DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Cristina Aragão Seia e Dr. Amândio Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 13-09-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., com o número único de matrícula, identificação fiscal e pessoa coletiva..., com sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa, (doravante “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação da liquidação de Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (“ASSB”) n.º..., no valor de € 669.022,05, respeitante ao período de tributação de 2020.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 08-07-2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 26-08-20243, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 13-09-2024.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 21-10-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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O Requerente é uma instituição de crédito residente em Portugal, do tipo previsto na alínea a) do artigo 3.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, cujo objecto social consiste no exercício da actividade bancária;
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Em 15-12-2020, o Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB de 2020, através da entrega da declaração Modelo 57 e da guia n.º ... (Documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Nesse mesmo dia, o Requerente procedeu ao pagamento do imposto apurado na referida autoliquidação, no valor de € 669.022,05 (Documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A autoliquidação em causa teve por base a média dos saldos finais do passivo de cada mês relativo às contas do primeiro semestre de 2020;
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Em 15-12-2023, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa do referido acto de autoliquidação, que deu origem ao processo n.º ...2023... (processo administrativo);
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O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho de 02-04-2024, proferido pelo Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes (processo administrativo);
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Na fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa refere-se, alem do mais, o seguinte:
V. ANÁLISE DO PEDIDO DE REVISÃO OFICIOSA
18. A questão que se coloca, desde já, nos presentes autos passa por determinar se existe, no caso em apreço, erro imputável aos serviços, uma vez que daqui decorre a determinação do prazo para a apresentação da presente revisão oficiosa.
19. Da análise aos documentos constantes dos autos e dos registos informáticos destes serviços infere-se que a Requerente submeteu a Declaração Modelo 57, em 15 de dezembro de 2020.
20. Atendendo à factualidade descrita e aos fundamentos de direito que sustentam o pedido em crise, । verificamos que não se encontram preenchidos os pressupostos previstos no n? 1 do artigo 78.° da LGT para se proceder à revisão do ato tributário no prazo de 4 anos.
21. Para uma melhor tangibilidade da fundamentação transcreve-se o n? 1 do artigo 78? da LGT:
«A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.»
22. Esta disposição abre a possibilidade ao contribuinte de, por sua iniciativa, rever o ato tributário de liquidação de imposto no prazo da reclamação que poderá ser, por remissão, para o artigo 70? do CPPT e artigo 131? do CPPT, de 120 dias ou dois anos, mantendo-se esta possibilidade em aberto, após esses prazos, e até quatro anos, caso o atro tributário de liquidação enferme de algum erro imputável aos serviços de administração tributária.
23. E é com base nesta última provisão impugnatória que a Requerente solicita a revisão do ato tributário.
24. Atendendo ao exposto pela Requerente julga-se pelo não preenchimento do pressuposto erro imputável aos serviços para se socorrer do prazo de quatro anos para ser revisto o ato de liquidação em causa.
Diga-se,
25. Como referido, é pretensão da Requerente ver anulado o ato tributário identificado, com a natural e respetiva restituição do locupletado, com fundamento na suposta inconstitucionalidade material do tributo designado por «Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário» (ASSB), através das suas diversas normas, introduzido no ordenamento jurídico-tributário pelo artigo 18? da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, diploma que promove várias alterações ao Orçamento de Estado para 2020, pelos motivos sumariamente expostos.
26. Ora, tendo em conta a petição da Requerente, desde logo se nota como não é suscitada qualquer questão respeitante a eventual ilegalidade da liquidação por erro quanto aos pressupostos da aplicação das normas do RASSB, no seu âmbito objetivo e subjetivo, vindo, somente, alegar a inconstitucionalidade deste regime.
27. Dito isto, e a respeito da conformidade constitucional da ASSB ou das normas que integram o seu regime, ou de qualquer outra figura tributária, tem sido a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira ("AT") não se pronunciar sobre o mérito de tais pretensões.
28. De facto, nenhuma outra posição seria admissível.
29. Nos termos do prescrito no n.° 1 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 118/2011, de 15 de dezembro, a AT constitui um serviço da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa, que se encontra sob direção do Governo.
30. Ora, resulta do disposto do n.° 1 do artigo 2.° do predito normativo, que a AT “(...) tem por missão administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos, bem como exercer o controlo da fronteira externa da União Europeia e do território aduaneiro nacional, para fins fiscais, económicos e de proteção da sociedade, de acordo com as políticas definidas pelo Governo e o Direito da União Europeia.”.
31. Como tal, e contemplando o leque de atribuições que lhe é acometido nos termos do n.° 2 do artigo 2.° do predito normativo, que, em última análise apenas aprofunda o conceito de “administração dos impostos", referido no número anterior, verificamos que não é feita, naturalmente, qualquer referência ao controlo legal ou constitucional de normas tributárias.
32. Assim se concluindo que a AT não tem competências no foro da apreciação da conformidade constitucional de normas jurídicas, ou sequer da atividade legiferante, pelo que qualquer pronúncia decisória neste âmbito, se encontraria ferida de ilegalidade institucional.
33. Isto porque o controlo legal ou constitucional de normas tributárias não se insere no escopo da função administrativa, ante o princípio da separação de poderes, em vigor no ordenamento jurídico português.
34. Nesta senda, atento o disposto no artigo 223.° da CRP, verificamos que é acometida ao Tribunal Constitucional, que segue a orgânica plasmada na Lei n.° 28/82, de 15 de novembro, a competência para a apreciação da inconstitucionalidade e da ilegalidade, nos termos dos artigos 277.° e seguintes, também da CRP.
35. Acrescente-se também que a Administração Pública, da qual a AT faz parte, não goza das mesmas prerrogativas dos tribunais, isto é, de desaplicar uma norma jurídica em caso concreto com fundamento na sua inconstitucionalidade e que no fundo será sempre uma suposição até pronúncia por parte do Tribunal Constitucional, conforme o disposto na alínea a) do n.° 1 do art.° 280.° da CRP.
36. É de facto uma questão relativamente pacífica que na arquitetura jurídico-administrativa nacional que os órgãos administrativos, pelo dever de obediência (ao Governo) que lhes é imposto pela lei fundamental, não podem rejeitar a aplicação da lei com tal fundamento.
37. A este respeito, veja-se as considerações de Vieira de Andrade, da sua obra “Direito Constitucional”, Almedina, 1977, pág. 270:
«Este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a protecção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos [...]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição» [sic]
38. E, reforçando a posição defendida pela AT, vejamos o que refere Gomes Canotilho:
"(...) o principio básico é o de recusar à administração em geral e aos agentes administrativos em particular qualquer poder de controlo da constitucionalidade das leis, mesmo se dessa aplicação resultar a violação dos direitos fundamentais..." - in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.a edição, Almedina, p. 443, apud Parecer do Conselho Consultivo da PGR (CA00202010), (disponível em
httD://www.dqsi.Dt/DqrD.nsf/7fc0bd52c6f5cd5a802568c0003fb410/f1a5e96ed483a61980257a7c003d Q674?ODenDocument&ExDandSection=-1')
39. Ora, não se encontrando prevista nas leis orgânicas da AT ou até do Ministério das Finanças a competência para o controlo legal ou constitucional de normas tributárias, qualquer decisão sobre o mérito do pedido encontrar-se-ia ferida de nulidade.
Da ausência dos pressupostos previstos no n.° 1 do artigo 78° da LGT
40. Aqui chegados, verificamos que não se encontra preenchido o pressuposto essencial para a Requerente se socorrer do prazo de 4 anos para solicitar a revisão do ato tributário, conforme é sua pretensão, visto não se encontrar em causa qualquer «erro imputável aos serviços».
41. O conceito de «erro imputável aos serviços» com relevo para aplicação do regime da 2.a parte, do n.° 1, do artigo 78.° da LGT, abrange todo o erro, de facto ou de direito, que interfira com a legalidade do ato tributário a rever.
42. Com efeito, essa abrangência (erro de facto ou de direito) resulta de forma expressa no n.° 3 do mesmo artigo 78.° da LGT, quando ali se prescreve que a revisão dos atos tributários nos termos do n.° 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respetivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.° 1 do artigo 77.° da LGT.
43. Estes serviços não reconhecem qualquer erro de facto ou de direito quanto à matéria em crise, tendo atuado e observado estritamente o legalmente previsto relativo ao RASSB, aprovado pelo artigo 18.° da Lei n.° 27-A/2020, de 24 de julho.
44. Sendo forçoso concluir que não se encontram preenchidos os pressupostos para o efeito da revisão do ato tributário, previstos no artigo 78.° da LGT, porquanto:
(I) À data da apresentação da petição de revisão encontrava-se ultrapassado o prazo para a reclamação graciosa, o que inviabiliza a revisão nos termos da 1a parte do n.° 1 do artigo 78.° da LGT;
(II) Não existe erro imputável aos serviços, uma vez que AT atua em estrita conformidade com o legalmente previsto no regime aprovado para o ASSB, não podendo, de forma alguma, inferir por vícios de conformidade legal, constitucional ou do direito europeu do diploma, o que afasta a revisão oficiosa prevista na 2a parte do n.° 1 do artigo 78.° da LGT, por não se verificar o fundamente de «erro imputável aos serviços».
Da ausência dos pressupostos previstos no n° 4 do artigo 78° da LGT
45. A Requerente sustenta ainda, que o pedido de revisão em menção, se pode circunscrever na aplicação do n.° 4 do artigo 78.° da LGT, no sentido de se proceder à revisão do ato tributário no prazo de 3 anos.
46. Para uma melhor tangibilidade da fundamentação, transcreve-se o n.° 4 do artigo 78.° da LGT:
«O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.»
47. Com efeito, esta disposição abre a possibilidade de o contribuinte poder, por sua iniciativa rever o ato tributário de liquidação de imposto após o prazo de dois anos a que se refere o n.° 1 do artigo 78.° da LGT, por conjugação com o n.° 1 do artigo 131.° do CPPT, desde que se verifiquem dois requisitos cumulativos, «injustiça grave ou notória» e que «o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».
48. Nessa senda, face ao acima descrito julga-se, desde logo, que não se mostra preenchido o primeiro pressuposto de «injustiça grave ou notória».
49. Estipula o n.°5 do artigo 78.° da LGT que se «(...) considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional».
Diga-se
50. Estes serviços notam na estrita observância do regime legal fixado quanto ao ASSB.
51. A Requerente não coloca em crise questões do âmbito de atuação destes serviços, mas sim vícios ao próprio tributo e às normas que compõe o seu regime, que apenas podem ser sindicados pelos órgãos judiciários.
52. Assim, face à atuação destes serviços conforme o exarado no regime aprovado para o ASSB, e na estrita correspondência às competências adstritas, nunca se poderá inferir por uma «injustiça grave ou notória».
53. Pelo que se deixa exposto, e dado o estrito cumprimento pela AT das normas em vigor, concluímos que que o ato de liquidação vertido na guia número 57000001488 foi legalmente praticado e mantém-se sem enfermar de qualquer vício.
54. Consequentemente, não haverá lugar à revisão do ato nem à restituição do montante
peticionado acrescido de juros indemnizatórios.
55. Pelo exposto, não estando em causa qualquer uma das circunstâncias que a Requerente alega, seria aplicável, para efeitos da apresentação do pedido de revisão oficiosa, o prazo previsto na primeira parte do n.° 1 do artigo 78.° da LGT, que, coincide com o prazo de apresentação de reclamação graciosa, que, por remissão para o disposto no artigo 131.° do CPPT, se fixa em dois anos.
56. Assim, tendo a Requerente apresentado a declaração no dia 15.12.2020, regista-se que volveram mais de dois anos desde a data de liquidação do ASSB e apresentação da revisão oficiosa em crise, que se revela intempestiva, ainda que contabilizados os dias de suspensão operados pela entrada em vigor da Lei n.° 4-B/2021, de 01 de fevereiro, devendo ser liminarmente rejeitado.
VI. DIREITO DE AUDIÇÃO
57. Através de oficio remetido via correio eletrónico pelo serviço viaCTT, com data de registo de 23 de janeiro, foi a Requerente notificada do projeto de decisão e convidada a exercer o seu direito de participação nos termos da al. b) do n.° 1 do art.° 60.° da LGT, faculdade que viria a exercer através de requerimento endereçado a este serviço via correio registado a 22 de fevereiro.
58. Aí, o Requerente manifesta-se no sentido de discordância com a posição tomada pelos serviços no projeto de decisão, propondo a rejeição liminar do pedido com fundamento em intempestividade.
59. Reitera que se encontra a invocar um erro de direito, fundado na falta de conformidade do RASSB com a lei fundamental, e que esse preenche o conceito de erro imputável aos serviços, determinando a possibilidade do ato tributário ser revisto no prazo de quatro anos, razão pela qual não poderá o pedido de revisão ser considerado intempestivo.
60. O conceito de erro imputável aos serviços encontra-se hoje bem definido pela jurisprudência e doutrina, no qual entende que «[o] "erro imputável aos serviços” constante do art° 78°, n° da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro», [sic] (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo processo n.° 1019/14, de 08/03/2017)
61. O erro de direito consubstancia-se no vicio que afeta a própria norma jurídica, que regula ou disciplina matéria de forma incompatível com norma jurídica de valor superior.
62. É assim fundamento do pedido de revisão do ato tributário no prazo de quatro anos ou a todo tempo caso o imposto não se encontre pago, conforme dispõe a segunda parte n.° 1 do art.° 78.° da LGT.
63. Não obstante, no projeto de decisão que antecede, deixou-se claro que inexiste no caso concreto qualquer erro imputável aos serviços na liquidação do imposto, razão pela qual não é devida a revisão do ato tributário.
64. Frisou-se a respeito da questão decidenda que a AT encontra-se vinculada ao principio da legalidade devendo obediência à lei e como órgão da Administração Publica, não possui poderes de controlo da legalidade, não podendo por isso desaplicar uma norma de direito interno com fundamento na sua incompatibilidade com disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições.
65. A decisão projetada assenta no entendimento do erro imputável aos serviços como um pressuposto processual do pedido de revisão do ato tributário que, como não se encontra preenchido, motiva a rejeição liminar.
66. A este respeito trazemos à colação a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito do processo n? 1917/21.4BELRS, que versa precisamente sobre este tópico e cujas conclusões, em parte, transcrevemos:
«VI. Na redação dada pela Lei n.° 7-A/2016, de 30 de março, ao art.° 78.° da LGT, para que se
possa falar em erro imputável aos serviços numa situação de autoliquidação, para os efeitos do n.° 1 da mencionada disposição legal, tem de existir alguma atuação da administração que se revele como sustentadora da própria atuação do sujeito passivo e que, dessa forma, o condicione.
VII. Estando-se perante autoliquidações que não foram efetuadas com base em qualquer
atuação da administração e não se tratando de situação de evidente ilegalidade, muito pelo contrário, não há que apelar igualmente aos princípios que norteiam a atividade da
administração, para efeitos de impulsionara atuação desta, para efeitos de revisão oficiosa do ato.»
67. Para contextualizar, o objeto imediato da contenda são as decisões de rejeição liminar que recaíram sobre dois pedidos de revisão do ato tributário de "Contribuição sobre o setor bancário" (CSSB) respeitantes aos anos de 2017 e 2018, com fundamento em intempestividade do pedido conforme o disposto na 1? parte do n.° 1 do art? 78? da LGT e por não se encontrar preenchido o pressuposto do erro imputável aos serviços previsto na 2ª parte da mesma norma.
68. Salvo o tributo em causa, verifica-se ser uma questão em tudo idêntica à que presentemente nos deparamos.
69. O tribunal viria a confirmar a sentença proferida na 1? instância, que «(...) considerou que inexistia uma situação de erro imputável aos serviços, na medida em que não se trata de caso em que os erros que eventualmente emergem das autoliquidações tenham decorrido de instruções efetuadas pela AT».
70. Sustenta o seu entendimento no seguinte:
«(...) ambos os pedidos de revisão oficiosa foram efetuados ao abrigo da segunda parte do n.° 1 do art.° 78° da LGT, uma vez que o prazo para a reclamação administrativa (2 anos, como vimos supra) já se encontrava ultrapassado.
Ora, a redação em vigor do art.°78°da LGT implica que, em casos de autoliquidação (em que, por definição, a administração não intervém e em que, por esse motivo, os eventuais erros de facto ou de direito de que padeçam são, em regra, imputáveis ao próprio sujeito passivo que os pratica), as situações de erro imputável aos serviços sejam circunscritas aos casos em que o contribuinte atua em cumprimento de orientações ou informações emanadas pela própria administração - até porque o erro imputável aos serviços abarca não só o erro material, mas também o de direito (cfr. n.° 3 do art.° 78.° da LGT).
Como referido por Paulo Marques (A revisão do acto tributário: Do mea culpa à reposição da legalidade, Almedina, Coimbra, 2019, p. 221), “[o] 'erro imputável aos serviços’ (...) concretiza qualquer ilegalidade (...) não imputável ao contribuinte (...), mas à administração tributária.
Consideramos assim também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base em declarações do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária...’’.
Ou seja, para que, nestes casos de autoliquidação, se possa falar em erro imputável aos
serviços tem de existir alguma atuação da administração que se revele como sustentadora da própria atuação do sujeito passivo e que, dessa forma, o condicione.
Chamamos à colação, exemplificativamente, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13.07.2021 (Processo: 0111/18.6BEPNF), cuja doutrina consideramos transponível, porquanto, não obstante respeitar a liquidação anterior a 2018, refere-se a uma situação em que não se aplicaria a presunção então prevista no n.° 2 do art.° 78.° da LGT. Aí se escreveu:
"(E)mbora a declaração de rendimentos tenha sido apresentada de forma voluntária pelo
contribuinte (que até àquela data tinha omitido a sua apresentação), a mesma foi apresentada de acordo com a proposta feita pelos Serviços de Inspecção, ou seja, de acordo com a qualificação e enquadramento dos rendimentos feita pelos Serviços no relatório elaborado (que desconsideraram como custos determinados pagamentos a anteriores titulares do estabelecimento de farmácia explorado pelo sujeito passivo, os quais foram acrescidos ao resultado líquido).
Nesta medida, tendo a declaração sido apresentada de acordo com as instruções da Administração Tributária, que o contribuinte acatou, e pretendendo este questionar a sua
legalidade, estamos perante "erro imputável aos serviços", para os efeitos do disposto no n° 1 do artigo 78° da LGT".
É também aqui transponível o regime em torno do direito a juros indemnizatórios, nos casos de liquidações efetuadas por iniciativa do sujeito passivo que tenham seguido instruções da administração, situações essas que a própria lei faz equivaler a erro imputável aos serviços (cfr. o n.° 2 do art.°43.°da LGT)
Ora, in casu, o invocado pelo ora Recorrente circunscreveu-se a aspetos de direito do próprio regime atinente à CSSB (inconstitucionalidades e violações do direito da União Europeia) e não a qualquer atuação da AT passível de ser configurada como erro imputável aos serviços nos termos já explanados.»
71. Deste excerto, consegue-se concluir que o tribunal faz uma distinção clara entre os conceitos de "qualquer ilegalidade" e “erro imputável aos serviços” que emanam do n.° 1 do art? 78.° da LGT.
72. Se “qualquer ilegalidade” poderá subsumir-se à hipótese de todo o erro de facto e de direito, já o “erro imputável aos serviços” limita-se apenas às situações em que no ato de liquidação do imposto, in casu, um ato de autoliquidação de imposto, o contribuinte tenha adotado orientações, instruções e/ou informações da administração tributária no preenchimento da declaração que motiva o ato tributário.
73. Encontrando-se naquela contenda a ser questionados os aspetos de direito do próprio regime atinente à CSSB (inconstitucionalidades e violações do direito da União Europeia) e não qualquer atuação da AT, não pode a mesma ser configurável como um erro imputável aos serviços.
74. Como já referimos, a par do tributo em causa, é um caso em tudo idêntico ao apresentado pela Requerente.
75. E um caso em que adotamos como igualmente nosso a linha de pensamento do tribunal, em não aceitar como um erro imputável aos serviços os alegados vícios de falta de conformidade constitucional e do direito da União Europeia a ASSB e o seu regime.
76. Encontrando-se assim já ultrapassado o prazo da 1.° parte do n.° 1 do art.° 78.° da LGT, só poderá a Requerente socorrer-se do prazo de quatro anos previsto na 2° parte da norma, em caso de erro imputável aos serviços traduzido na adoção de orientações genéricas emitidas pela administração tributária na realização do ato tributário, nomeadamente, no preenchimento da declaração fiscal, o que não acontece.
77. Ressalva-se que ao contrário do que invoca a Requerente, esta questão não é pacifica nos tribunais nacionais, tal como a decisão judicial trazida à colação ilustra.
78. Mas não se pode deixar de evidenciar a clara incongruência do regime do art? 78? da LGT, quando interpretado no sentido em que se configura como erro imputável aos serviços o erro de direito fundado na violação da própria norma legal com normas de valor jurídico superior, como a norma constitucional ou as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, e ao mesmo tempo não pode a administração tributária reconhecer esse erro no procedimento porque se encontra vinculada ao principio da legalidade tributaria.
79. Esta situação coloca o procedimento de revisão do ato tributário, com este fundamento, como um procedimento inútil e dilatório, um pró forma de acesso à via judiciária onde a pretensão poderá de facto ser atendida.
80. Atendendo aos princípios gerais da atividade administrativa, destacando os da boa administração, da proporcionalidade e da justiça e da razoabilidade, temos que rejeitar esta conceção de erro imputável aos serviços como qualquer erro de direito como fundamento do pedido de revisão do ato tributário.
81. Por outro lado, destaca-se que o recurso à via do n? 4 do art? 78? da LGT, tem como objeto "a revisão da matéria tributável" e não o ato tributário em si.
82. Ou seja, a Requerente não invoca qualquer ilegalidade conexa com a base tributável do ASSB que sobre si recai mas sim a própria conformidade constitucional do tributo.
83. Para além do já referido no projeto que antecede, não poderá assim ser usada este expediente para combater as ilegalidades invocadas no presente procedimento de revisão do ato tributário.
VII. CONCLUSÃO
Perante o exposto, com os fundamentos de facto e de direito descritos, deverá ser rejeitada liminarmente a pretensão formulada, com todas as consequências legais.
-
Em 05-08-2024, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
3. Matéria de direito
É objecto do presente processo um acto de autoliquidação de ASSB relativo ao ano de 2020.
No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira suscita excepções, por entender que este Tribunal arbitral é materialmente incompetente para conhecer da pretensão da Requerente e que o acto de autoliquidação é inimpugnável por falta de precedência de impugnação administrativa dentro do prazo legalmente previsto, designadamente porque «não estaria em causa uma situação de “injustiça grave ou notória”, tal como entendida pela jurisprudência, nem certamente o pedido visava uma “revisão da matéria tributável” quando o que se pretendia era a anulação do ato com fundamento na inconstitucionalidade do imposto».
3.1. Questão da incompetência material
A tese da Autoridade Tributária e Aduaneira é a seguinte, em suma:
– na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, não foi apreciado o mérito da autoliquidação, tendo-se nela aferido da verificação dos pressupostos da revisão, sendo o pedido liminarmente rejeitado;
– a acção administrativa constitui o meio processual adequado para impugnar a decisão de rejeição liminar sub judice, conforme decorre do artigo 97.º/1-p) do CPPT;
– a impugnação judicial só será o meio processual adequado quando o ato a impugnar contiver efectivamente a apreciação da legalidade do ato de liquidação;
– as competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD limitam-se à apreciação da legalidade de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT, em que não se incluem as competências para apreciar actos que devem ser objecto de acção administrativa.
Este entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira corresponde ao que já foi adoptado em várias decisões arbitrais, que cita, mas foi recentemente rejeitado reiterada e uniformemente pelo Supremo Tribunal Administrativo.
De facto, a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Administrativo é no sentido de que «a Impugnação Judicial é o meio próprio de reacção processual desde que no seu âmbito seja pedida a apreciação quer da legalidade da decisão administrativa quer da liquidação, independentemente de a decisão administrativa que constitui o objecto imediato da Impugnação Judicial versar sobre questão meramente formal (designadamente o acto administrativo de indeferimento ter por fundamento a ilegitimidade ou intempestividade da Reclamação Graciosa) quer o indeferimento se funde no mérito ou não acolhimento dos vícios de mérito imputados à liquidação» (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18-11-2020, processo n.º 0608/13.4BEALM; de 13-10-2021, processo n.º 0129/18.9BEAVR; de 02-02-2022, processo n.º 0848/14.9BEAVR; de 13-09-2023, processo n.º 0294/12.9BEPRT 0326/18; de 06-03-2024, processo n.º 0946/18.0BELRA).
Trata-se de jurisprudência reiterada e uniforme, em matéria processual, pelo que um Tribunal que actua em 1.ª instância deve acatá-la.
Como se vê por esta jurisprudência, é entendimento do Supremo Tribunal Administrativo que, desde que seja pedida a anulação de uma liquidação (ou actos equiparados como a autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta) o meio adequado é sempre o processo de impugnação judicial, independentemente de a decisão administrativa de indeferimento que é objecto imediato se baseie apenas em razões formais.
Assim, constituindo o processo arbitral tributário um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial (artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a aprovar o RJAT), os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm todas as competências que têm os tribunais tributários em processo de impugnação judicial relativamente a actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT.
No caso em apreço, é impugnado um acto de autoliquidação, cuja anulação é pedida, pelo que o meio adequado para o impugnar nos tribunais tributários seria o processo de impugnação judicial e, consequentemente, é também adequado o processo arbitral.
Por isso, este Tribunal arbitral tem competência para apreciar a legalidade do acto impugnado.
Improcede, assim, a excepção de incompetência.
3.2. Questões da inimpugnabilidade do acto de autoliquidação da competência do Tribunal Arbitral
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:
– estão excluídas da jurisdição do CAAD as pretensões relativas à ilegalidade de autoliquidações que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa [artigo 2.º/1-a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de março];
– dado que o pedido de Revisão Oficiosa foi liminarmente rejeitado, tendo sido, além disso, apresentado extemporaneamente, nunca poderá ser equiparado à impugnação administrativa a que se refere o artigo 131.º/1 do CPPT, sendo por isso forçoso concluir pela inimpugnabilidade do ato autoliquidação de ASSB em crise por falta de precedência de impugnação administrativa dentro do prazo legalmente previsto
– o CAAD competência para analisar da legalidade dos fundamentos invocados pela AT na decisão de indeferimento liminar;
– não estava em causa uma situação de “injustiça grave ou notória”, tal como entendida pela jurisprudência, nem certamente o pedido visava uma “revisão da matéria tributável” quando o que se pretendia era a anulação do ato com fundamento na inconstitucionalidade do imposto.
A Autoridade Tributária e Aduaneira faz aqui uma nova referência a competência, embora faça também referência a inimpugnabilidade do acto.
Como se referiu, em sintonia com a jurisprudência dos Supremo Tribunal Administrativo, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes para apreciar pedido de anulação da liquidação precedido de impugnação administrativa rejeitada por razões formais.
Sendo este Tribunal competente para a apreciar esta acção arbitral, é também este o tribunal competente para «conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa», como resulta do preceituado no artigo 91.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT.
No que concerne especificamente à inimpugnabilidade, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende, como fundamento no artigo 78.º da LGT, que decorre da intempestividade do pedido de revisão oficiosa, por não ter sido apresentado no prazo da reclamação graciosa, não existir erro imputável aos serviços e a revisão com fundamento em injustiça grave e notória não ser aplicável a actos que não, são de fixação da matéria tributável.
O artigo 78.º da LGT estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 78.º
Revisão dos actos tributários
1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2. Revogado.
3. A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte
O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 15-12-2023, relativamente a um acto de autoliquidação efectuado em 15-12-2020, pelo que é manifesto que o pedido não foi apresentado no prazo de reclamação administrativa referido na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, pois o prazo é de dois anos a contar da apresentação da declaração (artigo 131.º, n.º 1, do CPPT).
Por outro lado, embora o pedido tenha sido apresentado dentro do prazo previsto no n.º 4 deste artigo 78.º, o pedido não tem por objecto a «revisão da matéria tributável», como aí se prevê.
Por isso, a tempestividade do pedido de revisão oficiosa só pode resultar da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º, que prevê o prazo de quadro anos, para revisão com fundamento em erro imputável aos serviços.
Os erros de actos de autoliquidação, são, em princípio, imputáveis ao próprio contribuinte, que faz a autoliquidação, mas deverá entender-se que são «imputáveis aos serviços» os erros em que o contribuinte incorreu seguindo instruções da Administração Tributária, o que está em sintonia com o que se prevê, para efeitos de responsabilidade por juros indemnizatórios, no n.º 2 do artigo 43.º da LGT.
É isso o que sucede no caso em apreço.
Na verdade, na sequência da publicação da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, que, no seu artigo 18.º e Anexo VI, criou o Adicional de solidariedade sobre o setor bancário, foi publicada pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a Portaria n.º 191/2020, de 10 de Agosto, em que, além de se aprovar um modelo de declaração, se fornecem várias instruções relativas aos deveres que recaem sobre os sujeitos passivos no seu preenchimento e, inclusivamente, se esclarece, nas «Observações gerais», quem são as entidades que devem apresentar a declaração, entre as quais se indicam as «instituições de crédito com sede principal e efetiva a administração situada em território português», qualificação esta em que se enquadra a Requerente.
O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais integra a «administração tributária», quando exerce competências administrativas no domínio tributário, como decorre do artigo 1.º, n.º s 2 e 3, da LGT e, ao emitir uma portaria, actua no exercício de competências administrativas.
Na verdade, «uma portaria é um regulamento governamental (art. 138.º/3/al. c) Código de Procedimento Administrativo - CPA), normas jurídicas gerais e abstractas emitidas pelo Governo no exercício de poderes jurídico-administrativos que visam a produção de efeitos jurídicos externos (art. 135.° CPA)» ( [1] ).
A Portaria referida, consubstancia exercício do poder regulamentar, que se insere nas competências de natureza administrativa do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Por isso, está-se perante um acto de natureza administrativa, emitido pela administração tributária, em que se dão orientações aos contribuintes, sobre a forma de cumprimento dos seus deveres legais, que cabe o conceito de orientação genérica para efeitos de imputabilidade dos seus erros aos «serviços», para efeitos da parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
Para além disso, como há muito vem entendendo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, havendo erro na liquidação «é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços» (acórdão de 12-12-2001, processo n.º 026.233, cuja jurisprudência é reafirmada nos acórdãos de 06-02-2002, processo n.º 026.690; de 13-03-2002, processo n.º 026765; de 17-04-2002, processo n.º 023719; de 08-05-2002, processo n.º 0115/02; e 22-05-2002, processo n.º 0457/02; de 05-06-2002, processo n.º 0392/02; de 11-05-2005, processo n.º 0319/05; de 29-06-2005, processo n.º 9321/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; e 26-04-2007, processo n.º 039/07; de 21-01-2009, processo n.º 771/08; de 22-03-2011, processo n.º 01009/10; de 14-03-2012, processo n.º 01007/11; de 05-11-2014, processo n.º 01474/12; de 09-11-2022, processo n.º 087/22.5BEAVR; de 12-04-2023, processo n.º 03428/15.8BEBRG).
Era por o erro na autoliquidação, quando não é imputável a uma deficiente actuação do contribuinte, ser imputável a Administração Tributária que no n.º 2 do artigo 78.º da LGT se estabelecia uma ficção de que qualquer erro de que enfermassem autoliquidações era imputável aos serviços.
A razão que justificava esta ficção era a de que a imposição aos contribuintes da prática de actos de autoliquidação constitui atribuição do exercício de funções tributárias para que aqueles não estão ou não têm de estar vocacionados nem preparados e, por isso, era razoável e proporcionado admitir com maior amplitude a correcção de erros que eventualmente praticassem e os prejudicassem.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-01-2015, processo n.º 0843/14, «tratando-se de verdadeira liquidação tributária para todos os efeitos, na medida em que o cidadão é utilizado em funções que lhe não são próprias, mas próprias de um funcionário da Administração Tributária, nos casos em que, ao mencionar os factos ou na subsunção dos mesmos ao direito, incorre em erro, esse erro não pode deixar de considerar-se como erro da própria Administração Tributária». ( [2] )
Como é óbvio, esta razão que justifica a especial protecção contra erros praticados pelo contribuinte a quem é imposta por lei a tarefa de liquidação de impostos não deixou de valer com as alterações introduzidas na LGT pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que revogou aquele n.º 2 do artigo 78.º, pois a situação do contribuinte que, depois dessa revogação, se vê obrigado a assumir funções tributárias para que não tem especial preparação é precisamente a mesma que existia antes.
Por isso, a razão da revogação daquela norma do n.º 2 do artigo 78.º, em que se considerava sempre imputável aos serviços qualquer erro da autoliquidação, será a eliminação do exagero de protecção do contribuinte que nela estava ínsito, ao considerar como imputáveis aos serviços todos os erros que o contribuinte tivesse praticado, mesmo que a actuação do contribuinte merecesse censura a título de negligência (ou mesmo de dolo, se bem que pouco provável em situação em que o erro se reconduz a prejuízo para o contribuinte). ( [3] )( [4] )
Foi, decerto, o exagero de protecção do contribuinte negligente que o n.º 2 do artigo 78.º consubstanciava que terá justificado a sua revogação e não uma intenção legislativa de afastar a imputabilidade aos serviços relativamente a todos os erros praticados nas autoliquidações.
Assim, desde logo, será imputável aos serviços o erro do contribuinte em autoliquidação quando actuou em sintonia com orientações da Administração Tributária, gerais ou não, pois serão casos em que haverá nexo de causalidade entre a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira e o comportamento do contribuinte.
Mas, a ponderação adequada e sensata das exigências que se podem fazer aos contribuintes, à luz dos princípios constitucionais da legalidade, proporcionalidade e da justiça, impostos à actuação da Administração Tributária pelo n.º 2 do artigo 266.º da CRP, justificará que não seja necessário, para existir o dever de revogação de actos ilegais que decorre do princípio da legalidade, que exista nexo de causalidade entre uma actuação da Administração Tributária e o erro que afecte a autoliquidação, impondo-se esse dever quando o erro na autoliquidação não decorra de um comportamento negligente do contribuinte, à semelhança do que está previsto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT quanto a erros na fixação da matéria tributável, e em sintonia com o que há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, relativamente a esse mesmo conceito de «erro imputável aos serviços» utilizado no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, quanto à responsabilidade por juros indemnizatórios. ( [5] )
Pelo exposto, o Requerente estava em tempo para pedir a revisão oficiosa, a autoliquidação é impugnável, o processo arbitral é meio adequado para apreciar a sua legalidade e este Tribunal Arbitral tem competência a apreciar o pedido e anulação
Improcede, assim, a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
4. Matéria de direito
4.1. Posições das Partes
A Requerente defende o seguinte, em suma:
– o ASSB é um imposto;
– o ASSB apresenta-se como um imposto inconstitucional, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, e ainda, por desvio do poder tributário, violação do princípio da igualdade fiscal e da liberdade de empresa, incluindo as vertentes da capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo lucro real;
– o ASSB é incompatível com os princípios básicos ordenadores da praxis social;
– o ASSB é ilegal por violação da lei de valor reforçado que é a Lei de Enquadramento Orçamental por haver violação do princípio geral da não consignação de receitas.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição assumida na decisão do pedido de revisão oficiosa, dizendo o seguinte, em suma:
– a AT não contesta a qualificação jurídica do ASSB como imposto;
– o ASSB foi criado no contexto da situação excecional de saúde pública e dos seus profundos reflexos na vida social e económica do país resultantes da pandemia COVID-19;
– a sua receita destina-se a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, através da sua consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (doravante FEFSS);
– a sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social, sempre em dúvida, é uma preocupação permanente que tem justificado plúrimas iniciativas;
– o sector financeiro beneficia de isenções que distorcem o princípio da igualdade e da tributação com base na capacidade contributiva , pelo que, quando elas são eliminadas ou atenuadas, favorece-se a reposição daqueles princípios;
– o ASSB tem como objetivo compensar uma vantagem aferida em termos de carga fiscal global incidente sobre o setor das instituições de crédito associada à aplicação da isenção de IVA;
– a base de incidência do ASSB respeitante ao primeiro semestre de 2020 corresponde ao “passivo apurado e aprovado” pelos sujeitos passivos nas suas contas intercalares, facto tributário que se objetiva e emerge na ordem jurídica com o apuramento e aprovação das contas, necessariamente posteriores à entrada em vigor da Lei n.º 27-A/2020, 24 de julho, e ao início de vigência do regime do ASSB;
– o ASSB não viola o princípio da não consignação, na medida em o caso presente subsume-se na exceção consentida pelo art. 16.º, n.º 2, al. c) e n.º 3, da Lei n.º 151/2015; nem viola, tão pouco, o princípio da especificação orçamental, porquanto o ASSB foi aprovado no seio de um orçamento de Estado retificativo, com o cumprimento de todas as exigências indicadas por esse princípio orçamental;
– o regime do ASSB não comporta um tratamento discriminatório baseado na nacionalidade das instituições de crédito que viola a liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 18.º e 49.º do Tratado Sobre o Funcionamento da EU.
4.2. Regime do ASSB
O artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, aprovou o seu anexo VI, que contém «o regime que cria o adicional de solidariedade sobre o setor bancário».
Esta Lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, nos termos do seu artigo 26.º.
«O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores» (artigo 1.º, n.º 2, do ASSB).
Nos artigos 3ºº e 4.º do ASSB estabelece a incidência objectiva e sua quantificação:
Artigo 3.º
Incidência objetiva
O adicional de solidariedade sobre o setor bancário incide sobre:
a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro;
b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.
Artigo 4.º
Quantificação da base de incidência
1 - Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, entende-se por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção dos seguintes:
a) Elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios;
b) Passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido;
c) Os depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos;
d) Passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados;
e) Receitas com rendimento diferido, sem consideração das referentes a operações passivas; e
f) Passivos por ativos não desreconhecidos em operações de titularização.
2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, observam-se as regras seguintes:
a) O valor dos fundos próprios, incluindo os fundos próprios de nível 1 e os fundos próprios de nível 2, compreende os elementos positivos que contam para o seu cálculo de acordo com o disposto na parte II do Regulamento (UE) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012, tendo em consideração as disposições transitórias previstas na parte X do mesmo Regulamento que, simultaneamente, se enquadrem no conceito de passivo tal como definido no número anterior;
b) Os depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos.
3 - Para efeitos do disposto na alínea b) do artigo anterior, entende-se por instrumento financeiro derivado o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente.
4 - A base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.
No artigo 21.º da mesma Lei inclui-se uma «disposição transitória» nestes termos:
Artigo 21.º
Disposição transitória
1 - Em 2020 e 2021, a liquidação e o pagamento do adicional de solidariedade sobre o setor bancário previsto no regime que consta do anexo VI à presente lei efetua-se de acordo com as seguintes regras:
a) A base de incidência apurada nos termos dos artigos 3.º e 4.º do regime é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, e nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2021, publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas;
b) A liquidação é efetuada pelo próprio sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que deve ser enviada até ao dia 15 de dezembro de 2020 e 2021, respetivamente;
c) O adicional de solidariedade sobre o setor bancário deve ser pago até ao último dia do prazo estabelecido na alínea anterior, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 40.º da lei geral tributária, aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro.
2 - Na ausência da publicação das contas relativas ao primeiro e segundo semestres de 2020, conforme referido na alínea a) do número anterior, a base de incidência é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, e nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2021, a comunicar pelo sujeito passivo à Autoridade Tributária e Aduaneira até ao dia 15 de dezembro de 2020 e 2021, respetivamente.
3 - Na falta de liquidação do adicional nos termos da alínea b) do n.º 1, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.
4 - Não sendo efetuado o pagamento do adicional até ao termo do prazo indicado na alínea c) do n.º 1, começam a correr imediatamente juros de mora e a cobrança da dívida é promovida pela administração fiscal, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário
4.3. Apreciação das questões
A Requerente imputa vários vícios à autoliquidação impugnada.
Como está ínsito no artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, julgado procedente um vício que assegure a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
4.4.1. Classificação do ASSB com um imposto
O artigo 3.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) estabelece que «os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas».
A classificação do tributo que é objecto de impugnação no processo arbitral releva desde logo, para efeito de competência em razão da vinculação, uma vez que a vinculação da Administração Tributária à jurisdição arbitral se limita a «impostos», como resulta do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Além dos tipos de tributos tradicionais (impostos e taxas), o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), constitucionalizou, como categoria de tributos autónoma, as contribuições financeiras a favor das entidades públicas.
Nos termos do artigo 3.º da LGT, «os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património», «as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares» e «as contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade são consideradas impostos».
Como se refere no Parecer do Senhor Professor Doutor CASALTA NABAIS, junto aos autos:
– «do ponto de vista estrutural, temos uma distinção primária de tributos segundo a qual os impostos diferenciam-se das taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades publicas por, nos primeiros, temos prestações pecuniárias unilaterais e, nos segundos, prestações pecuniárias bilaterais»;
– «enquanto os impostos são tributos sem causa assentes no poder tributário do Estado e na capacidade contributiva dos destinatários deste poder, os tributos bilaterais têm por efectivo suporte uma causa especifica constituída pela prestação pública a que a taxa ou contribuição serve de contraprestação, correspondendo a um poder tributário inerente ao poder dessa prestação pública»;
– «Desde logo é evidente que o ASSB não pode ser uma taxa, pois nada tem a ver com qualquer das modalidades de prestação pública que constitui o facto tributário das taxas, a saber: a prestação de um serviço público, a remoção de um obstáculo Jurídico ao comportamento dos particulares e a utilização de um bem do domínio público»;
– «há no ASSB uma ausência total das características apontadas às contribuições financeiras que implica, como é reconhecido, a sua especial ligação a um grupo suficientemente diferenciado da generalidade dos contribuintes, se apresente dotado de um mínimo de homogeneidade, assuma uma especifica responsabilidade ou, de algum modo, os membros do grupo beneficiem de uma utilidade especifica»;
– «O que não é posto e causa pela consignação da receita do ASSB, porquanto, embora a consignação das receitas constitua uma característica inerente aos tributos bilaterais, a consignação das receitas do ASSB ao FEFSS, para além de ser anómala e juridicamente inaceitável, não revela qualquer relação especial ou específica do sector bancário com a Segurança Social».
Como se refere na decisão arbitral do processo 598/2022-T ( [6] ), «ao contrário do que sucede com a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), que foi consensualmente caracterizada como uma contribuição financeira (cfr., por último o acórdão do STA de 25 de janeiro de 2023, Processo n.º 01622/20, e a jurisprudência nele citada), não pode ser atribuída essa mesma natureza ao ASSB, na medida em que não existe conexão entre os objetivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário, como também não há uma relação específica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado. E, nesses termos, não se verificam os requisitos típicos de homogeneidade, responsabilidade e utilidade de grupo que possam justificar a caracterização do ASSB como contribuição financeira».
Por isso, o ASSB é um imposto especial sobre o sector bancário.
Assim, não sendo designado com contribuição financeira e sendo o ASSB um imposto não há qualquer dúvida sobre a inclusão dos litígios que o têm por objecto no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, definidas no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
De resto, a Autoridade Tributária e Aduaneira aceita que o ASSB tem natureza de imposto e não questiona a inclusão do litígio no âmbito da referida vinculação à jurisdição arbitral.
Por outro lado, é à luz desta natureza de imposto que devem ser apreciadas as questões de inconstitucionalidade do ASSB suscitadas pela Requerente.
4.4.2. Questão da inconstitucionalidade por violação da proibição constitucional da criação de impostos retroactivos
Relativamente aos vícios de inconstitucionalidade, a Requerente não indica qualquer relação de subsidiariedade, pelo que, tendo em mente o princípio da informalidade, que vigora nos processos arbitrais tributários, por força do disposto no n.º 2 do artigo 29.º do RJAT, se começará por apreciar a questão da violação da proibição constitucional da criação de impostos retroactivos.
O artigo 103.º, n.º 3 , da CRP estabelece que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».
A Requerente imputa à autoliquidação impugnada violação da proibição da criação de impostos retroactivos não só quanto ao primeiro semestre de 2020, mas também quanto a todo o ano de 2020.
No entanto, a autoliquidação impugnada limita-se ao ASSB devido em 2020, que foi calculado «por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020», pelo que apenas está em causa neste processo a utilização para quantificação do imposto dos saldos relativos ao primeiro semestre.
A Requerente diz, em suma, que,
– o sujeito passivo é obrigado a liquidar o imposto relativo ao primeiro semestre de 2020, muito antes de encerrado o respetivo exercício de 2020, e sempre antes de aprovadas as respetivas contas, sendo que este imposto é criado no segundo semestre de 2020;
– Inexistindo - como demonstrado supra - a aprovação de contas, não poderá ser este o facto tributário relevante em sede de ASSB. Esse facto tributário só pode então ser, atendendo à redação do regime do ASSB, o apuramento contabilístico da existência de passivo;
– ao incidir sobre o apuramento dos saldos do passivo dos meses de janeiro a junho de 2020, o ASSB está a reportar-se a um facto tributário material passado, porquanto a atividade desenvolvida pelas entidades bancárias sujeitos passivos do imposto durante esses seis meses de 2020 já haviam decorrido integralmente quando a LOE Suplementar 2020 foi aprovada, publicada e entrado em vigor, sendo esta a primeira vertente ou dimensão da inconstitucionalidade com base no carácter retroativo;
– ainda que se entendesse que o facto tributário apenas se forma com a média do semestre, isto é, no final do 6.º mês, o ASSB continuaria a ter entrado em vigor após a verificação do facto tributário, sendo, portanto, uma aplicação retroativa de um imposto, o ASSB, sobre factos tributários passados, vedada pela CRP;
– esta inconstitucionalidade por violação da proibição constitucional de retroactividade da criação de impostos foi decidida pelo Tribunal Constitucional.
Afigura-se que a Requerente tem razão, como já se decidiu no processo arbitral n.º 504/2021-T:
– «sendo o imposto pago e liquidado até 15 de Dezembro de 2020, a título de ASSB, que é objecto dos presentes autos, apenas tem como fundamento o facto material contabilístico do apuramento de saldos passivos, sem qualquer intervenção da requerente ou dos seus representantes na aprovação desses saldos ou de quaisquer contas que permitam o seu apuramento»;
– «a lei obriga o sujeito passivo a autoliquidar o imposto relativo ao primeiro semestre de 2020 até 15 de Dezembro de 2020, ou seja, muito antes de encerrado o exercício de 2020 e sobretudo antes de aprovadas as respectivas contas»;
– «Por isso, o facto tributário neste caso não é a aprovação de contas, que não existe, nem é forçoso que exista, mas o facto material de contabilisticamente ser apurada a existência de passivo, nos termos dos artºs. 3º. e 4º. do Anexo VI»;
– «Ora, esse facto material ocorreu sempre antes da publicação da Lei nº. 27-A/2020, 24 de Julho (Orçamento suplementar para 2020), quer se entenda que o passivo a ter em conta, seja o que se verifica no fim de cada um dos meses de Janeiro a Junho, individualmente considerados, quer seja o que se verifica contabilisticamente em 30 de Junho no final do 1º. Semestre de 2020, pela determinação da média desses passivos»;
– «Deste modo, o artº. 18º., conjugado com artº. 21º., nº.1, al. c) da Lei nº. 27-A/2020, 24 de Julho, na parte em que prevê a liquidação do ASSB relativamente aos saldos passivos do primeiro semestre de 2020 é inconstitucional por violação do disposto no artº. 103º., nº. 3 da CRP, que estabelece o princípio da proibição da retroatividade fiscal, dado que ocorre uma aplicação retroactiva desse diploma que cria um novo imposto, a factos tributários que já tinham ocorrido na data da sua publicação».
Na mesma linha, se decidiu no acórdão arbitral proferido no processo n.º 598/2022-T que :
– «a exigida correspondência entre o saldo médio relativo ao primeiro semestre e os saldos finais de cada mês considerados nas contas anuais não salvaguarda a retroatividade do imposto, visto que a aprovação das contas referentes a 2020, incluindo as do primeiro semestre, em atenção ao disposto no artigo 65.º, n.ºs 1 e 5, do Código das Sociedades Comerciais, só pode ocorrer após o encerramento de cada exercício anual, e, portanto, após o período de tributação a que respeita o imposto (cfr. PINTO FURTADO, Curso de Direito das Sociedades, 4.ª edição, Coimbra, pág. 481)».
– «Tendo em consideração que, no que se refere ao adicional devido em 2020, o sujeito passivo deve efetuar a liquidação do imposto até 15 de dezembro de 2020, não será possível ao contribuinte certificar, através das contas anuais, a média de saldo que serviu de base à liquidação, e, sendo assim, não há qualquer dúvida que o facto tributário que origina o imposto é o mero apuramento contabilístico da média dos saldos do passivo relativamente ao primeiro semestre».
Pelo exposto, é de concluir que a norma transitória do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroactividade dos impostos, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, [7]
Como já decidiu o Tribunal Constitucional decidiu no acórdão n.º 149/2024, de 27-02-2024, processo n.º 638/2022, em que julgou inconstitucional a norma contida nos artigos 18.º e 21.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, no segmento em que se estabelecem as regras de liquidação e pagamento do adicional de solidariedade sobre o setor bancário, previsto no regime que consta do Anexo VI à referida lei, relativo ao ano 2020.
Na fundamentação desta decisão, refere-se o seguinte:
2.5 Recordemos, antes de mais, que a norma transitória sub judice prevê que a base de incidência prevista no Regime do ASSB, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020 publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas.
Considerando que o ASSB foi criado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que entrou em vigor em 25/07/2020, salta à vista que os factos tributários principais se situam no passado relativamente à publicação e entrada em vigor daquele diploma.
A recorrida AT invoca que “[…] o que releva na formação do facto tributário sujeito a ASSB é o momento do apuramento e aprovação das contas e não o «facto material de contabilisticamente ser apurada a existência de passivo»” e que “[…] a formação do facto tributário no ASSB só se verifica com o apuramento e aprovação das contas”. O argumento, porém, não convence. Poderia, eventualmente, relevar se o imposto não tivesse de ser pago ainda no ano 2020, até 15 de dezembro (artigo 21.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho), o que implica, naturalmente, que o facto tributário se encontre totalmente verificado. Não vale, pois, para esta hipótese, designadamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (referida no Acórdão n.º 268/2021, ao apreciar a questão prévia da utilidade do recurso), relativa à Contribuição sobre o Setor Bancário.
Afirmar, como faz a AT, que a “formação do facto tributário do ASSB relativo ao primeiro semestre de 2020, não se prescinde dessas ‘complexas operações de avaliação’ nem se pode deixar de ter em conta os ‘ajustamentos posteriores à data de balanço’, que se verificam com o apuramento e aprovação das contas”, quando essas contas apenas podem ser aprovadas em 2021, após o encerramento do exercício anual (cfr. artigo 65.º do Código das Sociedades Comerciais), e o imposto tem de ser liquidado em dezembro de 2020 é um contrassenso. Ao situar a liquidação ainda em 2020, o legislador não pode invocar um facto tributário ainda em formação, porque a liquidação, enquanto ao final que determina o montante de imposto a pagar, pressupõe necessariamente um facto tributário já formado. De todo o modo, é impossível ao contribuinte certificar as contas mediante um ato que ainda não praticou. Na verdade, a norma transitória contida no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, é incompatível com a previsão do regime do ASSB que a AT usa na sua argumentação, porque o artigo 4.º, n.º 4, daquele regime estabelece a base de incidência “[…] por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte”, o que se mostra simplesmente inconciliável com os prazos previstos na norma transitória. Aliás, se assim não fosse, a norma transitória seria inútil.
Sublinhe-se, ainda, que não está em causa, nos presentes autos, a recusa da norma prevista no n.º 2 do artigo 21.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que disciplina a obrigação de pagamento na ausência da publicação das contas semestrais nos termos do Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro. Assim sendo, só releva a obrigação de publicação de contas semestrais, que existe para instituições de crédito, empresas de investimento e instituições financeiras nos termos do referido aviso, que remete para os termos previstos no Código dos Valores Mobiliários (artigos 2.º, alínea a), e 7.º, n.º 2, do Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro). Essa obrigação, quando existente (cfr. artigos 246.º, n.º 1, e 244.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, na redação, aqui relevante, decorrente do Decreto-Lei n.º 22/2016, de 3 de junho), devia ser cumprida tão cedo quanto possível e decorridos, no máximo, três meses após o termo do primeiro semestre do exercício, relativamente à atividade desse período (artigo 246.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, na aludida redação, correspondente ao atual artigo 29.º-J, n.º 1, do referido código), o que significa que a publicação das contas semestrais “tão cedo quanto possível” podia ter ocorrido antes de 25/07/2020, data de entrada em vigor da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.
Em suma, é apenas o apuramento contabilístico do saldo médio do primeiro semestre de 2020 – e não o seu reflexo nas contas anuais – que releva para a incidência do imposto, pelo que a respetiva tributação por lei entrada em vigor em 25/07/2020 só pode ter-se como irremediavelmente retroativa e, consequentemente, violadora do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.
Na linha desta jurisprudência, a que se adere, conclui-se que a liquidação do adicional de solidariedade sobre o sector bancário, relativa ao ano de 2020, enferma de ilegalidade, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
4..5. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da autoliquidação que é objecto do presente processo, por vício que impede a renovação do acto, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.
Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.
5. Reembolso de quantia paga
A Requerente pede reembolso do montante indevidamente pago no valor de € 669.022,05.
O reembolso da quantia paga com base no acto anulado é consequência da anulação da autoliquidação, o que se insere no dever de plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, que se refere no artigo 100.º da LGT e no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT.
6. Juros indemnizatórios
A Requerente pede juros indemnizatórios.
O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito como quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.
O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06.
Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».
Foi uniformizada jurisprudência neste sentido pelo acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 30-09-2020, proferido no processo n.º 040/19.6BALSB, publicado com o n.º 4/2023, no Diário da República, I Série, de 16-11-2023, em que se conclui: «só são devidos juros indemnizatórios decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa e até à data da emissão das respetivas notas de crédito a favor da Recorrida».
Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
Assim, no caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».
Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 15-12-2023, pelo que apenas a partir de 15-12-2024 haveria direito a direito a juros indemnizatórios, se a decisão sobre aquele pedido não tivesse sido apreciada.
Tendo sido proferida decisão sobre o pedido de revisão oficiosa em 02-04-2024, antes de se ter completado um ano sobre a sua apresentação, a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios.
7. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar improcedentes as excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto ao pedido de anulação da autoliquidação;
-
Declarar materialmente inconstitucional a norma transitória do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, na parte em que se refere ao cálculo do imposto relativo ao primeiro semestre de 2020, por violação do princípio da proibição da retroatividade dos impostos, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição;
-
Anular a autoliquidação do Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (“ASSB”) relativo ao ano de 2020, no valor de € 669.022,05;
-
Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia paga e condenar a Administração Tributária à Requerente a quantia de € 669.022,05;
-
Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.
8. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 669.022,05, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
9. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 9.792,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
10. Notificação ao Ministério Público
Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, notifique-se o representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Sul, para efeito do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 29-10-2024
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Relator)
(Cristina Aragão Seia)
(Amândio Silva)
[1] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 837/2021, de 2801-2021,processo n.º 223/20.
[2] Entendimento reafirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 18-11-2020, proferido no processo n.º 02342/12.3BELRS 0400/18.
[3] Como pertinentemente refere PAULO MARQUES, A Revisão do Acto Tributário: Do mea culpa à reposição da legalidade, página 386:
«Na ficção legal constante do artigo 78.º, n.º 2, da LGT (antes da revogação encetada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março), em que se considerava verificar «erro imputável aos serviços» em caso de erro na autoliquidação não existia o necessário ponto de equilíbrio entre as partes (fisco e contribuinte), porque estando na presença de uma liquidação administrativa já não existe a presunção/ficção de qualquer erro imputável aos serviços, incumbindo o ónus da prova ao próprio contribuinte (artigo 74.º, n.º l, da LGT). Por sua vez, tratando-se de uma liquidação efectuada pelo próprio contribuinte (autoliquidação), o legislador já vinha estabelecer uma presunção/ficção de erro imputável aos serviços, a favor do contribuinte, quando até pode ter existido má-fé por parte do contribuinte (dolo ou negligência), o que se revelava de difícil harmonia com o espírito do artigo 78.º, n.º 4, bem como contradizia a necessária unidade e coerência do sistema jurídico fiscal. A letra do artigo 78.º, n.º 2, da LGT conferia assim um tratamento diferenciado aos contribuintes que procedem a autoliquidação, colocando-os em situação bastante mais vantajosa do que os contribuintes confrontados com um acto tributário da autoria da administração tributária e mesmo com liquidação oficiosa nas situações de incumprimento do dever de autoliquidação.»
[4] Afirmando que o «"erro imputável aos serviços" concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente», pode ver-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23-03-2017, processo n.º 1349/10.0BELRS.
Em sentido semelhante o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 05-11-2020, processo n.º 328/05.3BEALM, em que se entendeu que «existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da Administração Tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços».
[5] Como pode ver-se pelos seguintes acórdãos do Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 07-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593;
– de 12-12-2001, processo n.º 26233, publicado em Apêndice ao Diário da República 13-10-2003, página 2901;
– de 13-03-2002, processo n.º 26765, publicado em Apêndice ao Diário da República de 16-2-2004, página 811.
[6] Na esteira de FILIPE DE VASCONCELOS FERNANDES, O (Imposto) Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, AAFDL Editora, Lisboa, 2020.
[7] Como também se defende no Parecer do Senhor Professor Doutor CASALTA NABAIS, junto com o pedido de pronúncia arbitral.