Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 147/2014-T
Data da decisão: 2014-10-09  IRC  
Valor do pedido: € 511.786,86
Tema: IRC – Incentivo fiscal; Incompetência em razão da matéria.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 147/2014 – T

Tema: IRC – Incentivo fiscal; Incompetência em razão da matéria.

 

 

Os árbitros Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Paulo Ferreira Alves e Guilherme d’Oliveira Martins (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 30 de abril de 2014, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 1. No dia 18 de fevereiro de 2014 a sociedade “A” (Portugal), S.A., NIP …, com sede na Rua …, Zona Industrial da …, em …, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 20.02.2014 e automaticamente notificado à AT em 21.02.2014.

3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação do correspondente encargo no prazo aplicável.

4. Em 11.04.2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.ºe 7.º do Código Deontológico.

5. Assim, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 30.04.2014.

6. No dia 10.07.2014 teve lugar a primeira reunião do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT, tendo sido lavrada ata da mesma, que igualmente se encontra junta aos autos.

7. Iniciada a reunião, o Senhor Árbitro-Presidente deu a palavra aos Representantes da Requerente e da Requerida. No uso da palavra, a Requerente solicitou a junção aos autos da resposta às exceções, a qual foi aceite.

8. De seguida, o Tribunal notificou os representantes da Requerente e da Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias.

9. No presente processo arbitral, pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral ordene a revisão das liquidações de IRC relativas aos exercícios de 2008, 2009 e 2010 e, consequentemente, a AT proceda ao reembolso do montante de € 511.786,86 referente ao IRC pago nos exercícios de 2009 (€ 183.687,85) e de 2010 (€ 328.099,01).

 

I.A. A Requerente sustenta o seu primeiro pedido, em síntese, nos seguintes termos:

1. A Requerente apresentou, no dia 26.07.2013, junto da Direção de Serviços do IRC, um pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC dos exercícios de 2008, 2009 e 2010, nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), não tendo obtido, até à data de apresentação do pedido de pronúncia arbitral, qualquer resposta.

2. De acordo com disposto no artigo 57.º, números 1 a 5, da LGT, o decurso do prazo de 4 meses faz presumir o indeferimento tácito do pedido. Esse prazo foi ultrapassado no dia 26.11.2013.

3. Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, pode ser apresentado pedido de pronúncia arbitral no prazo de 90 dias contados a partir dos factos previstos no artigo 102.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), nos quais se inclui a formação da presunção de indeferimento tácito.

4. A Requerente candidatou-se ao Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), previsto na Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto, relativamente aos exercícios de 2008, 2009 e 2010.

5. O SIFIDE é um benefício fiscal ao investimento em investigação e desenvolvimento que permite uma dedução à coleta do valor elegível, sem limite. Em caso de insuficiência da coleta no exercício a que diga respeito o investimento, o crédito pode ser reportado por um período de 6 anos.

6. As candidaturas ao SIFIDE foram apresentadas junto da Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D Empresarial (Comissão Certificadora), entidade competente para esse efeito, tendo sido objeto de aprovação os seguintes créditos fiscais:

- 2008: € 322.274,31 (aprovado em 04.05.2012);

- 2009: € 531.104,00 (aprovado em 07.09.2012);

- 2010: € 48.874,76 (aprovado em 06.05.2013).

7. Por entender ser esse o meio mais adequado para obter o reembolso do SIFIDE aprovado para o exercício de 2008, a Requerente submeteu declarações de substituição relativas aos exercícios de 2008, 2009 e 2010 no dia 05.09.2012, com recurso à figura do facto superveniente prevista no artigo 122.º, n.º 3, do Código do IRC. As declarações de substituição relativas aos exercícios de 2009 e 2010 foram consequência da insuficiência de coleta no exercício de 2008, não contemplando ainda, por ainda não terem sido aprovadas à data, os benefícios que viriam a ser aprovados para esses períodos.

8. Através do Ofício n.º …, de 21.06.2013, a AT indeferiu o pedido formulado através da declaração de substituição para 2008, alegando que a declaração de substituição relativa ao período de 2008 não pode ser liquidada porque a candidatura relativa ao SIFIDE de 2008 não foi apresentada até ao prazo legal para submissão da declaração modelo 22 de 2008. Relativamente a 2009 e 2010, a Requerente não foi notificada de qualquer resposta da AT.

9. A Requerente apresentou então um pedido de revisão oficiosa, no dia 26.07.2013, solicitando o reembolso do benefício correspondente à dedução do SIFIDE relativamente os exercícios de 2008, 2009 e 2010.

10. A Requerente entende que não foi incumprido qualquer prazo para a apresentação da candidatura ao SIFIDE porque a lei não previa qualquer prazo para o efeito (o que apenas sucedeu com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2012, que introduziu a data limite de 31.07.2012 para apresentação das candidaturas referentes a exercícios anteriores.

11. Considera ainda a Requerente que, não tendo sido incumprido qualquer prazo legal, negar o reembolso do SIFIDE poria em causa a competência delegada à Comissão Certificadora pelo Despacho n.º …/2012, do Ministério da Economia e do Emprego.

 

I.B Na sua Resposta, a AT invocou o seguinte:

 

1. Relativamente ao fundamento para a não liquidação das declarações de substituição, a AT vem acrescentar que considerou não estarem verificados os pressupostos estabelecidos no n.º 3 do artigo 122.º do CIRC designadamente porque “para este efeito, consideram-se supervenientes aquelas decisões ou sentenças que não foram passíveis de invocar no prazo previsto no citado n.º 2 do artigo 122.º do Código do IRC, única e exclusivamente, por responsabilidade das respetivas entidades emitentes.”

 

2. Após aquele esclarecimento inicial, a AT vem defender-se por exceção e por impugnação. Por exceção, a AT invoca a incompetência material do tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 493.º, n.ºs 1 e 2 e 494.º, alínea a) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, fundamentando-se no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03.

 

3. Em concreto, a AT alega que, nos termos previstos no artigo 2.º, alínea a), da Portaria 112-A/2011, a vinculação da AT à jurisdição referida tem por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, «com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário». Assim, em seu entender, na situação sub judice, sempre se impunha a precedência obrigatória de reclamação graciosa nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.

 

4. Ou seja, no entender da Requerida, a AT apenas se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais, nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, nos casos em que o pedido de declaração de ilegalidade de ato de autoliquidação tiver sido precedido de recurso à via administrativa através de reclamação graciosa (e não de outro meio gracioso), o que significa que, tendo o contribuinte seguido o caminho da revisão oficiosa, da respetiva decisão de indeferimento apenas pode seguir-se para impugnação judicial (e não para pedido de pronúncia arbitral).

 

5. Prosseguindo com os fundamentos para a invocada exceção de incompetência material, a AT defende que esta decorre ainda do facto de no pedido de revisão oficiosa não ter sido apreciada a legalidade de atos de liquidação. Consequentemente, não tendo a pretensão sido dirigida à apreciação da legalidade/ilegalidade dos atos de liquidação, nunca se poderá considerar que o indeferimento silente da mesma “comporta” a apreciação da legalidade de um ato de liquidação. Logo, a impugnação contenciosa do “ato”deveria ter sido efetuada por meio de ação administrativa especial.

 

6. Prosseguindo ainda com os fundamentos para a invocada exceção de incompetência material, a AT defende que esta decorre também da circunstância de o pedido formulado não ser consentâneo com os poderes cognitivos do tribunal.

 

7. Por impugnação, a AT vem dizer o seguinte: configuravam-se como pressupostos, cumulativos, para a aquisição do direito ao benefício em causa: (i) a realização de despesas de I&D elegíveis; (ii) a dedução dessas despesas na autoliquidação do exercício em que fossem realizadas (só podendo sê-lo em exercícios posteriores - até ao sexto exercício imediato - no caso de insuficiência da coleta daquele).

 

8. No concreto caso dos autos, a Requerente não procedeu à dedução fiscal, no ano em que as realizou, das despesas relevantes para efeitos de SIFIDE. Mais, não apresentou à Comissão Certificadora qualquer pedido tendente à emissão de documento comprovativo dessa realidade. Apenas em 15-04-2011, 11-07-2011 e 27-07-2012, a Requerente apresentou à Comissão Certificadora, o pedido relativamente aos anos de 2008, 2009 e 2010, respetivamente.

 

9. No caso dos autos, quer em sede procedimental, quer na presente instância, a Requerente não alegou e consequentemente, como não poderia deixar de ser, também não demonstrou, a existência de um qualquer erro suscetível de inquinar de ilegalidade os atos de liquidação em causa. Sem esse erro, não podia haver lugar a revisão oficiosa com fundamento na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

10. Em resposta à argumentação da Requerente sobre a inexistência de prazo para efeitos de apresentação das candidaturas ao SIFIDE (à data relevante), a AT responde que não obstante o diploma que instituiu o SIFIDE I não prever expressa e formalmente um prazo para apresentação das candidaturas ao SIFIDE, se impôs aí, como condição do exercício do direito ao benefício, que o mesmo fosse justificado por declaração comprovativa de que estavam (realmente) em causa despesas de I&D elegíveis e dos respetivos montantes, ou, pelo menos por prova do pedido de emissão dessa declaração e ainda que têm que integrar o dossier fiscal, designadamente i) a referida declaração comprovativa ou, pelo menos, o documento que prove o pedido de emissão da mesma; e ii) um documento que evidencie o cálculo do benefício fiscal. Destes termos a AT conclui que o prazo para formalizar a candidatura para efeitos do SIFIDE tem, necessariamente, de ser conciliado com o cumprimento dos pressupostos procedimentais dos quais a lei faz depender o exercício do direito e que, nesse sentido, existe um prazo para apresentação das candidaturas.

 

11. Sobre o artigo 164.º da Lei n.º 64/2011 (“A alteração introduzida pela presente lei ao n.º 3 do artigo 6.º do SIFIDE II aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, é aplicável apenas aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2012, devendo as candidaturas respeitantes a períodos de tributação anteriores ser submetidas até ao final do mês de julho de 2012”), a AT refere que o legislador pretendeu dizer que a alteração introduzida produziria efeitos após 1 de janeiro de 2012 e que eventuais candidaturas ao benefício relativamente ao exercício anterior, ou seja 2011, (recorde-se que o SIFIDE II tem vigência circunscrita aos anos de 2011 a 2015), deveriam ser formalizadas ou submetidas até ao final do mês de junho de 2012.

 

I.C Em resposta às exceções invocadas pela AT, a Requerente refere o seguinte:

1. O artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, tem uma razão de ser muito clara: nos casos de autoliquidação, em que o tributo é liquidado pelo contribuinte sem qualquer intervenção da AT, naturalmente que o recurso à via judicial tem de obrigatoriamente ser precedido de pronúncia por parte da AT, sob pena de esta ser parte num litígio para o qual nada contribuiu. No entanto, o pedido de revisão oficiosa produz o mesmo efeito que a reclamação graciosa, permitindo a intervenção da AT.

 

2. A posição da AT imporia soluções diversas no âmbito do processo judicial e do processo arbitral, pondo em crise a unidade do sistema jurídico.

 

3. Por outro lado, uma das consequências da remissão operada para o artigo 131.º do CPPT é a de serem convocadas as posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre a norma aí contemplada, as quais consideram ser a revisão oficiosa um meio equivalente à reclamação graciosa para efeitos de permitir a intervenção da AT antes da impugnação judicial.

 

4. Quanto ao argumento da AT de que não está em causa nos autos um juízo de legalidade/ilegalidade de atos de liquidação, pelo que o processo teria de seguir a via da ação administrativa especial, a Requerente responde que o objeto processual é incontestavelmente as autoliquidações de IRC relativas a 2008, 2009 e 2010 em virtude do crédito fiscal relativo ao SIFIDE e que os atos de liquidação são impugnáveis em sede de processo de impugnação judicial (ao qual se equipara o processo arbitral).

 

 

II. MATÉRIA DE FACTO

 

II.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo tributário junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

1. A Requerente candidatou-se ao Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), previsto na Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto, relativamente aos exercícios de 2008, 2009 e 2010.

 

2. A 05.09.2012, a Requerente submeteu Declarações Modelo 22 de substituição relativas aos exercícios de 2008, 2009 e 2010.

 

3. Através do Ofício n.º 11534, da DSIRC, de 21 de junho de 2013, a Requerente foi notificada da não liquidação da declaração de substituição relativa ao período de 2008, por não estarem reunidos os pressupostos estabelecidos no n.º 3 do artigo 122.º do CIRC.

 

4. A 26.07.2013, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de IRC dos anos de 2008, 2009 e 2010, «de forma a solicitar o reembolso decorrente da dedução do SIFIDE que lhe foi atribuído pela Comissão Certificadora».

 

5. Em 26.11.2013, quatro meses após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, o mesmo ainda não tinha sido decidido pela AT.

 

III.2. Factos dados como não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não tenham sido dados como provados.

II.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

A fixação da matéria de facto baseou-se no processo administrativo, nos documentos juntos à petição inicial e em afirmações da Requerente que não são impugnadas pela Requerida.

 

III. DA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do RJAT. Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que AT se vinculou àquela jurisdição, e que estão concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, uma vez que o artigo 4.º do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.

 

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, já que, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação prevista na portaria atrás referida, estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.

 

A norma prevista na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 exclui expressamente do âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”. A referência expressa ao precedente “recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para cujos termos se remete.

 

No que respeita aos atos de autoliquidação, nos termos do artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, “Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.” O n.º 3 acrescenta, contudo, que “Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º”. Assim, a impugnação direta do ato de autoliquidação só pode fazer-se sem prévia reclamação graciosa nos casos em que tiver sido efetuada “de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária”, como resulta do preceituado no artigo 131.º, n.º 3, do CPPT. No caso em apreço, não se está perante uma situação deste tipo, não tendo sequer sido alegadas quaisquer orientações que a AT tivesse emitido com respeito à forma como as autoliquidações foram efetuadas, pelo que tem de concluir-se que a impugnação dos atos de autoliquidação estava dependente de prévia reclamação graciosa.

 

Não tendo havido prévia reclamação graciosa, a declaração direta da ilegalidade do ato de autoliquidação (isto é, sem ser consequência da ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa) está afastada da competência deste Tribunal Arbitral, por a AT ter expressamente excluído tais pretensões do âmbito da sua vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

 

Importa, porém, apreciar também a questão da competência deste Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

Na apreciação das questões atinentes ao pedido de revisão oficiosa de atos de autoliquidação, importa, antes de mais, esclarecer se a apreciação de atos de indeferimento de pedidos de revisão do ato tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo artigo 2.º do RJAT.

 

Na verdade, neste artigo 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes atos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de atos tributários» e «os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação». No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, numa interpretação declarativa, não restringe o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um ato de segundo grau que confirme um ato de liquidação, incorporando a sua ilegalidade. A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efetuada através da declaração de ilegalidade de atos de segundo grau, que são o objeto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objeto imediato do processo impugnatório é, em regra, o ato de segundo grau que aprecia a legalidade do ato de liquidação, ato aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do ato de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de atos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos atos referidos na alínea a) daquele artigo 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de atos de segundo grau. Aliás, foi precisamente neste sentido que a AT, através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.

 

Alcançada a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um ato de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efetuado no prazo da reclamação administrativa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa[1]. Conclui-se, assim, que não há obstáculo a que a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação seja obtida, em processo arbitral, através da declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa.

 

Importa, no entanto, saber se, em relação a pretensões de declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação através da declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa, é exigível a reclamação graciosa prévia, pela alínea a) do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Como já se referiu, a referência feita nesta norma ao «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve interpretar-se como reportando-se apenas aos casos em que tal recurso, através da reclamação graciosa, é imposto por aquelas normas do CPPT. Nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação é proporcionada à AT, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via judicial, não sendo exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa[2].

 

Para além disso, se hipoteticamente se pretendesse naquela Portaria, sem justificação plausível, afastar a jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa sem prévia reclamação graciosa (criando, assim, uma nova situação de reclamação graciosa necessária privativa desta jurisdição arbitral), não se compreenderia a referência expressa que na alínea a) do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 é feita aos «termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», pois essa hipotética nova situação de reclamação graciosa necessária não seria exigida «nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário». Conclui-se assim, que a falta de reclamação graciosa não é obstáculo à apreciação pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD de pretensões de declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que seja corolário da ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa.

 

Sucede que a AT defende também que está afastada da jurisdição deste Tribunal Arbitral, por não estar abrangida pelo art. 2.º, n.º 1, do RJAT, a apreciação de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa que não comportam a apreciação da legalidade de atos de liquidação. Trata-se de uma questão diferente das atrás abordadas, que se coloca depois de já se ter concluído que a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação pode ser obtida, em processo arbitral, através da declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa e que, nestes casos, não é exigida prévia reclamação graciosa.

 

A questão é, agora, a de saber se se inclui nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD declarar a ilegalidade de atos de autoliquidação quando essa ilegalidade não foi apreciada pelo ato que indeferiu o pedido de revisão oficiosa. No art. 2.º do RJAT, em que se define a «competência dos tribunais arbitrais», não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos tributários, pois apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para «a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» e «a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria colectável e de atos de fixação de valores patrimoniais».

 

Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de atos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de atos passíveis de serem impugnados através do processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um ato de um dos tipos indicados naquele artigo 2.º do RJAT. Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua “um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

Por outro lado, este mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando no processo judicial tributário não for utilizável a impugnação judicial ou a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo. Na verdade, sendo este o sentido da referida lei de autorização legislativa e inserindo-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o «sistema fiscal», inclusivamente as «garantias dos contribuintes» [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP], e sobre a «organização e competência dos tribunais» [art. 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP], não pode o referido artigo 2.º do RJAT, sob pena de inconstitucionalidade, por falta de cobertura na lei de autorização legislativa que limita o poder do Governo (nos termos do artigo 112.º, n.º 2, da CRP), ser interpretado como atribuindo aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de atos para cuja impugnação não são adequados o processo de impugnação judicial e a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo. Assim, para resolver a questão prévia suscitada apela AT de saber se o artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, abrange a apreciação do ato de indeferimento de pedido de revisão oficiosa no segmento relativo aos atos de autoliquidação cuja legalidade não é apreciada, torna-se necessário apurar se a legalidade desse ato de indeferimento podia ou não ser apreciada, num tribunal tributário, através de processo de impugnação judicial ou de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

 

O ato de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa do ato tributário constitui um ato administrativo, à face da definição fornecida pelo art. 120.º do Código de Procedimento Administrativo [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no artigo 2.º, alínea d), da LGT, 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que, ao abrigo de normas de direito público, visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Por outro lado, é também inquestionável que se trata de um ato em matéria tributária pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário. Assim, aquele ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um «ato administrativo em matéria tributária». Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de atos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou de ação administrativa especial conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de atos administrativos de liquidação – sendo que, no conceito de «liquidação», em sentido lato, se englobam todos os actos que se reconduzem à aplicação de uma taxa a uma determinada matéria coletável e, por isso, também os atos de retenção na fonte, de autoliquidação e de pagamento por conta.

 

À face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa especial, os atos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes mesmos atos de autoliquidação. Caso contrário, será aplicável a ação administrativa especial[3].

 

Esta constatação de que há sempre um meio impugnatório processual adequado para impugnar contenciosamente o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de ato de autoliquidação, conduz, desde logo, à conclusão de que não se está perante uma situação em que no processo judicial tributário pudesse ser utilizada a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois a sua aplicação no contencioso tributário tem natureza residual, uma vez que essas ações «apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido» (artigo 145.º, n.º 3, do CPPT). Uma outra conclusão que permite a referida delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa especial é a de que, restringindo-se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao campo de aplicação do processo de impugnação judicial, apenas se inserem nesta competência os pedidos de declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação que comportem a apreciação da legalidade destes atos.

 

A preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da diretriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta com clareza da alínea a) do n.º 4 do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, em que se indicam entre os objetos possíveis do processo arbitral tributário «os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação», pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir do objeto possível do processo arbitral a apreciação da legalidade de atos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação.

 

Por isso, a solução da questão da competência deste Tribunal Arbitral por referência ao conteúdo do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa depende da análise do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa. Ora, no caso concreto, o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é um ato silente, na medida em que foi apenas por efeito da passagem do tempo que se ficcionou a existência de um indeferimento tácito. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o ato de indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa de um ato de liquidação de um tributo é a impugnação judicial.[4] A título de exemplo, veja-se a fundamentação utilizada no processo 1171/04: “A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser despoletada por iniciativa do contribuinte, e ter por fundamento qualquer ilegalidade do acto, sendo seu objectivo a respectiva anulação – cfr. o artigo 78º nº 1 a LGT. Deste modo, ao deixar de se pronunciar sobre a pretensão da recorrente, a autoridade recorrida indeferiu-a, ou seja, não reconheceu, no acto de liquidação em causa, as ilegalidades que a requerente lhe imputava. Em causa está, pois, mediatamente, a legalidade do acto tributário de liquidação: apreciar o acto recorrido – saber se a pretensão da recorrente, de que fosse revisto aquele acto, merecia, ou não, ser indeferida (ainda que presumidamente) – implica sindicar a legalidade da liquidação.” Seguindo esta jurisprudência, o ato de indeferimento tácito comporta, em certa medida, a apreciação indireta da legalidade do ato tributário, sendo, portanto, o processo de impugnação judicial (ou o processo arbitral) adequado para o apreciar.

 

Por fim, a AT alega que o pedido formulado pela Requerente não se inscreve nas competências dos tribunais arbitrais em matéria tributária. E, quanto a este aspeto, assiste-lhe razão. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária está limitada (i) à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e (ii) à declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

 

No presente caso, a Requerente vem pedir “a revisão das liquidações de IRC relativas aos exercícios de 2008, 2009 e 2010.” A Requerente não pede, por conseguinte, que seja declarada a ilegalidade dos atos de autoliquidação de IRC daqueles exercícios ou do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, mas sim que seja ordenada a sua revisão à AT, na medida em que esta, instada a proceder a essa revisão através do procedimento de revisão oficiosa, o não fez.

 

Todavia, este pedido nunca poderia ser atendido no âmbito de um processo de impugnação judicial, razão pela qual também o não pode ser no âmbito de um processo arbitral que tem aquele como parâmetro. Efetivamente, o pedido formulado pela Requerente suscita do tribunal uma decisão no sentido de determinar a AT a praticar o ato que esta, quando chamada a fazê-lo no âmbito de um procedimento gracioso, não praticou. Ao tribunal é pedido, portanto, que defina as margens de vinculação da legalidade nos termos da qual a administração deveria ter praticado o ato quando ele era legalmente devido. O objeto do processo é, pois, a pretensão da Requerente já formulada no âmbito do pedido de revisão oficiosa. Ora, este pedido só poderia ser decidido no âmbito de uma ação administrativa especial, não no âmbito do presente processo, razão pela qual terá que se considerar que o presente tribunal é incompetente para decidir nos termos peticionados pela Requerente.

 

IV. DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa exposto, decide-se julgar procedente a exceção dilatória de incompetência material invocada pela Requerida e, em consequência, absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas neste processo.

 

Fixa-se o valor da ação em € 511.786,86 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força do das alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.956,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente “A” (Portugal), S.A..

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 9 de outubro de 2014

 

Os Árbitros

 

Jorge Lopes de Sousa

 

Paulo Ferreira Alves

 

Guilherme W. d’Oliveira Martins (Relator)

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 



[1] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 12.07. 2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14.11.2007, processo n.º 565/07.

[2] Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.06.2006, proferido no processo n.º 402/2006.

[3] No sentido de o meio processual adequado para conhecer da legalidade de acto de decisão de procedimento de revisão oficiosa de acto de liquidação ser a ação administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do CPTA) se nessa decisão não foi apreciada a legalidade do acto de liquidação, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20.05.2003, processo n.º 638/03; de 08.10.2003, processo n.º 870/03; de 15.10.2003, processo n.º 1021/03; de 24.03.2004, processo n.º 1588/03, de 06.11.2008, processo n.º 357/08.

[4] Neste sentido vejam-se os acórdãos de 02.02.2005, proferido no processo 1171/04 e de 04.05.2005, proferido no processo 1276/04.