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SUMÁRIO:
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Numa ótica de RETGS, a indispensabilidade dos gastos financeiros com financiamento de várias sociedades desse grupo fiscal, deverá fazer o seu “business purpose test”, confrontando os gastos financeiros, não apenas com os rendimentos da sociedade que individualmente incorreu nos gastos financeiros em face do financiamento obtido, mas sim com os rendimentos gerados pelas várias sociedades do grupo fiscal que, em conjunto, beneficiam do capital financiado, via cash-pooling intragrupo.
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Por vigorar o RETGS, a omissão do rendimento pela sociedade que depois de contrair financiamento junto de instituições financeiras, concede financiamento a empresa do grupo, é relevante nas esferas jurídicas individuais de cada uma dessas sociedades, mas não releva numa ótica de RETGS, em que se tributa (via sociedade dominante) o lucro líquido global, das sociedades integradas no perímetro do grupo fiscal (cfr. artigo 70.º CIRC).
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Leonor Fernandes Ferreira e Nuno Miguel Morujão (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 24/5/2024, acordam no seguinte:
I- Relatório
A... SGPS, S.A., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e de identificação fiscal ... (adiante designada por “Requerente”), ao abrigo da al. a) e b) do n.º 2 do artigo 10.º do decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 99.º e n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requereu a constituição de Tribunal Arbitral, pedindo a declaração de ilegalidade e anulação do despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, que ao abrigo de subdelegação de competências, de 28 de novembro de 2023 indeferiu a reclamação graciosa n.º ...2023... assim como a declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação adicional de IRC do grupo relativa ao exercício de 2018 com o n.º 2022..., de 26 de dezembro de 2022, com a demonstração de acerto de contas n.º 2022..., de 28 de dezembro de 2022, e correspondente liquidação de juros compensatórios, de onde resultou um montante total a pagar de € 146.521,48.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”).
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Do pedido
A Requerente formula o seu pedido nos seguintes termos:
a) Ser declarado ilegal e anulado o despacho da Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, em regime de subdelegação e substituição legal do Diretor de Finanças Adjunto, datado de 28 de novembro de 2023 que indeferiu a reclamação graciosa n.º ...2023...;
b) Ser declarada ilegal e anulada a liquidação adicional de IRC do grupo de que a Requerente é sociedade dominante no RETGS com o n.º 2022..., de 26 de dezembro de 2022, e Demonstração de acerto de contas n.º 2022..., de 28 de dezembro de 2022, referentes ao período de 2018 bem como a correspondente liquidação de juros compensatórios datada de 28 de dezembro de 2022 com o n.º 2022..., de onde resultou um montante total a pagar de € 146.521,48 (cento e quarenta e seis mil seiscentos e quinhentos e vinte e um euros e quarenta e oito cêntimos);
c) Em virtude do peticionado em a) e b), ser determinado o reembolso à Requerente do montante de € 146.521,48 (cento e quarenta e seis mil seiscentos e quinhentos e vinte e um euros e quarenta e oito cêntimos) indevidamente liquidado e pago a título de IRC de 2018 e juros compensatórios; e
d) Ser determinado o pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, à taxa legal anual de 4%, sobre a prestação tributária de € 146.521,48 (cento e quarenta e seis mil seiscentos e quinhentos e vinte e um euros e quarenta e oito cêntimos) indevidamente liquidada pela AT e paga em 10 de fevereiro de 2022 a título de IRC de 2018 e de juros compensatórios, nos termos previstos nos artigos 43.º, n.º 1, e 100.º da LGT, e no artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, ex vi artigo 24.º, n.º 5, do RJAT.
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Tramitação processual
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi enviado ao CAAD em 12-03-2024 e aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 13-03-2024.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 06-05-2024, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 24-05-2024.
Por Despacho Arbitral, de 24-05-2024, nos termos do previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, notificou-se a AT para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta.
Por Despacho Arbitral, de 27-06-2024, foi decidida a dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste, cf. artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT.
As partes não apresentaram alegações.
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Posição das Partes
II.1. Posição da Requerente
A Requerente alega, sumariamente, que:
Em causa nos presentes autos está a legalidade da liquidação adicional de IRC com o n.º 2022..., datada de 26 de dezembro de 2022, emitida ao grupo de que a Requerente é a sociedade dominante para efeitos do RETGS, relativa ao período de tributação de 2018, da qual resultou, em conjunto com a demonstração de liquidação de juros e com a demonstração de acerto de contas n.º 2022..., de 28 de dezembro de 2022, um montante total a pagar de € 146.521,48 (cento e quarenta e seis mil seiscentos e quinhentos e vinte e um euros e quarenta e oito cêntimos), bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023..., datada de 28 de novembro de 2023, que manteve aquele ato na ordem jurídica.
Na mencionada reclamação graciosa a Requerente peticionou a anulação da liquidação adicional de IRC, com a consequente restituição do imposto e dos juros compensatórios indevidamente liquidados e pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.
Em concreto, e muito sumariamente, está em causa a ilegal desconsideração da dedutibilidade de juros pagos à banca, em face do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.
Com fundamento na errónea premissa de que o pagamento de juros pela B..., S.A., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e de identificação fiscal... (“B...”), que integrava o perímetro do grupo de que a Requerente era a sociedade dominante em 2018, no âmbito de um financiamento à banca estaria, em parte, relacionado com a disponibilização de fundos à própria Requerente para que esta, por sua vez, financiasse as suas participadas.
Por conseguinte, verifica-se uma desconsideração da dedutibilidade de juros suportados pela B... relacionados com a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto – por via da valorização da sua participação social no Grupo D... –, em manifesta violação do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.
II. 2. Posição da Requerida
A AT defende que:
Na sequência de atos de inspeção tributária à sociedade integrante “B...”, foram refletidas no lucro tributável do grupo correções quanto a encargos financeiros não dedutíveis o montante de €507.634,10;
No exercício de 2015, adquiriu o negócio de retalho do “Grupo D...”, constituído por 8 sociedades, que na sequência desta reorganização passou da designação social de “E..., S.A.” para “B..., S.A.”, tendo por isso, celebrado um contrato de empréstimo a conceder que poderia ascender ao montante de €72.000.000,00 entre várias entidades bancárias e as sociedades mutuárias;
Ao abrigo da ordem de serviço nº OI2021..., a AT verificou que a B...” recorreu a financiamento através de capitais alheios (financiamento bancário), contabilizado em diversas subcontas da “rubrica #251”, no montante de €22.037.068,64, suportou juros com esse financiamento no montante de €1.023.595,30 e, para além disso, concedeu empréstimos à empresa mãe a “A...”;
A AT verificou ainda, que o saldo devedor da “conta 26611”, no montante de €21.212.206,46, correspondia ao montante a receber na sequência desse empréstimo, no entanto foi esclarecido que foi celebrado um contrato de apoio à tesouraria, em 2011, entre as várias empresas do “Grupo H...”, que estabeleceu regras gerais de apoio à tesouraria intragrupo e salvaguardou a realização de empréstimos autónomos;
Considerou a AT, que estes gastos, no montante de €507.634,10, não seriam dedutíveis ao abrigo do artigo 23.º do CIRC, por não existir um correspondente rendimento, nomeadamente juros, com a concessão desses financiamentos a outras empresas do grupo (em situação de “relações especiais”), o que originou a correção da Derrama Municipal no montante de €6.929,75, da Derrama Estadual no montante de €15.229,02 e em termos de liquidação de imposto no Grupo o montante de €106.603,16, que não foi mencionado no RI;
Os financiamentos bancários decorreram da necessidade de financiamento da própria atividade, nomeadamente para aquisição de partes sociais, no montante aproximado de €58 milhões, operação de reestruturação e expansão do grupo e, que os financiamentos concedidos à “A...” resultam de excedentes de tesouraria (cash flow) gerados na esfera individual da “B...” e canalizados numa ótica de racionalização de recursos no contexto do Grupo.
A relação entre os financiamentos em vigor em 2018 e a maioria dos juros suportados, o valor de €576.595,46, respeitam aos créditos de médio e longo prazo celebrados em 2016 e 2017 e que substituíram o financiamento originário para a aquisição do “Grupo C...”, pelo que os juros bancários registados na rubrica “#691100” são juros referentes ao financiamento contraído para adquirir o negócio de retalho do “Grupo D...”, pelo que devem ser aceites como gasto.
A AT considerou, não dedutível, um encargo de juros no montante de €307.628,18, que decorreu, essencialmente, de juros de swaps; contabilizados na conta “#69183”, que nada se relacionam com os financiamentos concedidos à “A... SGPS”;
Os financiamentos obtidos junto da banca nada tiveram a ver com os financiamentos à “A... SGPS”, mas apenas com a atividade operacional da “B...” e respetiva expansão;
As entidades em análise, qualificam-se como entidades com relações especiais e, analisando os pressupostos da não remuneração do empréstimo concedido pela “B...” à “A...”, significaria que o mesmo não foi levado a cabo em condições idênticas e se traduziria numa violação desse preceito, pelo que, assim os SIT, deveriam ter proposto a respetiva correção segundo este enquadramento e, não se limitarem a considerar como gastos não dedutíveis na esfera individual da “B...”, e não terem efetuado qualquer ajustamento sobre esta realidade na “A...”, tratando-os segundo as regras dos preços de transferência.
Entende a Requerida que se deve manter a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, e consequentemente as liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios.
A Requerida defende ainda que a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios, por não se tendo averiguado que o pagamento de imposto resultante das correções efetuadas pelos SIT ao lucro tributável declarado se deveu a erro imputável aos Serviços, nos termos do artigo 43.º da LGT.
III- Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado a partir dos factos previstos no artigo 102.º n.º 1, alínea b) do CPPT.
As Partes estão devidamente representadas, têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.
O processo não enferma de nulidades ou irregularidades e não existem questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
IV. Matéria de facto
IV.1 Factos provados
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas quanto ao mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
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No exercício de 2018 a Requerente era a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas ao abrigo do RETGS;
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No exercício de 2018, deste grupo faziam parte, no exercício de 2018, enquanto sociedades dominadas: B..., S.A., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e de identificação fiscal ... e a F..., S.A. (anteriormente designada por G..., S.A.), titular do número único de identificação de pessoa coletiva e de identificação fiscal ... (“F...”).
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A B... é uma sociedade de direito português cujo capital é integralmente detido pela Requerente e que tem como objeto social a comercialização, importação e exportação de produtos de perfumaria e cosmética (cfr. registo efetuado pela Insc. 13 - AP. 25/20210326, disponível em http://publicacoes.mj.pt).
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Em 2015, a B... adquiriu o negócio de retalho do Grupo D..., tendo, então, incorporado por fusão oito sociedades que integravam este grupo societário e, na sequência desta reorganização societária, alterado a sua designação social de E..., S.A. para a atual (cfr. registo da fusão efetuado pela Insc. 8 - AP. 25/..., disponível em https://publicacoes.mj.pt/).
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Em 15-06-2015 foi celebrado um contrato de empréstimo, sob a forma de abertura de crédito até ao montante máximo de € 72.000.000,00, entre várias entidades bancárias (Banco BPI, S.A., Caixa Geral de Depósitos, S.A., Caixa Económica Montepio Geral, Montepio Investimento, S.A., Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L.), e as sociedades mutuárias F... S.A. e a atual B..., e a ora Requerente, prevendo responsável solidária; (cfr. doc. 4 junto com o PPA).
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A AT o abrigo da ordem de serviço n.º OI2021..., verificou que a “B...” recorreu a financiamento através de capitais alheios (financiamento bancário), contabilizado em diversas subcontas da “rubrica #251”, no montante de €22.037.068,64, suportou juros com esse financiamento no montante de €1.023.595,30 e, para além disso, concedeu empréstimos à empresa mãe a “A...”; (cfr. págs. 18 e 19 do RIT).
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A AT verificou ainda, que o saldo devedor da “conta 26611”, no montante de €21.212.206,46, correspondia ao montante a receber na sequência desse empréstimo, que a Requerente esclareceu que correspondia a um contrato de apoio à tesouraria, celebrado em 02-01-2011, entre as várias empresas do “Grupo H...”, que estabeleceu regras gerais de apoio à tesouraria intra grupo e salvaguardou a realização de empréstimos autónomos e individualizados de curto prazo; (cfr. doc. 5 junto com o PPA).
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Nesse procedimento de inspeção a AT considerou, que estes gastos, no montante de €507.634,10, não seriam dedutíveis ao abrigo do artigo 23.º do CIRC, por não existir um correspondente rendimento, nomeadamente juros, com a concessão desses financiamentos a outras empresas do grupo, o que originou a correção da Derrama Municipal no montante de €6.929,75, da Derrama Estadual no montante de €15.229,02 e em termos de liquidação de imposto no Grupo o montante de €106.603,16, que não foi mencionado no RIT;
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Quanto aos juros suportados pela B... com financiamentos obtidos durante o exercício de 2018, as importâncias a considerar foram (cfr. pág. 19 do RIT):
Valores conferidos com os dos extratos de conta - Anexo 2 ao RIT, apresentado como Doc. 3 em anexo ao PPA (pp. 40 e seguintes)
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Os SIT verificaram que, para além dos financiamentos que obteve e relativamente aos quais suportou os juros anteriormente descritos, a B... concedeu empréstimos à empresa-mãe, ora Requerente; (cfr. pág. 20 do RIT).
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Os referidos empréstimos encontravam-se contabilizados, no final de 2018, na subconta 26611 –Empréstimos concedidos – empresa mãe – A... SGPS; (cfr. págs. 20 e 21 do RIT).
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A AT constatou, adicionalmente, que o saldo devedor da conta em referência no final do exercício de 2018, no montante de € 21.212.206,47, correspondia ao montante a receber em decorrência deste empréstimo concedido à Requerente, sem remuneração associada (cfr. pág. 21 do RIT).
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A tabela infra indica os saldos mensais devedores inscritos na conta identificada nos artigos anteriores (cfr. pág. 21 do RIT):
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A AT verificou que o saldo devedor da “conta 26611”, no montante de € 21.212.206,46, correspondia ao montante a receber na sequência desse contrato celebrado em 02-01-2011, entre as várias empresas do “Grupo H...”; (cfr. doc. 5 junto com o PPA).
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Os SIT consideraram que, em 2018, a “B... “ suportou encargos financeiros, resultantes de financiamentos contraídos junto de entidades bancárias e, simultaneamente, encontra-se a financiar terceiros, sem a obtenção do correspondente rendimento financeiro - juros” (cfr. pág. 22 do RIT). E que a B...“contrai financiamento e, simultaneamente, concede financiamento à empresa mãe, suportando encargos financeiros, que contabilizou como gastos, não existindo a obtenção do equivalente ganho financeiro destes empréstimos efetuados, designadamente juros”; (cfr. pág. 23 do RIT).
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Concluindo então os SIT que “do exposto, não emerge da situação em apreço, que o montante contabilizado a título de juros e encargos financeiros, tenha clara e inequivocamente contribuído para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto, pelo que não será de aceitar fiscalmente as importâncias contabilizadas pelo sujeito passivo, por não se encontrar cumprido o princípio basilar da dedutibilidade de gastos ou perdas que preside ao artigo 23.º do CIRC”; (cfr. pág. 24 do RIT).
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Considerou a AT, que estes gastos, no montante de € 507.634,10, não seriam dedutíveis ao abrigo do artigo 23º do CIRC, por não existir um correspondente rendimento, nomeadamente juros, com a concessão desses financiamentos a outras empresas do grupo, o que originou a correção da Derrama Municipal no montante de € 6.929,75, da Derrama Estadual no montante de €15.229,02 e em termos de liquidação de imposto no Grupo o montante de €106.603,16, que não foi mencionado no RI; (cfr. pág. 24 do RIT).
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A AT determinou que, para o período de tributação de 2018, o montante de € 507.634,10, referente a encargos financeiros suportados pela B..., o qual deveria ser acrescido para efeitos do apuramento do lucro tributável da mesma, com subsequente reflexo no lucro tributável do grupo abrangido pelo RETGS do qual a Requerente é a sociedade dominante (cf. p. 24 do RIT; (cfr. doc. 3 e a linha n.º 1 da demonstração de liquidação de IRC de 2018 que consta do doc. 2 juntos com o PPA):
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Foi também corrigido pela AT, o valor apurado a título de Derrama Municipal, conforme tabela abaixo (cfr. doc. 3 e a linha n.º 24 da demonstração de liquidação de IRC de 2018; (cfr. doc. 2 junto com o PPA):
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Adicionalmente, a AT fez um acerto ao nível do lucro tributável do grupo (€ 507.634,10) e ainda da Derrama Estadual (€ 15.229,02), considerando que a B... é tributada ao abrigo do RETGS; (cfr. RIT – doc. 6 junto com o PPA).
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No âmbito do procedimento de inspeção tributária externo à B... realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”) foi efetuada uma correção ao lucro tributável individual da B... no montante de € 507.634,10, “relativo a encargos financeiros que não preenchem os requisitos legais definidos no artigo 23.º do CIRC, pelo que não se aceita a sua dedutibilidade para efeitos fiscais”; (cfr. doc. 3 junto com o PPA - cópia do RIT).
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A AT emitiu em 26-12-2022 a demonstração de liquidação de IRC n.º 2022..., relativa a 2018 no valor de € 507.634,10; (cfr. doc. 2 junto com o PPA).
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Desta liquidação adicional de IRC de 2018 resultou um valor total a pagar de € 146.521,48, cuja data limite de pagamento foi fixada em 13-02-2023.
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A Requerente em 10-02-2023 pagou o valor resultante da liquidação adicional; (cfr. doc. 2 junto com o PPA).
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Em 12-06-2023 a Requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida liquidação adicional de IRC do grupo de 2018, bem como contra a liquidação de juros compensatórios, peticionando a sua anulação.
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Por intermédio de ofício da Direção de Finanças de Lisboa de 23-10-2023, a Requerente foi notificada para exercer, querendo, o direito de audição relativamente à proposta de indeferimento da reclamação graciosa; (cfr. proposta de decisão, - doc. 7 junto com o PPA).
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Em 22-11-2023, a Requerente exerceu o seu direito de audição sobre a proposta de indeferimento da reclamação graciosa em apreço, tendo feito notar à Direção de Finanças de Lisboa a sua discordância relativamente à decisão de indeferimento proferida em projeto de decisão da reclamação graciosa, reiterando a argumentação antes apresentada (remetendo para as decisões do Tribunal Arbitral Tributário constituído sob a égide do CAAD no âmbito dos processos n.º 579/2021-T, n.º 699/2022-T e n.º 82/2023-T (referentes aos períodos de 2015, 2016 e 2017, respetivamente), as quais tinham subjacente um quadro factual e jurídico em tudo semelhante ao que está em discussão nos presentes autos, ressalvados, claro está, os períodos de tributação; (cfr. cópia da decisões arbitrais que se juntam como Documentos n.º 8, 9 e 10, respetivamente).
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Em 28-11-2023 a AT proferiu o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa.
IV. 2. Factos não provados
Não há factos não provados que se considerem relevantes para a decisão da causa.
IV.3. Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
A factualidade provada teve por base a apreciação crítica da posição assumida por cada uma das partes, bem como a análise crítica dos documentos juntos aos autos, cuja autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes.
V- Matéria de Direito
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Quanto à dedutibilidade de gastos: liquidação adicional de IRC
A Requerente A... SGPS, S.A. (Requerente) era em 2018 a sociedade dominante do RETGS (que integrava no seu perímetro a sociedade B..., S.A., sujeita a liquidação adicional de IRC, na sequência de procedimento inspetivo), na sua petição, pretende a anulação da liquidação adicional de IRC, o reembolso do montante pago, a correção da liquidação das derramas municipal e estadual, tudo com os consequentes juros indemnizatórios, referente ao exercício de 2018.
Vejamos.
No exercício de 2015, a Requerente (A... SGPS, S.A.) adquiriu o negócio de retalho do “Grupo D...”, constituído por 8 sociedades, que na sequência desta reorganização passou da designação social de “E..., S.A.” para “B..., S.A.”, tendo nesse contexto, celebrado um contrato de empréstimo, a conceder, que poderia ascender ao montante de € 72.000.000,00 entre várias entidades bancárias e as sociedades mutuárias.
Os financiamentos bancários acordados, entre empresas do Grupo H... e um sindicato bancário (cfr. contrato constante em contrato em Doc. 4, junto aos autos) decorreram da necessidade de financiamento da atividade do Grupo H..., nomeadamente para aquisição de partes sociais, no montante aproximado de €58 milhões, operação de reestruturação e expansão do grupo. O financiamento intragrupo concedido pela “B..., S.A.” à empresa-mãe “A..., SGPS”, resulta de excedentes de tesouraria (cash flow) gerados na esfera individual daquela sociedade (“B..., S.A.”), canalizados numa ótica de racionalização de recursos (cash-pooling) no contexto do Grupo.
Assim, o empréstimo concedido pelo sindicato bancário, de acordo com o contrato, seria utilizado por:
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“B..., S.A.” o montante de €38.160.000,00, até um máximo de 60%, e
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“F..., S.A.” utilizaria o montante de €33.840.000,00 até um máximo de 40% do montante de empréstimo.
Ou seja, o financiamento globalmente concedido ao Grupo H... foi concedido em 53% à “B..., S.A.”, e em 47% à “F..., S.A.”.
Em 2016 e 2017, foram celebrados novos contratos que estatuíram a abertura de linhas de crédito e emissão de papel comercial, com condições mais vantajosas para o grupo, o que permitiu a liquidação do empréstimo, nomeadamente, o empréstimo contraído em 2015 para adquirir o negócio de retalho do “Grupo D...”, o qual foi totalmente liquidado em 2017. Ocorreu, portanto, não a alteração da finalidade do financiamento, mas a tipologia de contrato. Pelo que, os gastos com juros suportados em 2018 (€ 576.595,46), respeitam aos financiamentos de médio e longo prazo celebrados em 2016 e 2017, substituindo o financiamento originário para a aquisição do “Grupo C...”.
Na sequência de atos de inspeção tributária à sociedade B..., S.A. (integrada no RETGS, cuja sociedade dominante é A... SGPS, Requerente), foram refletidas no lucro tributável do grupo correções quanto a encargos financeiros não dedutíveis o montante de € 507.634,10. De acordo com a AT, o financiamento e correspondentes gastos financeiros, estariam em parte relacionados, não apenas com o financiamento da B..., S.A., mas também, com o financiamento que esta prestava à A... SGPS (numa ótica de cash-pooling), sem que o mesmo fosse oneroso.
Sendo que as entidades em análise do Grupo H..., qualificam-se como entidades com relações especiais (a A... SGPS participa em 100% no capital da B..., S.A.), e analisando os pressupostos da não remuneração do empréstimo concedido pela “B...” à “A... SGPS”, conclui-se que o mesmo não foi levado a cabo em condições idênticas àquelas que seriam praticadas entre entidades independentes.
Com maior pormenor, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2021..., a AT, verificou que a “B..., S.A.” recorreu a financiamento bancário através de capitais alheios (contabilizado em diversas subcontas da “rubrica #251 – Financiamentos obtidos”), no montante de € 22.037.068,64 (pág.19 do RIT), suportou juros com esse financiamento no montante de € 1.023.595,30 (pág.19 do RIT) e, para além disso, concedeu empréstimos não remunerados à empresa-mãe (contabilizado na rubrica # 2611 – Acionistas), sociedade dominante do RETGS, “A... SGPS, S.A.”, no montante de € 21.212.206,47 (pág. 20 do RIT).
Quanto a este empréstimo concedido entre empresas do grupo, foi esclarecido que foi celebrado um contrato de apoio à tesouraria, em 2011, entre as várias empresas do “Grupo H...”, que estabeleceu regras gerais de apoio à tesouraria intra grupo e salvaguardou a realização de empréstimos autónomos.
Pelo que, na sequência do procedimento inspetivo, a AT considerou que parte dos gastos financeiros respeitantes aos financiamentos contraídos pela B..., S.A., no montante de € 507.634,10, não seriam dedutíveis ao abrigo do artigo 23.º do CIRC, por não existir um correspondente rendimento, nomeadamente juros, com a concessão desses financiamentos a empresas do grupo, em concreto, à empresa acionista dominante do RETGS, o que originou a correção fiscal.
Para o apuramento deste montante, os SIT relacionaram o valor dos encargos suportados com o nível de endividamento, para além de verificados mensalmente o valor dos empréstimos considerados nas subcontas evidenciadas no RIT, de que resultou uma percentagem mensal do montante de empréstimos “considerados não necessários à atividade da empresa e, consequentemente, o montante dos encargos não aceite fiscalmente”.
E assim, considerando estes gastos não cumprem o requisito primordial da “indispensabilidade” do gasto para obter lucros (“business purpose test”), desconsideraram a dedutibilidade fiscal dos gastos.
Ora, a análise dos elementos carreados para o processo revela que a AT incorreu em algumas imprecisões nos cálculos de gastos financeiros, por não ter considerado todos os saldos de dívida face às instituições financeiras.
Por outro lado, a AT considerou duas contas atinentes a empréstimos, face aos quais não consta nos autos os respetivos extratos de conta. Parecem existir também algumas inconsistências no cálculo, em particular quanto ao mês de dezembro de 2018, comparando com o cálculo que efetuou para os meses anteriores (a AT não atendeu ao rácio “Empréstimos concedidos / Empréstimos obtidos” que enunciou como pressuposto desse cálculo), resultando em diferente quantia, a de juros que não seriam fiscalmente aceites).
Ora, afigura-se-nos que numa ótica de RETGS, a indispensabilidade dos gastos financeiros com financiamento de várias sociedades desse grupo fiscal, deverá fazer o seu “business purpose test”, confrontando não com os rendimentos gerados pela sociedade que individualmente suporta os gastos (B..., S.A), mas sim, com os rendimentos gerados pelas sociedades do grupo fiscal que, em conjunto, beneficiam do capital financiado (B..., S.A e A..., SGPS).
A esse respeito, e ainda quanto à alusão ao regime de preços de transferência (cfr. artigo 63.º do CIRC e portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro), consideramos que, precisamente por vigorar o RETGS, a omissão do rendimento pela sociedade B..., S.A que (depois de contrair financiamento junto de instituições financeiras) concede financiamento a empresa do grupo (acionista A... SGPS), é relevante nas esferas jurídicas individuais de cada uma dessas sociedades, mas não releva numa ótica de RETGS, em que se tributa (via sociedade dominante) o lucro líquido global, das sociedades integradas no perímetro do grupo fiscal (cfr. artigo 70.º CIRC).
Pelo que, na esteira das decisões arbitrais que foram proferidas relativas a liquidações à Requerente, respeitantes a exercícios anteriores (cfr. Processo 579/2021-T, Processo 699/2022-T, e Processo 82/2023-T), conclui-se que as correções efetuadas pela Requerida traduzem uma errónea aplicação do disposto no artigo 23.º do CIRC e no artigo 74º, n.º 1 da LGT, sendo ilegal a liquidação adicional de IRC, nos termos em que foi impugnada.
A Requerente pede ainda o reembolso do IRC indevidamente suportado acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, com fundamento em erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária.
Em face das razões enunciadas, é inequívoco que estamos perante um pagamento de imposto indevido.
De harmonia com o disposto no artigo 24.º, 1, b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, 1, a) do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Pelo que, procede o pedido de declaração de anulação da liquidação adicional de IRC, a correção da liquidação das derramas municipal e estadual, com a devida anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, e reembolso do montante pago pela Requerente.
VI. Dos Juros indemnizatórios
De harmonia com o disposto no artigo 24.º b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
O processo de impugnação judicial, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que determina:
“Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”
Neste contexto, decide-se a procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios uma vez que o imposto pago pela Requerente resultou de um ato de liquidação adicional de IRC ilegal, praticada pela AT, devendo o termo inicial dos juros indemnizatórios ser fixado na data do seu pagamento, ou seja, em 10-02-2023.
VII. Decisão
Em face do exposto, decide-se que o pedido de pronúncia arbitral formulado é totalmente procedente e em consequência:
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Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023... e, consequentemente, anular o ato de liquidação adicional de IRC do grupo relativa ao exercício de 2018 com o n.º 2022 ..., de 26 de dezembro de 2022, com a demonstração de acerto de contas n.º 2022..., de 28 de dezembro de 2022, e correspondente liquidação de juros compensatórios, no valor de € 146.521,48.
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Condenar a Requerida à restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 10-02-2023 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
VIII. Valor do Processo
De harmonia com o disposto no 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 146.521,48.
IX. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique-se.
Lisboa, 31 de outubro de 2024.
Os Árbitros,
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(Regina de Almeida Monteiro – Presidente)
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(Leonor Fernandes Ferreira – Adjunta)
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(Nuno Miguel Morujão – Adjunto)