RAZÃO DA MATÉRIA
19. A Requerida invoca a incompetência material do tribunal, fundamentada na não-vinculação formal da AT aos tribunais arbitrais constituídos para a apreciação de quaisquer questões que não estejam relacionadas com “impostos”. Considera, ainda, a Requerida que se verifica a incompetência do tribunal em razão da matéria, na medida em que resulta do teor do pedido de pronúncia arbitral, e sua fundamentação, que o que a Requerente suscita junto do Tribunal Arbitral é a legalidade do regime da CSR, no seu todo, o que extravasaria o âmbito da arbitragem tributária, e, em especial, o disposto no artigo 2.º do RJAT, que não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função legislativa do Estado. Conclui a Requerida que, ainda que se considerasse a competência do Tribunal Arbitral para a apreciação da ilegalidade dos actos de liquidação de ISP/CSR, nunca poderia o Tribunal Arbitral pronunciar-se sobre actos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos actos de liquidação de ISP/CSR, que não são actos de tributários e que, para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto.
20. A Requerente considera que a CSR consubstancia um tributo que deve ser qualificado como imposto, pelo que sob essa qualificação os Tribunais Arbitrais têm competência para apreciar os correspondentes actos de liquidação, tal como foi reconhecido por diversa jurisprudência arbitral do CAAD. Defende que, atentando-se no pedido formulado, afere-se de imediato que a Requerente nunca suscitou a ilegalidade concreta do diploma, mas antes a sua ilegalidade abstracta ou absoluta, em razão da sua desconformidade com o Direito Comunitário, e mais especificamente com o artigo 1.º, n.º 2, da Directiva 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008. A doutrina e a jurisprudência têm vido qualificar como ilegalidade abstracta da liquidação, distinguindo-a assim da ilegalidade em concreto, já que o que está em causa não é a mera legalidade do acto tributário, mas sim a do tributo, ou seja, a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado.
IV.2.2. SOBRE A ILEGITIMIDADE DA REQUERENTE
21. A Requerida defende, em síntese, que apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respectivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago. E que, no caso concreto não está em causa uma alegada situação de repercussão legal, porquanto a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto.
22. A Requerente sustenta que, enquanto repercutida, tem legitimidade plena para impugnar os actos de liquidação aqui visados, tal como foi reconhecido por diversa jurisprudência arbitral do CAAD (cfr., as decisões arbitrais proferidas no processo n.º 859/2023-T, de 3 de Maio de 2024 e no processo n.º 465/2023-T, de 14 de Dezembro de 2023).
IV.2.3. SOBRE A INEPTIDÃO DO PEDIDO ARBITRAL
23. A Requerida defende, ainda, que o pedido de pronúncia arbitral é inepto porque supostamente a Requerente não identifica os actos que são objecto do pedido arbitral, como exige a alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT. E a verificação da ininteligibilidade do pedido e a contradição entre este e a causa de pedir, na medida em que a Requerente formula um pedido de anulação de liquidações que não identifica através da mera impugnação de alegadas repercussões, sem sequer identifica o nexo entre estas e aquelas, (que não existe), fá-lo, com assento na ideia errada de que vigora para a CSR um regime de repercussão legal e de que, a referida repercussão (meramente económica) possa ser presumida.
24. A Requerente convoca, em sua defesa, a decisão arbitral proferida no processo n.º 465/2023-T, de 14 de Dezembro de 2023: “(...) não sendo a Requerente o sujeito passivo do imposto, nem o direto responsável pela sua liquidação, mas apenas a entidade que suporta o encargo por efeito da repercussão, não lhe compete o ónus de identificação e de comprovação dos atos de liquidação repercutidos, nem a prova da conexão entre os atos de liquidação e as faturas de compra que revelam a repercussão do imposto.”. “Sendo certo que o contribuinte se encontra na impossibilidade de obter elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade, por não ser ele também o sujeito passivo do imposto. Deve fazer-se notar, a este propósito, que, independentemente do critério de repartição do ónus da prova ao caso aplicável, a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade, constituindo um afloramento deste princípio o disposto no artigo 58.º da LGT. Além de que os órgãos da Administração Pública estão sujeitos a um princípio de colaboração, e, como tal, “devem atuar em estreita colaboração com os particulares, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber as suas sugestões e informações”, princípio esse igualmente consagrado nos artigos 11.º, n.º 1, do CPA, 59.º da LGT e 48.º do CPPT. No caso vertente, os serviços da Autoridade Tributária, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, omitiram quaisquer diligências que permitissem verificar a existência dos atos de liquidação de imposto e a sua correlação com as faturas onde o imposto se encontra repercutido. Isso, não obstante os serviços poderem obter a colaboração da fornecedora do combustível e aceder por via oficiosa às declarações de introdução no consumo e aos correspondentes atos de liquidação. E era a Autoridade Tributária que, no exercício dos seus poderes inquisitórios, estava em condições de realizar as diligências necessárias e adequadas a apurar a realidade subjacente às operações em causa. O certo é que o contribuinte não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios (sobre todos estes aspetos, cfr. o acórdão proferido no Processo n.º 467/2020-T). Em conclusão, não só os atos de liquidação do imposto se encontram identificados, ainda que por remissão para documentos juntos, como também não seria exigível que a Requerente efetuasse a prova da sua conexão com as faturas de aquisição de combustível.”.
IV.2.4. SOBRE A CADUCIDADE DO DIREITO À ACÇÃO
25. A Requerida entende que a falta de identificação dos actos de liquidação em causa impede a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa da liquidação formulado pela Requerente. Para a Requerida, em suma: i. Não existiu qualquer erro de direito imputável aos serviços que permita aplicação do prazo de 4 anos para a revisão oficiosa, previsto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT; ii. Aos actos de liquidação de CSR aplica-se o regime especial previsto nos artigos 15.º e 16.º do Código dos IEC, que é de três anos.
26. A Requerente sustenta, conforme também se afirma na decisão do CAAD no processo n.º 465/2023-T, que “(...) não sendo a Requerente o sujeito passivo do imposto, nem o direto responsável pela sua liquidação, mas apenas a entidade que suporta o encargo por efeito da repercussão, não lhe compete o ónus de identificação e de comprovação dos atos de liquidação repercutidos, sendo antes sobre a Autoridade Tributária que impede o ónus de realizar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, as diligências oficiosas que permitissem verificar a existência dos atos de liquidação do imposto. E assim sendo, a alegada falta de identificação dos atos de liquidação não é imputável à Requerente, e esta não dispõe sequer de legitimidade processual para impugnar esses atos tributários, pelo que não pode daí extrair-se a intempestividade do pedido de revisão oficiosa.”. Não se verificando, por conseguinte, a pretendida caducidade do direito de acção, porquanto quer o pedido de revisão observou o prazo de 4 anos pós-liquidações, quer a acção arbitral tributária foi apresentada dentro do prazo de 90 dias pós-indeferimento tácito daquele procedimento tributário.
IV.3. DECISÃO
27. Impõe-se o conhecimento prioritário das excepções da incompetência material do Tribunal Arbitral e da ilegitimidade da Requerente, atenta a sua precedência lógica.
28. Vejamos.
IV.3.1. QUANTO À (IN)COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL
29. O Tribunal Arbitral é competente para conhecer da ilegalidade de liquidações de CSR, por se tratar de um imposto, em linha com a argumentação constante da decisão do processo arbitral 304/2022-T, de 5 de Janeiro de 2023. Neste sentido, reproduzem-se alguns excertos da mencionada decisão:
«Baseando-nos em todas os anteriores contributos jurisprudenciais e doutrinários, mas sobretudo no último acórdão citado do STA, concluímos que não é o simples facto de um tributo ter, desde logo, a designação de “contribuição” (ac. TC n.º 539/2015) e nem o facto de esse tributo ter a respetiva receita consignada (ac. TC n.º 232/2022), que o qualifica automaticamente como “contribuição financeira”; antes é, para tal, necessário, como judicia o STA, que esse tributo tenha com finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.”
Com efeito, o sistema tributário comporta tributos que têm a designação de “contribuições” e são verdadeiros impostos, como se extrai, desde logo, do n.º 3 do art.º 4.º da LGT.
Por outro lado, o sistema tributário comporta igualmente impostos que, ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos (estabelecido no art.º 7.º da Lei de Enquadramento Orçamental[5]), têm a sua receita consignada (vg. ac. TC n.º 369/99, de 16.06.1999, proc. 750/98).
Por conseguinte, nem o nomen juris “contribuição”, nem a afetação da receita a uma finalidade específica são suficientes para qualificar um tributo como “contribuição financeira”.
O elemento decisivo para essa qualificação é a existência de uma estrutura de comutatividade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita e os sujeitos passivos do tributo.
[...]
Ou seja, para que possamos afirmar estar-se perante uma “contribuição financeira”, é necessário que as prestações públicas que constituem a contrapartida coletiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respetivos sujeitos passivos.
[...]
Entendemos, assim, que o que distingue uma “contribuição financeira” de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública.
A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007).
Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.
A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1.º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2.º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.
No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4.º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.
Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.
Nos termos do n.º 1 do art.º 20.º da LGT, “a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte”.
Para que estivéssemos, no caso presente, perante uma situação de substituição tributária, era necessário que os consumidores que pagam o preço dos combustíveis aos revendedores estivessem na posição de “contribuintes”.
Sobre o conceito de contribuintes, o n.º 3 do art.º 18.º diz que “o sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.” De onde se retira que o contribuinte é uma das espécies da categoria “sujeitos passivos” e estes são as pessoas (ou entidades) que estão obrigadas ao pagamento da prestação tributária, o que não acontece com os consumidores dos combustíveis. Concluímos, assim, que não estamos perante uma situação de substituição, pelo que os sujeitos passivos da CSR são igualmente os respetivos contribuintes diretos.
Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.
Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira.
[...]”.
30. Em relação aos “actos de repercussão” impugnados, o Tribunal Arbitral não pode conhecer dos mesmos, pois não são actos tributários, não estando prevista a sua sindicabilidade (cfr. artigo 2.º do RJAT). No entanto, como foram, em simultâneo, contestados pela Requerente os actos de liquidação de CSR, é sobre estes que recai a pronúncia do Tribunal Arbitral.
IV.3.2. SOBRE A EXCEPÇÃO DE ILEGITIMIDADE DA REQUERENTE
31. Não consta do RJAT a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, como previsto na closure rule do artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, em concreto e de acordo com a natureza dos casos omissos, das normas de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.
32. A regra geral do direito processual, que emana do artigo 30.º do CPC, é a de que é parte legítima quem tem “interesse directo” em demandar[1], sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade activa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (cfr. artigo 9.º, n.º 1, do CPTA).
33. A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um acto tributário[2], cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da LGT, como “a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.”.
34. No domínio tributário, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a AT, agindo como tal, e as pessoas singulares ou colectivas e entidades equiparadas (cfr. artigo 1.º, n.º 2, da LGT).
35. O CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (cfr. artigo 9.º, n.º 1 e n.º 4, do CPPT). No mesmo sentido, ainda que referindo- se somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”.
36. De notar que, em relação aos responsáveis (sujeitos passivos não originários, tal como os substitutos), o legislador teve a preocupação de justificar a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual. Quanto aos responsáveis solidários, deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (cfr. artigo 9.º, n.º 2, do CPPT). No tocante aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (cfr. artigo 9.º, n.º 3, do CPPT). Em ambas as situações, apesar de não corresponderem à figura do sujeito passivo originário, constitui-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias, o que sucede igualmente com o substituto.
37. Na situação em análise, a Requerente invoca a qualidade de repercutido para deduzir a acção arbitral.
38. Importa começar por notar que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3, da LGT, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade, neste caso, só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido (cfr. artigo 9.º, n.º 1 e n.º 4, do CPPT).
39. Apesar de o repercutido não ser sujeito passivo, a alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT pressupõe que assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”, estendendo a posição jurídica adjectiva ao repercutido (apesar de não o considerar sujeito passivo), na condição de estarmos perante um caso de “repercussão legal”. A lei implica desta forma que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (cfr. artigo 9.º, n.º 1 e n.º 4, do CPPT).
40. Neste âmbito, assinala JORGE LOPES DE SOUSA: “nos casos de repercussão legal do imposto, apesar de aquele que suporta o encargo do imposto não ser sujeito passivo, é-lhe assegurado o direito de reclamação, recurso e impugnação [art. 18.o, n.o 4, da LGT]. São casos de repercussão legal os do IVA e dos impostos especiais de consumo, pois, em face do respectivo regime legal, a lei exige o pagamento dos tributos aos intervenientes no processo de comercialização dos bens ou serviços, visando fazer com que eles venham a ser pagos pelos consumidores finais, que são os titulares da capacidade contributiva que se pretende tributar.” – cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 115.
41. JORGE LOPES DE SOUSA assinala ainda que, em matéria tributária, “é de considerar ser titular de um interesse susceptível de justificar a intervenção no procedimento tributário quem possa ser directamente afectado pelo que nele possa vir a ser decidido, inclusivamente quando esteja em causa uma mera situação de vantagem derivada do ordenamento jurídico, o que será a interpretação que melhor se compagina com o direito constitucionalmente garantido de participação dos cidadãos nas decisões que lhes disserem respeito (art . 267.º, n.º 5, da CRP), como tal se tendo de considerar, necessariamente, todas as que tenham repercussão directa na sua esfera jurídica.” – cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 120. Raciocínio que, atenta a identidade de razões, deve considerar-se aplicável ao processo judicial tributário.
42. Com posição similar, LIMA GUERREIRO, em anotação ao artigo 18.º, n.º 4, da LGT, refere que o preceito “admite que, da repercussão do IVA, possa resultar a lesão de um interesse legitimamente protegido (é no mesmo sentido a anotação de Saldanha Sanches ao referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, in ‘Fisco’, número 28, pgs. 29 e sgs.). Essa lesão será suficiente para a fundamentação de impugnação judicial ou, se verificasse que este não era o meio apropriado dado o princípio constitucional da tutela plena e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido. A fórmula utilizada declara expressamente, no entanto, a possibilidade de reclamação, impugnação ou recurso contra repercussão ilegalmente efectuada pelo sujeito passivo do IVA, imposto de selo ou de outros tributos sujeitos a mecanismo idêntico, pelo que se infere implicitamente não ser em geral a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse, mas a impugnação judicial o meio adequado para reacção contra a repercussão ilegal do imposto, por razões certamente resultantes da similitude da lesão causada por acto ilegal de liquidação e da lesão resultante de repercussão ilegal e do facto de, no nosso sistema processual tributário, a impugnação não visar necessariamente efeitos meramente demolitórios do acto tributário mas também a reparação de qualquer lesão sofrida pelo impugnante. [...]. O não ser sujeito passivo não quer dizer obrigatoriamente ilegitimidade para intervir no procedimento, em caso de lesão de direito ou interesse legalmente protegido de qualquer natureza.”.
43. No entanto, afigura-se claro que a CSR não constitui um caso de repercussão legal. A Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as pessoas colectivas de direito privado repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários).
44. Infere-se do articulado da Requerente que esta legitima a sua intervenção processual no facto singelo de lhe ter sido repercutida a CSR pelas empresas fornecedoras de combustíveis.
45. Contudo, importa, antes de mais, salientar que a repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, pois o artigo 9.º do CPPT requer a demonstração de um interesse legalmente protegido, ou seja, que mereça a tutela do direito substantivo.
46. Acresce que, nos termos da Lei que prevê a CSR (Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto), não existe qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo do ponto de vista económico. Basta atentar, para esta conclusão, no artigo 5.º, n.º 1, da citada lei: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”[3] Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma. Nem se identifica como prevendo tal repercussão a norma do artigo 3.º, n.º 1, da mesma lei que diz que a CSR “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.
47. Importa também assinalar, com relevância para esta questão, que a remissão para o Código do IEC efectuada pela Lei da CSR é expressamente circunscrita aos procedimentos de “liquidação, cobrança e pagamento”.
48. Em resultado do acima exposto, conclui-se, em síntese, o seguinte:
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A referida Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, define o sujeito passivo e devedor da CSR, mas não contém qualquer regra de repercussão legal, nem se pronuncia sobre a sua repercussão económica;
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Se a CSR foi economicamente repercutida pelos distribuidores de combustíveis à Requerente, não há razões para crer que esta, no exercício da sua actividade, não tenha também repassado de alguma forma o encargo da CSR, no todo ou em parte, para os seus clientes.
49. Ora, não sendo a Requerente o sujeito passivo da CSR, nem repercutido legais desta contribuição, não lhes assiste legitimidade processual, a menos que, como interessada, alegue e demonstre factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, ou seja, a menos que evidencie a existência de um interesse directo e legalmente protegido na sua esfera, passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo, ónus que sobre a mesma impende.
50. Contudo, o único facto que a Requerente alega para este efeito é o de lhe ter sido repercutida a CSR.
51. Acresce que, sem prejuízo de a CSR ter sido consagrada como “contrapartida” da utilização da rede rodoviária nacional, a Lei não indica ou sequer sugere sobre quem é que deve constituir encargo.
52. Rigorosamente, a Requerente é tão-só cliente comercial do sujeito passivo que liquidou a CSR. Não é o sujeito passivo dos actos tributários – de liquidação de CSR – impugnados. Não integra, nem é parte da relação tributária, nem é repercutido legal. E também não se descortina, nem disso foi feita prova, que tenham sido a Requerente a suportar economicamente o imposto, para o que seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:
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Que a CSR foi repercutida à Requerente, quais os montantes e em que períodos;
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Que, por sua vez, o preço dos bens / serviços que presta aos seus clientes não comporta a repercussão de CSR (ou a medida em que não a comporta, se se tratar de repercussão parcial), por forma a poderem sustentar que suportou, de forma efectiva, o encargo do imposto e o respectivo quantum.
53. A Requerente limitou-se a juntar as facturas dos seus fornecedores de combustíveis, que estão longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto. Com efeito, das facturas anexas ao pedido arbitral apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspecto. Não logrou, por isso, atestar que suportou o tributo contra o qual reage. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente acção arbitral, tendo em conta que não é sujeito passivo, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutido legal da CSR.
54. Aliás, compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento / duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplo(s) repercutido(s) económicos da cadeia de valor. Ou seja, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável e mapeável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.
55. Por fim, não se diga que a Requerente ficou desprovida de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra o seu fornecedor, se reunirem os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspectiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efectiva (cfr. artigo 20.º da Constituição).
56. De assinalar, adicionalmente, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao actual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respectiva liquidação precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (cfr. Acórdão de 1/10/2003, processo n.º 0956/03).
57. Em face do exposto, deve julgar-se verificada a excepção de ilegitimidade da Requerente, constituindo a mesma excepção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal Arbitral conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a), e 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea e), do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT.
IV.3.3. SOBRE A INEPTIDÃO DO PEDIDO ARBITRAL E A CADUCIDADE DO DIREITO À ACÇÃO
58. Perante o que se concluiu quanto à ilegitimidade da Requerente, é desnecessário o pronunciamento sobre os temas da ineptidão do pedido arbitral e da caducidade do direito à acção, nos termos do artigo 608.º do CPC, porque prejudicados pela decisão dada ao tema da ilegitimidade.
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DECISÃO
Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral:
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Julga verificada a excepção de ilegitimidade da Requerente, constituindo uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal Arbitral conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a), e 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea e), do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT;
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Condena a Requerente no pagamento das custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 59.827,93 (cinquenta e nove mil, oitocentos e vinte sete euros e noventa e três cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
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CUSTAS
Custas a cargo da Requerente, no montante de € 2.142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I do RCPAT e do disposto no seu artigo 4.º, n.º 5, e nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 31 de Outubro de 2024
O Árbitro,
Hélder Faustino
A redacção da presente decisão segue a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 excepto em transcrições que o sigam.
[1] Ou em contradizer, no caso da entidade demandada.
[2] Ou, nalguns casos específicos de sindicabilidade autónoma no processo impugnatório, um acto de fixação da matéria colectável (cfr. artigos 2.º do RJAT e 97.º do CPPT).
[3] Atente-se ainda que o artigo 93.º-A do CIEC, regime para o qual remete o artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto que cria a CSR, prevê o reembolso parcial de imposto incorrido para o gasóleo e gás profissional utilizado pelas empresas de transporte de mercadorias e de transporte colectivo de passageiros, precisamente por não ser um consumo final mas tão-só um consumo intermédio no circuito produtivo de bens e serviços.