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Sumário
Constitui jurisprudência pacífica do STA que de harmonia com o disposto no artigo 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88 não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como “terrenos para construção”, adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservavam essa natureza no momento da entrada em vigor do Código do IRS, pese embora tenham, posteriormente, adquirido a natureza de terrenos para construção e sido alienados como tal.
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Relatório
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A..., residente na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., NF ..., (doravante designada, abreviadamente, por "Requerente"), veio ao abrigo da alínea a), do n.º 1 do artigo 2.º, do n.º 2 do artigo 5.º, do n.º 1 do artigo 6º e dos artigos 10º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária-RJAT), e ainda dos artigos 1º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, deduzir PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL e de PRONÚNCIA ARBITRAL (PPA) tendo em vista a obtenção de pronúncia arbitral referente à declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRS nº 2024..., período de 2020.01.01 a 2020.12.31, da qual resultou o valor a pagar de € 32.987,49, incluindo a liquidação de juros compensatórios.
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Termina pedindo que se conclua: “... PELA DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE IRS ..., COM TODAS AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE O REEMBOLSO DOS MONTANTES PAGOS COM OS DEVIDOS JUROS LEGAIS, INCLUINDO JUROS INDEMNIZATÓRIOS”.
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É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante identificada por “AT”, “Requerida” ou “Administração Tributária”).
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O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 2024.06.27 e automaticamente notificado à AT nesta mesma data.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 12-08-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi regularmente constituído em 02-09-2024.
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A Requerente refere, em resumo, o seguinte:
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Em 13 de Março de 1979 conjuntamente com seu marido C..., com quem era casada sob o regime de comunhão geral de bens, adquiriu: "um prédio rústico, denominado de [...], no lugar ..., freguesia de..., a confrontar do Sul com a divisão da freguesia de ..., do Poente com a ..., do Nascente com a estrada camarária e do Norte com herdeiros do B..., ... descrito no Registo Predial, sob o número cinquenta e quatro mil e setenta e oito, a folhas cinquenta e três do livro B cento e cinquenta e dois e inscrito, na competente matriz, sob artigo ..., com o valor matricial de quatro mil, quatrocentos e vinte escudos, a que as partes atribuem o valor de setecentos e cinquenta mil escudos”.
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Por morte do marido, em 13.03.1979, existindo dois filhos menores, o prédio rústico integrou a relação de bens, determinando-se que a meação da Requerente era de PTE 329-489$50 e coube-lhe ainda o quinhão hereditário de PTE 443.163$16, no total de PTE 1.772.652$66.
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O prédio rústico em causa foi inserido na relação de bens como verba nº 13: “Prédio rústico, denominado ..., sito no lugar da ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ... e inscrito na matriz rústica sob o artigo ..., com o valor patrimonial de PTE 5-570$00” verba que foi adjudicada à Requerente.
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Em 21.12.2013 participou à AT o prédio rústico aqui em causa, servindo como título aquisitivo a escritura de compra e venda de 13 de Março de 1979, tendo-lhe sido atribuído o nº da matriz ... da união de freguesias de ... e ... .
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Com vista à venda do bem imóvel, por se tratar de prédio rústico, sem aptidão construtiva até então, face às condições da promitente compradora, a Requerente promoveu junto da Câmara Municipal de ... consultas com vista no apuramento sobre se no mesmo era possível proceder a uma operação urbanística "(...) consistente na construção de uma indústria, armazenagem e transformação de produtos (...)", 0 que veio a ser confirmado em 07 de Maio de 2018, com uma operação urbanística da promitente compradora a receber parecer favorável, tendo sido requerida na Câmara Municipal de ... uma operação de destaque do prédio rústico artigo ...º em duas parcelas.
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Da operação de destaque, resultou uma parcela com área total de 7.578 m2, tendo a Requerente apresentado a declaração Modelo 1 de IMI para inscrição de prédio novo, com a designação de terreno para construção, proveniente do artigo rústico ...º (parte); tendo ao novo artigo urbano sido atribuído o nº ...º da união de freguesias de ... e ... .
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Em 03 de Junho de 2020, a Requerente, vendeu o prédio urbano, agora terreno para construção, inscrito na matriz urbana sob o artigo ...º pelo preço de € 250.000,00.
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E em 23 de Junho de 2021, a Requerente declarou a sua meação do imóvel (50%) objecto daquela alienação no quadro 5 do anexo G1 do Modelo 3 do IRS, com indicação de que se tratava de parte de imóvel adquirida em 13.03.1979, excluída de tributação nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30/11, com valor de realização de € 125.000,00 e valor de aquisição de € 6,31.
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No entanto a AT não aceitou essa declaração alegando, em sede de procedimento de divergências, que “ainda que, no caso, a aquisição do prédio rústico tenha ocorrido antes de 1989, certo é que, à data da alienação [03.06.2020], o imóvel alienado é um lote de terreno para construção, pelo que não tem aplicação o regime de exclusão tributária previsto no artigo 5º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30/11, já que os terrenos para construção estavam sujeitos ao imposto de mais-valias da entrada em vigor do Código do IRS.".
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Acrescenta a Requerente que uma vez que a AT veio a emitir a liquidação de IRS aqui impugnada, em desconformidade com o declarado pela Requerente, procedeu ao pagamento dos valores liquidados, em 26.03.2024.
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Entende a Requerente que a liquidação está em desconformidade com a lei porquanto “para saber se se verificam os pressupostos da tributação, releva a qualidade que o bem detinha no momento da entrada em vigor do CIRS, uma vez que, ... no regime transitório estabelecido para a categoria G de IRS (regime previsto no n.º 1 do art. 5º do ... Decreto-Lei nº 442-A/88), se estabelece que os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código”.
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A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em 07.10.2024 e juntou o PA., discordando do referido pela Requerente.
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Na sua Resposta a Requerida refere, em resumo, o seguinte:
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Na presente situação está em causa a transmissão de uma quota-parte de 50% de um prédio urbano inscrito na matriz, depois da entrada em vigor do CIRS.
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Prédio este desanexado de um prédio rústico (que continuou a existir como tal).
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Tendo a parte destacada sido inscrita na matriz predial urbana da União das freguesias de ... (...) e ... (...), concelho de ..., sob o artigo ...º.
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Isto porque, tendo ocorrido ... o destaque de uma parcela do terreno que, atento o seu destino, passou a constituir um prédio urbano, passou a existir, em termos matriciais, um novo prédio (urbano, evidentemente).
E conclui:
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Ora, no caso dos autos, estamos perante um artigo novo e autónomo, independente daquele do qual foi destacado.
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E tratando-se de prédio novo, posterior à entrada em vigor do CIRS, não se aplica aos rendimentos auferidos pela constituição de usufruto sobre ele o regime plasmado no nº 1 do art. 5º do DL nº 442A/88, de 30/12.
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De acordo, aliás, com a jurisprudência do STA, vertida no Acórdão proferido em 21-10-2015 no processo que ali correu termos sob o nº .../14 e cujo sumário se transcreve:
“I - Constitui jurisprudência pacífica deste STA que de harmonia com o disposto no artigo 5.º do Dec. Lei n.º 442A/88 não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como “terrenos para construção”, adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservavam essa natureza no momento da entrada em vigor do Código do IRS, pese embora tenham, posteriormente, adquirido a natureza de terrenos para construção e sido alienados como tal.
II - Não se verifica, porém, tal exclusão tributária, se o prédio alienado com mais valia apenas surgiu na esfera jurídica do alienante após a conclusão das obras de edificação, ocorrida após 1 de janeiro de 1989, obras essas que deram origem a um novo prédio urbano, com inscrição na matriz diversa das pré-existentes e substitutiva daquelas.”
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A única diferença em relação à situação sobre a qual se debruçou o Acórdão supra identificado é que o novo prédio urbano não teve uma inscrição na matriz substitutiva da pré-existente porquanto, tratando-se de um destaque, o prédio rústico donde tal destaque foi efetuado continuou a existir factualmente, ainda que com área menor.
E reitera que:
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Consta dos registos informáticos da AT – e tal como declarado pela (quer à época, quer no presente momento) requerente – como motivo dessa inscrição o motivo ao qual corresponde o código 50, significativo de “inscrição de prédio novo no âmbito do IMI”.
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Ou seja, um artigo novo e autónomo, independente daquele do qual foi destacado.
Concluindo:
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“... tratando-se de prédio novo, posterior à entrada em vigor do CIRS, não se aplica aos rendimentos resultantes da respetiva alienação o regime plasmado no nº 1 do art. 5º do DL nº 442-A/88, de 30/12, de acordo, aliás, com a jurisprudência do STA, vertida no Acórdão proferido em 21-10-2015 no processo que ali correu termos sob o nº 01339/14”.
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Conclui a AT pela improcedência do pedido.
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Por despacho de 08.10.2024 foi dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT e convidadas as partes a apresentar alegações escritas no prazo simultâneo de 10 dias.
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Em 21.10.2024 a Requerente apresentou alegações escritas reiterando o que já tinha referido no PPA, e concluindo que “... de acordo com o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como “terrenos para construção”, adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservam essa natureza no momento da entrada em vigor do Código do IRS, ainda que posteriormente possam adquirir a natureza de terrenos para construção e sejam alienados como tal”.
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Em 22.10.2024 a Requerida apresentou alegações, reiterando o que já havia referido na Resposta.
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Saneamento
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O Tribunal foi regularmente constituído à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
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Matéria de facto
§ 1º - Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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Por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de ..., em 13 de Março de 1979, a Requerente, juntamente com o seu marido C..., casados sob o regime de comunhão geral de bens, adquiriram o prédio rústico, denominado de “...”, no lugar de ..., freguesia de ..., a confrontar do Sul com a divisão da freguesia de..., do Poente com a ..., do Nascente com a estrada camarária e do Norte com herdeiros do B..., descrito, no Registo Predial, sob o número ..., a folhas cinquenta e três do livro B cento e cinquenta e dois e inscrito, na competente matriz, sob ..., com o valor matricial de quatro mil, quatrocentos e vinte escudos, a que as partes atribuíram o valor de setecentos e cinquenta mil escudos – conforme artigo 3º do PPA, artigo 7º da Resposta e Documento nº 3 em anexo ao PPA
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Em 28 de Outubro de 1993 faleceu o marido da Requerente tendo sido instaurado inventário obrigatório que correu termos no Tribunal de Comarca de ..., no 3º Juízo de Competência Especializada, sucedendo-lhe como herdeiros a Requerente e dois filhos menores, constando da relação de bens o prédio rústico adquirido em 13 de Março de 1979 pela Requerente e seu marido como verba n.º ...: “prédio rústico, denominado ..., sito no lugar da ..., freguesia de..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ...s sob o n.º ... e inscrito na matriz rústica sob o artigo ..., com o valor patrimonial de € 5.570$00.” - conforme artigos 4º a 7º do PPA, artigos 7º e 8º da Resposta e Documento nº 4 em anexo ao PPA;
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De acordo com o mapa da partilha foi determinada a meação da Requerente e de seguida determinada a parte da herança do marido falecido que foi divida em três partes iguais, para achar o quinhão hereditário dos herdeiros, ficando a pertencer à Requerente a meação 1.329.489$50 e o quinhão hereditário de 443.163$16, num total de 1.772.652$66. Para pagamento à Requerente foi havida, entre outras, a verba nº 13 atrás referida – conforme artigos 8º a 10º do PPA, artigo 9º da Resposta e Documento 4 em anexo ao PPA;
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Na sequência da reorganização administrativa de cariz territorial decorrente do disposto na Lei nº 11A/2013, de 28/01, em 21.02.2013 a Requerente participou à AT o prédio rústico referido em A) tendo-lhe sido atribuído o n.º ... da união de freguesias de ... e...– conforme artigos 11º e 12º do PPA, artigo 10º da Resposta e Documento nº 5 em anexo ao PPA;
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Em 07.05.2018 a Câmara Municipal de ..., em resposta ao pedido de informação prévia nº .../18, enviou à Requerente o despacho de 2018.05.07, com parecer favorável à operação urbanística indicada a realizar no bem imóvel referido na alínea anterior – conforme artigo 15º do PPA e documento nº 7 em anexo ao PPA;
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Em 28 de Maio de 2018 a Requerente celebrou um contato promessa de compra e venda do bem referido em D) onde consta um considerando referindo “que, a requerimento da primeira outorgante, no âmbito do processo nº 470/18, foi emitida pela Câmara Municipal de ..., decisão favorável quanto à pretensão de construção, no prédio supra identificado de uma operação urbanística consistente na construção de uma indústria, armazenagem e transformação de produtos ...” – conforme artigos 13º e 14º do PPA e Documento nº 6 em anexo ao PPA;
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Em 10-08-2018 a Câmara Municipal de ... emitiu uma certidão sob o nº .../18, comprovando que se estavam preenchidos os requisitos legais para uma operação de destaque quanto ao prédio referido em D) e quanto a uma parcela do mesmo com a área de 7.578 metros quadrados – conforme artigos 16º a 18º do PPA, artigo 11º da Resposta e Documentos 7 e 8 em anexo ao PPA
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Em 29.11.2018 a Requerente apresentou a declaração Modelo 1 de IMI para inscrição de prédio resultante da operação de destaque, sendo atribuído um novo artigo com o n.º ...º da união de freguesias de ... e ..., como a natureza de terreno de construção – conforme artigos 19º e 20º do PPA, artigos 12º a 14º da Resposta e Documento nº 9 em anexo ao PPA;
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Em 03 de Junho de 2020 a Requerente vendeu o prédio urbano referido na alínea anterior pelo preço de € 250.000,00 – conforme artigo 21º do PPA, artigo 17º da Resposta e Documento nº 10 em anexo ao PPA;
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Em 23 de Junho de 2021 a Requerente apresentou a declarou de IRS de 2020 e indicou a sua meação do imóvel (50%) objecto da venda atrás referida no quadro 5 do anexo G1, com indicação de que se tratava de parte de imóvel adquirida em 13.03.1979, excluído de tributação nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30/11, com um valor de realização de € 125.000,00 e um valor de aquisição de € 6,31 - conforme artigo 22º do PPA, artigos 18º, 19º , 21º e 24º da Resposta da AT e Documento nº 11 em anexo ao PPA
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Em 24-06-2021, na sequência da declaração de IRS atrás referida foi emitida a liquidação de IRS nº 2021..., no âmbito da qual foi apurado o montante de imposto a reembolsar de € 62.899,94 – conforme artigo 25º da Resposta da AT
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Através de ofício com data de 08 de fevereiro de 2024, foi a Requerente notificada, no âmbito do procedimento de controlo de divergências das declarações modelo 3, de que os dados inscritos na linha 502 do quadro 5 do anexo G1 estavam errados e que os mesmos iriam ser alterados, uma vez que:
(…) ainda que, no caso, a aquisição do prédio rústico tenha ocorrido antes de 1989, certo é que, à data da alienação [03.06.2020], o imóvel alienado é um lote de terreno para construção, pelo que não tem aplicação o regime de exclusão tributária previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30/11, já que os terrenos para construção estavam sujeitos ao imposto de mais-valias da entrada em vigor do Código do IRS.”, tendo em conformidade a AT elaborado oficiosamente, em 08.02.2024, uma declaração de IRS de 2020 da Requerente, alterando o valor de aquisição do prédio referido em H) para € 556,42 e o valor de realização para € 250 000,00 – conforme artigos 26º a 28º e 30º da Resposta da AT, artigo 23º do PPA e Documento nº 12 em anexo ao PPA
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Em 21 de Fevereiro 2024 a Requerente foi notificada da liquidação adicional (oficiosa) de IRS e juros compensatórios, efetuada em 14-02.2024, nº 2024..., no âmbito da qual se apurou o montante de imposto e juros de € 95.887,43, pelo que, após o acerto de contas face à liquidação anterior, resultou um montante a pagar de € 32 987,49 – conforme artigo 24º do PPA, artigos 32º a 35º da Resposta da AT e Documento nº 1 em anexo ao PPA
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Em 26 de Março de 2024 a Requerente pagou a importância referida na alínea anterior – conforme artigo 25º do PPA e Documento nº 2 em anexo ao PPA
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Em 25.06.2024 foi apresentado o PPA – conforme registo no SGP do CAAD.
§ 2º - Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos alegados pela AT nos artigos 15º e 16º da Resposta, por serem posteriores à data da venda do imóvel gerador das mais-valias aqui em discussão, não foram levados à matéria de facto, uma vez que, por esse facto, não relevam para a composição deste pleito.
§ 3º - fundamentação da decisão da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de direito (conforme artigo 596.º, do CPC aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos foram dados como provados com base na posição das partes e que resulta dos documentos juntos.
III – 2 - Matéria de direito
§ 1º - Quanto à ilegalidade dos actos tributários impugnados
A norma cuja aplicação aqui se discute é a do artigo 5º do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprova o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, e que tem a seguinte redacção:
Regime transitório da categoria G
1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código. (Redacção do Decreto-Lei n.º 141/92, de 17 de Julho)
2 - Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efectuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos.
...
A questão única e essencial a decidir traduz-se em saber, neste caso concreto, se a venda do prédio urbano (terreno para construção com 7 578 m2), ocorrida em 03 de Junho de 2020 (artigo matricial ...º) que teve origem numa operação de destaque a partir do prédio rústico que constituía o artigo matricial ...º e que foi adquirido em 13.03.1979, cabe na exclusão tributária do nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de Novembro ou não.
Ou dito de outra forma, se tendo o destaque de uma parcela de um terreno rústico que, atento o seu destino, passou a constituir um prédio urbano, passando a existir, em termos matriciais, um novo prédio urbano, tal acarreta que (citando a conclusão II do Acórdão do STA proferido em 21-10-2015 no processo que ali correu termos com o nº 01339/14) “não se verifica ... exclusão tributária, se o prédio alienado com mais valia apenas surgiu na esfera jurídica do alienante” após a sua passagem a “prédio urbano”, entendido como “novo prédio urbano”, “com inscrição na matriz diversa das pré-existentes e substitutiva daquelas”.
É que a posição da AT parte da similitude entre o que foi decidido no caso concreto que motivou o Acórdão do STA proferido em 21-10-2015 e o presente caso concreto.
No Acórdão do STA proferido em 21-10-2015 refere-se o seguinte: “Não vendeu, pois, um prédio rústico que já existia na sua esfera jurídica à data da entrada em vigor do Código do IRS, sequer um terreno para construção resultante da valorização que efectuou num prédio rústico adquirido antes daquela data, antes um prédio urbano de todo inexistente naquela data na sua esfera jurídica e que apenas veio a constituir-se posteriormente, com aquela natureza e afectação”.
No caso que esteve na origem do Acórdão do STA proferido em 21-10-2015 esteve a construção de uma edificação incorporada no solo, antes da venda do terreno para construção que terá tido origem num prédio rústico adquirido antes da entrada em vigor do Código do IRS. Tal eventualidade foi considerada pelo STA como tendo alterado a natureza do “prédio urbano” que deixou de ser um terreno para construção e passou a ser um edifício incorporado no solo passando o espaço sobrante do terreno para construção a constituir logradouro do edifício (nº 2 do artigo 204º do Código Civil).
Não é o caso concreto aqui em discussão, pois que a Requerente é proprietária do prédio rústico (em conjunto com seu marido) desde 13.03.1979, muito antes da entrada em vigor do Código do IRS.
Todas as operações subsequentes relativas à partilha por óbito do marido, ao destaque e à sua consideração como prédio urbano (terreno para construção) perante as normas legais de urbanização, na parte destacada, não são relevantes para afastar nem a previsão e nem a estatuição do nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de Novembro.
É que foi feita a prova pela Requerente que o bem gerador das mais valias imobiliárias (na parte da sua meação) foi adquirido em data anterior à entrada em vigor do Código do IRS, conforme escritura aquisitiva.
Uma parte do prédio rústico (terreno com aptidão agrícola) inicialmente adquirido em 13.03.1979, passou a integrar um prédio urbano (terreno para construção) e nesta condição foi vendido.
Será aqui se aplicar a conclusão I do Acórdão do STA proferido em 21-10-2015: “Constitui jurisprudência pacífica deste STA que de harmonia com o disposto no artigo 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88 não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como “terrenos para construção”, adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservavam essa natureza no momento da entrada em vigor do Código do IRS, pese embora tenham, posteriormente, adquirido a natureza de terrenos para construção e sido alienados como tal”.
Consequentemente, sendo a fundamentação das liquidações impugnadas a seguinte “ainda que, no caso, a aquisição do prédio rústico tenha ocorrido antes de 1989, certo é que, à data da alienação [03.06.2020], o imóvel alienado é um lote de terreno para construção”, é de considerar que se fez uma leitura do nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de Novembro, que não cabe na previsão desta norma, pelo que é de concluir que os actos impugnados de liquidação de IRS e juros, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
§ 2º - Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente pede o reembolso da quantia indevidamente paga acrescida de juros indemnizatórios.
§ - 3-º Reembolso
Na sequência da anulação da liquidação de IRS e juros a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias pagas como consequência da anulação.
§ - 4º - Juros indemnizatórios
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.
No caso é de aplicar o nº 1 do artigo 43º da LGT pois que, por sua iniciativa, a Requerida, promoveu a liquidação oficiosa aqui em causa, em dissonância com a declaração apresentada pela Requerente.
Os juros indemnizatórios devem ser contados, com base no valor pago ou suportado indevidamente desde 26.03.2024 e até integral reembolso à Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
IV - Decisão arbitral
De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral em:
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Julgar procedente o pedido pronúncia arbitral e anular a liquidação efetuada em 14-02.2024, nº 2024..., no âmbito da qual se apurou o montante de imposto e juros de € 95.887,43, e que após o acerto de contas face à liquidação anterior resultou um montante a pagar de € 32 987,49;
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Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia paga em função das anulações das liquidações de imposto e juros;
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Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios contados sobre o valor pago ou suportado indevidamente, desde 26.03.2024 e até ao pagamento.
V - Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 32 987,49, indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
VI - Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 836,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique-se.
Lisboa, 30-10-2024
O Árbitro,
Augusto Vieira
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