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SUMÁRIO:
I – No domínio do regime fiscal aplicável aos residentes não habituais, a inscrição como residente não habitual a que alude o n.º 10, do artigo 16.º, do CIRS, assume natureza meramente declarativa e não constitutiva do direito a ser tributado nos termos de tal regime.
II – Dos n.ºs 8 a 11, do artigo 16.º, do CIRS, resulta manifesto que os pressupostos para a aplicação do dito regime são, unicamente, os seguintes: (i) O Sujeito Passivo se torne fiscalmente residente em Portugal e; (ii) O Sujeito Passivo não tenha sido considerado residente em território nacional em qualquer dos cinco anos imediatamente anteriores.
III – Não fazendo, o Requerente, prova de que os rendimentos por si auferidos decorrem do exercício de uma atividade de elevado valor acrescentado, não será de lhe aplicar a taxa de tributação especial prevista no artigo 72.º, n.º 10, do CIRS.
DECISÃO ARBITRAL
A árbitra, Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído a 02.05.2024, decide o seguinte:
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RELATÓRIO
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A..., NIF..., residente na Rua ..., n.º..., Lisboa, (“o Requerente”), veio, em 21.02.2024, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”), com vista (1) à declaração de ilegalidade e anulação do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), n.º 2023..., referente ao ano de 2022, do qual resultou o valor total a pagar de €36.059,31 (trinta e seis mil cinquenta e nove euros e trinta e um cêntimos) e (2) à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
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O Requerente juntou 15 (quinze) documentos.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite a 23.02.2024 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
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O Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a ora signatária como árbitra do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do cargo no prazo aplicável.
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A 12.04.2024 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
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Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído a 02.05.2024.
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Por despacho proferido pelo Tribunal Arbitral a 02.05.2024 foi a Requerida notificada para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo (doravante “PA”) e, querendo, requerer a produção de prova adicional.
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No dia 29.05.2024, a Requerida apresentou a sua resposta, na qual invocou as exceções de incompetência material do Tribunal Arbitral e de inimpugnabilidade do ato de liquidação, alegou erro na forma do processo, defendeu-se por impugnação e, juntou aos autos o PA.
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Por despacho de 29.05.2024, o Tribunal Arbitral notificou o Requerente para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, sobre a matéria de exceção contida na resposta da Requerida, o que este fez, em 11.06.2024, mediante requerimento, no qual pugnou pela sua improcedência.
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Em 13.06.2024, o Tribunal Arbitral proferiu despacho, no qual: (i) dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT; (ii) notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas, no prazo simultâneo de 15 (quinze) dias e o Requerente para proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente e à junção aos autos do respetivo comprovativo e; (iii) indicou o prazo limite para proferir a decisão final arbitral.
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A Requerida e o Requerente apresentaram as suas alegações escritas finais, em 28.06.2024 e 01.07.2024, respetivamente, tendo este procedido, também, à junção do comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.
I.1. ARGUMENTOS DAS PARTES
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A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRS aqui em crise, invoca o Requerente, de entre o mais, o seguinte:
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Resulta da análise do artigo 16.º do CIRS, que o direito a ser tributado como residente não habitual, depende apenas do preenchimento de dois requisitos: (i) o sujeito passivo tornar-se fiscalmente residente em Portugal num determinado ano; e (ii) não ter sido residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
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O Requerente preenche cabalmente ambos os requisitos legalmente previstos, nomeadamente nos nºs 8 e 9 do art.º 16º do CIRS, para beneficiar do regime aplicável aos residentes não habituais: (i) tornou-se fiscalmente residente em Portugal no ano de 2022, (ii) não tendo sido residente em território nacional em qualquer dos cinco anos anteriores.
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A lei não confere à Autoridade fiscal a possibilidade de rejeitar o direito de ser tributado na qualidade de residente não habitual com base em outros elementos que não sejam o cumprimento dos referidos requisitos.
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O pedido de inscrição como residente não habitual não constitui um fator de exclusão da aplicação do regime, isto é, o registo como residente não habitual é uma mera obrigação declarativa, não sendo, por isso, constitutiva do próprio direito.
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No mesmo sentido já se pronunciou, igualmente, a jurisprudência, entre outros, nos processos n.º s 188/2020-T, 777/2020-T, 815/2021-T e 550/2022-T, considerando a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, uma obrigação meramente declarativa e, portanto, não constitutiva do direito a beneficiar daquele regime.
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A interpretação de que o simples registo cadastral como residente não habitual é um mero ato de controlo sem qualquer efeito confirmativo de direitos, sempre foi o enquadramento dado pela própria AT, tal como assumido na sua Circular n.º 4/2019, de 8 de outubro.
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Acresce ainda que a referida Circular n.º 4/2019 veio dissipar as dúvidas quanto ao caráter meramente declarativo do pedido de inscrição como residente não habitual ao classificá-lo expressamente como tendo “caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT, conforme determina o artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)”.
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Por outro lado, nos termos da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, na versão alterada pela Portaria n.º 230/2019, que aprova a tabela de atividades de elevado valor acrescentado para efeitos do disposto no n.º 10 do artigo 72.º do CIRS, menciona, entre outras, a atividade de “35 – Técnicos das tecnologias de informação e comunicação”.
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O Requerente obteve os rendimentos declarados na sua modelo 3 de IRS referente ao exercício de 2022, no montante de €99.695,47, por via da prestação de serviços no âmbito da atividade profissional como prestador de serviços técnicos na área da Tecnologia da Informação (IT).
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Dispõe ainda a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, na versão alterada pela Portaria n.º 230/2019, que “(...) os trabalhadores enquadrados nas atividades profissionais acima referidas devem ser possuidores, no mínimo, do nível 4 de qualificação do Quadro Europeu de Qualificações ou do nível 35 da Classificação Internacional Tipo da Educação ou serem detentores de cinco anos de experiência profissional devidamente comprovada. (...)”
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Requisitos esses que se mostram preenchidos pelo Requerente, nomeadamente por sempre ter desempenhado funções de implementação de SAP SUCCESSFACTORS (software) no âmbito de projetos de TI para produtos em nuvem (cloud) tendentes à gestão de recursos humanos.
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Sendo que o desempenho de tais funções é evidenciado pelos serviços prestados no âmbito de projetos de TI como trabalhador dependente de empresas como a B... AG, onde desempenhou funções desde o ano de 2017 até ao ano de 2020, C... AG, onde desempenhou funções também de 2020 a 2022.
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Para além da experiência profissional comprovadamente adquirida pelo Requerente desde o ano de 2017, o mesmo é detentor de várias certificações.
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Verifica-se, assim, que os requisitos legalmente exigidos para que os rendimentos obtidos pelo Requerente no ano de 2022 sejam tributados de acordo com as regras fiscais aplicadas aos residentes não habituais, à taxa de 20%, encontram-se devidamente preenchidos.
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Em face de todo o exposto, não pode deixar de se concluir pela existência de erro nos pressupostos de direito na demonstração de liquidação de IRS, referente ao exercício de 2022, notificada ao Requerente, devendo a mesma ser anulada por ilegal.
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Por sua vez, a AT contra-argumenta com base nos seguintes fundamentos:
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A causa de pedir em apreço nos presentes autos, centra-se na suposta condição de residente não habitual dos ora requerentes, não obstante solicitarem a anulação da liquidação vigente, respeitante ao período de tributação de 2022.
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Ou seja, a única causa de pedir subjacente ao articulado apresentado pelo Requerente respeita à sua não inscrição como residente não habitual, que, aliás, diga-se, até ao ano de 2024 nunca julgou de suma relevância deter, não obstante residir em Portugal desde 2022, pretendendo a correção do ato de liquidação em crise, por aplicação do regime dos RNH.
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Ao contrário do advogado pelo Requerente o reconhecimento da condição de RNH assenta num procedimento prévio e independente da liquidação objetada nos presentes autos.
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Sobre o enquadramento da impugnação contenciosa da temática sobredita, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2017, proferido no Processo n.º 723/2016, de 2017.11.15, é modelar, tendo apoiado as suas conclusões na desconstrução da natureza interlocutória do procedimento de reconhecimento da condição de residente não habitual e, consequentemente, na discussão em torno da qualificação como ónus ou faculdade, do dito procedimento.
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Seguindo o Aresto, o preceito estipulado no artigo 54.º, n.º 1, alínea d), da Lei Geral Tributária, estatuiria que, do conjunto de atos compreendidos no procedimento tributário, encontrar-se-ia o reconhecimento ou revogação de benefícios fiscais.
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Deste modo, o Acórdão infere que a aplicação do princípio da impugnação unitária, ordenado no artigo 54.º, do CPPT, não seria subsumível ao caso em apreço, justamente, porque o procedimento de reconhecimento da residência fiscal não habitual, não teria natureza preparatória/destacável do procedimento de liquidação, mas seria, antes, um ato administrativo autónomo.
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Sempre no prisma do Aresto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo prevalecente (Acórdão do STA, Uniformizador de Jurisprudência, n.º 014/19.7BALSB, de 04.11.2020), ditaria que a impugnação do ato de benefícios fiscais, seria autónoma em relação ao ato de impugnação, sendo, nestes casos e na ótica do Acórdão, o meio de reação ao dispor do contribuinte, a ação administrativa.
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Desta forma, seria salvaguardado o princípio da tutela jurisdicional efetiva, porquanto, segundo o Aresto, tendo a decisão relativa ao pedido de reconhecimento da condição de residente não habitual, repercussões diretas na esfera do contribuinte, a mesma seria suscetível de impugnação imediata, nos termos do artigo 95.º, n.º 1, da LGT.
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Tendo o requerente a possibilidade de obter judicialmente o reconhecimento do Estatuto de RNH, assim como, contra uma eventual decisão de indeferimento tomada pela Administração Fiscal, em sede de procedimento de RNH, que venha a ser tomada, nos termos do artigo 58.º do CPTA, não seria sindicável, na perceção do Acórdão, a violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, nem tampouco do princípio da justiça.
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Conforme aduzido pelo Acórdão do TC, a impugnação do ato de reconhecimento da condição de residente não habitual, não encontra sustentação jurisdicional na discussão da legalidade da liquidação, sendo que o meio gracioso previsto consiste no pedido de reconhecimento correspondente, sucedido contenciosamente, na eventualidade de indeferimento da dita pretensão, da ação administrativa.
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Por outro lado, no caso do regime dos RNH, o artigo 16.º do CIRS, não prevê um processo de reconhecimento do benefício fiscal em concreto. O que o artigo 16.º do CIRS prevê, é um procedimento de reconhecimento da verificação, em concreto, da existência de dois dos pressupostos legais (ou condições necessárias) – (i) que a pessoa singular se tornou fiscalmente residente em território português, e; (ii) que a pessoa em causa não foi residente em Portugal em qualquer dos cinco anos anteriores –, para que possa existir a aplicação de algum benefício fiscal no âmbito do regime dos RNH.
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Este procedimento de reconhecimento administrativo é, ele próprio, um dos pressupostos (acessório) dos benefícios fiscais associados ao regime dos RNH, o que significa que este pressuposto tem de se verificar, nos exatos termos previstos na lei, para que a pessoa singular possa usufruir dos diversos benefícios fiscais associados ao regime dos RNH, em qualquer um dos 10 anos a que tenha direito ao regime.
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Concomitantemente, é necessário que, em todos os anos em que se obtenha rendimentos elegíveis para o regime em causa, o RNH opte expressamente na modelo 3 pela tributação que pretende e que tem ao seu alcance. Ou seja, o benefício fiscal só pode concretizar-se, anualmente, desde que exista facto tributário (obtenção de rendimentos relevantes nesta situação) e que o RNH declare os mesmos e proceda à opção pelo regime de tributação excecional, sendo a liquidação efetuada de acordo com as opções que em cada ano faz, caso o SP tenha obtido, a seu pedido, o reconhecimento administrativo da verificação dos dois outros pressupostos.
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É esta a contextualização autónoma, que define o enquadramento contencioso do reconhecimento da condição de residente não habitual.
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E, neste caso, conforme já se referiu, o requerente solicitou atempadamente o reconhecimento do estatuto, tendo o seu pedido sido indeferido.
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Por outro lado, importa realçar que a norma do artigo 72.º, n.º 10 do CIRS condiciona a aplicação da respetiva taxa, ao desempenho de atividade de elevado valor acrescentado.
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Na petição, o Requerente refere que os rendimentos auferidos, totalizariam a quantia de €99.695,47 pagos pelas entidades: C... (96.347,03€); D... (2.848,44€); E... (500,00€).
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Das três, tão-somente em relação à C..., o Requerente exibe o correspondente subcontrato n.º 10100800. Em relação aos rendimentos provindos das demais entidades, em face da impossibilidade de compulsar o conteúdo funcional das tarefas desempenhadas pelo requerente, também o pressuposto da atividade de elevado valor acrescentado, constitui óbice à consideração da taxa plasmada no artigo 72.º, n.º 10 do CIRS.
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Face a todo o exposto, deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado.
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SANEAMENTO
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
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As partes gozam de personalidade, capacidade judiciária, legitimidade processual e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
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O processo não enferma de nulidades.
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As exceções suscitadas pela Requerida serão apreciadas após determinada a matéria de facto.
III. MATÉRIA DE FACTO
III.1. FACTOS PROVADOS
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Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
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O Requerente é nacional da Alemanha (Cfr. Documento n.º 2 junto ao PPA).
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O Requerente encontra-se registado, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, como residente fiscal em Portugal (Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa, Portugal), com efeitos a partir de 17.10.2022 (Cfr. Documento n.º 2 junto ao PPA).
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O Requerente não foi residente em Portugal nos cinco anos anteriores (Cfr. Documento n.º 2 junto ao PPA).
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O Requerente desempenha a sua atividade profissional como prestador de serviços técnicos na área da Tecnologia da Informação (IT), realizando processos e práticas envolvidas na implementação, manutenção e utilização de tecnologia da informação para atender às necessidades de organizações ou dos seus utilizadores. Mais concretamente, o Requerente implementa soluções técnicas de software em nuvem (cloud) no âmbito de projetos de TI para diversos clientes internacionais (Cfr. Documentos n.ºs 12, 13, 14 e 15 juntos ao PPA).
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O Requerente comunicou o início da sua atividade profissional em Portugal à Autoridade Tributária (Cfr. Documento n.º 3 junto ao PPA).
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O Requerente, no ano de 2022, obteve rendimentos no montante global de €99.695,47 (noventa e nove mil seiscentos e noventa e cinco euros e quarenta e sete cêntimos), decorrentes da prestação de serviços no âmbito da sua atividade profissional como prestador de serviços técnicos na área da Tecnologia de Informação (IT) (Cfr. Documento n.º 12 junto ao PPA).
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Tais rendimentos, auferidos pelo Requerente no ano de 2022, foram pagos pelas seguintes entidades: C... (no valor de €96.347,03); D... (no montante de €2.848,44) e E... (€500,00) (Cfr. Documento n.º 12 junto ao PPA).
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Nos termos do contrato de trabalho e subcontrato n.º ... celebrado com a empresa C... (“a qual presta serviços informáticos aos seus clientes no âmbito de vários projetos”), o Requerente desempenha as funções de “Gestor de projeto/programa: Implementações de RH-TI.” (Cfr. Documento n.º 14 e 12, cláusulas 1.1, 1.2, Anexo 1, Anexo 2, cláusulas 1.1, 2.1, 2.2 e 3.1).
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O Requerente apresentou, em 30.06.2023, a Declaração de Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2022, com o respetivo Anexo L, referente aos contribuintes com estatuto de residentes não habituais (Cfr. Documento n.º 3 junto ao PPA).
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No dia 03.07.2023, foi o Requerente notificado de que existiam erros na sua Declaração, nos seguintes termos:
(Cfr. Documento n.º 4 junto ao PPA).
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Na sequência da notificação referida em J., o Requerente submeteu nova Declaração de Modelo 3 de IRS, referente aos rendimentos auferidos no exercício de 2022, para mero cumprimento das instruções dadas pela Administração Tributária (Cfr. Documento n.º 6 junto ao PPA).
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Por considerar que tem o direito a ser tributado de acordo com o regime fiscal aplicável aos RNH, o Requerente solicitou, em 25.07.2023, mediante requerimento dirigido à Direção de Serviços de Registo de Contribuinte (“DSRC”) a sua inscrição como RNH, com efeitos ao ano de 2022 (Cfr. Documento n.º 5 junto ao PPA).
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Através do ofício n.º..., de 21.12.2023, foi o Requerente notificado, em 27.12.2023, do projeto de decisão de indeferimento do seu pedido de inscrição como RNH e, para exercer, querendo, o direito de audição, o que fez no prazo estabelecido para o efeito (Cfr. Documentos n.º s 7 e 8 juntos ao PPA).
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Por despacho do Senhor Diretor de Serviços de Registo de Contribuintes, datado de 24.01.2024, foi o Requerente notificado, em 05.02.2024, da decisão final de indeferimento do seu pedido de inscrição como RNH, com efeitos ao ano de 2022 (Cfr. Documento n.º 9 junto ao PPA).
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Em 03.04.2024, o Requerente apresentou, junto da Direção de Serviços de Registo de Contribuinte, recurso hierárquico, visando pôr em causa os fundamentos que estiveram na base do despacho de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual (Cfr. PA).
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Da Declaração de Modelo 3 de IRS referida em K., resultou a demonstração de liquidação n.º 2023..., referente ao ano de 2022, com imposto a pagar, no montante total de €36.059,31 (trinta e seis mil cinquenta e nove euros e trinta e um cêntimos), a qual não reflete o estatuto de RNH (Cfr. Documento n.º 1 junto ao PPA).
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Apesar de não concordar com o valor de imposto apurado, em virtude da não aplicação do regime de RNH – do qual entende o Requerente beneficiar –, este, com o intuito de evitar custos acrescidos com a prestação de uma garantia e, principalmente, obstar à instauração de quaisquer processos de execução fiscal, procedeu ao pagamento do imposto, em 11.12.2023 (Cfr. Documento n.º 10 junto ao PPA).
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O Requerente explicou os supra indicados motivos para tal pagamento, por via de um requerimento, dirigido ao Serviço de Finanças de Lisboa ... e, apresentado em 11.12.2023, referindo que o pagamento efetuado não representou o reconhecimento de que não preenchia/preenche os pressupostos para a inscrição e/ou aplicação do regime dos RNH (Cfr. Documento n.º 11 junto ao PPA).
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O Requerente apresentou o PPA que deu origem ao presente processo arbitral, em 21.02.2024 (Cfr. Sistema informático do CAAD).
III.2. FACTOS NÃO PROVADOS
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Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não se considera provado:
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Que o valor de €2.848,44, pago pela entidade D... ao Requerente, respeite aos serviços técnicos prestados por este na área da Tecnologia da Informação (IT).
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Que o valor de €500,00, pago pela entidade E... ao Requerente, respeite aos serviços técnicos prestados por este na área da Tecnologia da Informação (IT).
III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
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Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matéria que julga provada e declarar, se for o caso, a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante “CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (doravante “CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
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Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
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Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
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O Tribunal arbitral considera provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados e dados como assentes, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e, a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
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Já relativamente aos factos elencados nos pontos A. e B. dos factos não provados, o Requerente alega, respetivamente, que: “II. Pela prestação de serviços no âmbito do contrato celebrado com a empresa alemã D... para referenciação, coaching e consultoria no âmbito de serviços técnicos na área da Tecnologia da Informação aplicadas aos Recursos Humanos, tendo auferido um montante total de EUR 2.848,44 (...); III. Pela prestação de serviços de formação no âmbito de serviços técnicos na área da Tecnologia da Informação aplicada aos Recursos Humanos à E... , tendo auferido um montante total de EUR 500,00 (...).”
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Analisados os documentos juntos aos autos pelo Requerente – “Acordo sobre a comissão de intermediação”, celebrado entre este e a empresa D..., e a fatura emitida por esta entidade a seu favor, no montante de €2.848,44, bem como a fatura emitida pela E... a favor do Requerente, no valor de €500,00 –, conclui-se não ser possível compulsar o conteúdo funcional das tarefas desempenhadas pelo Requerente para estas entidades.
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Aliás, o “Acordo sobre a comissão de intermediação” refere apenas que o Requerente recebe uma comissão “relativa ao Acordo de Cliente celebrado com a F... GmbH pelos serviços prestados à G... GmbH por H... para a configuração de vários módulos SAP SuccessFactors.” Nada especificando quanto às funções que o Requerente desempenhou (ou não) para esta entidade. (negrito nosso)
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Já quanto à E..., o Requerente limita-se a juntar aos autos uma fatura, cuja descrição é: “PO Ordem Number ... – Workshop...”. De tal documento também não se retira qual o âmbito concreto de tal formação/Workshop.
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Face ao exposto, dá-se como não assentes os factos elencados nos pontos A. e B. dos Factos não Provados.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
IV.1 DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL
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A competência material dos tribunais é de ordem pública, o seu conhecimento procede o de qualquer outra matéria e constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, tudo conforme resulta dos artigos 16.º do CPPT e 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi alíneas a) e c), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT.
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Sustenta a Requerida que o tribunal arbitral não é materialmente competente para apreciar a questão suscitada pelo Requerente, uma vez que, a seu ver, a causa de pedir assenta na suposta condição de residente não habitual do Sujeito Passivo.
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Invoca, em abono de tal exceção, a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 796/2022-T, na qual se refere que: “(...), o reconhecimento da aplicabilidade ao Requerente do regime dos RNH teria de ser efetuado por via da Ação Administrativa Especial e não pela presente via impugnatória arbitral, (...). (...) o Requerente não deduziu Reclamação Graciosa nem recurso hierárquico tendo por objeto as liquidações de IRS, como assinalou supra. Na verdade, não se identifica a imputação de vícios próprios às liquidações de IRS em análise, (...).”
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Nesta senda, conclui a Requerida ser o Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar a matéria controvertida nos presentes autos, a qual se funda na invocada ilegal desaplicação do regime previsto para os residentes não habituais, sendo certo que a impugnação do ato de indeferimento sobre benefícios fiscais assume natureza autónoma e, logo, o meio de reação correto passaria pela ação administrativa e não pelo presente meio de reação arbitral.
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Replicou o Requerente, sustentado a propriedade do meio de defesa de que se socorreu in casu, porquanto, o objeto do presente processo não é a sua inscrição autónoma e específica da condição de residente não habitual, mas a legalidade da liquidação de IRS, em atenção à regulação jurídica aplicável. Acrescentando que não apresentou o pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade do ato de indeferimento da sua inscrição como residente não habitual.
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Mais referiu o Requerente que, apesar de ter impugnado (não nesta sede) o indeferimento do seu pedido de inscrição como residente não habitual – estando de momento a aguardar resposta ao recurso hierárquico interposto –, e “de haver uma conexão entre os dois pedidos, não se afigura prejudicial em relação à aplicação do regime do “residente não habitual” em cada ano fiscal, pois não há identidade entre os dois pedidos a que se refere o artigo 581.º, n.º 1, do CPC, (...), nem sequer uma interdependência tal que obste ao julgamento da presente causa.”
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Por último, invocou diversa jurisprudência do CAAD (Processos n.ºs 262/2018-T; 188/2020-T; 777/2020-T; 815/2021-T; 550/2022-T), que decidiu no sentido de os Tribunais Arbitrais serem competentes para se pronunciarem sobre os atos de liquidação de IRS quando é suscitada a aplicação do RNH, mesmo nas situações em que existe uma impugnação do indeferimento do pedido de inscrição como RNH e, inclusive, as que não são procedidas de impugnação administrativa.
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Concluiu, assim, o Requerente que o PPA deduzido visa a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2022, no valor de €36.059,31 (trinta e seis mil e cinquenta e nove euros e trinta e um cêntimos), o que se insere no âmbito da competência do Tribunal Arbitral.
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Aqui chegados, e conforme consabido, a competência do tribunal, como pressuposto processual, é aferida pela forma como o demandante conforma o pedido e a respetiva causa de pedir, determinando-se, pois, pelos termos em que a ação é configurada pelo autor e em que são expostos a pretensão deduzida em juízo e os factos com relevância jurídica (Cfr. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.11.2019, processo n.º 44/19.9BCLSB e de 07.04.2022, processo n.º 56/21.2BCLSB).
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Em consequência, para terminação da competência material do Tribunal, cabe atender à articulação da causa de pedir e da pretensão jurídica formulada pelo Requerente na sua petição inicial.
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Atentemos, assim, no pedido formulado pelo Requerente.
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O pedido de pronúncia arbitral, como resulta do petitório final, visa a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2022, no valor de €36.059,31 (trinta e seis mil e cinquenta e nove euros e trinta e um cêntimos), invocando o Requerente, como fundamento da pretensão deduzida, o excesso de quantificação da matéria tributável para efeitos de IRS, em virtude da não aplicação das regras de tributação na qualidade de residente não habitual.
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Ora, a competência dos tribunais arbitrais, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, compreende a apreciação das seguintes pretensões:
“a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”
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Desta feita, como o Requerente deduz a pretensão, é manifesto que o Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar a liquidação impugnada nos autos, atento o citado preceito normativo.
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Contra esta conclusão, não colhe o invocado pela Requerida de que, apesar de solicitar a anulação da liquidação controvertida, a causa de pedir assenta na suposta condição de residente não habitual, pelo que estaria em causa o pedido de reconhecimento dessa condição, que é suscetível, em termos contenciosos, face ao indeferimento, de reação através da ação administrativa (Cfr. artigo 97.º, n.º 2, do CPPT), matérias e meios processuais que são estranhos à competência dos Tribunais Arbitrais.
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Neste conspecto, fazemos nossas as considerações vertidas na decisão arbitral proferida no processo do CAAD n.º 705/2022-T, a propósito de idêntica questão, que transcrevemos:
“Sucede que, se é certo que o Requerente questiona na sua PI a natureza da inscrição no registo dos contribuintes da condição de residente não habitual para efeitos da aplicação do competente regime, os termos da configuração do pedido de pronúncia arbitral, pelos quais se afere a competência, não correspondem ao que assim indica a Requerida, sendo claro que se impugna a liquidação de IRS em crise, à qual se imputa o vício de erro sobre os pressupostos por não aplicação das regras de tributação dos residentes não habituais que corresponderia à situação tributária do Requerente. Por outras palavras, o objeto do presente processo não é a inscrição autónoma e específica no registo da condição de residente não habitual do Requerente (...), mas a legalidade da liquidação de IRS em atenção à regulação jurídica aplicável.
Por outro lado, não há que confundir a competência para a declaração de ilegalidade de ato de liquidação de imposto com a inviabilidade de isso se fazer com base em fundamentos que respeitam a atos destacáveis autonomamente impugnáveis, que envolvem a consequência, na falta da sua impugnação tempestiva, de se consolidarem como caso resolvido. O sujeito passivo pode impugnar uma liquidação de imposto perante Tribunal arbitral, o qual é competente para a sua apreciação (art. 2.º n.º 1, al. a) do RJAT); questão distinta é verificar se, no exercício dessa competência, o Tribunal arbitral está vinculado a não acolher, como fundamentos de anulação, vícios imputados em relação a antecedentes atos que, por não terem sido objeto oportunamente dos competentes meios de reação autónoma, se consolidarem em definitivo na ordem jurídica – trata-se, neste último caso, de questão que concerne à inimpugnabilidade da liquidação em atenção à verificação de caso decidido ou caso resolvido, não à competência do Tribunal.”
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Face ao exposto, improcede, assim, a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral invocada pela Requerida.
IV.2 DA INIMPUGNABILIDADE DO ATO COM FUNDAMENTO NO SUPOSTO ESTATUTO DE RNH
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Sustenta, ainda, a Requerida a inimpugnabilidade do ato com fundamento no suposto estatuto de RNH, alegando que o “reconhecimento da condição de RNH, assenta num procedimento prévio e independente da liquidação objetada nos presentes autos”.
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Invoca, em abono de tal entendimento, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2017, proferido no Processo n.º 723/2016, de 2017.11.15, referindo que este “é modelar, tendo apoiado as suas conclusões na desconstrução da natureza interlocutória do procedimento de reconhecimento da condição de residente não habitual e, consequentemente, na discussão em torno da qualificação como ónus ou faculdade, do dito procedimento.”
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Afirma, também, a Requerida, que tal “(...) acórdão infere que a aplicação do princípio da impugnação unitária, ordenado no artigo 54.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), não seria subsumível ao caso em apreço, justamente, porque o procedimento de reconhecimento da residência fiscal não habitual, não teria uma natureza preparatória/destacável do procedimento de liquidação, mas seria, antes, um ato administrativo autónomo.”
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Concluindo que “(...) no prisma do Aresto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) prevalecente (Acórdão do STA, Uniformizador de Jurisprudência, n.º 014/19.7BALSB, de 04.11.2020), ditaria que a impugnação do ato de benefícios fiscais, seria autónoma em relação ao ato de impugnação, sendo, nestes casos e na ótica do Acórdão, o meio de reação ao dispor do contribuinte, a ação administrativa.”
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Ora, conforme consabido, a jurisprudência do CAAD já se pronunciou variadas vezes sobre esta matéria, em situações semelhantes à dos autos, pelo que faremos nossas as considerações que se seguem, vertidas na decisão arbitral proferida no processo do CAAD n.º 705/2022-T:
“(...) a situação dos autos não possui comparação com o caso que esteve na base (...), do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2017 e do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 014/19.7BALSB (o qual, diga-se, não se pronunciou sobre a substância do tema, já que, por estar em causa decisão arbitral que não conheceu do mérito, não admitiu o recurso para uniformização de jurisprudência), espécies jurisprudenciais que são invocadas pela AT na sua resposta em apoio da alegação em apreço (...).
Por outro lado, deve-se ainda assinalar que esta jurisprudência respeitou a liquidação relativa ao ano de 2010, cujo cenário normativo não coincide com o aqui em consideração, por se reportar à regulação originariamente introduzida pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23.09 (anterior, pois, às alterações ocorridas com a Lei n.º 20/2012, de 14.05, e com o Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01.08), em que o n.º 7 do art. 16.º do Código do IRS (CIRS) dispunha: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos” (cfr. o atualmente disposto no n.º 9 do art. 16.º do CIRS).
No mais, antecipando o que a seguir se expõe em sede de apreciação do mérito, entende-se que o n.º 10 do art. 16.º do CIRS, na redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01.08 (: “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território”), ao impor a solicitação, por via eletrónica, da inscrição no registo dos contribuintes como residente não habitual, não consagra, para além da imposição de um dever acessório (art. 31.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária – LGT), um procedimento autónomo ou um momento procedimental interlocutório dirigido a um ato de reconhecimento do estatuto de residente não habitual, prévio e prejudicial, sem o qual estaria inviabilizada a aplicação em cada ano dos benefícios fiscais a isso associados. Trata-se, aliás, de entendimento que está em consonância com a orientação estabelecida na Circular n.º 4/2019 da Diretora-Geral da AT (n.º 1) segundo a qual as medidas resultantes do regime dos residentes não habituais “consubstanciam medidas excecionais de desagravamento da tributação de caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT, conforme determina o artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)”.
Assim, face à regulação legal aplicável, abaixo melhor examinada, julga-se que a inscrição cadastral como residente não habitual do sujeito passivo de imposto não constitui ato autónomo ou destacável em relação ao procedimento de liquidação do imposto para efeitos de impugnação contenciosa, que obriga, em derrogação do princípio da impugnação unitária (art. 54.º do CPPT), à impugnação direta e autónoma, no prazo e pelo meio legalmente previsto, de uma eventual decisão de indeferimento, sob pena de estabilização da situação mediante caso decidido ou caso resolvido e de decorrente preclusão da impugnação da liquidação de imposto nessa base.”
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Nesta senda, não assiste razão à Requerida, quanto à exceção por ela invocada.
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Por fim, alegou a AT – utilizando a fundamentação acima expendida – que o erro na forma de processo era manifesto.
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O erro na forma de processo, contemplado no artigo 193.º, do CPC, consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão, pelo que o acerto ou o erro na forma de processo se tem de aferir pelo pedido formulado na ação[1].
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Quer isto dizer, que a correção ou incorreção do meio processual empregue pelo autor (nomeadamente no que concerne ao tipo de ação por si escolhido para atingir o fim por si visado) afere-se pela pretensão de tutela jurisdicional que o mesmo pretende atingir; e a chamada inadequação ou inidoneidade do meio processual utilizado consiste, precisamente, na discrepância ou desarmonia entre a espécie processual de que se lançou mão e o propósito que, com ela, processualmente se visava atingir.
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Assim, para saber se ocorre ou não erro na forma do processo é preciso atentar no pedido que foi formulado, na concreta pretensão de tutela jurisdicional que o contribuinte visa obter; já saber se as causas de pedir aduzidas podem ou não suportar esse pedido é matéria que se situa no âmbito da procedência.
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Por isso, com o fundamento de que as causas de pedir invocadas não são adequadas ao pedido formulado poderá decidir-se no sentido da improcedência da ação (eventualmente, até do indeferimento liminar da petição inicial), mas não no sentido da verificação do erro na forma do processo.
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Parafraseando o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Março de 2012, proferido no processo com o n.º 1145/11, a circunstância de as causas de pedir gizadas não constituírem, porventura, fundamentos válidos de impugnação judicial, não constitui motivo para dar por verificada uma nulidade processual por erro na forma de processo, mas, ao invés, motivo para a improcedência do pedido com base nessa causa de pedir.
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Lida a petição inicial e o pedido que nela é formulado, verifica-se que o que o Requerente pretende obter é a anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2022, no valor de €36.059,31 (trinta e seis mil e cinquenta e nove euros e trinta e um cêntimos)
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Ora, o pedido de que seja anulada a liquidação – é típico do processo de impugnação judicial. Nesta forma processual o pedido será de anulação, declaração de inexistência ou de nulidade de um ato de liquidação, ou de um ato administrativo que comporte a apreciação de um ato de liquidação (ato de indeferimento de reclamação graciosa ou de recurso hierárquico interposto da decisão que aprecie reclamação graciosa, ato de apreciação do pedido de revisão oficiosa), ou ainda de um ato de outro tipo, mas para o qual a lei utilize o termo impugnação para aludir ao meio processual a utilizar na respetiva reação contenciosa (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 2 ao art. 99.º, págs. 107/108.).
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Como é bom de ver, o pedido apresentado pelo Requerente não é a inscrição autónoma e específica no registo da condição de residente não habitual, mas a anulação da liquidação de IRS aqui em crise, em atenção à regulação jurídica aplicável; tal pedido – anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2022, no valor de €36.059,31 (trinta e seis mil e cinquenta e nove euros e trinta e um cêntimos) – adequa-se perfeitamente ao processo de impugnação judicial de que se socorre o Requerente –.
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Face a todo exposto, improcede, assim, a exceção da inimpugnabilidade do ato invocada pela Requerida, nem tampouco se verifica o erro na forma de processo.
IV.3 DA QUESTÃO DE FUNDO
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Considerando a factualidade exposta, bem como as pretensões e posições do Requerente e da Requerida constantes das suas peças processuais, cumpre ao Tribunal Arbitral apreciar as seguintes questões:
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Se o Requerente beneficia do direito a ser tributado como residente não habitual, no exercício de 2022;
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Se a atividade exercida pelo Requerente se enquadra como atividade de elevado valor acrescentado;
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Se o Requerente tem direito à restituição do imposto pago e a juros indemnizatórios.
IV.3.1 DO REGIME DOS RESIDENTES NÃO HABITUAIS
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Surge, então, aqui, como questão a resolver, saber se a inscrição no registo da condição de residente não habitual possui, não uma natureza meramente declarativa, mas eficácia constitutiva, no sentido de que se trata nessa inscrição cadastral de pressuposto específico sem o qual não é possível beneficiar das reduções ou isenções fiscais que são conferidas ao contribuinte em razão dessa condição de RNH.
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Esta questão foi já objeto de apreciação pela jurisprudência, que deve aqui ser considerada por força da obrigação resultante do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil que determina que “o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.
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Assim, atentemos, antes de mais, ao enquadramento legal de tal regime e, desde logo, ao preceituado no artigo 16.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”), em vigor à data dos factos, nos termos do qual:
“8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.
10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)
11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.”
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Do cotejo dos n.ºs 8 a 11, do artigo 16.º, do CIRS, é possível apreender que os pressupostos para a aplicação deste regime são os seguintes:
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O Sujeito Passivo se torne fiscalmente residente em Portugal, em conformidade com qualquer dos critérios estabelecidos nos n.ºs 1 e 2, do artigo 16.º, do CIRS;
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O Sujeito Passivo não tenha sido considerado residente em território nacional em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano em que se deva considerar residente nos termos do n.º 1 e 2 da referida norma.
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Dito isto, indelével resulta concluir que o legislador fez depender, para efeitos da aplicação deste benefício fiscal, do preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 16.º, n.º 8, do CIRS, e não da inscrição formal como residente não habitual.
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Conforme já foi observado, a título de exemplo, no processo 777/2020-T e acolhido no processo n.º 550/2020-T, a redação aplicável dos n.ºs 8 e 9, do artigo 16.º, do CIRS, dispõe claramente no sentido de que se trata, nessa inscrição no cadastro do contribuinte, de um registo declarativo, cuja não realização não obvia à aplicação, verificados os pressupostos materiais exigidos, dos benefícios fiscais em causa.
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O teor da norma – n.º 11, do artigo 16.º, do CIRS – é, a este propósito, lapidar ao fazer depender para a aplicação de tal regime da circunstância factual de o sujeito passivo se ter inscrito (e assim ser considerado) como residente em território português e não da sua inscrição formal enquanto residente não habitual.
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Assim, para que o sujeito passivo seja “considerado residente não habitual” e adquira o direito a ser tributado como tal, a lei não inclui a inscrição no registo como residente não habitual, que surge no n.º 10 do mesmo artigo apenas como um dever do sujeito passivo (“deve solicitar a inscrição”), como requisito constitutivo dessa condição e do direito à correspondente situação tributária vantajosa.
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Aliás, “esta interpretação mostra-se corroborada pelo confronto com a anterior regulação do regime dos residentes não habituais. Recorde-se que, na versão do Decreto-Lei n.º 249/2009, o art. 23.º, n.º 2 do Código Fiscal do Investimento dispunha que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal, pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI” e o então n.º 7 do art. 16.º do CIRS afirmava, do mesmo modo, que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral de Impostos”. Como se observa, a ligação que então se fazia entre a inscrição da qualidade de residente não habitual no registo de contribuintes e a aquisição do direito a ser tributado como tal desapareceu da regulação vigente, a qual apenas conexiona a aquisição do direito a ser tributado como residente não habitual à consideração como tal em atenção à factualidade de os sujeitos passivos se tornarem fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do art. 16.º do CIRS e não terem sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores, que são, pois, os únicos requisitos de que depende essa condição.
(...)
O pedido de inscrição como residente não habitual imposto pelo n.º 10 do art. 16.º do CIRS deve, então, reputar-se a um dever acessório do contribuinte (art. 31.º, n.º 2 da LGT) que serve a finalidade de facilitação da fiscalização da situação tributária do contribuinte e da aplicação do benefício fiscal, de modo a que a AT proceda ao controlo dos registos do contribuinte no seu cadastro, bem como dos demais elementos em seu poder, solicite eventuais elementos adicionais para verificar que o interessado foi considerado como residente fiscal noutra jurisdição e valide o cumprimento dos requisitos legalmente previstos, sendo, porém da verificação desses requisitos, e não da solicitação ou realização daquela inscrição no registo, que depende a constituição do direito a ser tributado, de modo desagravado, como residente não habitual.” (Cfr. decisão arbitral proferida no processo do CAAD n.º 705/2022-T) (negrito nosso)
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Efetivamente, a falta ou a intempestividade da inscrição como residente não habitual dificulta a gestão tributária e o correto processamento das liquidações de IRS pela AT, mas não determina a exclusão do regime correspondente.
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Neste sentido, o presente Tribunal Arbitral, suportado pela ampla jurisprudência nesta matéria, considera, também, que o regime do RNH é um regime jurídico-fiscal cujo direito se verifica ope legis, sem depender do registo formal da qualidade de RNH.
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Vistos os pressupostos dos quais o legislador faz depender a aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais e o efeito que o pedido de inscrição enquanto RNH reveste no ordenamento jurídico, importa aferir se no caso do Requerente, os mesmo reúne os pressupostos para a aplicação de tal regime no ano de 2022.
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Como resulta da matéria de facto dada como provada, o Requerente passou a ser residente para efeitos fiscais em Portugal, com efeitos a partir de 17.10.2022 (Cfr. facto provado B.), sendo que igualmente se provou que o mesmo não estava inscrito como residente fiscal em Portugal nos cinco anos imediatamente anteriores (Cfr. facto provado C.).
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Em face dos factos dados como assentes e do respetivo direito aplicável supra explanado, inexorável se torna concluir no sentido de que o Requerente cumpria os necessários requisitos previstos no n.º 8, do artigo 16.º, do CIRS – os quais são os únicos requisitos exigidos por lei para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime dos RNH –, pelo que devia ter sido tributado de acordo com aquele regime especial em 2022, data a partir da qual foi registado como residente fiscal em Portugal.
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O Requerente deve, assim, beneficiar do regime dos RNH, porquanto, o benefício é automático e a inscrição em cadastro não é constitutiva do direito ao mesmo.
IV.3.2 DA QUALIFICAÇÃO DA ATIVIDADE EXERCIDA PELO REQUERENTE E DA TRIBUTAÇÃO DOS SEUS RENDIMENTOS
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Não obstante o supra exposto, impõe-se, ainda, verificar se ao Requerente assiste o concreto direito a ser tributado nos termos do n.º 10, do artigo 72.º, do CIRS (em vigor à data dos factos), que estabelece o seguinte: “Os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20 %.”.
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O citado artigo prevê, assim, que qualquer atividade de elevado valor acrescentado, que possa beneficiar desta taxa especial, deverá ser definida por portaria.
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Concretizando a aludida disposição normativa, foi publicada, num primeiro momento, a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, que aprovou a “tabela de atividades de elevado valor acrescentado”.
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Tal portaria elencou através da aprovação desta tabela a identificação de cada atividade de elevado valor acrescentado, referindo no seu n.º 2 que: “Todas as dúvidas interpretativas respeitantes ao âmbito e ao alcance das actividades constantes da presente tabela devem ser enquadradas nos códigos de actividade económica (CAE) vigentes à data da entrada em vigor da presente portaria”
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Contudo, a portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, foi, entretanto, alterada pela portaria n.º 230/2019, de 23 de julho, que procedeu à alteração das atividades anteriormente elencadas.
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Assim, para o que aqui releva, a tabela passou a incluir, designadamente, o código “35 – Técnicos das tecnologias de informação e comunicação”, em conformidade com a Classificação Portuguesa de Profissões (“CPP”).
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Se antes os códigos listados pela portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, não tinham por referência a CPP, sendo as respetivas definições e conteúdos funcionais imprecisos, agora, por força das alterações introduzidas pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho, os novos códigos são dotados, indiretamente, de conteúdo explicativo, delimitando as profissões aí elencadas, por remissão para o disposto nos termos da CPP.
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Estabelece o código 6201, do anexo ao Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de Novembro – Diploma que procede à revisão da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, harmonizada com as classificações de atividades da União Europeia e das Nações Unidas –: “ACTIVIDADES DE PROGRAMAÇÃO INFORMÁTICA”,
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que compreende, segundo a “Classificação Portuguesa das Actividades Económicas Rev.3”, Instituto Nacional de Estatística, I.P., pg. 219: “(...) as actividades de concepção, desenvolvimento, modificação, teste e assistência a programas informáticos (software), de acordo com as necessidades de um cliente específico. Inclui programação de sistemas, de aplicações, de base de dados e de páginas Web.”
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Ora, recordando os factos provados, o Requerente presta serviços técnicos na área da Tecnologia da Informação (IT), realizando processos e práticas envolvidas na implementação, manutenção e utilização de tecnologia da informação para atender às necessidades de organizações ou dos seus utilizadores. Mais concretamente, o Requerente implementa soluções técnicas de software em nuvem (cloud) no âmbito de projetos de TI para diversos clientes internacionais (Cfr. Ponto D. dos Factos Provados).
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No ano de 2022, o Requerente obteve rendimentos no montante global de €99.695,47 (noventa e nove mil seiscentos e noventa e cinco euros e quarenta e sete cêntimos), decorrentes da sua atividade profissional – prestador de serviços técnicos na área da Tecnologia de Informação (IT) (Cfr. Ponto F. dos Factos Provados).
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Os referidos rendimentos, auferidos pelo Requerente no ano de 2022, foram pagos pelas seguintes entidades: C... (no valor de €96.347,03); D... (no montante de €2.848,44) e E... (€500,00) (Cfr. Ponto G. dos Factos Provados).
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No que respeita à primeira entidade – empresa C... – (“a qual presta serviços informáticos aos seus clientes no âmbito de vários projetos”), o Requerente juntou aos autos o contrato de trabalho e o subcontrato n.º 10100800 com ela celebrado, de onde consta que o Requerente desempenha as funções de “Gestor de projeto/programa: Implementações de RH-TI.” (Cfr. Ponto H. dos Factos Provados).
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Já no que toca às duas últimas –D... e E...–, o Requerente não logrou provar qual o conteúdo funcional das tarefas por si desempenhadas para essas entidades.
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Pois, quanto à D..., o “Acordo sobre a comissão de intermediação” junto aos autos, refere apenas que o Requerente recebe uma comissão “relativa ao Acordo de Cliente celebrado com a F... GmbH pelos serviços prestados à G... GmbH por H... para a configuração de vários módulos SAP SuccessFactors”, nada especificando quanto às funções que aquele Requerente desempenhou (ou não) para esta entidade e;
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quanto à E..., o Requerente limitou-se a juntar aos autos uma fatura, cuja descrição é: “PO Ordem Number ... – Workshop...”, não se retirando de tal documento qual o âmbito concreto de tal formação/Workshop.
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Daí que se tenha dado como não assente que os valores pagos por tais entidades (€2.848,44 – D...– e €500,00 –E...–), digam respeito, sem margem para dúvida, a serviços técnicos prestados pelo Requerente àquelas na área da tecnologia da informação (IT) (Cfr. Pontos A. e B. dos Factos não Provados).
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Nesta senda, entende o Tribunal Arbitral que não será de aplicar ao Requerente a taxa de tributação especial prevista no artigo 72.º, n.º 10, do CIRS aos rendimentos pagos pelas entidades D..., no valor de €2.848,44, e E..., no montante de €500,00, improcedendo, assim, o pedido de anulação da liquidação controvertia, nesta parte.
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Face a todo o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, conclui, assim, o Tribunal Arbitral que o Requerente, não obstante lhe seja aplicável o regime dos RNH, apenas beneficia da taxa de tributação especial prevista no artigo 72.º, n.º 10, do CIRS quanto aos rendimentos auferidos e pagos pela entidade C..., na importância de €96.347,03.
IV.4 DO DIREITO AO REEMBOLSO DO IMPOSTO PAGO E A JUROS INDEMNIZATÓRIOS
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Peticiona, ainda, o Requerente que lhe seja reconhecido o direito ao reembolso do imposto indevidamente pago e a juros indemnizatórios.
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Nos termos do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (doravante “LGT), “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
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A Requerida não considerou o estatuto de RNH quando procedeu à liquidação de IRS relativamente ao Requerente – designadamente, na parte referente aos rendimentos por ele auferidos e pagos pela entidade C..., no valor €96.347,03 –, em violação da lei fiscal aplicável.
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É certo que o erro da Autoridade Tributária resulta da apresentação intempestiva do pedido de inscrição como RNH no cadastro do Requerente.
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Contudo, dado que a Requerida emitiu a liquidação impugnada por sua iniciativa com a ilegalidade verificada – não aplicando ao Requerente aquele estatuto especial (RNH), nomeadamente, no que respeita aos rendimentos por ele auferidos e pagos pela entidade C..., no valor €96.347,03 –, é-lhe imputável tal situação.
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Face ao exposto, ao abrigo do disposto nos artigos 43.º e 100.º, da LGT e artigo 61.º do CPPT, verificando-se a existência de erro em ato de liquidação de tributo, imputável aos serviços da AT, e daí resultando o pagamento de tributo em montante superior ao legalmente devido, deverá, assim, proceder o pedido do Requerente, i.e., ser-lhe reconhecido o direito a juros indemnizatórios e condenar a AT ao reembolso do imposto indevidamente pago.
V. DECISÃO
Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
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Declarar ilegal e anular o ato de liquidação de ato de liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2022, no valor de €36.059,31 (trinta e seis mil e cinquenta e nove euros e trinta e um cêntimos), na parte em que não aplicou a taxa de tributação especial, prevista no artigo 72.º, n.º 10, do CIRS, quanto aos rendimentos auferidos pelo Requerente e pagos pela entidade C..., na importância de €96.347,03;
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Condenar a AT a reembolsar aos Requerentes o excesso de imposto pago correspondente à parte da liquidação anulada e ao pagamento de juros indemnizatórios sobre esse valor, contados desde o dia 11.12.2023 até à data do processamento do reembolso (nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).
VI. VALOR DA CAUSA
Fixa-se ao processo o valor de €36.059,31 (trinta e seis mil e cinquenta e nove euros e trinta e um cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida na percentagem de 97% e a cargo do Requerente na percentagem de 3%, em razão da proporção do decaimento.
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.]
Lisboa, 29 de outubro de 2024
A Árbitra,
Susana Mercês de Carvalho
[1](Cfr., entre outros, RODRIGUES BASTOS, in “Notas ao Código de Processo Civil”, 3ª ed., 1999, pág. 262; ANTUNES VARELA, in RLJ 115, pág. 245 e segs; Acórdão do STJ de 12/12/2002, no Rec. nº 3981/02, in Sumários, 12/2002; Acórdão da R.Coimbra de 14/3/2000, in BMJ 495, pág. 371; Ac. R.Évora de 12/11/98, in Col.Jur. Ano XXIII, T5, pág. 256; Acórdão da R.Lisboa de 19/1/1995, in Col.Jur. Ano XX, T1, pág. 95, e Acórdão da R.Porto de 5/7/1990, in Col.Jur. Ano XV, T4, pág. 201.).
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