Consultar versão completa em PDF
SUMÁRIO:
1-Segundo o acórdão do TJUE no proc. C-399/23 , o art.110.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre os veículos, quando aplicado a um carro usado proveniente de um outro Estado-Membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto apenas se, e na medida em que o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceda o montante do valor residual do im3posto incorporado no valor dos veículos nacionais
2-Assim, saber se o regime vertido no art. 11.º do Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pelo art. 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31/12, cujo art. 1º aprovou o Orçamento do Estado para 2021, é , ou não, compatível com as exigências do Direito Europeu é uma questão de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de imposto cobrado aos veículos usados importados de outros Estados-Membros e o valor de imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais de modo a poder concluir-se, ou não, que a percentagem de redução da componente ambiental do ISV diferente da aplicada à componente cilindrada conduz a favorecer a venda dos veículos usados nacionais.
3-O facto de o critério de desvalorização fixado na Tabela D do nº 1 do art. 11.º desse Código para a componente ambiental não ser equivalente àquele estabelecido para a desvalorização da componente cilindrada não o torna forçosamente desconforme com o art. 110.º do TFUE, já que essa incompatibilidade depende de o montante do imposto cobrado se mostrar superior ao valor residual do imposto implícito nos veículos nacionais similares, o que cabe ao impugnante alegar e demonstrar.
4- Na falta dessa alegação e demonstração, a pretensão do Requerente não pode deixar de improceder.
DECISÃO ARBITRAL
I-RELATÓRIO
1.Identificação das partes
1.Requerente
A..., de nacionalidade portuguesa, ..., NIF..., residente na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ...-... Porto.
1.2 Requerida
Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
2. Tramitação do processo.
2.1 O pedido de pronúncia arbitral (PPA) deu entrada a 14/6/2024 e na mesma data foi encaminhado automaticamente para a Requerente e para a Requerida.
2.2 A Requerida seria notificada a 18/6/2024.
2.3. A 10/7/2024, a Requerida nomearia representantes processuais as juristas C... e D... .
2.4. A 31/7/2024, o presidente do CAAD designaria o árbitro singular, designação que seria aceite no mesmo dia.
2.5 A 21/8/2024, despacho do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD procederia à constituição do Tribunal Arbitral.
2.6. Na mesma data, o Tribunal Arbitral notificaria a diretora-geral da AT , nos termos do art. 17º do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, se entender necessário, requerer prova adicional e juntar o Processo Administrativo(PA).
2.7 A 26/9/2024, a Requerida apresentaria a Resposta e juntaria o PA.
3. Pressupostos relativos ao tribunal e às Partes.
3.1.O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
3.2- As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias , encontram-se regularmente representadas e são legítimas.
4- Objeto do processo.
A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e anulação parcial, no montante de € 1.654,15, do ato de liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) nº 2024/..., resultante da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículos n.º 2024/... de 18/03/2024, da Alfândega de Braga, cujo valor total é de 23.310,21 €, sendo o valor de 8.422,82 € correspondente à componente cilindrada e o valor de 14.887,39 € correspondente à componente ambiental .
5- Posição da Requerente
Segundo a Requerente, a alteração ao nº 1 do art. 11º do CISV ,operada pelo art. 391.º da Lei n.º 75-B/2020, que ampliou à componente ambiental uma redução da base tributável até então aplicável apenas à componente da cilindrada, determinada em função da desvalorização comercial e da vida útil média remanescente dos veículos a data da compra dos veículos usados importados de outros Estados-Membros da União Europeia, manteve o que considera ser a violação pela redação anterior dessa disposição legal do art. 110º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), à luz da interpretação dada pelo Acórdão do TJUE no proc. C-169/20 e reiterada pelo Acórdão no proc. C-399/2023.
.Sob pena de violação do referido art. 110º, do TFUE, os Estados-Membros não podem , assim, estabelecer taxas percentuais diferenciadas para cada uma das componentes (componente cilindrada e componente ambiental .
Tais taxas diferenciadas , como as que constam da Tabela D do nº 1 desse art. 11º, consubstanciam uma concreta discriminação entre os veículos originariamente matriculados e comercializados em território nacional e os veículos usados provenientes de outro Estado-membro da União Europeia mas admitidos à circulação em Portugal ( no mesmo sentido, militam as Decisões Arbitrais nos procs. nºs 352/2022- T e 468/2023- T).
Ainda que o Estado Português tivesse, através do art. 391.º da Lei n.º 75-B/2020, na sequência do Acórdão do TJUE no proc. nºC-169/2020, admitido uma desvalorização pelo número de anos de uso dos veículos usados introduzidos em Portugal, oriundos de outros Estados Membros, no que diz respeito à componente ambiental do ISV, as percentagens de redução deveriam ser iguais para as duas componentes, cilindrada e ambiental.
A liquidação do ISV impugnada abrangeu a admissão de um veículo proveniente da Alemanha, com um tempo de uso superior a um ano e inferior a dois anos, tendo -lhe por isso sido aplicada uma redução de 20% na componente cilindrada e de 10% na componente ambiental em função da desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e da vida útil média remanescente do bem .
Assim, a liquidação impugnada o ato ora em apreço é parcialmente ilegal na parte do imposto decorrente da diferente percentagem de redução aplicada à componente cilindrada e à componente ambiental determinada em função dos anos de vida do veículo- foi-lhe aplicada uma redução de 10 % na base tributável em vez de 20 %, a redução da componente cilindrada.
Ao Requerente foi indevidamente cobrado o valor de 1.654,16 € de ISV, por aplicação da taxa de redução de 10% à componente ambiental, quando a taxa a aplicar deveria ter sido a mesma da componente cilindrada, de 20 %.
Assim, a parcela de € 654,16 € de ISV decorrente da diferente percentagem de redução aplicada à componente cilindrada e à componente ambiental determinada em função dos anos de vida do veículo foi-lhe ilegalmente liquidada.
Neste sentido também, remete a Requerente para o Parecer do Ministério Público n.º 110/2022, elaborado no Processo n.º 84/22.0BALSB, do STA, que se teria pronunciado sobre questão idêntica.
Solicita ainda a Requerente a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do nº 1 do art. 43º da LGT.
6- Posição de Requerida.
A alteração do art. 11ºdo CIV pelo art. 391.º da Lei n.º 75-B/2020 é consequente da condenação do Estado português, a 2/9/2020, no proc. C-169/2020 do TJUE , que se reporta a uma ação por incumprimento aberta nos termos do art. 258º do TFUE, em virtude de, ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do ISV aplicável ao valor dos veículos usados adquiridos noutro Estado membro e postos em circulação no território português, violar o art. 110º do TFUE.
A condenação do Estado Português no proc. C-169/2020, como resulta, aliás, do Parecer Fundamentado da Comissão 28/11/2019 que abriu o processo, fundamentou-se, em este não aplicar qualquer desvalorização à componente ambiental à semelhança do que já se encontrava previsto para a componente cilindrada, e não em a desvalorização das componentes ambiental e cilindrada ser apurada de modo diferente.
Com o art. 391.º da Lei n.º 75-B/2020, que alterou a Tabela D do nº 1 do art. 11º do CISV, passando a prever, na base da incidência, do imposto uma desvalorização da componente ambiental, que coexiste com uma desvalorização da componente cilindrada, ambas associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à sua vida útil média remanescente, o Estado português executou a decisão do proc. C-169/20, pelo que carece de fundamento uma ação condenatória com base em incumprimento de uma obrigação cumprida há quase 4 anos.
Essa decisão obrigou, assim, o Estado português ao reconhecimento de uma desvalorização da componente ambiental que, no entanto, não tem de ser idêntica à desvalorização da componente cilindrada.
Nessa medida, esclareceria o acórdão do TJUE no proc. C-399 que o art . 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre veículos, quando é aplicado a um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados.
Esse é o sentido das decisões proferidas pelo STA nos procs. n.º 84/22.0BALSB ( recurso da decisão do proc.º 607/2021-T do CAAD), 39/23.8BALSB (recurso da decisão proc.º 352/2022-T do CAAD), n.º 69/23.0BALSB (recurso da decisão do proc. nº 384/2022-T do CAAD), n.º 71/23.1BALSB (recurso da decisão do proc.º nº 527/2022-T do CAAD0), e n.º 184/23.0BALSB ( recurso da decisão do proc.º 468/2023-T do CAAD), o que constituem jurisprudência assente desse tribunal superior, não contrariada por qualquer decisão deste.
Assim, recai sobre o sujeito passivo do ISV o ónus de alegação e demonstração de que o ISV incidente sobre o veículo objeto do PPA é superior ao valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados.
O Requerente não cumpriu esse ónus,
O veículo em causa , com apenas 8.765 Kms. percorridos, está muito longe do fim de vida útil, não havendo indício de que a redução do ISV por anos de uso que lhe foi aplicada não reflita, por inferior, a correspondente desvalorização real que serviu de base â liquidação contestada.
7- Fundamentação
7.1 Fundamentação de facto.
7.1.1 Factos provados
7.1.1.1.A 4/3/24, o Requerente, operador sem estatuto , introduziu em Portugal, para uso pessoal, proveniente da Alemanha, outro Estado Membro da União Europeia, o veículo ligeiro de passageiros, no estado de usado, da marca Porsche, modelo 992, comercialmente designado por Porsche 911 Carrera GTS, a gasolina, com um valor de emissão de gases CO2 de 250g/km.
7.1.1.2 O referido veículo era portador da matrícula definitiva ..., emitida pelos competentes serviços do referido Estado-Membro da União Europeia em 17/02/2023.
7.1.1.3 Em cumprimento das suas obrigações legais, em 18/03/2024, o Requerente procedeu à apresentação da declaração aduaneira (DAV) do veículo , que recebeu o nº 2024/..., tendo sido seu representante direto B... .
7.1.1.4 Ao mencionado veículo foi atribuída a matrícula portuguesa ... pelos serviços competentes do Instituto de Mobilidade dos Transportes - Delegação Distrital de Viação de Braga.
7.1.1.5 Nessa data de 18/3/2024 foi liquidado à Requerente ISV , no montante de € 23.310,12.
7.1.1.6 Das inscrições dos Quadros E, F e G da DAV, para os quais se remete, constam as características do veículo já referidas-
7.1.1.7 A liquidação e o cálculo do montante de imposto foram efetuados de acordo com o nº 1 do artº 7º 1 e e n º 1 do art. 11º, tendo sido aplicadas, conforme resulta da Quadro R da DAV 7as reduções previstas nas tabelas A e D para os veículos ligeiros e passageiros, com referência à componente cilindrada e à componente ambiental, de acordo com as características do veículo, nos termos dos referidos arts. do CISV.
7.1.1.8 Do Quadro T da declaração constam, igualmente, a identificação do ato de liquidação e data da liquidação, montante, termo final do prazo de pagamento, data de cobrança e a identificação do autor do ato.0000
7.1.2 Factos não Provados
Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa que o Tribunal Arbitral tivesse obrigação de oficiosamente conhecer.
7.1.3 -Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto
O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no nº 2 do 123.º do CPPT e no nº 1 do 596.º, vem como no nº 3 do art. 607º, ambos do CPC, aplicáveis ex alíneas a) e e) do nº 1 do art. 29º do RJAT.
O Tribunal formou a sua íntima e prudente convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos ,que são de natureza exclusivamente documental.
Estes foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados na alínea e) do art. 16.º, do RJAT e nos nºs 4 e 5 do art. 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alínea e) do nº 1 do art. 9º do RJAT.
7.2 Fundamentação de direito.
.2 Fundamentação de direito.
Nos termos do nº 1 do art. 11º do CISV, o imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:
TABELA D
Para efeitos de aplicação do nº anterior, prossegue o nº 2, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respetivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.
Acrescenta o nº 3 que, sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado dos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:
ISV=((V/VR) x Y) + C
em que:
ISV representa o montante do imposto a pagar;
V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado;
VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;
Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;
C é o «custo de impacte ambiental», aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.
Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do nº 3, o nº 4 presume que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação.
Parte da jurisprudência arbitral vem entendendo que o critério de desvalorização fixado para a componente ambiental na Tabela D do nº 1 do art. 11.º desse Código não ser equivalente àquele estabelecido para a desvalorização da componente cilindrada torna-o forçosamente desconforme com o art. 110.º do TFUE sem necessidade do apuramento de outros factos para além dos que justificam essa discrepância normativa,
É o caso, entre outras das Decisões Arbitrais nºs 372/2021- T, 551/2022,- 343/2022-/T, 346/2022- T, 352/2022- T, 384/2022- T, 481/2022-T, 468/2023- T, 469/2023- T, 68/2023- T,162/2023, 192/2023- T, 177/2023- T, 469/2023- T 483/2023-T e 753/2023- T .
Outra parte entende essa falta de equivalência não implicar necessariamente o incumprimento desse art. 110 do TJUE. Tal incompatibilidade só ocorre quando o montante do imposto cobrado se mostrar superior ao valor residual do imposto implícito nos veículos nacionais similares, o que cabe ao impugnante, como autora da ação, alegar e demonstrar. É o caso, entre outras, das Decisões Arbitrais nºs 350/2021- T, 309/2022- T, 571/202 2- T, 571/2022- T, 218/2023- T, 556/2023- T, 745/2023- T, 54/2024- T, 55/2024- T e 218/2024- T .
O acórdão do TJUE no proc. C-74/06 declarou que a República Helénica, ao aplicar, para determinar o valor tributável dos veículos automóveis usados importados de outro Estado-Membro para o território helénico, para efeitos de liquidação do imposto de registo, um critério único de depreciação assente na antiguidade do veículo automóvel e ao fixar uma redução de 7% para os veículos automóveis cuja antiguidade seja de seis a doze meses ou de 14% para os veículos automóveis cuja antiguidade seja de um ano, o que não garante que o imposto devido não exceda, ainda que só em alguns casos, o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já registados no território nacional, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 90.° CE.
Assim, porque o ISV que. para esse efeito, recai sobre o registo dos veículos automóveis, não é um imposto harmonizado, os Estados membros podem livremente fixar os critérios de desvalorização das viaturas, desde que assegurem pelos meios reconhecidos no seu direito interno, que o imposto devido não ultrapasse em caso algum o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já registados no território nacional. Só neste caso é violado o art. 110º do TJUE.
Posteriormente, o acórdão do TJUE no proc. C-342/09, consideraria esse art. 110º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro crie um imposto sobre a poluição que incide sobre os veículos automóveis no momento da sua primeira matrícula nesse Estado-Membro, se esta medida fiscal for estruturada de tal maneira que desencoraje a colocação em circulação, no referido Estado-Membro, de veículos usados adquiridos noutros Estados-Membros, sem, por outro lado, desencorajar a compra de veículos usa dos da mesma idade e com o mesmo desgaste no mercado nacional.
Reiteraria, assim, o princípio que a referida desconformidade não pode ser aferida em termos incondicionais, já que depende de o regime fiscal do ISV desencorajar a compra no estrangeiro de automóveis usados , sem adotar idêntico critério para o mercado nacional de veículos usados.
Também em reenvio prejudicial, o acórdão d TJUE no proc. C-349/22, afirmaria que o artigo 110.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, na data da introdução no consumo num afirmaria de um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado-Membro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo e da qual puderam beneficiar os veículos similares com as mesmas características relevantes que esse veículo mas que foram matriculados pela primeira vez nesse primeiro Estado-Membro, se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o mesmo veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto que é incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional dos veículos usados.
Por despacho proferido nos termos do art. 99º do Regulamento do TJUE, o TJUE deduziria do acórdão no proc. C- 169/2020 a seguinte interpretação:
“18 Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre veículos, quando é aplicado a um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, a desvalorização da componente ambiental desse imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto.
19 A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, no Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Portugal (Imposto sobre Veículos) (C‑169/20, EU:C:2021:679):
«35 [A] cobrança, por um Estado‑Membro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro é contrária ao artigo 110.° TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional (v., designadamente, Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal, C‑200/15, [...] EU:C:2016:453, n.° 25 e jurisprudência referida).
[...]
38 [O] Tribunal de Justiça especificou que, a partir do momento em que se paga um imposto de matrícula num Estado‑Membro, o montante desse imposto é incorporado no valor do veículo. Deste modo, quando um veículo matriculado no Estado‑Membro em causa é, em seguida, vendido como veículo usado nesse mesmo Estado‑Membro, o seu valor de mercado, que inclui o montante residual do imposto de matrícula, será igual a uma percentagem, determinada pela desvalorização desse veículo, do seu valor inicial (Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.° 40 e jurisprudência referida).
[...]
44 [O] Tribunal de Justiça já teve oportunidade de sublinhar que o artigo 110.° TFUE se opõe a um imposto relativo ao registo dos veículos cujo montante, determinado, nomeadamente, em função da “classificação ambiental” dos veículos, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados‑Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado‑Membro de importação (Acórdão de 5 de outubro de 2006, Nádashi e Németh, C‑290/05 e C‑333/05, EU:C:2006:652, n.os 56 e 57).
45 Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que o objetivo de proteção do ambiente poderia ser realizado de forma mais completa e coerente fazendo incidir um imposto anual sobre qualquer veículo que entrasse em circulação num Estado‑Membro, o qual não beneficiaria o mercado nacional dos veículos usados em detrimento da colocação em circulação de veículos usados importados de outros Estados‑Membros e seria, além disso, conforme com o princípio do poluidor‑pagador (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.° 60).
46 Em contrapartida, um imposto calculado em função do potencial de poluição de um veículo usado, que, à semelhança do imposto em causa, só é integralmente cobrado no momento da importação e da entrada em circulação de um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, ao passo que o adquirente de um desses veículos já presente no mercado do Estado‑Membro em causa só tem de suportar o montante do imposto residual incorporado no valor comercial do veículo que adquire, é contrário ao artigo 110.° TFUE.»
20 Cabe assim ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, no momento da introdução no consumo em Portugal de um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, a aplicação do ISV conduz a que o imposto que incide sobre o referido veículo usado exceda o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados em território nacional, criando, assim, o risco de favorecer a venda de veículos usados nacionais e de desencorajar a introdução de veículos usados similares neste território. Para o efeito, deverá determinar se a aplicação de uma percentagem de redução da componente ambiental do ISV diferente da aplicada à componente cilindrada deste imposto conduz a favorecer a venda de veículos usados nacionais.
21 Atendendo a todos os fundamentos anteriores, há que responder à questão submetida que o artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre veículos, quando é aplicado a um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados”.
Reafirmaria, assim tal Despacho o entendimento de a questão de saber se o art. 11º do CISV, na redação do art. 391º da Lei nº 75-B/2020 é, ou não compatível com as exigências do direito europeu é de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor do ISV cobrado aos veículos usados importados de outro Estados membros e o valor do imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais.
Essa doutrina seria confirmada por unanimidade nos acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA 080/23.0 BALSB,084/22.0BALSB e 069/23.0BALSB, todos de 26/6/2024.
O presente pedido de pronúncia arbitral não foi deduzido com base em qualquer desses fundamentos, pelo que a sua apreciação implicaria excesso de pronúncia, para além de a prova desse valor residual, nos termos do nº 1 do art. 74º da LGT, seria sempre do Requerente, que o deveria invocar. Por outro lado, este não deduziu o pedido de avaliação do nº 4 do art. 11º do CISV, que é uma condição necessária da impugnação com os fundamentos que o Requerente poderia ter invocado.
Ainda que a desvalorização da componente ambiental dos veículos usados obedeça a critérios distintos da desvalorização da componente ambiental e essa diferença não fosse justificada pela Requerida, tal diferença só se mostra relevante quando o veículos usados importados de outros Estados‑Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado‑Membro de importação( nesse sentido, além da jurisprudência citada, os acórdãos do TJUE nos procs. C-290/05 e C-333/05).
Termos em que se decide :
a) Rejeitar a declaração de ilegalidade e anulação parcial, no montante de € 1.654,15, do ato de liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) nº 2024/0047885, resultante da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículos n.º 2024/00942804 de 18/03/2024, da Alfândega de Braga, e consequentemente o pedido de juros indemnizatórios,
b)Condenar a Requerente no pagamento da totalidade das custas do processo.
10. VALOR DO PROCESSO.
Atendendo ao disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi do art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos rocessos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € € 1.654,15
11. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € € 306,00 a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos arts 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e art. 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de Outubro de 2024
O árbitro singular
(António Lima Guerreiro)