- Não houve qualquer aumento do património individual na esfera patrimonial dos arrendadores;
− E ainda que, por mera hipótese assim se não considerasse, o seu valor não corresponderia ao valor dos gastos efetivamente suportados pela Requerente, porquanto a Requerente tem o direito a ser indemnizada no final do contrato de acordo com as regras do enriquecimento sem causa;
− E em conformidade, acrescentamos ainda, o valor deste enriquecimento será totalmente divergente do valor da construção, porquanto o valor bruto do imóvel (mesmo sem dedução de uma eventual indemnização) que em data inserta os senhorios irão receber terá de corresponder ao valor da construção deduzido da depreciação que resultar do seu uso ou obsolescência;
-a arrendatária mantém o direito a ser indemnizada no final do contrato num valor, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa;
-ainda que os arrendadores procedessem à alienação do direito de propriedade do imóvel na vigência do contrato de arrendamento, o direito de indemnizar a requerente/arrendatária pelas benfeitorias úteis realizadas no final do contrato transmitir-se-ia ao novo proprietário, pelo que, em conformidade, este facto se repercutiria no valor de alienação do imóvel.
- em segundo lugar não teriam resultado de uma atitude passiva dos arrendadores acionistas, mas de uma atitude pró-ativa (a AT expressamente declara que a sociedade não realizaria as obras se se estivesse perante um terceiro independente);
- em terceiro lugar tratar-se-iam de rendimentos fortuitos e como tal passíveis de enquadramento na categoria G e não na categoria E;
havendo, portanto, um notório erro na matéria de direito identificada e consequentemente na subsunção dos factos à matéria de direito.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e encontram-se legalmente representadas.
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
O processo é o próprio.
Inexistem questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.
Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.
Antes de entrar na apreciação das questões que compõem a lide, cumpre estabelecer a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram considerados provados.
Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
Os factos que constam dos números 1 a 19 são dados como assentes pela análise dos documentos juntos pela Requerente, pelo processo administrativo e pela posição assumida pelas partes.
Retenções na Fonte – IRS
V.1. A questão decisiva em julgamento suscitada pela Requerente em relação aos atos tributários impugnados consiste em apurar se o montante do valor das obras suportadas pela Requerente no prédio propriedade dos seus acionistas e administradores se integra ou não nos rendimentos da categoria E (art. 5º, n.º1 do CIRS) do CIRS.
O CIRS, na redação em vigor à data dos factos, dispõe o seguinte:
“Artigo 5.º
Rendimentos da categoria E
1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:
(…)
Artigo 7.º
Momento a partir do qual ficam sujeitos a tributação os rendimentos da categoria E
1 - Os rendimentos referidos no artigo 5.º ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respetivo quantitativo, conforme os casos.
(…)
Artigo 71.º
Taxas liberatórias
1 - Estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28 %:
a) Os rendimentos de capitais obtidos em território português, por residentes ou não residentes, pagos por ou através de entidades que aqui tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento e que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada;
(…)”
A Lei 30-G/2000, de 29/12, que fixou a redação do artº 5º do CIRS nos termos acabados de citar e aplicáveis à data de 2021 não prevê de forma taxativa os rendimentos de capitais sujeitos a IRS, tendo adotado uma previsão mais abrangente, mediante uma formulação genérica enquanto definição dos rendimentos sujeitos a imposto no seu número 1 e, exemplificada, pelos tipos mais comuns de rendimentos abrangidos no n.º 2 do mesmo art.º 5.º.
Não sendo taxativo o elenco de situações consideradas como rendimento, cabe apurar se os pressupostos referidos no n.º1 do art. 5º se verificam ou não.
Para o efeito, é necessário tratar-se de:
(i) uma vantagem económica,
(ii) independente de natureza ou denominação,
(iii) pecuniária ou em espécie,
(iv) procedente direta ou indiretamente de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação,
(v) com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias:
Subsumindo ao caso em apreço, o pagamento de obras no valor em €316.887,83 pela Requerente no prédio propriedade de terceiros, os quais são acionistas e administradores da Requerente, constitui uma vantagem económica para estes. Revelador desta conclusão é o facto do valor patrimonial tributário do imóvel ter sido alterado de €550.580,00 para €655.220,00 em resultado das obras. O património do terceiro foi valorizado na proporção do valor das obras pagas pela Requerente.
Sendo irrelevante a natureza da vantagem, verificamos que se trata de uma vantagem pecuniária de natureza mobiliária. Está em causa um fluxo monetário (€316.887,83), que tem natureza mobiliária, que saiu da esfera da Requerente para os proprietários do prédio através do pagamento das obras realizadas no referido prédio. O que está em causa é o fluxo monetário e não a indemnização ou a cessão onerosa de posição contratual relativa a bens imóveis, porque esta não ocorreu.
Este rendimento não é tributado noutra categoria do CIRS. Ao contrário do alegado pela Requerente o rendimento não se integra na categoria G. O facto tributário é o fluxo monetário e não o ativo imobiliário. A obtenção do rendimento não pressupôs a alienação nem a perda da fonte produtiva dos rendimentos e não inviabiliza a obtenção de ganhos no futuro.
A circunstância de a Requerente utilizar o armazém no âmbito da sua atividade, a natureza das obras (benfeitorias necessárias, uteis ou voluptuárias) e a dedução desses gastos em sede de IRC não impedem a subsunção desse rendimento no art. 5º, n.º1 do CIRS porque os pressupostos aí previstos, tal como foi atrás referido, se verificam todos.
Quanto ao momento relevante para sujeição a tributação, o art. 7º n,º1 do CIRS define o momento em que o imposto se torna exigível, ou seja, na data do apuramento do respetivo quantitativo. Assim, o facto tributário ocorreu no momento em que a Requerente pagou as obras no prédio. Este é o facto tributário, que ocorreu em 2021.
Mais, a eventual indemnização putativamente devida, no futuro, pelos proprietários, senhorios, à Requerente, enquanto arrendatária, pelas obras realizadas trata-se, na presente data, por um lado, de uma mera possibilidade e, por outro lado, de valor a apurar no futuro que é, por isso, incerto. Esta possibilidade não impede a qualificação nos rendimentos da categoria E do CIRS.
Importa também referir que o legislador não previu na categoria E do CIRS a possibilidade de deduções específicas nem a dedução de perdas, sendo também por isto irrelevante qualquer indemnização futura.
Face ao exposto, os factos sub judice subsumem-se no previsto no art. 5º, n.º1 do CIRS, improcedendo os vícios alegados pela Requerente.
Neste mesmo sentido veja-se o Ac. do STA de 11.09.2019, processo n.º0203/17.9BEVIS e as decisões do CAAD n.º 622/2018-T, de 25.08.2019 e n.º623/2018-T de 17.10.2019.
Quanto à exigência de retenção na fonte, tal decorre do previsto no art. 71º, n.º1, al. a) do CIRS de acordo com a qual, sendo um rendimento de capitais está sujeito a tal retenção.
O Tribunal não olvida a decisão proferida pelo STA no processo n.º n.º0203/17.9BEVIS de 11.09.2019. Sucede que, no que diz respeito à obrigação de retenção na fonte, esta decisão não pode para aqui ser transposta porque aplica-se a factos relativos a 2013. A Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro alterou o art. 71º, n.º1, al. a) do CIRS, que na redação aplicável ao caso sub judice, prevê expressamente a exigência de retenção na fonte à taxa liberatória de 28 % dos rendimentos de capitais obtidos em território português, por residentes, pagos por entidades que aqui tenham sede.
Porquanto, julga-se também improcedente o alegado vício de inexistência de obrigação de retenção na fonte.
Finalmente não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade (art. 13º da CRP) porque os pressupostos para a sujeição a tributação deste rendimento, consagrados no art. 5º, n.º1 do CIRS, não fazem qualquer distinção no que diz respeito aos sujeitos passivos. A norma não distingue se o contribuinte é senhorio e acionista/administrador da arrendatária ou se é senhorio e não é acionista/administrador da arrendatária. A norma não faz tal distinção.
Deste modo, não existindo tal diferenciação, improcede o alegado vício de violação do princípio da igualdade.
Em conclusão, verificam-se todos os pressupostos previstos no art. 5º, n.º 1 do CIRS, estando os rendimentos obtidos (art. 7º, n.º1 do CIS) sujeitos a retenção na fonte (art. 71º, n.º1, al. a) do CIRS), como se promoveu com as liquidações de retenção na fonte e de juros compensatórios sindicadas.
Destarte, julga-se, nesta parte, improcedente o presente pedido arbitral.
II) IRC
No que diz respeito à liquidação de IRC sindicada, entende a Requerente que o recibo n.º 3/824/1124 emitido pelo Município de ... no valor de €9.6677,00 relativo à licença concedida pelo município para a realização das obras deve ser dedutível para efeitos de IRC. O referido recibo foi emitido em nome do coproprietário do imóvel, Sr. B... .
A AT, no RI, defende que o valor da taxa não é dedutível porque o recibo não está em nome da Requerente.
Cumpre apreciar.
O art. 23ºA, n.º1, al. f) do CIRC estatui o seguinte:
“Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
(…)
f) Os impostos, taxas e outros tributos que incidam sobre terceiros que o sujeito passivo não esteja legalmente obrigado a suportar;
(…)”
A licença de obras foi emitida pelo Município para a realização de obras após o pagamento da taxa devida. Está em causa a dedução, para efeitos de IRC, de uma quantia referente a uma taxa.
Mais, o sujeito passivo da taxa é um terceiro, Sr. B..., e não a Requerente. A Requerente não tinha a obrigação legal de suportar o valor da taxa.
Assim, em cumprimento do disposto no art. 23ºA, n.º1, al f) do CIRC o gasto referente a uma taxa, cujo sujeito passivo é um terceiro, não é dedutível.
Neste sentido, veja-se do Ac. do TCA do Sul de 25.06.2020, proc. n.º 2545/12.0 BELRS:
2. Porém, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: os impostos, taxas e outros tributos que incidam sobre terceiros que o sujeito passivo não esteja legalmente obrigado a suportar.
3. O sujeito passivo da taxa é quem está vinculado ao cumprimento da prestação tributária ou em relação a quem se verifica o facto tributário (não ocorrendo a figura da substituição tributária), sendo irrelevante que terceiro satisfaça o pagamento e/ ou se tenha obrigado contratualmente a suportar o montante da liquidação.
4. A taxa facturada pelo município em nome de determinado sujeito passivo não pode ser contabilizada como custo fiscalmente relevante, por um terceiro, ainda que tenha sido este a satisfazer a prestação tributária e tenha acordado em suportar o encargo correspondente.
Em conclusão, o gasto relativo ao pagamento da taxa para a obtenção da licença de obras não é dedutível (art. 23ºA, n.1, al. f) do CIRC), tal como indicado no relatório da inspeção tributária.
Deste modo, julga-se, também nesta parte, improcedente o presente pedido arbitral.
VI) DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:
a) Julgar integralmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de a liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2023..., de 21-11-2023, acrescida das liquidações de juros compensatórios (liquidações n.ºs 2023..., 2023..., 2023..., 2023 ..., 2023 ... e 2023 ...), no montante total de € 90.067,69, referente ao exercício de 2021, e a Liquidação de IRC n.º 2023 ... de 2023-11-23, relativa ao exercício de 2021, onde se apurou um valor a pagar de 108,86, tudo no valor de €90.176,55, e em consequência absolver a Requerida do pedido;
b) Condenar a Requerente nas custas do processo face ao decaimento.
Fixa-se o valor do processo em €90.176,55 (noventa mil, cento e setenta e seis euros e cinquenta e cinco cêntimos) nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.754,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de outubro de 2024
O Presidente do Tribunal Arbitral
(José Poças Falcão)
O Árbitro vogal - relator
(André Festas da Silva)
O Árbitro vogal
(Daniel Taborda)