Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 535/2024-T
Data da decisão: 2024-10-27  ISV  
Valor do pedido: € 2.235,88
Tema: ISV — Determinação da matéria coletável em sede de Imposto Sobre Veículos (ISV) — Revogação (rectius, anulação administrativa) do ato tributário — Inutilidade supervenien­te da lide.
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DECISÃO ARBITRAL

 

— I —

           

            A...– Unipessoal, Lda., contribuinte fiscal n.º ..., (dora­van­te “a requerente”), com sede na Rua ..., n.º ... – ..., Almada, veio dedu­zir pedi­do de pronúncia arbitral tributária contra a AUTO­RI­DADE TRIBUTÁRIA E ADUA­NEI­­RA (doravante “a AT” ou “a requerida”), peticionando a declaração da ilegalidade do ato de liquidação de Imposto Sobre Veículos (ISV) constante da Declaração de Aduaneira de Veí­culo (DAV) n.º 2023/..., relativa à admissão de uma viatura da marca Mercedes-Benz.

Para tanto alegou, em síntese, que em 06-06-2023 apresentou na Alfândega do Freixieiro a DAV em referência que resultou na liquidação de ISV no montante total de EUR 2.981,18, que colocou a pagamento; que manifestou juntou da AT o seu desagrado com o referido ato de liquidação através de comunicações remetidas através do e-balcão em 18-09-2023 e 09-10-2023; que a AT convolou essas comunicações em pedido de revisão oficiosa que veio a tramitar sob o n.º ...2023..., que veio a ser considerado improcedente; que, conforme resulta de diversos arestos do TJUE, para efeitos de determinação das taxas ISV devidas o facto gerador do imposto deve ter em consideração a data da primeira  matrícula da viatura; que, assim sendo, a liquidação impugnada é parcialmente ilegal, devendo ser anulada.

Concluiu peticionando a anulação parcial da liquidação de ISV impugnada e do despacho que negou provimento ao pedido de revisão oficiosa e, bem assim, a condenação da requerida na restituição dos montantes por si indevidamente pagos ao abrigo de tal ato tributário.

Juntou documentos e declarou não pretender proceder à designação de árbitro. Atri­buiu à causa o valor de EUR 2.235,88 e procedeu ao pagamento da taxa de arbitragem inicial.

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            Constituído o Tribunal Arbitral Singular, nos termos legais e regulamentares aplicá­veis, foi determinada a notificação da administração tributária requerida, na pessoa do seu dirigente máximo, para os efeitos previstos no art. 17.º do RJAT.

            Devidamente notificada, a requerida não veio apresentar resposta.

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            Por correio eletrónico de 06-09-2024 a requerida veio dar conhecimento aos autos da prolação, em 04-09-2024, de um despacho do Subdiretor-Geral da AT a determinar a revo­ga­ção parcial do ato impugnado na presente arbitragem.

            Notificada para se pronunciar, veio a requerente declarar manter o interesse na prosse­cu­ção da causa.

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            Dispensada a realização da reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, o Tribunal Arbitral relegou para a decisão final o conhecimento da eventual inutilidade superveniente da lide e ordenou a notificação das partes para, querendo, produzirem alegações escritas quanto à matéria de facto e de direito. Apenas a requerida apresentou alegações, nas quais veio sustentar a inutilidade superveniente da presente lide, tendo a requerente prescindido da sua apresentação.

 

— II —

As partes gozam de personalidade judiciária e capacidade judiciária, têm legitimidade ad causam e estão devidamente patrocinadas nos autos.

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            Nos termos do art. 97.º-A do CPPT, o valor atendível, para efeitos de custas, quando se impugne um ato de liquidação será o da importância cuja anulação se pretende. Tendo isso presente, a requerente atribuiu à presente arbitragem o valor de EUR 2.235,88, sem impugnação por parte da requerida. Não se vislumbrando qualquer motivo para divergir da posição consensual das partes, há que aceitar o montante em que elas acordaram tacitamente.

            Fixo assim à presente arbitragem o valor de EUR 2.235,88.

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Fixado que está o valor da causa e uma vez que a requerente optou por não proceder à designação de árbitro, dispõe o presente Tribunal Arbitral Singular de competência funcional e de competência em razão do valor para conhecer da presente arbitragem (art. 5.º, n.º 2, do RJAT).

É o presente Tribunal igualmente competente em razão da matéria por força do art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e da vinculação à arbitragem tributária institucionalizada do CAAD por parte da administração tributária requerida, tal como resulta da cit. Portaria n.º 112-A/2011.

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            De ofício, o Tribunal Arbitral suscitou a questão da inutilidade superveniente do prosseguimento da presente lide, na medida em que, já na pendência desta arbitragem, veio o Subdiretor-Geral da AT proferir despacho de revogação (rectius, anulação administrativa) parcial do ato de liquidação impugnado.

Notificada para se pronunciar acerca desta questão obstativa do conhecimento do obje­to da causa, a requerente veio, num primeiro momento, declarar manter interesse no prosse­gui­mento da arbitragem e, posteriormente, concordar com a inutilidade. Nas suas alegações, a requerida sustentou a extinção da instância por inutilidade superve­nien­te da lide.

Importa assim conhecer da referida questão.

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Antes de mais, para efeito de conhecimento da presente questão prévia considero sumária e indiciariamente provados os seguintes factos:

a) Em 31-05-2023 a requerente declarou junto da Alfândega do Freixieiro a introdução no consumo em Portugal do veículo ligeiro de passageiros usado de marca Mercedes-Benz, proveniente da Alemanha e que neste país obtivera em 15-11-2019 a primeira matrícula.

b) Em 31-05-2024 a Alfândega do Freixieiro emitiu a Liquidação de ISV n.º 2023/... relativa ao facto tributário referido em a), da qual resultava um montante de imposto a pagar no valor total de EUR 2.981,98 apurado nos seguintes termos:

 

c) Em 06-06-2024 a Alfândega do Freixieiro emitiu, com referência ao veículo identificado em a), a DAV n.º 2023/... .

d) Em 04-09-2024, no âmbito do procedimento tributário que correu termos sob o n.º ...2024..., o funcionário tributário B... elaborou a Informação n.º .../2024, na qual propôs superiormente:

 

e) Em 04-09-2024 o Subdiretor-Geral da AT proferiu sobre a informação referida em c) um despacho do seguinte teor: “Concordo, pelo que procedo à revogação parcial do ato de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos e com os fundamentos expostos. Proceda-se como proposto.”

f) Em 14-10-2024 a Alfândega do Freixieiro emitiu a Liquidação de ISV n.º 2024/... relativa ao facto tributário referido em a), da qual resultava um montante de imposto a pagar no valor total de EUR 745,29 apurado nos seguintes termos:

 

g) Em 14-10-2024 a Alfândega do Freixieiro emitiu, com referência ao veículo identificado em a), uma versão revista da DAV n.º 2023/... .

h) Em 19-10-2024 a AT emitiu, no confronto da requerente, a Nota de Reembolso n.º 2024-...no montante de EUR 2.225,06.

 

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Com relevância para o conhecimento da presente questão prévia inexistem quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou do conhecimento oficioso do Tribunal, que se devam considerar como não provados.

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Na decisão da matéria de facto relevante para a decisão desta questão prévia o Tribunal teve em consideração a prova documental constante dos autos, em especial o teor do documento n.º 1 junto com a p.i., dos documentos juntos pela requerida com o seu requeri­men­to de 09-09-2024 e com as suas alegações finais e o documento junto pela requerente em 24-10-2024.

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A factualidade dada como provada torna evidente que a revogação (rectius, anulação administrativa) parcial do ato de liquidação impugnado na presente arbitragem e subsequente prolação de um novo ato de liquidação referente ao mesmo facto tributário, fez cessar o efeito lesivo que a requerente invocava verificar-se na sua esfera jurídica.

Como se deixou dito no Ac. STA 30-07-2014 (Proc.º 0875/14), “[a] inutilidade super­ve­niente da lide (que constitui causa de extinção da instância — al. e) do art. 277.º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.”

Em boa verdade, portanto, a requerente obteve, por via administrativa, a anulação do quantitativo de imposto que pretendia ver judicialmente anulado por intermédio da presente arbitragem, constatação que permite assim concluir pela verificação de uma situação de inutilidade no prossegui­mento da presente instância arbitral, como se decidirá a final.

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            De um modo geral, a extinção da instância determinada por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide é imputável, para efeitos de responsabilidade pelas custas processuais, ao autor ou demandante (assim, art. 536.º, n.º 3, do CPC). Porém, logo neste preceito legal se ressalva a responsabilidade do demandando quando a inutilidade ou impossibilidade superveniente lhe sejam imputáveis, considerando-se como tal, entre outros casos, a inutilidade superveniente que decorra da satisfação voluntária, por parte do demandando, da pretensão do demandante (cfr. n.º 4).

É o que sucede no caso da presente arbitragem. A inutilidade superveniente da lide é consequência direta e imediata do despacho de revogação parcial (rectius, anulação administrativa parcial) proferido em 04-09-2024 e do consequente ato de liquidação proferido em 14-10-2024, os quais, dando no essencial satisfação à pretensão anulatória da requerente, eliminaram os efeitos jurídicos lesivos e ablativos que resultavam do ato tributário impugnado nestes autos.         

Há então que concluir que, para efeitos da responsabilidade pelas custas deste proces­so, a inutilidade superveniente da lide é imputável à requerida. Tendo sido esta a dar causa à ex­tin­ção da presente instância arbitral, será ela a responsável pelas custas da arbitragem — art. 12.º, n.º 2, do RJAT e arts. 4.º, n.º 5, e 6.º, al. a), do Regulamento de Custas da Arbitra­gem Tributária do CAAD.

Desse modo, tendo em conta o valor atribuído ao processo em sede de saneamento, por aplicação da l. 2 da Tabela I ane­xa ao mencionado Regulamento — e atendendo a que não se encontra prevista qualquer redução da taxa de arbitragem quando o processo não conclua com decisão de mérito —, há que fixar a taxa de arbitragem do presente processo em EUR 612,00, em cujo pagamento se condenará a final a requerida.

 

— III—

            Assim, pelos fundamentos expostos, na verificação da inutilidade superveniente na prossecução da presente arbitragem declaro extinta a instância arbitral e, em consequência, condeno a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do presente processo, cuja taxa de arbitragem fixo em EUR 612,00.

 

Notifiquem-se as partes.

 

CAAD, 27/10/2024

O Árbitro,

 

 

(Gustavo Gramaxo Rozeira)