SUMÁRIO
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A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é, quer á luz do Direito Comunitário, quer à luz do direito nacional, um tributo qualificado como “imposto” e não como mera “contribuição”, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar matérias a ela respeitantes, nos termos do nº 1 do art. 2º do DL nº 10/2011, de 20/1,e do nº 1 do art. 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22/3.
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Os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação de CSR, ainda quando não possam apreciar a legalidade dos atos de repercussão daquele imposto.
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A identificação dos atos de liquidação de CSR contestados, cuja declaração de ilegalidade e anulação seja requerida pelo autor da ação , é condição da sua impugnação judicial
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Quando a Requerente não houver suportado o encargo da CSR por repercussão legal, carece de legitimidade processual para contestar a legalidade dos atos de liquidação daquele imposto.
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Cabe à Requerente demonstrar, pelos meios admissíveis em direito, a repercussão legal da liquidação impugnada.
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Da ausência dessa prova, resultam não apenas a ineptidão da petição al, mas também a impossibilidade da verificação da tempestividade do pedido de revisão oficiosa em que assenta o pedido de pronúncia arbitral.
DECISÃO ARBITRAL.
RELATÓRIO
1.Identificação das partes
1.1.Requerente
A..., LDA., NIPC ..., sociedade comercial que tem por objeto o exercício da atividade de transportes rodoviário de mercadorias, com sede na Rua Dr. ..., nº..., ..., ...-... ..., freguesia de ... e ..., concelho de Torres Vedras.
1.2 . Requerida
Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
2- Tramitação do processo.
2.1-O pedido de pronúncia arbitral (PPA) deu entrada a 30/4/2024, tendo sido nessa data encaminhado automaticamente para a Requerida.
2.2. A Nessa data , a Requerida seria notificada do pedido.
2.3 A 3/5/2024, a Requerida informaria , que analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário, identificação que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária (CAAD) . Tendo em conta, que a competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de ato(s) de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do nº 1 do art. 2º do RJAT e que, sem a identificação, por parte dos interessados, do ato tributário, cuja ilegalidade invoca, o dirigente máximo da AT não pode exercer a faculdade prevista no art. 13.º do RJAT. , solicitaria que fossem identificado(s) os atos de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista nessa norma do RJAT só ocorreria após a notificação da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.
2.4. – Nessa data, o presidente do CAAD remeteria a apreciação dessas questões para o Tribunal Arbitral a constituir .
2.5.- A 27/5/2024, , a Requerida designaria seus representantes processuais as juristas ... e ... .
2.6. A 17/6/2024, seria designado o árbitro do presente processo.
2.7. Despacho do presidente do Conselho Deontológico do CAAD de 5/7/2024 procederia à constituição do Tribunal Arbitral.
2.8. A 8/7/2024, o Tribunal Arbitral notificaria a Requerida, nos termos do art. 17º do RJAT , para apresentar Resposta e requerer prova adicional no prazo de 30 dias, e, dentro desse prazo, juntar o Processo Administrativo (PA).
2.9.A 24/7/2024, a Requerida juntou a Resposta.
3 . Pressupostos relativos ao tribunal e às Partes.
3.1-O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
3.2- As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas.
.4- Objeto do processo.
É impugnado o presumido indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido a 29/9/23 das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) respeitantes aos meses de setembro a dezembro de 2019 no montante de € 5.507,86 , acrescido juros indemnizatórios, que recaíram sobre a introdução no consumo de 48855,93 litros de gasóleo rodoviário adquiridos à B..., S.A., pessoa coletiva nº ..., com sede em C...–..., ... –... ..., e de 764,4 litros de gasóleo rodoviário adquiridos ao GRUPO D..., S.A., pessoa coletiva nº ..., com sede em ..., ..., Mealhada, ...-... ...,
5- Posição da Requerente
As mencionadas fornecedoras de combustíveis repercutiram à Requerente nas correspondentes faturas a CSR referente a cada um desses consumos liquidada pelos sujeitos passivos de CSR, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado integralmente este imposto.
Assim, a CSR entregue ao Estado pelos sujeitos passivos que introduziram o gasóleo no circuito económico foi única e exclusivamente suportado pela Requerente em última instância. Foi esta a contribuinte de facto da CSR.
Assim, com a aquisição do referido combustível em 2019, a Requerente suportou, a título de CSR, a quantia global de €5.507 As fornecedoras do gasóleo confirmaram que foi a Requerente a suportar a CSR.
Segundo a Requerente, a revisão dos atos tributários impugnados é um instrumento excecional que possibilita ao contribuinte que, uma vez detetado o erro na liquidação, a revisão do ato tributário em seu favor.
Assim o obrigam os princípios constitucionais da justiça, da igualdade e da legalidade, que a Administração Tributária tem de observar na globalidade da sua atividade.
A jurisprudência do STA tem sido unânime ao considerar que a revisão do ato tributário pode ser impulsionada pelo contribuinte com fundamento, em especial, na 2ª parte do nº 1 do art. 78º da LGT (erro imputável aos serviços na liquidação).
Assim, a administração fiscal está sujeita ao dever corrigir oficiosamente “(…) todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei”(Acórdãos nos procs. n.º 01019/14, de 8/3/2017 e, n.º 0140/13, de 29/05/2013). No mesmo sentido, veja-se o Acórdão no proc. n.º 0839/11, de 2/6.2013, nos termos do qual se refere que “(…) apesar de a revisão do ato tributário com fundamento em erro imputável aos serviços dever ser efetuada pela Administração por sua própria iniciativa, o contribuinte pode pedir que ela cumpra esse dever dentro dos limites temporais em que ela o pode exercer” .
Por outro lado, à luz da jurisprudência do TJUE , a menos que se identificasse uma contraprestação administrativa que presumivelmente beneficiasse o conjunto dos sujeitos passivos da CSR – ou, em alternativa, se verificasse uma motivação extrafiscal que, visando modelar o comportamento desses mesmos sujeitos passivos, justificasse a imposição deste tributo a título de contribuição especial, a mesma não poderia deixar de ser configurada como um imposto.
No caso, não se identifica qualquer contraprestação destinada – ainda que de forma indireta e presumida – aos sujeitos passivos da CSR que permita configurar este tributo como uma contribuição financeira, nem tão-pouco se verifica qualquer motivação extrafiscal que justifique a incidência da CSR.
Pelo contrário, verifica-se a ausência de qualquer contraprestação indireta e presumivelmente destinada aos contribuintes sobre quem recai o encargo da CSR – os repercutidos – que justifique a sua oneração com este tributo à luz do direito comunitário aplicável.
Recordam as Requerentes que as normas ao abrigo das quais foram praticados os atos tributários sub judice foram já declaradas ilegais em razão da sua desconformidade com o direito da União Europeia, no âmbito, entre outros, dos processos arbitrais n.os 564/2020-T, 304/2022-T e 305/2022- T , desconformidade anteriormente declarada pelo Acórdão do TJUE no proc. C-460/2021.
De acordo com este Acórdão , embora a afetação predeterminada do produto de um imposto ao financiamento do exercício, pelas autoridades de um Estado‑Membro, de competências que lhes foram atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico suficiente para justificar a compatibilidade da CSR com o nº 2 do art. 1º da Diretiva 2008/118 , essa afetação, quando resulte de uma simples modalidade de organização interna do orçamento de um Estado‑Membro, não pode, enquanto tal, constituir uma condição suficiente para aplicação dessa norma. Caso interpretação oposta fosse aceite, qualquer Estado‑Membro poderia, com toda a liberdade, decidir impor, independentemente dos objetivos, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas: qualquer finalidade prosseguida pelo legislador poderia ser considerada específica, na aceção do nº 2 do art. 1º. da Diretiva 2008/118, o que privaria o imposto especial de consumo harmonizado, instituído por esta Diretiva, de qualquer efeito útil, e violaria o princípio segundo o qual uma disposição derrogatória, como essa, deve ser objeto de interpretação estrita.
Por conseguinte, a existência de um motivo específico na aceção da referida disposição não poderia ser estabelecida pela simples afetação das receitas do imposto considerado ao financiamento de despesas gerais que incumbem à coletividade pública num dado setor. Se assim fosse, o alegado motivo específico não poderia ser distinguido de uma finalidade puramente orçamental.
Citando ainda essa jurisprudência, «[n]a falta desse mecanismo de afetação predeterminada das receitas, um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo apenas pode ser considerado que tem um motivo específico, na aceção do nº 2 do art. 1º- da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado, por exemplo, tributando significativamente os produtos considerados para desencorajar o seu consumo» .
Consequentemente, para que a afetação predeterminada da receita de um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo permita considerar que esse imposto tem um motivo específico na aceção do nº 2 do art. 1º da Diretiva 2008/118, sempre será necessário que o produto de tal imposição indireta fosse obrigatoriamente utilizado nos invocados fins específicos «de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa»
Enfim, o deferimento da pretensão das Requerentes não implicaria qualquer risco de duplicação do reembolso, já que a administração fiscal dispõe dos meios necessários, de acordo com a documentação em seu poder, para confirmar os seus pressupostos, reprimindo eventuais procedimentos fraudulentos.
Resulta, por outro lado, do artº 2.° do CIEC, aplicável à CSR por remissão do art 5.° da Lei n.° 55/2007, de 31/8, que os impostos especiais sobre o consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.
Assim, a Requerente tem legitimidade para apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral, dado ter sido quem efetivamente suportou o encargo do imposto em crise, por força desse art. 2º do CIEC.
Não subsistem quaisquer dúvidas de que aos repercutidos assiste o direito a obter a restituição do tributo ilegalmente liquidado e indevidamente suportado em violação do direito da União Europeia (UE) como já foi reconhecido pelo CAAD.
Segundo o nº 1 do art. 9º do CPPT, têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido, solução que, aliás, resultaria sempre do art. 65º da LGT.
Desenvolvendo essas normas, a parte final dessa alínea a) do n° 4 do art. 18º da LGT reconhece o direito de reclamar, recorrer, impugnar ou apresentar pedido de pronúncia arbitral, nos termos das leis tributárias, a quem, embora não sendo sujeito passivo do imposto, suporte por repercussão legal o encargo tributário.
Assim, para efeitos dessa norma, a repercussão suportada pela Requerente não pode deixar de ser considerada legal.
Com efeito, é o repercutido que sofre na sua esfera o impacto patrimonial negativo mediante esse fenómeno económico. É na sua esfera jurídica que a decisão relativa à ilegalidade do imposto suportado se torna eficaz.
Assim, existiria comprovadamente na esfera jurídica da Requerente um interesse juridicamente protegido que lhe conferiria legitimidade ativa, ainda que a título meramente residual, na apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral.
Com efeito, o art. 3º da Lei n.º 24-E/2022, de 30/12, o legislador introduziu no art. 2.º do CIEC uma referência expressa à imposição legal de repercussão dos impostos especiais de consumo, atribuindo, no art. 6.º da referida de Lei, natureza interpretativa a tal alteração legislativa.
Segundo a nova redação do CIEC, aplicável ao caso dos autos pela natureza interpretativa da norma , “Os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.
Tal corresponde ao reconhecimento pelo legislador tributário de que a repercussão sempre foi legal e até imposta pelo sistema jurídico no seu conjunto, (designadamente à luz do princípio da capacidade contributiva) nos impostos especiais de consumo, nos quais se insere a CSR, o que não poderá deixar de ser relevado para efeitos de aferição da legitimidade processual dos adquirentes de combustíveis fósseis.
Em todo o caso, a sua ocorrência é prática implementada no mercado e bem conhecida dos serviços da AT, tendo esta expressamente alegado perante o TJUE, no Caso Vapo Atlantic (Processo C-460/21), que «embora não exista um mecanismo formal de repercussão da CSR, a estrutura tributária específica deste imposto é demonstrativa da sua repercussão no preço de venda ao público, pelo que o reembolso dos montantes pagos a este título pelo sujeito passivo corresponderia a uma situação de enriquecimento sem causa» .
.Por outras palavras, é entendimento da AT que os sujeitos passivos da CSR não podem obter o reembolso de montantes suportados a esse título precisamente porque é prática uniforme e reiterada a sua repercussão na esfera jurídica dos adquirentes de combustível fóssil, como é o caso da Requerente.
Neste contexto, sendo indiscutível a repercussão efetiva do encargo tributário na esfera jurídica da Requerente, e tendo disso a AT perfeito conhecimento, necessariamente se conclui, nos termos dos referidos nºs 1 e 2 do art. 95º da LGT e nº 1 do art. 9º do CPPT, ter a Requerente legitimidade para propor a presente ação arbitral e, por conseguinte, para intervir no processo arbitral tributário, o que invoca para os devidos efeitos legais.
Não obstante, caso o considere necessário, solicita a Requerente ao Tribunal Arbitral , a coberto do princípio do inquisitório plasmado no nº 1 do art. 99.º, da LGT, que oficie às fornecedoras de combustíveis a, . B..., S.A e GRUPO D... C.A., com vista a confirmar que efetivamente transferiram o encargo com a CSR, , subjacente ao combustível transmitido à Requerente, para a esfera destas últimas.
Ademais, importa referir que a Lei n.º 5/2019, de 11 /1, veio introduzir o regime de cumprimento do dever de informação do comercializador de energia ao consumidor1, estipulando no seu art. 13.º que «[o] dever de informação dos comercializadores é cumprido através da afixação de informação em local visível nos respetivos estabelecimentos comerciais e da fatura detalhada, sem prejuízo da utilização cumulativa de outros meios informativos”.
Estando os comercializadores de combustíveis obrigados, nos termos do art. 13.º e do nº 1 do 15., da Lei n.º 5/2019, a disponibilizar informação quanto aos montantes repercutidos nos consumidores, e sendo a página web dos comercializadores obrigatoriamente comunicada à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, pede também ao Tribunal Arbitral que, caso entenda necessário, oficie tal entidade a disponibilizar toda a informação relevante de que dispõe – e que não seja já possível consultar online –, a qual inequivocamente atestará ter o encargo tributário em referência sido repercutido na esfera jurídica da Requerente.
Paralela e convergentemente, verificada a referida a obrigação de desaplicação das identificadas normas internas por desconformidade com o direito da União Europeia, impõe-se, igualmente, concluir pela existência de erro imputável aos serviços, designadamente para efeitos do disposto na segunda parte do n.º 1 do art 78.º da Lei Geral º Assim tem concluído, pacificamente, a jurisprudência nacional( acórdão do STA de 19/11/2000014, no proc. 0886/14:
6- Posição da Requerida.
Recorda a Requerida a AT estar vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 2/3, sendo o objeto desta vinculação definido pelo seu 2º que dispõe que “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.”
Daqui decorre que foi intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD no âmbito de pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, tais como as contribuições.
Ora, tratando-se de uma contribuição e não um imposto, as matérias sobre a CSR encontrar-se-iam, assim, excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.
Fora do âmbito do RJAT situar-se-iam também os atos de repercussão (Decisões Arbitrais nºs 296/2923-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T e 467/2923-T) e 460/2023-T), por não envolverem a apreciação da legalidade de qualquer liquidação, mas da mera transferência para um terceiro do encargo tributário suportado pelo sujeito passivo.
Sustenta ainda a Requerida que se verifica a incompetência do tribunal em razão da matéria, na medida em que a Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, teria vindo questionar o regime jurídico da CSR in totum (cfr. arts39.° e seguintes da Resposta), pretendendo discutir a sua conformidade jurídico-constitucional, o que extravasaria o âmbito da arbitragem tributária, e, em especial, o disposto no art.° 2º do RJAT, que não consente o escrutínio sobre a integridade(sic) de normas emanadas no exercício da função político legislativa do Estado.
Não existiu, por outro lado, qualquer erro de direito imputável aos serviços que permitisse a aplicação do prazo de 4 anos para a revisão oficiosa, previsto na 2a parte do n.° 1 do art.78.° da LGT, em vez do prazo normal de 90 dias da reclamação graciosa, previsto no nº 1 do art. 69º do CPPT e na 1º parte do nº 1 desse art. 78º, já que, ao efetuarem as liquidações impugnadas, os serviços aduaneiros agiram no exercício de poderes vinculados, sem qualquer margem de liberdade ou oportunidade .
Por outro lado, ainda segundo a Requerida:
1) A Requerente não é sujeito passivo de IEC nem de CSR, não se enquadrando na previsão do art 4.º do CIEC, e não detendo, por isso, qualquer estatuto fiscal específico dessa condição. Como tal, não poderia ter processado, nem processou, quaisquer DICs de produtos sujeitos a ISP, tal como se encontram previstos pelo art. 10º do CIEC, que originassem a liquidação desses impostos.
2) A Requerente não apresentou quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado das prestações a que o PPI se refere através do processamento dos respetivos documentos únicos de cobrança (DUCs).
3) Das bases de dados da AT (SIC-EX e STADA importação) onde são processados os movimentos declarativos da introdução no consumo de produtos sujeitos a IEC e da respetiva importação, não consta qualquer DAI apresentada pela Requerente.
4) A Requerente não identificou as liquidações de CSR que entende fundamentarem o pedido de revisão oficiosa.
5) Da apresentação das DICs, caso tivesse tido lugar, teriam certamente resultado atos tributários stricto sensu identificados no respetivo DUC processado pelos serviços aduaneiros, o que não aconteceu.
6) As faturas exibidas pela Requerente não refletem qualquer ato imputável à AT, quer tributário, quer administrativo em matéria tributária, mas apenas atos de autoliquidação do IVA.
7)Estão em causa , com efeito, documentos emitidos, não por quaisquer órgãos administração pública, mas pelos fornecedores ou prestadores de serviços ,em virtude da aquisição de bens, como o são os produtos petrolíferos como o gasóleo e a gasolina, ou serviço, aquisição, aliás, sujeita a IVA nos termos gerais.
8) Não existe qualquer coincidência ou sequência temporal nas datas de emissão das DICS e faturas, nem sequer esses documentos são emitidos obrigatoriamente pelo mesmo sujeito passivo.
9) Assim, considera a Requerida que o DL nº73/2010, em que se integra o CIEC, é lei especial, e como tal se sobrepõe à lei geral, pelo que a Requerente, não sendo sujeito passivo da CSR, não tem legitimidade para solicitar a devolução da CSR que alegadamente pagou aos seus fornecedores de combustíveis.
10) Nenhuma das fornecedoras da Requerente identificáveis (mas não identificadas) é sujeito passivo de ISP ou CSR, não se demonstrando, assim, que estas tenham sido responsáveis pela introdução dos produtos petrolíferos no consumo, nem, consequentemente, pelo pagamento da CSR correspondente Tais entidades são meros intermediários na cadeia comercial de abastecimento, não dispondo, por isso, da legitimidade procedimental reservada aos sujeitos passivos no art. 15º do CIEC.
7- Fundamentação
7.1- Factos Provados
7.1.1 A Requerente dedica-se à atividade de transporte rodoviário de mercadorias com o CAE 49.410.
7.1.2. Na sua atividade, consome, entre outros combustíveis, gasóleo rodoviário e gasolina.
7.1.3 No período entre setembro a dezembro de 2019 adquiriu 48855,93 litros de gasóleo rodoviário à B..., S.A., e de 764,4 litros de gasóleo rodoviário ao GRUPO D..., S.A.,
.
7.1.4. Essas transações constaram de 12 faturas numeradas emitidas pelas revendedoras, das quais constam nomeadamente o preço, as quantidades adquiridas, com discriminação de cada produto, a taxa de IVA aplicada ao preço, o valor unitário médio, sem IVA, e o valor líquido, igualmente sem IVA, dessas quantidades.
7.1.5. Tais faturas não fazem referência a qualquer débito da CSR, mas apenas ao preço pago pelos adquirentes.
7.1.6. Também não mencionam as datas em que esse combustíveis foram introduzidos no consumo e as liquidações de CSR geradas por essa introdução no consumo.
7.1.7. A Requerente a 29/9/2023 apresentou, nos termos do nº 1 do art. 78º da LGT, junto da diretora-geral da AT pedido de revisão oficiosa dessas liquidações e consequentes atos de repercussão, sobre os quais esse órgão não se pronunciou no prazo de quatro meses previsto no nº 1 do art. 57º da LGT.
7.2. Factos não Provados.
Com relevância para o conhecimento da causa, ficou por provar (dado o standard de prova estabelecido pelo TJUE no seu despacho de 7 de Fevereiro de 2022 [Proc. nº C-460/21], nomeadamente vedando presunções):
a)Quais os valores de CSR liquidados à fornecedora de combustíveis, com base nas DIC por ela apresentadas, e os valores de CSR por ela pagos ao Estado: nomeadamente, uma relação dos valores de CSR liquidado, o registo de liquidação de ISP e a data desse registo de liquidação, o NIF do operador (detentor do estatuto IEC de destinatário registado) e os valores discriminados de ISP e de CSR liquidados em cada transação, em cumprimento do estabelecido no nº 1 do art 11º da Lei nº 5/2019, de 11/11, e no art. 9º do Regulamento Relativo ao Regime de Cumprimento do Dever de Informação do Comercializador de Combustíveis Derivados do Petróleo e de GPL ao Consumidor, da Entidade Reguladora do Sector Elétrico, publicado no Diário da República, II Série, de 20/2/2020.
b)Que a CSR tenha sido repercutida integralmente pelas fornecedoras de combustíveis sobre a cadeia de transmissões onerosas a jusante delas, e especificamente sobre a Requerente.
c)Qual o grau de repercussão da CSR, caso não tenha havido repercussão integral.
c)Quais os efeitos económicos da repercussão da CSR, seja sobre as próprias fornecedoras de combustíveis, seja sobre a cadeia de transmissões onerosas a jusante delas – nomeadamente, a inexistência de prejuízos associados à diminuição do volume das vendas das fornecedoras de combustíveis, fosse qual fosse o grau da repercussão da CSR a jusante delas, e a inexistência de repercussão, em qualquer grau, a jusante da Requerente, na medida em que, sendo um elo apenas na cadeia produtiva, ela própria, como sociedade comercial com fins lucrativos, não é, manifestamente, consumidor final.
7.3 -Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto
O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no nº 2 do 123.º do CPPT e no nº 1 do 596.º, vem como no nº 3 do art. 607º, ambos do CPC, aplicáveis ex alíneas a) e e) do nº 1 do art. 29º do RJAT.
O Tribunal formou a sua íntima e prudente convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados na alínea e) do art. 16.º, do RJAT e nos nºs 4e 5 do art. 607.º do CPC, aplicáveis ex vi alínea e) do nº 1 do art. 9º do RJAT.
Com efeito, a Requerente não identificou, como já se referiu, quaisquer dos atos de liquidação que pretende impugnar, nem demonstrou ou procurou demonstrar através de qualquer meio documental a introdução no consumo dos bens
Tão pouco provou ou invocou quaisquer diligências para obter esses elementos, ou que, tendo sido solicitadas essas diligências, essas lhe tenham sido recusadas.
A Requerente não cumpriu finalmente o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido no processo n.º C 460/21. Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte:
“44- (…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).
45 Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir”.
Também não é exigível à AT que proceda à identificação desses atos com o argumento de a respetiva documentação estar em poder dela: esse ónus de identificação é do contribuinte, nos termos do artigo .74º, nº 2, da LGT, e a Requerente não demonstrou qualquer impossibilidade de obter esses elementos junto dos fornecedores.
Importa finalmente registar que a prova da repercussão pressupõe inevitavelmente como ponto de partida a demonstração de que a CSR foi inicialmente liquidada e paga pelo sujeito passivo daquele tributo aquando da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos – o que, conforme se viu supra, não foi demonstrado pela Requerente.
Não é condição de legitimidade para impugnar do sujeito passivo de ISP e de CSR que demonstre previamente não ter repercutido o imposto.
O que está em causa não é, no entanto, a legitimidade de qualquer operador económico sujeito passivo de ISP ou CSR que a Requerente não é, mas do repercutido, caso em que, no termos do nº nº 1 do art. 74º da LGT, é necessária a prova da repercussão.
Ora, este exercício de prova não foi realizado pela Requerente, que se limitou a estabelecer meros juízos presuntivos de que suportou a CSR em virtude de uma suposta obrigação legal de repercussão do encargo daquele tributo dos fornecedores.
Por fim, regista-se que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que, apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
8- Fundamentação de direito
8.1 Forma de processo
Dada a natureza da exceção dilatória colocada pela Requerida, revela-se necessário, qualificar previamente a CSR enquanto “contribuição” ou “imposto”, para daí extrair as necessárias consequências quanto à competência material deste Tribunal Arbitral, definida no nº 1 do art. 2º do RJAT.
Nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T , 520/2023-T , 675/2023- T, 863/2023- T , 294/2023- T, 101/2024-T e 164/2024-T a CSR foi qualificada como uma mera “contribuição”, o que excluiria a sua qualificação como imposto e consequentemente da competência do Tribunal Arbitral para o conhecimento dos litígios relacionados com a sua liquidação e cobrança .
Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022 T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e 410/2023-T, que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável, nos termos do nº 2 do art. 2º do RJAT. Por todos, cita se nesta sede o acórdão proferido em 24/10/2023, no processo n.º 644/2022-T, que registou a este respeito o seguinte:
“Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coativo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afetação à realização de fins públicos – que definem um imposto.
Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspetividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.
Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito ativo respetivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspetividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).
Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da atividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua conceção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).
Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…)
Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respetiva natureza.
Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a exceção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9/4, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.”
Converge este Tribunal Arbitral com a jurisprudência hoje largamente maioritária que qualifica a CSR como um imposto sobre o consumo de combustíveis e não como uma simples taxa ou contribuição financeira a favor da Infra-estruturas de Portugal, sem a natureza de imposto, por pretensa ausência da necessária unilateralidade.
Tal jurisprudência, para qualificar a CSR como imposto ou mera contribuição, não se bastou com a designação da figura na lei infraconstitucional que a criou, mas partiu da sua substância jurídica.
Com efeito, não interessa, para se aferir da competência do Tribunal Arbitral, apenas a designação legal ou infra-legal da espécie tributária em concreto, ao contrário do que sustenta a jurisprudência hoje claramente minoritária do CAAD, mas a sua essência: historicamente o legislador tem dado a designação de contribuições a espécies tributárias que a doutrina e jurisprudência maioritárias viriam a qualificar de impostos, como é o caso das contribuições da entidade patronal para a segurança social e da extinta contribuição autárquica, que, dada a sua unilateralidade, sempre foram havidas como impostos, não obstante a designação legal de contribuições.
Nessa medida, a criação das contribuições que, de acordo com os critérios constitucionais, definidos em especial nos arts. 103º e 104º da CRP, devam ser havidas como impostos, como é o caso das contribuições especiais, está sujeita ao princípio da legalidade tributária, incluindo a reserva de lei formal na criação de impostos. A unidade da ordem jurídica impõe que critério idêntico seja seguido na definição da competência material dos tribunais arbitrais.
O facto de, porventura, a CSR não ser uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do art. 4.º da LGT, por não assentar «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade» não implica necessariamente , assim, que não seja um dos «impostos» a que alude o art. 2.º da Portaria n.º 112-/2011.. como pretende a jurisprudência minoritária no CAAD. Essa qualificação não resulta do não preenchimento dos pressupostos da definição do n.º 3 do art. 4.º da LGT, mas da ausência de caráter sinalagmático .
Tal qualificação como imposto, e não como mera contribuição financeira, resulta, não apenas do direito nacional, como do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no nº 3 do art. 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do efeito direto da norma do nº 2 do artigo 1º da Diretiva nº 118/2008/CE, que pode ser invocado pelos particulares junto dos tribunais nacionais, como foi o caso da pretensão que originou o Despacho no proc. nº C/ 460/2021, ou junto da própria Administração dos Estados membros, nos termos definidos pela respetiva lei interna..
Caso a CSR não fosse um imposto, não estaria incluída na proibição contida nessa norma de Direito Comunitário, já que a colocaria fora do âmbito de aplicação do nº 1 do art. 4º da Diretiva nº 118/2008/CE, como interpretado no Acórdão do TJUE no proc. C- 460/21. A sua criação seria permitida, salvo outros constrangimentos, pelo Direito Comunitário.
Considera assim o Tribunal Arbitral que a referência a impostos contida na Portaria de Vinculação abrange todas as prestações tributárias com essa natureza, ainda quando a lei infra- constitucional as designe – menos rigorosamente - de contribuições.
A competência dos tribunais arbitrais, por outro lado, como resulta do nº1 do art. º 2º do RJAT, apenas abrange a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; bem como a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não deêm origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais, com exclusão, assim, dos atos de repercussão.
O ato impugnado não é, no entanto, qualquer ato de repercussão, mas um conjunto de liquidações de CSR, pretendendo a Requerente ter legitimidade para as impugnar no âmbito da jurisdição arbitral.
Improcede, assim, a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral.
Esta posição não contraria a expressa nos Acórdãos do TC nos processos nºs 545/19 (contribuição especial sobre o setor farmacêutico) e 524/2024 (CSR), que não julgaram inconstitucional a norma contida no art. 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3, interpretada no sentido de estarem sujeitos a arbitragem tributária somente, os tributos qualificados como impostos em sentido estrito, excluindo do âmbito da arbitragem os demais tributos referidos no art. 2.º do RJAT e enunciados no nº 2 do art. 3º da LGT, rejeitando, assim, que essa interpretação da norma configurasse qualquer violação ilegítima do princípio da igualdade.
Tais acórdãos limitam-se a afirmar a compatibilidade com a CRP de uma dada interpretação do art 2º da Portaria n.º 112-A/2011, aquela que se oporia à arbitrabilidade das contribuições sem a natureza de impostos, mas não afirmam que essa interpretação do art. 2º seja a única possível, ou uma consequência necessária da norma, o que caberia sempre ao Tribunal Arbitral verificar.
O TC não se pronunciou, assim, direta ou indiretamente, sobre a validade, à luz dos critérios gerais de interpretação das leis, sobre a concreta interpretação da lei adotada, por exemplo, nas Decisões Arbitrais n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T, 520/2023-T, 675/2023-T, 863/2023-T, 294/2023-T, 101/2024-T e 164/2024-T. Limitou-se a afirmar a constitucionalidade dessa interpretação- não a sua legalidade, sobre a qual nada disse..
8.2. Ineptidão da petição inicial e legitimidade das partes
A Requerida coloca a questão prévia da identificação no PPI dos atos impugnados, que obrigatoriamente teria de ter lugar através do nº, autoria, data e quantitativo das liquidações.
O PPI é, no entanto, omisso sobre esses elementos essenciais, não sendo de aceitar o argumento de dever ser a administração fiscal ou o tribunal a suprir, oficiosamente ou a pedido da Requerente, essas insuficiências.
Ao contrário, o legislador cuidou de garantir ao consumidor dos combustíveis a prova, com eficácia externa,não só do IVA suportado, nos termos da alínea a) do nº 5 do art. 16º do CIVA, mas também da CSR, bem como, aliás, do ISP, podendo e devendo o consumidor obter-se prova do pagamento desses outros tributos junto do vendedor, com a consequente discriminação do nº, autoria , data e quantitativo das liquidações.
.Na verdade, o nº 1 do art 11º da Lei nº 5/2019, de 11/11, obriga os operadores económicos que procedam à comercialização dos combustíveis à discriminação, nas faturas dos impostos devidos, não apenas do IVA, como do ISP e da CSR, que integram o valor tributável em IVA, aliás, condição para que esses impostos serem deduzidos e a administração fiscal poder controlar os pressupostos dessa dedução.
Essa obrigação consta do art. 9º do Regulamento Relativo ao Regime de Cumprimento do Dever de Informação do Comercializador de Combustíveis Derivados do Petróleo e de GPL ao Consumidor, da Entidade Reguladora do Sector Elétrico , publicado no Diário da República, II Série, de 20/2/2020 nos seguintes termos..
Segundo o nº1 desse art. 9º:
“1 - Os comercializadores devem informar os seus clientes da desagregação dos valores faturados, evidenciando, nomeadamente:
a) A discriminação do combustível, para as gasolinas, gasóleos e GPL Auto, de acordo com a nomenclatura legal aplicável, designadamente a NP EN 16942:2017 - Combustíveis.;
b) O preço unitário expresso em EUR/litro no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto, e em EUR/garrafa no caso do GPL engarrafado;
c) A quantidade fornecida, expressa em litros no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto e em número de garrafas no caso do GPL engarrafado;
d) As taxas e os impostos devidos, expressos em EUR/litro no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto, e em EUR/garrafa no caso do GPL engarrafado;
e) O valor de descontos aplicáveis;
f) A quantidade e o sobrecusto da incorporação de biocombustíveis, expressos em percentagem e em EUR/litro, respetivamente.
Segundo o subsequente nº 2, para efeitos da alínea d) do nº anterior, devem ser identificados, relativamente ao total da fatura:
“a) O Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), que inclui, designadamente, o adicional ao ISP, o adicionamento sobre as emissões de CO2 (Taxa de Carbono) e a contribuição de serviço rodoviário (CSR);
b) O Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA);
c) Outros que se venham a aplicar”.
Cabia à Requerente exigir e obter junto da fornecedora a incorporação nas faturas dos elementos relativos à CSR, de que depende a identificação das liquidações controvertidas e recusar o pagamento dos montantes exigidos, caso as faturas não fossem devidamente corrigidas, o quer não provou ter feito.
Na verdade, tal faturação, apesar de legalmente poder ser exigida aos fornecedores pela Requerente, não foi por esta exibida, nem a Requerente apresentou qualquer razão válida para o não fazer.
A própria Requerente admite a titularidade de um direito â informação sobre as várias componentes das faturas, que inclui os montantes incorporados de ISP e CSR, que, pelos vistos, não exerceu.
O princípio do inquisitório, serve para o órgão que dirige o procedimento esclarecer dúvidas sobre os factos invocados pelas partes mas não derroga o ónus de prova do nº 1 do art. 74º da LGT, bem como os vários ónus de prova especificamente consagrados nas leis tributárias
Ainda que se considerasse apta a PI , a Requerente não provou ser parte legítima .para deduzir o presente pedido de pronúncia arbitral, o que pressuporia a demonstração de que a CSR lhe foi efetivamente repercutida.
A jurisprudência tem-se pronunciado genericamente no sentido da legitimidade do repercutido para impugnar as liquidações efetuadas ao repercutente que, como se referiu, cabe ao repercutido identificar (Decisões Arbitrais nºs 248/2023- T294/2023-T, 299 /2023- T, 332 /2023- T, 374 /2023- T, 379 /2023- T, 409 /2023- T, 410 /2023- T, 467/2023- T,490/2023-T, 496/2023-T , 534/2023-T e 676/023-T.)
Tal legitimidade, no entanto, não existe quando a repercussão se mostre meramente económica ou de facto, por falta de fundamento legal, nomeadamente um direito potestativo de fonte normativa à dedução do imposto( Decisões Arbitrais nº s 24/2023-T, 75/2023- T, 113/2023-T, 523/2023- T, 375/2023- T, 477/2023- T 644/2023-T e 702/2023-T, 7/2024-T, 33/2024-T e 121/2024-T).
De acordo com o art. 15º do CIEC, norma especial de legitimidade procedimental:
“1 - Constituem fundamento para o reembolso do imposto pago, desde que devidamente comprovados, o erro na liquidação, a expedição ou exportação dos produtos sujeitos a imposto, bem como a retirada dos mesmos do mercado, nos termos e nas condições previstas no presente Código.
2 - Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.
3 - O pedido de reembolso deve ser apresentado na estância aduaneira competente no prazo de três anos a contar da data da liquidação do imposto, sem prejuízo do disposto na alínea a) do artigo 17.º e na alínea a) do artigo 18.º
4 - O reembolso só pode ser efetuado desde que o montante a reembolsar seja igual ou superior a (euro) 25”
Segundo a alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT, norma atributiva de legitimidade de caráter meramente residual, não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo, no entanto, do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias.
Repercussão legal não é para esse efeito toda a repercussão prevista ou autorizada, mas apenas a repercussão não só apenas prevista ou autorizada mas também efetiva,
Apenas no caso em que o repercutido demonstra estarem reunidos os pressupostos de aplicação da norma residual atributiva de legitimidade da alínea a) do nº 4 do art 18º da LGT, em especial a prova de o imposto lhe ter sido efetivamente repercutido, pode discutir a legalidade da liquidação efetuada ao repercutente.
Tal princípio de legitimidade procedimental do repercutido tem fundamento no nº 1 do art. 20º da CRP, que garante aos cidadãos o acesso a uma justiça fiscal plena, eficaz e efetiva e encerra, entre outras consequências, o direito de reclamação, impugnação ou recurso não apenas dos atos formalmente administrativos, mas de todos os atos lesivos, independentemente da forma.
Assim, o fato de os repercutidos não integrarem o universo definido no art. 15º do CIEC, não prejudica abstratamente o seu acesso aos tribunais estaduais, comuns ou arbitrais para impugnarem a liquidação.
No entanto, apenas na repercussão legal, no sentido de prevista ou autorizada mas também efetiva, tal direito vem legalmente garantido ao repercutido: o fato de este não ter acesso â jurisdição arbitral por não integrar o universo definido no art. 15º do CIEC, não é incompatível com a sua legitimidade para reclamar ou impugnar, a qual a alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT reconheceria em termos alargados.
No direito interno, o dever de repercussão legal é imposto no nº 1 do art. 37º do Código do IVA, que, estabelece que, sem prejuízo das exceções previstas no nº3 da norma (operações referidas na alínea f) do nº 3 do art. 3º e nas alíneas a) e b) do nº 2 do art. 4º), a repercussão é obrigatória.
Assim, o cliente do sujeito passivo do IVA para o qual o IVA tenha sido repercutido ao abrigo dessa norma está sujeito ao pagamento do imposto que, ao abrigo do direito potestativo conferido por esse nº 1 do art. 37º , o vendedor dos bens ou prestador de serviços lhe tiver exigido nos termos da lei.
Só assim se justifica esse IVA, bem como o ISP e a CSR que integram o valor tributável para efeitos dessa imposição, serem dedutíveis, no termos da alínea a) do nº 1 do art. 19º do CIVA (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/7/2018, proc. 10290/13.3 YIPRT 12.1).
Também as alíneas e), f) e g) do nº 1 do art. 3º do Código do Imposto de Selo estabelecem o encargo do imposto de selo nas operações financeiras recaír sobre o cliente das instituições financeiras, ao qual estas podem legalmente exigir o encargo do imposto.
No que concerne aos combustíveis, como se referiu, é obrigatória a discriminação nas faturas do ISP ou CSR repercutidos, nos termos dos referidos nº 1 do art.11º da Lei nº 5/2019, e alínea a) do nº 2 do art. 9º do Regulamento Relativo ao Regime de Cumprimento do Dever de Informação do Comercializador de Combustíveis Derivados do Petróleo e de GPL, sendo essa não discriminação, em princípio, salvo em caso de reincidência em que a pena é mais grave, uma contra-ordenação leve, punível nos termos do art. 17º e 19º dessa Lei.
Não basta, assim. para demonstrar essa repercussão, uma mera declaração de carácter geral do vendedor de que o imposto suportado na aquisição dos bens foi repercutido ao comprador, que, aliás, a Requerente não apresentou, pretendendo que seja o Tribunal Arbitral a determinar a emissão dessa declaração ao vendedor, terceiro no presente processo, não sujeito , em princípio, a qualquer dever de colaboração com tribunais não estaduais.
Por outro lado ,essa repercussão está sujeita a um regime de prova legal, sendo necessária a menção específica na fatura ao imposto repercutido, IVA, ISP ou CSR. (nesse sentido, a propósito de um caso paralelo, a Decisão Arbitral nº 375/2023- T).
Também, sendo a repercussão voluntária, tal como o repercutido carece de legitimidade processual ativa, a AT também carece de legitimidade processual passiva.
Ao contrário, é presumida a legitimidade do sujeito passivo de ISP ou CSR que procede à introdução dos bens no consumo, como admite a jurisprudência do CAAD, sendo da administração fiscal, nos termos do nº 1 do art. 74º da LGT, o ónus de prova da inexistência do interesse em agir que prejudica tal legitimidade. Tal presunção não se aplica, no entanto, aos não sujeitos passivos que procedem à comercialização dos combustíveis.
Esse enquadramento não seria posto em causa pela nova redação do art. 2º do CIEC do art. 3º da Lei nº 24-E/2022, de 30 /12, invocada pela Requerente
De acordo com a redação anterior, os impostos especiais de consumo obedeciam ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, sem qualquer menção explícita à possibilidade de repercussão
A nova redação passaria a dispor os impostos especiais de consumo obedecerem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.
O legislador limitou-se, assim, a dispor que a oneração dos contribuintes pelos custos que provocam se efetua , em princípio. através do mecanismo de repercussão, com respeito pelo princípio da igualdade tributária.
Não basta, no entanto, para a aplicação do nº 6 do art. 18º da LGT a repercussão estar prevista. Falta demonstrar que ela se efetuou, o que a Requerente não fez, prova essa que lhe competia (Decisões Arbitrais nºs 914/2023-T, 50/2024-T, 73/2024-T, 96/2024-T, 101/2024-T, 118/2024-T,151/2024-T, 186/2024-T, 294/2024-T e 351/2024-T).
Assim, da ineptidão da PI resulta também a impossibilidade da verificação da tempestividade do pedido de revisão oficiosa em que assenta o pedido de pronúncia arbitral, bem como a inexigibilidade de juros indemnizatórios.
Na ausência dos pressupostos da impugnação judicial, a Requerente apenas podia socorrer-se dos meios comuns.
Não cabe, no entanto, à jurisdição arbitral pronunciar-se sobre os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual do Estado(Lei nº 67 /2012, de 31/12), ou do eventual enriquecimento sem causa dos fornecedores da Requerente, eventualmente admissível nos termos da doutrina do Acórdão do TJUE proc. C-94/10).
Como refere a Decisão Arbitral nº 438/2023- T, é aos tribunais civis que cabe decidir sobre essa responsabilidade.
Saber se houve, ou não, erro imputável aos serviços na liquidação, ou seja, se erro imputável aos serviços é o erro do legislador ou pressupõe uma errada aplicação da lei pelos serviços, é uma questão que, pelo que se referiu, não tem interesse para conhecimento da causa-
Termos em que se decide :
a) Manter as liquidações de CSR impugnadas de setembro a dezembro de 2019 no montante de € 5.507,86.
b)Condenar a Requerente no pagamento da totalidade das custas do processo.
10. VALOR DO PROCESSO.
Atendendo ao disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi do art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € € 5.507,86
11. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € € 612,00 a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos arts 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e art. 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de Outubro de 2024
O árbitro singular
(António Lima Guerreiro)