Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 509/2024-T
Data da decisão: 2024-10-23  IRS  
Valor do pedido: € 90.176,55
Tema: IRS – Rendimento de capitais – Obras em armazém de acionistas e administradores.
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Sumário: Deve ser considerado rendimento de capitais enquadrável no artº 5º, nº 1 do CIRS o valor de obras realizadas no armazém propriedade dos acionistas e administradores da sociedade.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

I.1

  1. Em 07 de abril de 2024, a contribuinte A..., SA, nif..., com sede em ..., ..., Concelho de ..., código postal ...-... ..., requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (a seguir RJAT), a constituição de Tribunal Arbitral com designação dos árbitros pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto na al. a), n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma.
  2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 12 de abril de 2024.
  3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a) e artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, foram designados os árbitros (Juiz José Poças Falcão -Presidente-
    Prof. Doutor Daniel Taborda e Dr. André Festas da Silva -relator-) pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, tendo os árbitros aceite nos termos legalmente previstos.
  4. O Tribunal Arbitral foi constituído em 19.06.2024 e no dia 21.06.2024 proferiu um despacho a ordenar a notificação da Requerida para apresentar a sua resposta.
  5. A AT apresentou a sua resposta em 12.09.2024.
  6. Por despacho de 23.09.2024, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.
  7. A Requerente apresentou as suas alegações em 03.10.2024.
  8. A Requerida não apresentou alegações.
  9. Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare ilegal a liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2023..., de 21-11-2023, acrescida das liquidações de juros compensatórios (liquidações n.ºs 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023 ... e 2023...), no montante total de € 90.067,69, referente ao exercício de 2021, e a Liquidação de IRC n.º 2023... de 2023-11-23, relativa ao exercício de 2021, onde se apurou um valor a pagar de 108,86 euros que resultou do procedimento inspetivo levado a efeito com suporte na OI2023..., tudo no valor de €90.176,55.

 

 

 

I.2. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

  1. A interpretação dada ao n.º 1 do artigo 5.º do CIRS em que assenta o ato tributário sub judice, segundo a qual e em concreto as obras de ampliação de um imóvel alheio realizadas por uma sociedade comercial arrendatária do referido imóvel, consubstancia um aumento do património individual do senhorio e que, sendo este simultaneamente acionista da sociedade comercial, o aumento do património individual constitui um fruto ou  vantagem económica, i.e. um  rendimento passível de ser enquadrado na categoria E (capitais) de IRS não pode subsistir à luz do princípio constitucional da igualdade – artigo 13.º da CRP.
  2. No caso estamos perante a distinção, para efeitos de tributação, entre a qualidade daquele que é mero arrendador e do arrendador que é simultaneamente acionista da sociedade arrendatária, numa situação jurídica emergente de um contrato de arrendamento.
  3. Ora, subjacente à tributação em questão, existe uma notória discriminação já que perante uma igual situação fática de carater substantivo (incidência objetiva) resulta a tributação distinta e desfavorável ao sujeito passivo baseada numa incidência subjetiva ancípite.
  4. A não ser assim, sempre teria de se considerar que, num contrato de mútuo, há um facto tributário sujeito a tributação associado a uma putativa variação patrimonial positiva na esfera patrimonial do mutuário no momento do recebimento da importância mutuada (pois a(s) variação(ões) patrimonial(ais) negativa(s) resultantes do(s) pagamento(s) associado(s) à(s) amortização(ões) da importância mutuada, não releva para este efeito) caso em que estaríamos perante uma evidente forma de confisco.
  5. Até ao fim do contrato de arrendamento e enquanto este perdurar (seja na vigência do mesmo ou de uma renovação contratualmente prevista e enquanto as benfeitorias estiverem na posse da arrendatária com todos os direitos que a mesma lhe confere, inclusive o de subarrendar) inexiste qualquer facto tributário que possa ser sujeito a tributação.
  6. Uma vez que à presente data o contrato de arrendamento que vigorava à data da realização das benfeitorias ainda se encontra vigente, inexistiu qualquer facto tributário que habilite o sujeito ativo do imposto a tributar.
  7. Mantendo-se o novo armazém na posse da arrendatária e subsistindo um dever indemnizar segundo as regras do enriquecimento sem causa, resulta clarividente que:

-         Não houve qualquer aumento do património individual na esfera patrimonial dos arrendadores;

−        E ainda que, por mera hipótese assim se não considerasse, o seu valor não corresponderia ao valor dos gastos efetivamente suportados pela Requerente, porquanto a Requerente tem o direito a ser indemnizada no final do contrato de acordo com as regras do enriquecimento sem causa;

−        E em conformidade, acrescentamos ainda, o valor deste enriquecimento será totalmente divergente do valor da construção, porquanto o valor bruto do imóvel (mesmo sem dedução de uma eventual indemnização) que em data inserta os senhorios irão receber terá de corresponder ao valor da construção deduzido da depreciação que resultar do seu uso ou obsolescência;

pelo que o arguido pela AT não corresponde à verdade material dos factos

  1. O património individual privado dos arrendadores não foi valorizado, porquanto, como já referido:

-as benfeitorias mantêm-se na posse da arrendatária;

-a arrendatária mantém o direito a ser indemnizada no final do contrato num valor, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa;

-ainda que os arrendadores procedessem à alienação do direito de propriedade do imóvel na vigência do contrato de arrendamento, o direito de indemnizar a requerente/arrendatária pelas benfeitorias úteis realizadas no final do contrato transmitir-se-ia ao novo proprietário, pelo que, em conformidade, este facto se repercutiria no valor de alienação do imóvel.

  1. Resulta inequivocamente que a ter existido uma vantagem patrimonial esta não resultou de elementos patrimoniais de caráter mobiliário (cf. expressamente defendido no relatório) mas de caráter imobiliário pelo que falece, portanto, a conclusão retirada (segundo a qual a situação em apreço não pode merecer outro enquadramento que não seja a da vantagem económica em espécie procedente de elementos patrimoniais de natureza mobiliária).
  2. Os factos expostos no RIT, demonstram que a existirem os putativos rendimentos, estes derivariam:

- em primeiro lugar de ativos imobiliários (prediais);

- em segundo lugar não teriam resultado de uma atitude passiva dos arrendadores acionistas, mas de uma atitude pró-ativa (a AT expressamente declara que a sociedade não realizaria as obras se se estivesse perante um terceiro independente);

- em terceiro lugar tratar-se-iam de rendimentos fortuitos e como tal passíveis de enquadramento na categoria G e não na categoria E;

havendo, portanto, um notório erro na matéria de direito identificada e consequentemente na subsunção dos factos à matéria de direito.

  1. o presente processo arbitral abrange igualmente a liquidação de IRC n.º 2023 ... de 2023-11-23 atinente à correção dos gastos decorrentes da amortização das obras de ampliação do imóvel
  2. Em primeiro lugar, encontra-se devidamente comprovado que o sujeito passivo incorreu no gasto sub judice com a finalidade de obter rendimentos sujeitos a IRC no âmbito do seu escopo social e, em segundo lugar, a AT incorreu em notório erro sobre a matéria de direito (e, concomitantemente, na subsunção dos factos à matéria de direito) inerente à dedutibilidade dos gastos para efeitos do cômputo da matéria tributável sujeita a IRC.

I.3 Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

  1. O ato tributário impugnado e os factos tributários em discussão resultam das conclusões do procedimento inspetivo à Requerente, em que se detetou existência de rendimentos que se subsumem ao conceito de rendimentos de capitais derivados de vantagem económica em espécie procedente de elementos patrimoniais de natureza mobiliária, em conformidade com o disposto no n.º 1 e n.º 2 alínea p) do artigo 5.º do Código do IRS.
  2. A vantagem referida traduziu-se, objetivamente, no aumento do património imobiliário dos acionistas/administradores (B... NIF ... e C... NIF...) em montante equivalente ao das obras de construção/ampliação do armazém contabilizadas na conta “SNC 4321131028 - Ativos Fixos Tangíveis – Edifícios e outras construções – Armazém lateral” e pagas pelo ora Requerente num valor total de € 316.887,83, as quais tiveram impacto na valorização do bem imóvel/armazém (em função das obras realizadas) e consequentemente no crescimento do património pessoal dos administradores/acionistas em resultado da construção/ampliação do armazém, pela Requerente.
  3. Sendo que a vantagem económica (aumento do património individual dos administradores), efetivou-se no momento em que a Requerente se substituiu aos proprietários no pagamento das obras realizadas no referido imóvel/prédio no montante total de € 316.887,83 (valor registado na conta SNC 4321131028 - Ativos Fixos Tangíveis – Edifícios e outras construções – Armazém lateral).
  4. Assim sendo, tais gastos/pagamentos são atribuíveis à esfera particular dos proprietários e detentores do capital da Requerente e atendendo à existência de uma vantagem económica para os mesmos decorrente da sua posição de detentores do capital da Requerente, subsumindo-se ao conceito de rendimentos de capitais (categoria E) à luz do n.º 1 (rendimentos em espécie) e da alínea p) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de IRS, cuja operacionalidade ocorre na data do pagamento (data da vantagem económica efetiva), conforme decorre do artigo 7.º, n.º 3, alínea a) e subalínea 3 do Código do IRS.
  5. Resultando imposto em falta nos cofres do Estado no montante de € 82.937,14 (28%), resultante da aplicação da taxa liberatória de 28% prevista a alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRS relativos à retenção na fonte de rendimentos de capitais - Cat. E (no valor ilíquido de € 296.204,08) auferidos no ano de 2021 (capítulo V.2, páginas 13 a 17 do RIT).
  6. Efetivamente, o imóvel/prédio (armazém), propriedade dos administradores em causa, em consequência das obras realizadas pela Requerente ficou amplamente valorizado, ou seja, houve crescimento do património pessoal dos administradores em resultado da construção do armazém.
  7. O que corresponde a dizer que, os pagamentos dos encargos de construção do armazém pela Requerente, não se enquadrando em nenhuma outra categoria de rendimentos, equivalem a rendimentos de capital por representarem uma vantagem económica auferida pelos acionistas da Requerente (detentores de capital).
  8. Consequentemente, estamos face a rendimentos que se subsumem ao conceito de rendimentos de capitais, previsto no n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS, atendendo à existência de uma vantagem económica para os proprietários do imóvel em apreço, vantagem económica essa decorrente da sua posição de detentores do capital da Requerente.
  9. Parece-nos, assim, evidente que a AT cumpriu, o ónus de demonstração da existência de pressupostos de facto e de direito da existência de facto tributário no ano fiscal de 2021, que em termos de incidência real, configura frutos e vantagens económicas, sujeitos a tributação como rendimento de capitais (categoria E), conforme previsto no artigo 5.º n.ºs 1 e 2, alínea p) conjugado com o artigo 7º n.ºs 1 e 3, alínea a), subalínea 3), ambos do Código do IRS, recaindo sobre a Requerente (pelo mecanismo de substituição tributária), a obrigação de efetuar a respetiva retenção na fonte mediante a aplicação da taxa liberatória de 28%, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º, conjugado com o n.º 3 do artigo 98.º e a alínea a) do n.º 2 do artigo 101.º, todos do referido código.

 

II. SANEAMENTO

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e encontram-se legalmente representadas.

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

O processo é o próprio.

Inexistem questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

III. – MATÉRIA DE FACTO   

 

III.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões que compõem a lide, cumpre estabelecer a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

  1. A Requerente exerce a sua atividade num armazém cuja propriedade é detida em compropriedade pelos seus acionistas, B..., nif ... e C..., nif ... na proporção de ¾ e ¼ respetivamente, inscrita na matriz predial urbana da União de freguesias de... e ..., sob o n.º ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o registo n.º... .
  2.  O imóvel em questão encontra-se arrendado pelos proprietários à Requerente.
  3. Os senhorios são simultaneamente administradores da requerente e arrendatária;
  4. Foi construído um novo armazém contíguo ao existente, sendo que o primitivo armazém tinha uma área de 2.249,2 m2, a ampliação ao nível do r/c tem uma área de 1.212,75 m2 num total atual de 3.641,95 m2.
  5.  A obra foi realizada ao abrigo do Alvará de Licenciamento de Obras de Ampliação e Legalização emitido pela Câmara Municipal de ... com n.º .../18 datado de 2018-07-13 e averbamento datado de 2021-04-21, tendo a licença de utilização sido emitida pela mesma autarquia em 2022-04-03.
  6.  Toda a documentação atinente à legalização da obra, incluindo a relativa às taxas pagas à autarquia competente foi emitida em nome do comproprietário do imóvel B..., nif ... .
  7.  As obras de ampliação da área de armazenagem, foram totalmente suportadas pela Requerente e importaram em €316.887,83.
  8.  Em 2022-02-01, foi apresentada no Serviço de Finanças de ... para efeitos de atualização matricial a declaração de IMI n.º ... .
  9.  Em resultado da nova avaliação o Valor Patrimonial Tributário (VPT) do prédio inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de ...  e ..., sob o n.º..., que até então era de €550.580,00 passou a ser €655.220,00;
  10.  O novo armazém que resultou das obras de ampliação encontra-se totalmente adstrito à atividade operacional da Requerente.
  11. A coberto da ordem de serviço n.º OI2023... de 02-08-2023, a Direção de Finanças de Aveiro levou a cabo ação inspetiva externa de âmbito geral em IRC, IVA e Retenção na Fonte de IRS para o ano 2021, com objetivo de comprovação e verificação (código de atividade 102-22 - Controlo da situação tributária global) relativamente ao ano fiscal de 2021.
  12. O procedimento inspetivo iniciou-se a 15-09-2023 e ficou concluído a 10-11-2023.
  13. A Requerente foi notificada a 11-10-2023 do teor do projeto de Relatório de Inspeção Tributária elaborado, para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição prévia.
  14. Quanto ao IRC, o projeto de Relatório de Inspeção Tributária tem o seguinte conteúdo:

 

 

  1. Quanto às retenções na fonte em sede de IRS o projeto de Relatório de Inspeção Tributária tem o seguinte conteúdo:

 

 

 

 

 

  1. A Requerente não exerceu o direito de audição prévia, tendo assim sido mantida a posição aí vertida e as correções propostas.

 

  1. Na sequência das conclusões do procedimento inspetivo suprarreferido, em 21-11-2023, os serviços elaboraram a liquidação de retenção na fonte de IRS 2021 n.º 2023 ... de € 82.937,14 (nota de cobrança n.º 2023..., no montante de € 90.067,69).
  2. Esta liquidação inclui juros compensatórios no valor total de € 7.130,55.
  3. Foi também elaborada a liquidação de IRC n.º 2023 ... de 2023-11-23.

 

IV.2. Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram considerados provados.

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 19 são dados como assentes pela análise dos documentos juntos pela Requerente, pelo processo administrativo e pela posição assumida pelas partes.

 

V. Do Direito

 

Retenções na Fonte – IRS

 

V.1. A questão decisiva em julgamento suscitada pela Requerente em relação aos atos tributários impugnados consiste em apurar se o montante do valor das obras suportadas pela Requerente no prédio propriedade dos seus acionistas e administradores se integra ou não nos rendimentos da categoria E (art. 5º, n.º1 do CIRS) do CIRS.

 

O CIRS, na redação em vigor à data dos factos, dispõe o seguinte:

“Artigo 5.º

Rendimentos da categoria E

1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:

(…)

 

Artigo 7.º

Momento a partir do qual ficam sujeitos a tributação os rendimentos da categoria E

1 - Os rendimentos referidos no artigo 5.º ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respetivo quantitativo, conforme os casos.

(…)

Artigo 71.º

Taxas liberatórias

 1 - Estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28 %:

a) Os rendimentos de capitais obtidos em território português, por residentes ou não residentes, pagos por ou através de entidades que aqui tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento e que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada;

(…)”

 

A Lei 30-G/2000, de 29/12, que fixou a redação do artº 5º do CIRS nos termos acabados de citar e aplicáveis à data de 2021 não prevê de forma taxativa os rendimentos de capitais sujeitos a IRS, tendo adotado uma previsão mais abrangente, mediante uma formulação genérica enquanto definição dos rendimentos sujeitos a imposto no seu número 1 e, exemplificada, pelos tipos mais comuns de rendimentos abrangidos no n.º 2 do mesmo art.º 5.º.

Não sendo taxativo o elenco de situações consideradas como rendimento, cabe apurar se os pressupostos referidos no n.º1 do art. 5º se verificam ou não.

Para o efeito, é necessário tratar-se de:

(i) uma vantagem económica,

(ii) independente de natureza ou denominação,

(iii) pecuniária ou em espécie,

(iv) procedente direta ou indiretamente de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação,

(v) com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias:

 

Subsumindo ao caso em apreço, o pagamento de obras no valor em €316.887,83 pela Requerente no prédio propriedade de terceiros, os quais são acionistas e administradores da Requerente, constitui uma vantagem económica para estes. Revelador desta conclusão é o facto do valor patrimonial tributário do imóvel ter sido alterado de €550.580,00 para €655.220,00 em resultado das obras. O património do terceiro foi valorizado na proporção do valor das obras pagas pela Requerente.

          Sendo irrelevante a natureza da vantagem, verificamos que se trata de uma vantagem pecuniária de natureza mobiliária. Está em causa um fluxo monetário (€316.887,83), que tem natureza mobiliária, que saiu da esfera da Requerente para os proprietários do prédio através do pagamento das obras realizadas no referido prédio. O que está em causa é o fluxo monetário e não a indemnização ou a cessão onerosa de posição contratual relativa a bens imóveis, porque esta não ocorreu.

Este rendimento não é tributado noutra categoria do CIRS.  Ao contrário do alegado pela Requerente o rendimento não se integra na categoria G. O facto tributário é o fluxo monetário e não o ativo imobiliário. A obtenção do rendimento não pressupôs a alienação nem a perda da fonte produtiva dos rendimentos e não inviabiliza a obtenção de ganhos no futuro.

A circunstância de a Requerente utilizar o armazém no âmbito da sua atividade, a natureza das obras (benfeitorias necessárias, uteis ou voluptuárias) e a dedução desses gastos em sede de IRC não impedem a subsunção desse rendimento no art. 5º, n.º1 do CIRS porque os pressupostos aí previstos, tal como foi atrás referido, se verificam todos.          

Quanto ao momento relevante para sujeição a tributação, o art. 7º n,º1 do CIRS define o momento em que o imposto se torna exigível, ou seja, na data do apuramento do respetivo quantitativo.  Assim, o facto tributário ocorreu no momento em que a Requerente pagou as obras no prédio. Este é o facto tributário, que ocorreu em 2021. 

Mais, a eventual indemnização putativamente devida, no futuro, pelos proprietários, senhorios, à Requerente, enquanto arrendatária, pelas obras realizadas trata-se, na presente data, por um lado, de uma mera possibilidade e, por outro lado, de valor a apurar no futuro que é, por isso, incerto. Esta possibilidade não impede a qualificação nos rendimentos da categoria E do CIRS.

Importa também referir que o legislador não previu na categoria E do CIRS a possibilidade de deduções específicas nem a dedução de perdas, sendo também por isto irrelevante qualquer indemnização futura.   

Face ao exposto, os factos sub judice subsumem-se no previsto no art. 5º, n.º1 do CIRS, improcedendo os vícios alegados pela Requerente.

Neste mesmo sentido veja-se o Ac. do STA de 11.09.2019, processo n.º0203/17.9BEVIS e as decisões do CAAD n.º 622/2018-T, de 25.08.2019 e n.º623/2018-T de 17.10.2019.

Quanto à exigência de retenção na fonte, tal decorre do previsto no art. 71º, n.º1, al. a) do CIRS de acordo com a qual, sendo um rendimento de capitais está sujeito a tal retenção.

O Tribunal não olvida a decisão proferida pelo STA no processo n.º n.º0203/17.9BEVIS de 11.09.2019. Sucede que, no que diz respeito à obrigação de retenção na fonte, esta decisão não pode para aqui ser transposta porque aplica-se a factos relativos a 2013. A Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro alterou o art. 71º, n.º1, al. a) do CIRS, que na redação aplicável ao caso sub judice, prevê expressamente a exigência de retenção na fonte à taxa liberatória de 28 % dos rendimentos de capitais obtidos em território português, por residentes, pagos por entidades que aqui tenham sede.

Porquanto, julga-se também improcedente o alegado vício de inexistência de obrigação de retenção na fonte.

Finalmente não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade (art. 13º da CRP) porque os pressupostos para a sujeição a tributação deste rendimento, consagrados no art. 5º, n.º1 do CIRS, não fazem qualquer distinção no que diz respeito aos sujeitos passivos. A norma não distingue se o contribuinte é senhorio e acionista/administrador da arrendatária ou se é senhorio e não é acionista/administrador da arrendatária. A norma não faz tal distinção.

Deste modo, não existindo tal diferenciação, improcede o alegado vício de violação do princípio da igualdade.

Em conclusão, verificam-se todos os pressupostos previstos no art. 5º, n.º 1 do CIRS, estando os rendimentos obtidos (art. 7º, n.º1 do CIS) sujeitos a retenção na fonte (art. 71º, n.º1, al. a) do CIRS), como se promoveu com as liquidações de retenção na fonte e de juros compensatórios sindicadas.

Destarte, julga-se, nesta parte, improcedente o presente pedido arbitral.

 

II) IRC

 

No que diz respeito à liquidação de IRC sindicada, entende a Requerente que o recibo n.º 3/824/1124 emitido pelo Município de ... no valor de €9.6677,00 relativo à licença concedida pelo município para a realização das obras deve ser dedutível para efeitos de IRC. O referido recibo foi emitido em nome do coproprietário do imóvel, Sr. B... .

A AT, no RI, defende que o valor da taxa não é dedutível porque o recibo não está em nome da Requerente.

Cumpre apreciar.

O art. 23ºA, n.º1, al. f) do CIRC estatui o seguinte:

“Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

(…)

f) Os impostos, taxas e outros tributos que incidam sobre terceiros que o sujeito passivo não esteja legalmente obrigado a suportar;

(…)”

A licença de obras foi emitida pelo Município para a realização de obras após o pagamento da taxa devida. Está em causa a dedução, para efeitos de IRC, de uma quantia referente a uma taxa.

Mais, o sujeito passivo da taxa é um terceiro, Sr. B..., e não a Requerente. A Requerente não tinha a obrigação legal de suportar o valor da taxa.

Assim, em cumprimento do disposto no art. 23ºA, n.º1, al f) do CIRC o gasto referente a uma taxa, cujo sujeito passivo é um terceiro, não é dedutível.

 

Neste sentido, veja-se do Ac. do TCA do Sul de 25.06.2020, proc. n.º 2545/12.0 BELRS:

2. Porém, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: os impostos, taxas e outros tributos que incidam sobre terceiros que o sujeito passivo não esteja legalmente obrigado a suportar.

3. O sujeito passivo da taxa é quem está vinculado ao cumprimento da prestação tributária ou em relação a quem se verifica o facto tributário (não ocorrendo a figura da substituição tributária), sendo irrelevante que terceiro satisfaça o pagamento e/ ou se tenha obrigado contratualmente a suportar o montante da liquidação.

4. A taxa facturada pelo município em nome de determinado sujeito passivo não pode ser contabilizada como custo fiscalmente relevante, por um terceiro, ainda que tenha sido este a satisfazer a prestação tributária e tenha acordado em suportar o encargo correspondente.

Em conclusão, o gasto relativo ao pagamento da taxa para a obtenção da licença de obras não é dedutível (art. 23ºA, n.1, al. f) do CIRC), tal como indicado no relatório da inspeção tributária.

Deste modo, julga-se, também nesta parte, improcedente o presente pedido arbitral.

 

VI) DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a) Julgar integralmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de a liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2023..., de 21-11-2023, acrescida das liquidações de juros compensatórios (liquidações n.ºs 2023..., 2023..., 2023..., 2023 ..., 2023 ... e 2023 ...), no montante total de € 90.067,69, referente ao exercício de 2021, e a Liquidação de IRC n.º 2023 ... de 2023-11-23, relativa ao exercício de 2021, onde se apurou um valor a pagar de 108,86, tudo no valor de €90.176,55, e em consequência absolver a Requerida do pedido;

b) Condenar a Requerente nas custas do processo face ao decaimento.

 

Fixa-se o valor do processo em €90.176,55 (noventa mil, cento e setenta e seis euros e cinquenta e cinco cêntimos) nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.754,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 de outubro de 2024  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

(José Poças Falcão)

 

 O Árbitro vogal - relator

 

(André Festas da Silva)

 

O Árbitro vogal

 

 

(Daniel Taborda)