Sumário
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A Contribuição de Serviço Rodoviário é um imposto; e assim, o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar os correspondentes atos de liquidação.
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A Requerente não tem legitimidade: não é o sujeito passivo da CSR, nem repercutido legal deste imposto. É mero repercutido de facto – e esse interveniente não tem legitimidade, por si e também porque não demonstrou um interesse legalmente protegido (artigos 9.º, n.º 1 do CPPT, 18.º, n.º 4, alínea a) e 65.º da LGT).
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Esse interesse corresponderia à circunstância de ter suportado, do ponto de vista económico, o imposto [CSR]: ter-lhe sido repercutido (de facto) pelo sujeito passivo fornecedor dos combustíveis e ter feito prova (que não fez) de não o ter repassado, em termos económicos, a jusante (aos seus clientes).
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A solução preconizada enquadra-se numa interpretação conforme à Constituição (v. artigo 268.º, n.º 4): o direito à impugnação dos atos lesivos reporta-se aos sujeitos cuja esfera jurídico-patrimonial sofreu a lesão (os lesados) e não a outros.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 28 de maio de 2024, José Poças Falcão (presidente), António Manuel Melo Gonçalves e Tomás Cantista Tavares (relator), acordam no seguinte:
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Relatório
A..., LDA., titular do número único de pessoa coletiva ..., com sede em ..., ...-... ..., 2.º B..., LDA., titular do número único de pessoa coletiva ..., com sede ..., n.º ..., ...-..., ..., 3.º C..., LDA., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede na ..., ...-... Alfândega da Fé, adiante designadas por “Requerentes”, apresentaram, em coligação de autores, pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), na redação vigente.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.
As Requerentes pretendem a anulação, por ilegalidade, do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa referente às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) que incidiram sobre gasolina e gasóleo rodoviários, por si adquiridos no período compreendido entre Agosto de 2019 e Dezembro de 2022, bem como a declaração de ilegalidade dessas liquidações, no montante total de € 258.577,54 (na parte relativa à CSR), com o consequente reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido da CSR, nos termos previstos no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), e, em seguida, notificado à AT.
Por requerimento de 9 de abril de 2024, a Requerida veio solicitar a identificação dos atos de liquidação cuja legalidade a Requerente pretende ver sindicada, tendo esta respondido, no sentido de que juntou aos autos toda a informação relativa às liquidações de CSR em causa, pelo que a AT está em condições para identificar esses atos.
Após nomeação de todos os árbitros, os mesmos comunicaram, em prazo, a aceitação do encargo. O Exmo. Presidente do CAAD informou as Partes, por notificação eletrónica registada no sistema de gestão processual em 14 de fevereiro de 2024, não tendo sido manifestada oposição.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 28 de maio de 2024.
Em 2 de julho de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por exceção e por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”).
Em 18 de julho de 2024, as Requerentes pronunciaram-se por escrito sobre a matéria de exceção.
Por despacho do Tribunal, de 18 de julho de 2024, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (v. artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT). As Partes foram notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas, e pagarem a taxa arbitral subsequente, tendo sido fixado o prazo para a decisão até à data-limite prevista o dia 28 de outubro de 2024.
A Requerida apresentou, onde, no essencial, manteve a posição e argumentos do articulado anterior.
Posição das Requerentes
As Requerentes advogam a ilegalidade das liquidações de CSR referentes aos combustíveis por si adquiridos ao fornecedor D..., constante das respetivas faturas. Alegam que a CSR “integrava o valor final de aquisição do produto”, tendo-a suportado enquanto contribuinte e consumidora do combustível.
Segundo as Requerentes, a CSR foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por razões de ordem puramente orçamental, para financiar a rede rodoviária nacional, e os atos de liquidação vertentes mostram-se desconformes à Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, que fixa o regime geral dos impostos especiais de consumo (“IEC”) e também à Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003. Isto porque o legislador português não fixou uma afetação da receita da CSR que comprove que esta foi criada por um “motivo específico” distinto de uma finalidade orçamental, nem dotou a CSR de uma estrutura capaz de provar finalidade diferente, como a redução de custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização da rede rodoviária nacional. Nem tão-pouco a CSR dissuade os sujeitos passivos de utilizarem a rede rodoviária.
Criada por razões de ordem puramente orçamental, a CSR não respeitaria o regime geral dos IEC vertido nas citadas Diretivas, que condiciona a criação de IEC não harmonizados à existência de um “motivo específico” válido, condição que, segundo as Requerentes, não se encontra preenchida, como foi declarado pelo Tribunal de Justiça no processo C-460/21, Vapo Atlantic, por Despacho de 7 de fevereiro de 2022, na sequência de reenvio no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020-T.
Argumenta ainda que recaía sobre a AT o dever de proceder à revisão oficiosa dos atos de liquidação de CSR sub judice, nos termos do disposto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT, com fundamento em erro de direito imputável aos serviços, por violação do direito da União Europeia e do primado desta (v. artigo 8.º, n.º 4 da Constituição), estando a AT vinculada a desaplicar as normas nacionais desconformes com aquele direito.
A desconformidade da CSR com a Diretiva 2008/118/CE, e consequente ilegalidade dos atos de liquidação impugnados (que devem ser anulados na parte respeitante à CSR[1]), tem por efeito a obrigação dos Estados-Membros reembolsarem os montantes de imposto indevidamente cobrados em violação do direito da União Europeia, exceto se se comprovar que este reembolso conduz ao enriquecimento sem causa do contribuinte, circunstância que as Requerentes consideram não se verificar na sua esfera. Acrescentam que a restituição do imposto deve ser efetuada com juros e cita diversa jurisprudência do Tribunal de Justiça.
Posição da Requerida
Por exceção, a Requerida alega várias exceções, em especial, as seguintes. Desde logo, que o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria, qualificando a CSR como uma contribuição financeira, enquadrável como uma das “demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas” a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição e 3.º, n.º 2 da LGT, e não como um imposto, concluindo que o seu conhecimento está excluído da arbitragem tributária, pois a vinculação da AT à jurisdição arbitral, operada pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, circunscreve-se à apreciação de pretensões relativas a impostos (artigo 2.º da Portaria), não abrangendo outros tributos, como se decidiu em diversos processos arbitrais.
Suscita também a incompetência material deste Tribunal, por entender que as Requerentes pretendem a apreciação da legalidade de todo o regime da CSR, pela sua natureza e conformidade jurídico-constitucional, com o intuito de fazer suspender a eficácia desse ato legislativo, o que corresponde à fiscalização da legalidade de normas em abstrato, para a qual o Tribunal Arbitral não tem competência, por se inscrever num contencioso de mera anulação. Afigurando-se inconstitucional à Requerida uma interpretação do artigo 2.º do RJAT que nele inclua a apreciação dos pedidos formulados pelas Requerentes.
Ad cautelem, argumenta que ainda que se se considerasse existir competência do tribunal arbitral para a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, a apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR extravasa o âmbito material da arbitragem tributária, por não serem atos tributários.
Sobre o pedido de restituição de valores, entende a Requerida que o Tribunal Arbitral também não se pode pronunciar, pois este deve ser determinado em sede de execução do julgado (v. artigo 2.º do RJAT).
De onde conclui que se verifica a exceção dilatória de incompetência do tribunal em razão da matéria, que prejudica o conhecimento do mérito, nos termos vertidos nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável por via do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Ainda no domínio das questões prévias, a Requerida invoca diversas exceções, infra enumeradas: ilegitimidade processual e substantiva das Requerentes, falta de interesse em agir, ineptidão da petição inicial por falta de objeto e por fim, a caducidade do direito de ação.
No tocante à ilegitimidade processual (ativa), salienta que, ao abrigo do disposto no artigo 15.º, n.º 2 do Código dos IEC, aplicável por remissão do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR, tal pressuposto apenas assiste aos sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do imposto.
Em relação à revisão do ato tributário e reembolso, defende serem aplicáveis as normas dos artigos 15.º a 20.º do Código dos IEC que, como disposições especiais, prevalecem sobre as regras gerais previstas na LGT e no CPPT. Como tal, as Requerentes, na qualidade de adquirentes dos produtos, que não são sujeito passivo da CSR para efeitos do disposto no artigo 4.º do Código dos IEC, não têm legitimidade para solicitar a revisão do ato tributário e o reembolso do imposto, nem, consequentemente, o pedido arbitral, pois não integra a relação tributária relativa à liquidação originada pela Declaração de Introdução no Consumo (“DIC”).
As Requerentes carecem igualmente de legitimidade por se encontrar fora do âmbito de aplicação do artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, que prevê que os repercutidos legais, embora não sejam sujeitos passivos, têm legitimidade para reclamar, recorrer, impugnar e formular pedido arbitral. É que o diploma que institui a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, pelo que, no caso concreto, está em causa uma eventual repercussão de natureza meramente económica ou de facto, que não se pode presumir.
As faturas exibidas pelas Requerentes não corporizam atos de repercussão de CSR, apenas titulam operações de compra e venda de combustíveis, sem qualquer menção ao ISP ou à CSR, e não demonstram que os fornecedores repercutiram às Requerentes aquele imposto, nem esta logrou provar tal alegação.
Por outro lado, ainda que a CSR, ou parte dela, tivesse sido repassada às Requerentes não são estas, necessariamente, quem suporta, a final, o encargo do tributo, pois não são consumidoras finais e, enquanto operadoras económicas, repassam, no todo ou em parte, os gastos incorridos no preço dos serviços que prestam. I.e., as Requerentes alegam sem, todavia, provar que suportaram de forma efetiva o encargo da CSR na veste de repercutidas e consumidoras finais.
A Requerida refere que a fornecedora das Requerentes, a E... SA é o sujeito passivo de ISP/CSR e, enquanto tal, pode solicitar o reembolso, pelo que o contencioso das Requerentes pode representar uma duplicação de pedidos, com a restituição do mesmo imposto, em simultâneo, aos sujeitos passivos da CSR e aos repercutidos. De onde retira que o reembolso da CSR configuraria um atentado à segurança jurídica e a todo o ordenamento jurídico-constitucional.
Conclui que as Requerentes carecem de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória, nos termos dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea e) e 578.º, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, que prejudica o conhecimento do mérito da causa e implica a absolvição da Requerida da instância.
Ou, se assim não se entender, deve considerar-se que as Requerentes carecem de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, devendo a requerida ser absolvida do pedido.
Para a Requerida, verifica-se ainda a falta de interesse em agir por parte das Requerentes, uma vez que não demonstraram que pagaram os valores referentes à CSR, inexistindo a necessidade objetiva de tutela de um direito legalmente protegido. A falta deste pressuposto consubstancia uma exceção dilatória inominada (v. artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT), que obsta ao conhecimento do mérito e importa a absolvição da instância.
A Requerida argui ainda a ineptidão da petição inicial por falta de objeto, em virtude de não terem sido identificados pelas Requerentes os atos tributários praticados pela AT, impugnados nesta ação, nem as DIC submetidas pelos sujeitos passivos do imposto, o que viola o artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT. Acrescenta que não é possível à AT identificar os atos de liquidação e/ou estabelecer qualquer correspondência entre esses atos originados nas faturas apresentadas pelas Requerentes, nem sobre a AT recai tal ónus, ficando afastada a aplicabilidade do artigo 74.º, n.º 2 da LGT. A Requerida aduz que esta situação não é superável por atuações processuais.
Pelas razões expostas, considera verificada a exceção de ineptidão do pedido arbitral, por falta de identificação do ato tributário, que determina a nulidade de todo o processo e consequente absolvição da Requerida da instância, conforme disposto nos artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), todos do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Por fim, a Requerida invoca a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa e de reembolso, dada a falta de identificação dos atos de liquidação em causa, uma vez que a contagem do prazo para a apresentação dos pedidos se inicia a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação. Todavia, caso assim não se entenda, conclui que, quer o pedido de revisão oficiosa, quer o pedido arbitral, são intempestivos, suscitando a exceção de caducidade do direito de ação.
A este respeito sustenta que as Requerentes não se podem valer do prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT, II parte, por não se verificar o requisito de erro imputável aos serviços, uma vez que as liquidações de CSR foram efetuadas de acordo com a disciplina legal aplicável e não enfermam de qualquer vício.
Estando em causa aquisições no período compreendido entre agosto de 2019 e dezembro de 2022, na data de apresentação do pedido de revisão oficiosa, em 24 de agosto de 2023, há muito estava ultrapassado o prazo de 120 dias para deduzir a reclamação graciosa, previsto na primeira parte do artigo 78.º, n.º 1 da LGT.
Nestes termos, sustenta que o pedido de revisão oficiosa é extemporâneo, com a consequente intempestividade da ação arbitral, o que consubstancia uma exceção perentória que determina a absolvição da Requerida do pedido, ou, a título subsidiário, uma exceção dilatória, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 89.º, n.ºs 1, e 2 4 alínea k) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), devendo, nessa medida, ser absolvida da instância.
Por impugnação, a Requerida invoca que as Requerentes não provaram a alegação de que pagaram e suportaram, enquanto consumidoras, o encargo da CSR por repercussão, ónus que sobre si impendia (v. artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º, n.º 1 do Código Civil), não se podendo presumir a existência da repercussão económica ou de facto.
Acrescenta que admitir-se a condenação da AT à restituição dos montantes que as Requerentes alegadamente suportaram, a título de CSR, sem a exata identificação dos atos tributários em causa, poderia conduzir ao absurdo de a AT vir a ser, sucessivamente, condenada a pagar os mesmos montantes de CSR, a todos os intervenientes no circuito económico de comercialização de combustíveis rodoviários, que se veriam indevidamente enriquecidos em claro prejuízo do erário público, o que configuraria um atentado à segurança jurídica.
Adicionalmente, mesmo a admitir-se que a CSR tinha sido repercutida às Requerentes, os montantes de imposto por estas indicados são incorretos, pois a unidade tributável é de 1000 litros convertidos para a temperatura de referência de 15ºC. Não existindo certificação da medição da temperatura na descarga do combustível adquirido (temperatura ambiente), não é possível realizar a correspondência para o número de litros a 15º C, pelo que é impossível, na fase da cadeia logística em que as Requerentes se encontram, determinar a unidade tributável para efeitos de CSR e saber a eventual parte da CSR incluída no preço pago pelo combustível adquirido.
Em relação ao Despacho do Tribunal de Justiça no processo C-460/21, a Requerida sustenta que, em momento algum, este considera ilegal a CSR.
Na perspetiva da Requerida, existe um vínculo intrínseco entre o destino da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, que se prende com a redução da sinistralidade rodoviária e a sustentabilidade ambiental, ambos distintos de uma finalidade orçamental. Deste modo, a CSR é conforme ao direito da União Europeia, não se constatando erro imputável aos serviços.
Por outro lado, ainda que a repercussão económica viesse a ser provada, de acordo com o Tribunal de Justiça, um Estado-Membro pode opor-se a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido.
Por fim, em relação ao pedido dos juros indemnizatórios, entende não serem devidos por não existir uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva acima citada, nem qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare, nem, bem assim, as Requerentes provaram que efetuaram qualquer pagamento de CSR.
Em síntese, requer a extinção e absolvição da instância arbitral, por incompetência do Tribunal Arbitral, e/ou ilegitimidade processual e/ou falta de interesse em agir, e/ou ineptidão do pedido arbitral, ou, se assim não se entender, a absolvição do pedido, por verificação da exceção de caducidade do direito de ação, e/ou da exceção de falta de legitimidade substantiva; ou, por fim, caso assim não se entenda, a improcedência total do pedido, por infundado e não provado.
Posição das Requerentes quanto às exceções
Relativamente à incompetência, as Requerentes pronunciaram-se no sentido de que a CSR é um imposto, pelo que está enquadrada no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Sobre a repercussão, invocam o princípio da equivalência, considerando não existir obstáculo a que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade dos atos de liquidação.
Em relação à ilegitimidade afirmam que a AT litiga em abuso de direito na vertente de venire contra factum proprium e que a questão deve ser analisada à luz da Diretiva 2008/118/CE e não do Código dos IEC, concluindo que podem impugnar os atos de liquidação, ao abrigo do disposto no artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT e 9.º, n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, por lhes ter sido repercutida a CSR e serem as consumidoras efetivas. Invocam também os princípios da equivalência e da efetividade e consideram ser inadmissível o incidente de intervenção processual ativa.
Para as Requerentes, cabe à AT demonstrar, em cada caso, que houve uma efetiva repercussão do imposto nos consumidores, para se admitir que o reembolso do imposto, por violação do direito da União Europeia, se pode traduzir numa situação de enriquecimento sem justa causa.
Por outro lado, defendem existir um real interesse em agir, pela necessidade de ressarcimento dos valores de CSR por si suportados.
Sobre a matéria da ineptidão, afirmam ter identificado os atos tributários, consubstanciados nas faturas de gasóleo e gasolina adquiridos e, além do mais, indicado a quantia total suportada a esse título. Não lhes é possível apresentar uma prova documental específica a que não podem ter acesso, quando a AT se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios, o que é desproporcional e incompaginável com o direito à tutela judicial efetiva (v. artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP).
Sobre a caducidade, reiteram a posição do pedido arbitral, no sentido de que é aplicável o prazo de quatro anos, previsto na II parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, por estarmos perante uma situação de erro imputável aos serviços, pelo que a ação é tempestiva. Afastam a aplicabilidade do regime dos IEC, por não estar em causa um pedido de reembolso, mas a declaração de ilegalidade de atos tributários e a aplicação de uma garantia do contribuinte.
III. Questões a Apreciar
A questão de mérito a decidir respeita à apreciação da compatibilidade do regime da CSR subjacente aos atos tributários (de liquidação de CSR) impugnados com o direito da União Europeia, em concreto, com o disposto no artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE.
No entanto, a Requerida invocou múltiplas exceções, quer dilatórias, quer perentórias, de que o Tribunal deve conhecer a título prévio, logo após a fixação da matéria de facto, a começar pelas dilatórias, pois a sua procedência, impede a apreciação do mérito da causa.
IV. Fundamentação de Facto
Factos Provados
Consideram-se factos provados, os seguintes:
1) As Requerentes são sociedades de direito português, com sede em Portugal.
2) No âmbito do exercício das respetivas atividades, as requerentes adquiriram quantidades de gasóleo à empresa E... S.A, nos períodos de agosto de 2019 a dezembro de 2022, a que corresponde a CSR de 258.577,54€
3) A empresa E... S.A. é uma sociedade detentora do estatuto de depositário autorizado, que exerce uma atividade económica de comercialização de combustíveis.
4) A E... SA declarou, em relação a cada requerente, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado, por referência ao combustível fornecido às requerentes, foi por si integralmente repercutida na esfera das referidas empresas.
5) Em 25.08.2023, as Requerentes apresentaram na alfândega do Jardim do Tabaco um pedido de revisão oficiosa de anulação parcial das liquidações únicas de ISP e CSR efetuadas pela E..., na parte que exclusivamente diz respeito à CSR.
6) A Alfândega do Jardim do Tabaco não decidiu o pedido de revisão no prazo de 4 meses legalmente previsto.
Factos Provados
Não se considera provado que as Requerentes tenham suportado economicamente a CSR.
Fundamentos da fixação da matéria de facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.
Os factos foram dados como provados a partir do exame das faturas emitidas às Requerentes pela E... em que é mencionada a quantidade adquirida de gasóleo simples, gasóleo Hi-energy e gasóleo Evologic, o preço por litro sem IVA, um certo montante de desconto e o valor líquido a pagar, a que, a título de taxa de IVA, acresce um montante de 23%.
Foi ainda atendido aos documentos emitidos pela E... SA em relação a cada um dos requerentes: no sentido que, enquanto sujeito passivo da CSR, pagou esse imposto e repercutiu-o economicamente às requerentes:
Mas não se considera provado que as Requerentes tenham suportado a CSR, porquanto não alegaram, nem provaram que não repercutiram nos clientes o valor da CSR que suportaram economicamente da E... SA.
Do Direito
Questões Prévias
Sobre todas estas questões de direito, depois da devida ponderação e análise, segue-se de perto, por concordância, o que foi decidido no proc. arbitral n.º 1034/2023-T.
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Sobre a Ineptidão do Pedido de Pronúncia Arbitral
A AT defende que o pedido de pronúncia arbitral é inepto, porque as Requerentes não identificaram os atos que são objeto do pedido arbitral, como exige o artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT. As Requerentes declinam esta argumentação e propugnam que os atos impugnados são da autoria da AT, sobre quem recai o ónus da sua identificação.
O artigo 98.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT indica como nulidade insanável do processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial, sem contudo esclarecer as situações que configuram essa ineptidão. Desta forma, deve aplicar-se, a título subsidiário (v. artigos 2.º, alínea e) do CPPT e 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), o disposto no código de processo civil (CPC) que, no artigo 186.º, rege esta matéria (v. neste sentido a decisão do processo arbitral n.º 410/2024-T, de 13 de novembro de 2023, que a seguir se acompanha).
No citado artigo 186.º, n.º 1 do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
O n.º 3 do mesmo artigo determina que “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.
Em relação à identificação dos atos tributários, não tendo as Requerentes a qualidade de sujeitos passivos da CSR, nem sendo substitutas tributárias, não lhes é exigível que disponham das liquidações correspondentes, uma vez que não são as destinatárias das mesmas nem participaram na sua emissão. Aliás, tal exigência comprometeria a sindicabilidade dos atos tributários por repercutidos legais, ou, no caso de retenções na fonte, pelos substituídos, com a consequente contração do acesso ao direito, incompatível com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva e com o princípio da proporcionalidade (v. artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa).
A não identificação dos atos tributários não impediu o exercício do contraditório pela Requerida, que, pelo teor da extensa e circunstanciada resposta, manifestou compreender o alcance da pretensão das Requerentes e os argumentos que a alicerçam, não se suscitando, portanto, um problema de ininteligibilidade do pedido e/ou da causa de pedir. Nem essa identificação é necessária para aferir da legalidade da cobrança de CSR.
Afigura-se, assim, que o pedido formulado é perfeitamente inteligível e idóneo ao meio processual (ação arbitral tributária), como se constata do seguinte excerto do petitório em que se requer: “ declarando-se a ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pelas Requerentes … e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustível, determinando-se, nessa medida a sua anulação, com as demais consequências legais, designadamente com o reembolso às requerentes …, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios»
Ou seja, o pedido reconduz-se à anulação, por ilegalidade, de atos de liquidação de CSR, não merecendo qualquer reparo.
Pelo exposto, improcede a exceção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, pois não se verifica nenhuma das situações elencadas no artigo 186.º do CPC.
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Da Competência Material do Tribunal Arbitral
A Requerida qualifica a CSR como contribuição financeira e não como imposto, daí retirando a consequente exclusão do âmbito da jurisdição arbitral por falta de vinculação da AT (v. artigo 4.º, n.º 1 do RJAT[2]). Isto porque a Portaria de Vinculação[3], no corpo do seu artigo 2.º, delimita o respetivo âmbito à “apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida [à AT]”, sem prever outros tributos. (sublinhado nosso)
A questão releva do ponto de vista da competência “relativa” do Tribunal Arbitral e não “absoluta”, em razão da matéria, já que a norma que rege a competência, o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, faz referência a “atos de liquidação de tributos”, categoria ampla que compreende a tripartição clássica refletida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição e no artigo 3.º, n.º 2 da LGT – impostos, taxas e contribuições financeiras –, pelo que aí tem claro enquadramento a CSR.
Porém, mesmo na perspetiva da competência “relativa” não assiste razão à Requerida, porquanto, apesar de o artigo 2.º da citada Portaria parecer limitar o âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral aos “impostos” e de o nomen juris da CSR sugerir que estamos perante uma contribuição financeira, a sua natureza é, na realidade, a de um imposto administrado pela AT, ainda que de receita consignada, não sendo a denominação determinante.
A Requerida cita diversas decisões arbitrais para reforçar o seu argumento[4], mas omite a existência de múltiplas outras decisões em sentido distinto, nomeadamente a do processo arbitral 304/2022-T, de 5 de janeiro de 2023[5], que se acompanha nesta matéria, e que, com suporte na jurisprudência dos Tribunais superiores, incluindo o Tribunal Constitucional, conclui que a CSR é um imposto.
Desde logo, a designação de contribuição não vincula o aplicador do direito e não é o facto de o tributo ter a receita consignada que o qualifica como contribuição financeira (v. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 539/2015; 369/99 e 232/2022, respetivamente), existindo vários impostos que têm a sua receita consignada (ainda que ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos).
O elemento decisivo para a qualificação da CSR como contribuição financeira é a existência de uma estrutura paracomutativa[6], ou dito de outra forma, de um nexo de bilateralidade/causalidade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita [Estado] e os sujeitos passivos do tributo. A prestação deve destinar-se a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, “(...) acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou atividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários” (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2022, citado na decisão arbitral 304/2022-T).
No caso da CSR, constata-se que a mesma não tem por finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário e também não se identificam prestações administrativas a que o sujeito passivo tenha dado causa.
Conforme explicita a decisão arbitral 304/2022-T:
“Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007).
Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.
A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.
No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.
Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.
[…]
Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.
Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira.”
No mesmo sentido, salienta a decisão arbitral 629/2021-T, de 3 de agosto de 2022, que “o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas coletivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária.”.
A qualificação da CSR como um imposto foi também a seguida pelo Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, e resulta da análise da sua génese. Interessa a este respeito notar que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, criou a CSR por desdobramento do ISP, em relação ao qual é indiscutível a sua qualificação como imposto. Esta relação umbilical merece destaque na decisão arbitral 332/2023-T: “A CSR, durante algum tempo legalmente autonomizada do ISP, a partir do qual nasceu e ao qual voltou, constituiu sempre um pseudónimo deste – e, portanto, sempre foi um imposto”.
Em síntese, a CSR é enquadrável como imposto, uma vez que não reúne as características de bilateralidade difusa e de responsabilidade de grupo inerente às contribuições, estando, deste modo, abrangida pela autovinculação da AT à jurisdição arbitral, nos termos da citada Portaria n.º 112-A/2011, sendo este Tribunal competente para proceder à sua apreciação.
A Requerida suscita ainda a incompetência material deste Tribunal, por entender que as Requerentes visam a apreciação da legalidade de todo o regime da CSR, pretendendo, em rigor, suspender a eficácia de atos legislativos. Contudo, não é assim.
O pedido formulado pelas Requerentes é especificamente dirigido à anulação dos atos tributários e da decisão silente de segundo grau que os manteve, não tendo sido peticionada a ilegalidade ou ineficácia da Lei n.º 55/2007 ou de alguma(s) das suas normas. E a pronúncia jurisdicional será, se a ação for procedente, meramente anulatória (constitutiva) dos atos impugnados, não consubstanciando uma declaração de ilegalidade do (ou dirigida ao) regime da CSR em bloco.
Quer do ponto de vista formal, quer numa perspetiva material, as Requerentes não pretendem, nem do seu articulado se infere, a “fiscalização da legalidade de normas em abstrato”. O que está em causa nos atos é a apreciação de atos individuais e concretos – de liquidação de CSR – em relação aos quais foi suscitada a questão da respetiva ilegalidade por erro de direito. A alegada ilegalidade do regime da CSR por violação do direito da União Europeia é causa de invalidade dos atos, mas não o objeto da pronúncia jurisdicional. A pretendida decisão anulatória de atos individuais e concretos com fundamento da desconformidade da disciplina da CSR com o direito europeu, mais não é do que a expressão do princípio do primado do direito da União Europeia, sem paralelo com uma alegada declaração de ilegalidade do próprio regime.
A Requerida invoca ainda a falta de competência material do Tribunal Arbitral para se pronunciar sobre a legalidade dos atos de repercussão de CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação da própria CSR.
Como descreve Sérgio Vasques “Os atos de repercussão materializam um fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”[7].
Independentemente da posição que se adote sobre a natureza jurídica dos atos de repercussão, quanto a saber se são atos que integram uma relação jurídico-tributária complexa, ou se são um fenómeno económico de natureza estritamente privada, certo é que aqueles não são atos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria coletável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos atos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada (v. neste sentido Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Almedina, 2017, p. 278).
Efetivamente, os atos de repercussão não se subsumem a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT, pelo que os Tribunais Arbitrais não são competentes para os apreciar. Muito embora as Requerentes solicitem a apreciação da ilegalidade dos atos de repercussão, o que visam é os atos de liquidação de CSR emanados da AT, dos quais, como acima dito, o Tribunal pode conhecer.
Por fim, no tocante à incompetência do Tribunal Arbitral para decidir o pedido de restituição de valores, que segundo a Requerida, só pode ser apreciado em execução do julgado, tal só se verifica se a determinação do valor da liquidação a anular estiver dependente de operações que envolvam o exercício da atividade administrativa, não havendo necessidade de remeter tal fixação para a fase de execução da decisão se a quantificação do valor anulado não oferecer dúvidas e resultar de um cálculo aritmético simples, sem margem de apreciação administrativa (v. artigo 609.º, n.º 2 do CPC (a contrario), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
Assim, por oposição ao que a Requerida preconiza, não estão em juízo matérias às quais a AT não se tenha vinculado, nem pedidos que o Tribunal Arbitral não possa conhecer, pelo que soçobram as premissas de uma eventual inconstitucionalidade, que a Requerida invocou, mas não substanciou.
À face do exposto, julga-se improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, encontrando-se a AT ao mesmo vinculada, por estar em causa um pedido de anulação de atos de liquidação de imposto, a CSR (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
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Da Ilegitimidade Ativa
O RJAT não contém a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, por via da aplicação do seu artigo 29.º, n.º 1, que remete para as disposições legais de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.
Da regra geral do direito processual, constante do artigo 30.º do CPC, resulta que é parte legítima quem tem “interesse direto” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade ativa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (v. artigo 9.º, n.º 1 do CPTA).
A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um ato tributário, cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da LGT, como “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”.
Neste domínio, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas (v. artigo 1.º, n.º 2 da LGT).
O CPPT consagra uma norma específica à legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”. E o artigo 78.º da LGT, no âmbito da revisão dos atos tributários, assegura a mesma posição apelando aos conceitos de sujeito passivo e de contribuinte.
Em relação aos sujeitos passivos não originários, o legislador teve a preocupação de justificar, especificadamente, a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual. Assim, quanto aos responsáveis solidários, a legitimidade processual deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (v. artigo 9.º, n.º 2 do CPPT). E, relativamente aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (v. artigo 9.º, n.º 3 do CPPT). Em ambas as situações constitui-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias –, o que sucede igualmente com outra categoria de sujeito passivo (não originário), o substituto.
Compreende-se que o legislador não tenha adotado um conceito irrestrito de legitimidade ativa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o ato de liquidação do imposto, a determinação da sua efetiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. A ser assim, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.
In casu, as Requerentes invocam, em simultâneo, a qualidade de sujeito passivo da CSR e a de repercutido legal, que são inconciliáveis face ao preceituado no artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, que dispõe não ser sujeito passivo quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”, sem prejuízo do direito de deduzir pedido de pronúncia arbitral, nos termos das leis tributárias. Afirmam também que suportaram a CSR, por repercussão do sujeito passivo, a E... SA, que lhes repercutiu economicamente o imposto, via faturas.
Apesar de a LGT estender a legitimidade ativa ao repercutido legal[8], que, como acabámos de ver, não é sujeito passivo, a CSR não constitui um caso de repercussão legal.
A Lei n.º 55/2007, que institui a CSR, não contém qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo. Basta atentar, para esta conclusão, no seu artigo 5.º, n.º 1: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”. Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, pelo que o artigo 5.º, n.º 1 não remete para o artigo 2.º do Código dos IEC, mas apenas para as normas desse código que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.
Em síntese, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (vide artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil)[9].
De salientar que a mera repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, que reclama, nos termos da lei, a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo.
Interessa ainda sublinhar que as Requerentes não tem a qualidade de consumidoras de combustíveis, no sentido de consumidoras finais sobre as quais recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”). Na verdade, o combustível adquirido é um fator de produção no circuito económico, pelo que, se a CSR se destina a ser suportada pelo consumidor, à partida, as Requerentes não fazem parte das entidades potencialmente lesadas, que são os consumidores e não os operadores económicos (v. neste sentido as decisões dos processos arbitrais n.ºs 408/2023-T, de 8 de janeiro de 2024, e 375/2023-T, de 15 de janeiro de 2024).
Ora, ao não revestir a qualidade de sujeito passivo de CSR (seja como contribuinte direto, substituto ou responsável), nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, nem sendo parte em contratos fiscais, as Requerentes só teriam legitimidade para demandar a Requerida e solicitar o reembolso do imposto [CSR] se comprovassem que são titulares de um interesse legalmente protegido (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
Assim, teriam que alegar e demonstrar factos que suportassem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, em concreto, que o sujeito passivo lhes tinha transferido o encargo económico da CSR e, cumulativamente, que esse encargo tinha sido por elas suportado a final, ou seja, sem que tivesse sido repassado no âmbito da atividade desenvolvida (por via do preço dos serviços praticado com os seus clientes).
Conforme antes referido, as Requerentes não lograram atestar que suportaram a CSR contra a qual reagem, ou a medida em que a suportaram. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhes poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente ação arbitral, tendo em conta que não são sujeitos passivos, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutidas legais.
Por fim, em cumprimento do desiderato do direito nacional e da União Europeia, não se diga que as Requerentes ficaram desprovidas de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma ação civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunirem os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspetiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (v. artigo 20.º da Constituição).
De notar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao atual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (v. Acórdão de 1 de outubro de 2003, processo n.º 0956/03).
Em síntese, não tendo ficado provada a repercussão da CSR pelos fornecedores de combustíveis, nem que as Requerentes suportaram o encargo económico do imposto, falece-lhes legitimidade para pedir a anulação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto, solução que se enquadra numa interpretação conforme à Constituição (v. artigo 268.º, n.º 4), porquanto o direito à impugnação dos atos lesivos não pode deixar de reportar-se aos sujeitos cuja esfera jurídico-patrimonial sofreu a lesão (os lesados) e não a outros.
A conclusão da ilegitimidade das Requerentes também se retira da exegese do Código dos IEC, aplicável à CSR na parte referente à liquidação, cobrança e pagamento do imposto (por remissão do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007). Conforme declara o acórdão do CAAD, de 1 de fevereiro de 2024, proferido no âmbito do processo 296/2023-T, “qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”).” (realce nosso)
A referida norma [artigo 15.º, n.º 2, do Código dos IEC] estabelece que “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.”.
Desde a redação inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjetiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.
Quer dizer que só os sujeitos passivos aí identificados (no artigo 4.º), e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre, tal como resulta do n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”. Ora, esta solução apresenta total cabimento face à impraticabilidade que seria fazer a gestão de um sistema demasiadamente aberto a todo o género de reembolsos, com uma duvidosa forma de controlo. A esta mesma conclusão chegaram, entre outras, as decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs 296/2023-T, 408/2023-T, 375/2023-T e 633/2023-T.
Importa, ainda, notar que, contrariamente ao que as Requerentes afirmam, sem contudo indicar qualquer base jurídica, a questão de legitimidade processual não tem de ser analisada à luz da Diretiva 2008/118/CE, nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça. O direito da União Europeia não se projeta no domínio do direito adjetivo, seja procedimental, ou processual, que continua a fazer parte das competências próprias dos Estados-Membros, sem prejuízo do seu controlo (negativo) por conformação aos parâmetros (princípios) do direito da União Europeia, nomeadamente da proporcionalidade, na medida em que afetem posições substantivas regidas por este direito.
Os princípios (europeus) da equivalência e da efetividade não justificam a sua aplicação e pertinência à situação em análise. O enunciado do princípio da equivalência é o de que as regras nacionais não podem tratar de modo mais desfavorável um direito decorrente da ordem jurídica europeia por comparação a direitos decorrentes da ordem jurídica nacional. No caso, não há qualquer tratamento diferenciado.
Por outro lado, o princípio da efetividade postula que as regras nacionais não podem tornar impossível ou excessivamente difícil a efetivação de um direito decorrente da ordem jurídica europeia. Circunstância que também aqui não se verifica, pois o direito de ação contra o credor tributário é assegurado ao sujeito passivo ou a quem demonstre que suportou o imposto (não o tendo demonstrado as Requerentes). Acresce que o Tribunal de Justiça, como atrás referido, já se pronunciou no sentido de que nos demais casos o ressarcimento pode ser acedido através de uma ação civil dirigida aos fornecedores.
À face do exposto julga-se verificada a exceção de ilegitimidade das Requerentes, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado.
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Questões Prejudicadas
A procedência da questão prévia da ilegitimidade ativa das Requerentes, prejudica o conhecimento das restantes exceções suscitadas e impede o conhecimento do mérito da causa (v. artigos 608.º e 130.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
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Decisão
Atento o exposto, este Tribunal Arbitral Coletivo decide:
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Julgar improcedentes as exceções dilatórias de ineptidão do pedido de pronúncia arbitral e de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar os atos de liquidação de CSR;
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Julgar procedente a exceção ilegitimidade ativa das Requerentes para deduzir o pedido de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de CSR e, em consequência, absolver a Requerida da instância;
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Condenar as Requerentes no pagamento das custas do processo.
Tudo com as legais consequências.
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Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 258.577,54, que corresponde à importância de CSR cuja anulação as Requerentes pretendem e não contestado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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Taxa de Arbitragem
Fixam-se as custas no montante de € 4.896,00 (quatro mil oitocentos e noventa e seis euros), a suportar pelas Requerentes por decaimento, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT e com a Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 29 de Outubro de 2024
Os árbitros,
José Poças Falcão (Presidente)
Tomás Cantista Tavares (relator)
António Manuel Melo Gonçalves
Vota vencido de acordo com a declaração que segue.
1. Não acompanho a decisão arbitral, pois entendo, tal como foi suscitado pela Requerida, em termos de exceção, que a jurisdição arbitral não tem competência para apreciar a CSR, seja esta entendida como um imposto, como uma parte significativa da jurisprudência e da doutrina a qualifica, ou como contribuição, como o legislador a caraterizou, tudo tendo a ver com a portaria de vinculação.
2. O processo legislativo revela que entre o texto da autorização legislativa dada pela Assembleia da República através do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de 28.04.2010, e o texto da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03.2011, (portaria de vinculação) é percetível uma sucessiva redução do alcance da arbitragem tributária, conforme se demonstra na Decisão Arbitral n.º 31/2023-T.
3. O facto de no artigo 2.º da portaria de vinculação se referir que os serviços e organismos (de administração de impostos), se vinculam à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, só faz sentido à luz da Lei Orgânica da AT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro, que enuncia as missões e a regra geral da tipicidade das atribuições dos diversos serviços técnico-normativos, pois doutro modo bastava ter feito simplesmente uma referência aos organismos, (a DGCI e a DGAIEC), os quais, por natureza, são estruturados por serviços (técnico normativos, serviços de finanças e alfândegas).
Esta interpretação literal ganha mais força com o facto de no n.º 1, do artigo 3.º ser repetida a mesma formulação da vinculação dos «serviços e organismos», isto é, corresponde a um quadro de adequada expressão do pensamento legislativo e não a uma mera e solta imprecisão terminológica.
Com efeito, nalguns casos, os responsáveis pelos serviços da AT têm competência própria dada por lei, ou dela dispõem por via de delegação e subdelegação de competências, e o que o legislador quis transmitir é que não estão habilitados a agir fora da vinculação do organismo em que se integram e a agir fora do plano da subordinação hierárquica.
4. Relativamente à CSR, não está na competência dos respetivos serviços técnico normativos da AT, a iniciativa de desenvolver estudos e propor ações legislativas ou regulamentares para uma melhor cobrança, elaborar estudos técnicos e estatísticos de utilização das vias, fazer um acompanhamento da evolução da cobrança da sua receita e fazer o seu reporte superiormente, apreciar pedidos de isenção e redução da contribuição que consubstanciem um poder de administração típico da generalidade dos impostos por ela administrados. Por seu turno, as alfândegas e os serviços de finanças exercem as suas atribuições no quadro da respetiva lei orgânica, e a sua atividade consiste unicamente no cumprimento das normas tributárias aplicáveis.
Aliás, é notória a estabilidade das taxas da CSR fixadas pela Lei n.º 55/2007, de 64 €/1000 litros para a gasolina e 86 €/1000 litros para o gasóleo, só alteradas pela Lei 82-B/2014, de 31 de dezembro, após parecer do InIR – Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P, emitido nos termos da respetiva lei orgânica, para 87 e 111 euros, respetivamente, em contraposição com as do ISP, sujeitas à administração da Requerida.
5. A nosso ver, a Requerida apresenta-se como uma mera prestadora de serviços de cobrança, pela qual aufere 2% do montante cobrado, situação semelhante a outras cobranças (ex: direitos aduaneiros (0,96% de 25% dos recursos próprios cobrados, contribuição extraordinária sobre os fornecedores da indústria de dispositivos médicos para o Serviço Nacional de Saúde, 3% do produto da respetiva cobrança, ou até 15% da cobrança da contribuição especial para conservação dos recursos florestais).
6. Em nosso entender, o artigo 2, º do RJAT, enquanto norma quadro, tem de ser interpretado no contexto da economia do diploma, não representando um «prius» relativamente às demais normas, mas simplesmente um «maximus» jurídico à disposição do legislador ou do regulamentador, não tendo qualquer supremacia, designadamente, quanto ao artigo 4.º, norma de especificação restritiva e derrogatória do âmbito arbitral.
7. O facto de o legislador ter remetido para portaria os termos e condições da vinculação não tem significado jurídico relevante, uma vez que se cinge a fixar os pressupostos de adesão da AT à vinculação, não densificando ou criando regras normativas de aplicabilidade.
8. Usou esta técnica legislativa, em vez de fixar no diploma de forma imediata aquilo que veio a fazer constar na portaria de vinculação, pela simples razão de, face a um mecanismo novo de resolução de conflitos tributários, poder ter necessidade de ajustar as regras do seu funcionamento, e a portaria, ser um meio que pelo facto de envolver apenas dois ministérios torna o processo mais expedito. para introduzir as alterações,
Com efeito, qualquer alteração que envolvesse o Governo como um todo, ou exigisse a intervenção de outros órgãos legislativos, seria suscetível de retardar esses ajustamentos, pois, muitas vezes, seja no âmbito governativo ou da própria Assembleia da República, coloca-se a questão da oportunidade política, que não permite respostas atempadas ou as inviabiliza mesmo.
Segundo o brocardo «Quem pode o mais pode o menos», o legislador ordinário muniu-se da faculdade de gradualmente fazer evoluir a intervenção da arbitragem no domínio dos tributos consoante os resultados que apresentasse, ou num sentido negativo, reduzindo por exemplo o montante máximo do valor da vinculação, ou num sentido positivo, eliminando a exclusiva competência dos organismos e serviços da AT para a apreciação de impostos, eventualmente alargando-a mesmo às taxas, (tributárias «strito sensu», ou de atos judiciais ou para-judiciais da área do Ministério da Justiça), ou até mesmo às próprias contribuições financeiras a favor de entidades públicas em que se se encontre investida de poderes de liquidação e cobrança.
9. Constata-se que o legislador não sentiu necessidade até ao momento de fazer qualquer alteração ao stato quo inicial, tendo tido oportunidade de o fazer, aquando da publicação da Portaria 287/2019, de 3 de setembro, que alterou a Portaria 112-A/2011, no sentido de condicionar a apreciação pela arbitragem das disposições anti abuso, (artigo 2.º alínea e)), ou até mesmo agora recentemente através do artigo 268.º da Lei 82/2023, de 29.12, que aprovou o OE 2024, quando legislou sobre a remessa de processos tributários com entrada até 31.12.2021, pendentes em primeira instância, para os tribunais arbitrais, em que se prevê essa remissão, «independentemente do valor do pedido» mas «dentro das respetivas competências».
10. O legislador entendeu denominar a CSR como uma contribuição a pensar no facto de a mesma ser cobrada a favor de uma entidade pública, e tal facto tem consequências a nível processual em termos de legitimidade.
No conjunto de direitos e obrigações atribuídos à concessionária Infraestruturas de Portugal por intermédio do quadro de concessão, foi-lhe conferido, no quadro dos direitos, entre outros, ter como receita o produto da CSR, (alínea b) da Base 3, do anexo ao Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13.11.2007).
Estando em causa o cumprimento de obrigações contratuais do Estado para com entidades terceiras, igualmente pertencentes à esfera pública, o Ministério Público, enquanto defensor da legalidade e da promoção do direito público, deve, conforme o artigo 14.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ser ouvido nos processos judiciais antes de ser proferida a decisão final, situação que não se mostra acautelada na jurisdição arbitral.
Por outro lado, considerando que estão em causa direitos do Estado fruídos por entidades autónomas, nos termos do artigo 24.º n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, as referidas entidades autónomas deveriam ter a possibilidade de intervir no próprio processo, através de mandatário próprio, situação igualmente não assegurada na jurisdição arbitral, a qual se exprime apenas pela reação da AT, independentemente do reconhecimento do mérito jurídico de tais reações. seja de núcleo jurídico habilitado ou de Representantes da Fazenda.
11. Enquanto tributo parece-nos que o quadro classificativo atribuído pelo legislador deve ser respeitado, pois é a ele que cabe o poder de conformação legislativa, o que não deve impedir os demais poderes de exercerem a sua atividade de controlo judicial.
A CSR vigorou 15 anos (2007 a 2022) e a sua natureza jurídica apenas foi posta em causa praticamente 14 anos após a publicação ou seja, foi pacificamente aceite pela comunidade jurídica, que viu na sua criação, não uma forma de o Estado potenciar os seus rendimentos tributários, até porque foi criada a partir de uma redução do ISP no exato montante, mas um meio (ou um expediente, para) de assegurar estabilidade financeira a uma entidade que põe à disposição dos automobilistas a utilização de estradas onde possam consumir nos seus veículos o gasóleo e a gasolina que adquiriram.
Estando em causa uma alegada desconformidade com o direito europeu, a ser verificada pelos tribunais «a quo» será em função da adversidade das sentenças para o Estado, que tem o dever de defender o interesse público, ou das imposições de modificação do quadro de legalidade pelo Tribunal Constitucional que os órgãos legiferantes reformularão o quadro legal e lhe atribuirão uma outra classificação em consonância.
12. A CSR não tem necessariamente uma contrapartida individualizada para cada sujeito passivo, e como tal não poderá ser considerada uma taxa. A regra, é aliás. a inexistência de uma bilateralidade, pois os depositários autorizados, muito embora sejam eles que procedem ao pagamento da CSR não constituem o grupo que beneficia diretamente das finalidades proclamadas para a sua criação, ou dentro do grupo, apenas uma fração dos sujeitos passivos da CSR que dispõem de frotas próprias de distribuição de combustível tem essa contrapartida.
13. No Despacho do Tribunal de Justiça de 7 de fevereiro de 2022 (Processo C-460/21, Vapo Atlantic contra Autoridade Tributária e Aduaneira) assinala-se que o artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos» na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários (ponto 36).
Donde decorre que, muito embora, o referido Despacho considere a CSR um imposto, um dos pressupostos para que não seja considerada a existência de motivação específica tem a ver com a estrutura do imposto que não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários («não deixa transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede (de estradas) quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel» (ponto 33).
14. Não sendo possível aos depositários autorizados furtar-se ao pagamento da CSR, pois encontra-se acoplada ao ISP, sendo esse pagamento obrigatório e coativo, porque inserido numa liquidação única, ainda assim são beneficiários indiretos do pagamento desse imposto, pois ao comercializarem os principais combustíveis rodoviários e ao retirarem vantagens dessa comercialização na forma de lucro estão a contribuir para a deterioração da qualidade ambiental, quer do bem público (ar), quer da envolvente edificada, sendo certo que o legislador comunitário já fixou metas para a eliminação da produção de veículos propulsionados com esses combustíveis.
15. A CSR ao ser considerado um imposto (não especifico, ou seja tolerado) em razão, entre outras, de não desmotivar os consumos expõe os depositários autorizados à prática de atividades consideradas perniciosas, se bem que atento o atual desenvolvimento da indústria automóvel seja ainda um mal necessário, e coloca no limbo a sua classificação, pois assume em parte a natureza de imposto, uma vez que é paga obrigatoriamente sem que haja genericamente um retorno individualizado, e em parte a natureza de contribuição, pois pretende penalizar os operadores que pelo exercício de uma certa atividade contribuem para a degradação ambiental, (tal não sucede, por exemplo, com os fornecedores de energia elétrica para os veículos elétricos, cujos proprietários utilizam sem custos as vias construídas e disponibilizadas por conta das cobranças da CSR) assumindo-se como uma figura híbrida, a meio caminho entre o imposto e a contribuição, ou um «tertium genius» (conforme Gomes Canotilho/Vital Moreira, em CRP, Anotada, I Volume, página 1095, 4.ª Edição, Coimbra Editora).
(António Manuel Melo Gonçalves)
[1] A outra parte reporta-se ao ISP, imposto que não é contestado na presente ação.
[2] Dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT o seguinte: “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria […]”.
[3] V. Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
[4] V. decisões dos processos arbitrais n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T, 520/2023-T e 675/2023-T.
[5] De referir ainda, a título de exemplo, as decisões arbitrais dos processos 564/2020-T, 629/2021-T, 305/2022-T, 644/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T, 332/2023-T e 410/2023-T.
[6] V. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019.
[7] V. Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 399.
[8] Desta forma, a lei implica (e pressupõe) que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT), não o fazendo, porém, em relação ao mero repercutido de facto, pelo que, neste caso, a repercussão tem de ser demonstrada, não se podendo presumir.
[9] De referir que a alteração legislativa do Código dos IEC, ocorrida em dezembro de 2022, que passou a consagrar a repercussão nos IEC, além de não ser subsidiariamente aplicável à CSR, por falta de norma remissiva, mesmo que o fosse, não poderia reger a situação em análise porque é posterior à data dos factos. Esta conclusão não resulta afastada pela atribuição de natureza interpretativa pelo legislador (artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro), pois a retroatividade inerente às leis interpretativas “é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.” (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 16 de dezembro de 2020).