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SUMÁRIO:
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A procedência de um pedido efetuado na sequência de uma Participação de Rendas, prevista no art.º 15º-N do Decreto-Lei nº. 287/2023 de 12 de novembro, está dependente do facto de o imóvel em causa ter sido objeto de uma avaliação geral ao abrigo do nº. 10 do artigo 15º. daquele mesmo diploma legal.
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Não se considera como resultando de uma avaliação geral, a fixação de um Valor Patrimonial Tributário encontrado na sequência do pedido supra referido.
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Não se considera como avaliação geral, para estes efeitos, uma avaliação efetuada pela Autoridade Tributária a pedido do contribuinte e em momento anterior ao dia 1/12/2011, data prevista no nº. 10º. do art.º 15 do Decreto-Lei nº. 287/2023 de 12 de novembro.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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Em 28 de fevereiro de 2024, A..., residente na Rua ..., ... –..., ...-... Lisboa, contribuinte fiscal nº..., Serviço de Finanças Lisboa ..., doravante designado por “Requerente”, tendo sido notificado da Decisão Final no Controlo da Aplicação do Regime de Participação de Rendas de 2019 e para efetuar o pagamento do montante total de € 546,79 (quinhentos e quarenta e seis euros e setenta e nove cêntimos) referente à correção da liquidação de IMI do ano de 2019, durante o mês de Fevereiro de 2024 (cfr. Documentos n.º 1 e 2), solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e dos artigos 10.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista a ser determinada a anulação da liquidação oficiosa de IMI em causa nos autos, bem como a anulação da decisão final no controlo da aplicação do regime de participação de rendas de 2019, e em consequência a restituição do montante indevidamente pagou acrescido dos juros indemnizatórios devidos desde 21.02.2024 até efetiva restituição, com as demais consequências legais.
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O Requerente é representado, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária, a Senhora Drª. B..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida) é representada pelos juristas Senhora Dr.ª C... e Senhor Dr. D... .
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Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi o signatário designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e aceitou o cargo, no prazo legalmente estipulado, não se tendo as partes oposto a tal nomeação.
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O presente Tribunal foi constituído no dia 9 de maio de 2024, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular que se encontra junta aos presentes autos.
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No mesmo dia 9 de maio de 2024, o Tribunal notificou, por despacho, o dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira para apresentar Resposta, juntar o processo administrativo, e caso o pretenda, solicitar produção de prova adicional, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT.
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Em 12 de junho de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta tendo igualmente procedido à junção do processo administrativo.
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Não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, o Tribunal, por despacho de 14 de junho de 2024, entendeu dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como dispensar as partes da apresentação de alegações.
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O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT determinou a prolação da decisão arbitral até ao termo do prazo fixado no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, tendo advertido o Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
Ii - A Posição das partes
I). A Posição do Requerente
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O Requerente é proprietário da fração autónoma com a letra B, a que corresponda o Artº Matricial nº. ...- U- ...-B, sita na Rua..., nº...–..., em Lisboa a qual se encontra arrendada desde o dia 01 de Abril de 1974.
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Na vigência do referido contrato, o Requerente efetuou, em 18 de março de 2020, uma participação de rendas (participação de rendas nº ...), para aplicação do regime previsto no art.º 15º-N do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro.
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Com data de 26 de março de 2020, é emitido despacho pelo Sr. Chefe de Serviço de Finanças Lisboa ..., através do qual é comunicado ao Requerente o valor patrimonial tributário do imóvel supra identificado, para efeitos exclusivamente do IMI do ano de 2019, no valor de € 104.148,00, o qual é bastante inferior ao VPT do imóvel que era de € 331.981,02.
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Posteriormente, por Ofício datado de 24.11.2023, a Senhora Diretora de Serviços do IMI, notificou o Requerente para o exercício do direito de participação na decisão, na modalidade de audição prévia, previsto no artigo 60º da LGT, relativamente ao seguinte:
“1. No âmbito do controlo à aplicação do regime previsto no artigo 15º-N do Decreto-Lei nº 287/2003 de 12 de Novembro, efetuado às participações de renda submetidas para o ano de 2019, foi submetida a participação de rendas nº ... . Foram indicados como se encontrando em condições de beneficiar daquele regime os prédios abaixo identificados: Código ...- freguesia ...- artigo ... - fração B 3. Relativamente às condições previstas no nº 1 do artigo 15º-N do referido diploma, após consulta ao sistema aplicacional do Património-IMI efetuada para o mencionado prédio, constata-se que não cumpre o requisito legal de terem sido objeto de avaliação geral, conforme determinado no nº 10 do artigo 15º desse diploma. 4. Assim, é de anular a aplicação do regime previsto no artigo 15º-N do Decreto-Lei nº 287/2003 de 12 de Novembro, para o prédio e o ano supra identificados, uma vez que não se mostra cumprido o requisito legal de ter sido avaliado no âmbito da avaliação geral dos prédios urbanos e, consequentemente, proceder-se à correção da liquidação do IMI tendo por base o valor patrimonial do prédio” (Cfr. Documento nº 7)
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O Requerente exerceu o direito de audição prévia, mas, não obstante, foi-lhe comunicado com data de 29 de dezembro de 2023, a demonstração da revisão oficiosa da liquidação do imposto sobre o imóvel supra identificado, com data limite de pagamento de 29.02.2024, tendo o Requerente procedido ao pagamento de tal adicional em 21.02.2024.
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Quanto à matéria de direito o Requerente invoca os seguintes argumentos:
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A título preliminar, refere que a fundamentação da própria Decisão Final não é congruente e muito menos precisa, invocando também o disposto no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que determina que:
“os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.”.
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E o artigo 77.º da LGT que prevê, igualmente, que:
“A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”.
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Assim, entende o Requerente, que incumbe à Administração Tributária a exposição de todas as razões, de facto e de direito, subjacentes à emissão dos atos de liquidação, de modo a permitir ao Requerente, em consciência, aferir da legalidade dos argumentos invocados e, consequentemente, contestar ou não os referidos atos de liquidação.
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O que, no caso concreto, não foi feito, pois a AT limita-se a alegar na Decisão Final no controlo da Aplicação do Regime de Participação de Rendas de 2019, que “Relativamente às condições previstas no nº 1 do artigo 15º-N do referido diploma, após consulta ao sistema do Património-IMI efetuada para os mencionados prédios, constata-se que não cumprem o requisito legal de terem sido objeto de avaliação geral, conforme determinado no nº 10 do artigo 15º desse diploma”.
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Efetivamente, o Requerente diz não compreender qual o caminho percorrido pela Administração Tributária para chegar a tal conclusão, uma vez que tal avaliação consta expressamente da caderneta predial urbana, bem como os respetivos dados de avaliação para o efeito, os quais se subsumem integralmente na previsão do Art.º 38º do CIMI e nos critérios de avaliação aí definidos.
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Ou seja, os índices da avaliação patrimonial deste imóvel, ocorrida em 09.02.2010, tiveram por base os critérios de avaliação definidos pelo artigo 38º do CIMI, que entrou em vigor em 01.12.2003, critérios que ainda hoje se mantêm em vigor, para qualquer avaliação patrimonial feita pela Administração Tributária.
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Pelo que não se concebe que a Administração Tributária possa vir invocar que o prédio não cumpre o requisito legal previsto no nº 1 do artigo 15º-N do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro, por não ter sido objeto de avaliação geral.
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A este respeito, a própria disposição preambular do CIMI, refere expressamente que a atualização do valor patrimonial dos prédios urbanos arrendados até 31 de dezembro de 2001, e que continuem arrendados no domínio de vigência do novo Código, será feita através da capitalização da renda anual, evitando assim que os seus titulares se vissem confrontados com um imposto a pagar que poderia exceder o rendimento efetivamente recebido. Os prédios urbanos novos e os que forem transmitidos no domínio de vigência do CIMI serão objeto de avaliação com base nas novas regras de avaliação, e passarão a ser tributados por uma taxa entre 0,2% e 0,5%, a fixar por cada município.
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In casu, verifica-se, assim, que a aparente “fundamentação” apresentada não é, pois, congruente nem clara, limitando-se a Administração Tributária a referir disposições legais cuja aplicação aos factos em apreço é manifestamente errónea.
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Conclui o Requerente do seguinte modo:
“Em face do exposto, parece curial que se conclua que o ato de liquidação oficiosa ora contestado não se mostra fundamentado na Decisão Final no controlo da Aplicação do 9 Regime de Participação de Rendas de 2019, nos termos legalmente adequados e exigidos, impondo-se a respetiva anulação por violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2, 268.º, n.º 3, da CRP e 77.º da LGT.”
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Sem prejuízo da invocada falta de fundamentação, o Requerente não se conforma com o entendimento sufragado pela Administração Tributária, porque contrário às disposições legais já referidas, entre as quais o disposto no artigo 38º do CIMI, estando em causa a segurança jurídica das decisões da AT e o Estado Direito, nomeadamente por constituírem um tratamento discriminatório de contribuintes que se encontram exatamente na mesma situação de facto e de direito, e igual capacidade contributiva.
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E o Requerente termina requerendo a este Tribunal Arbitral se digne decretar a procedência do pedido e em consequência determinar a anulação da liquidação oficiosa adicional de IMI, com o nº 2019..., e a restituição do imposto que, por via dela, foi indevidamente pago, em 21.02.2024, no montante de € 546,79, requerendo igualmente a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, sobre aquele montante, desde a data em que foi feito o pagamento – 21.02.2024 – até à data da efetiva restituição.
II). A Posição da Requerida
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A Requerida começa por enunciar os factos que considera relevantes para apreciação da causa. A saber:
a). A 09.02.2010, o prédio foi avaliado com a ficha de avaliação n.º..., conexa com a declaração modelo 1 do IMI apresentada em 21.12.2009 com o motivo 6 “Pedido de avaliação”;
b). O prédio inscrito no artigo matricial U- ...- B não foi abrangido pela avaliação geral consagrada pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro;
c). A 18.03.2020, o sujeito passivo apresentou a participação de rendas ao abrigo do nº. 3.º do artigo 15.º-N do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, relativas ao imóvel supra identificado para o ano de 2019 (n.º ...);
d). A 10.07.2020, após o processamento dessa participação de rendas, foi liquidado o IMI de 2019 para o referido prédio no valor de € 249,96, tendo por base o valor tributável da renda capitalizada ao abrigo do artigo 15.º-N, de € 104.148,00, ao invés do VPT do prédio, de € 331.981,02;
e). A 27.11.2023, no âmbito do controlo à aplicação participação de rendas, foi enviada ao sujeito passivo, por carta registada (RD ... PT), a notificação contendo o projeto de não aplicação do regime previsto no artigo 15.º-N ao referido prédio, com o fundamento constante no ponto 3: «…constata-se que não cumpre(m) o requisito legal de terem sido objeto de avaliação geral…»;
f). Através do serviço e-balcão, o sujeito passivo exerceu a audição prévia, expondo que:
“1 - Com efeito, no mencionado ofício é dito que deve ser anulada a aplicação do regime previsto no Art.º 15-N do DL nº 287/2003, de 12-11, em virtude de não ter sido cumprido o requisito legal de o prédio (fração B do artigo matricial...) não ter sido objeto da avaliação geral conforme previsto no nº 10 do Art.º 15º desse diploma.
Ora, a referida fração foi objeto de avaliação no dia 09-02-2010, ao abrigo do Art.º 38º do CIMI, tendo sido observados todos os critérios e requisitos constantes do Art.º 38º do CIMI.”
g). A entidade Requerida considera assim o Despacho de 26-03-2020 do Sr. Chefe do Serviço de Finanças, Lisboa ..., conforme ofício nº..., de 31-03-2020, como vinculativo, sob pena de pôr em causa a segurança jurídica das decisões da AT, e o Estado de Direito.
h). Na sequência do controlo à aplicação da participação de rendas foi promovida a liquidação n.º ..., que apurou o IMI referente ao prédio de € 796,75, tendo por base o valor patrimonial tributário de € 331.981,02.
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Quanto ao Direito a entidade Requerida argumenta do seguinte modo.
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O artigo 15.º-N do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, prevê um regime especial para os prédios ou partes de prédios urbanos abrangidos pela avaliação geral consagrada pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, o qual se aplica aos prédios que estejam arrendados por contrato de arrendamento para habitação celebrado antes da entrada em vigor do RAU (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro), ou por contrato de arrendamento para fins não habitacionais, celebrado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro.
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A Requerida refere que a avaliação geral dos prédios urbanos é um processo que incide sobre os prédios urbanos que, em 1 de dezembro de 2011, não tenham sido avaliados nos termos do CIMI e em relação aos quais não tenha sido iniciado procedimento de avaliação.
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Ora, a Requerida conclui que o prédio em causa não foi abrangido pela avaliação geral dos prédios urbanos, determinada pelo n.º 10 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, motivo pelo qual não é aplicável o regime previsto no n.º 1 do artigo 15º-N, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro.
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Nesses termos se conclui que, assim sendo, prevalece, para todos os efeitos, o VPT determinado na avaliação efetuada, com as devidas atualizações trienais previstas no artigo 138º do Código do IMI.
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Refere ainda, conforme prevê o n.º 10 do mencionado artigo 15.º, que, “apenas” ficaram abrangidos pela avaliação geral, os prédios urbanos que em 1 de dezembro de 2011 não tenham sido avaliados e em relação aos quais não tenha sido iniciado procedimento de avaliação nos termos do Código do IMI.
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Ora, a Requerida considera que é facto assente entre as partes que o prédio foi avaliado em fevereiro de 2010 e com base num pedido de avaliação formalizado na declaração modelo 1 do IMI apresentado em 2009, logo defende que o mesmo não integrou o âmbito dos prédios que foram submetidos à operação de avaliação geral dos prédios urbanos levada a efeito pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, e que alterou o Decreto-Lei n.º 287/2003, com a alteração do artigo 15.º e a integração dos artigos 15.º-A a 15.º-P.
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E conclui do seguinte modo:
“Como o regime aplicável aos prédios urbanos arrendados previstos no n.º 1 do artigo 15.ºN exige que o prédio tenha sido abrangido pela avaliação geral, a par de estar arrendado por contrato de arrendamento que cumpra os pressupostos dessa norma, é manifesto que o identificado prédio do sujeito passivo não podia beneficiar deste regime.”
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Sobre a alegada falta de fundamentação, a Requerida refere que o Requerente, quando se pronunciou em sede de audiência prévia, não suscitou qualquer dúvida sobre a liquidação de IMI, tendo aliás demonstrado perfeito e cabal conhecimento das causas que conduziram à revisão da liquidação de IMI de 2019, razão pela qual entende que o vício de falta de fundamentação é manifestamente improcedente.
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Mas, mesmo que assim não se entendesse, remete-se para a anotação ao artigo 77.º da LGT, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, onde se afirma:
“Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa. Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.” (vd., Lei Geral Tributária. Anotada e Comentada, 4.ª ed., Lisboa, Encontro da Escrita Editora, 2012, pp. 675).
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E o Supremo Tribunal Administrativo, no Procº. n.º 016217 proferiu em 28-10-1998 um Acórdão onde sustenta que:
“(…) Não significa uma exaustiva descrição de todas as razões que determinam a sua prática, mas implica esclarecer devidamente o seu destinatário dos motivos que estão na génese e das razões que sustentam o seu conteúdo. (...) Esse dever de fundamentação visa, assim, permitir ao destinatário do ato conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo deste, permitindo-lhe ficar a saber quais os motivos que levaram à Administração à sua prática. (...)
Um ato está devidamente fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal – o bonus pater familia de que fala o artigo 487º, n.º 2 do Código Civil – fica esclarecido acerca das razões que o motivaram.”
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Razão pela qual, inclui a Requerida, resulta demonstrado que o Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do ato tributário sobre o qual recai o presente pedido de pronúncia arbitral, tal como resulta do próprio exercício jurídico-argumentativo que faz no seu excurso.
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Porquanto, não é possível afirmar que determinado ato se encontra infundamentado quando, no caso concreto, a motivação contextual permitiu ao seu destinatário ficar a saber as razões de facto e de direito que levaram a Requerida a tomar a decisão em causa, com aquele sentido e conteúdo, permitindo-lhe ainda tomar uma decisão esclarecida sobre o acatamento ou a impugnação dos atos impugnados.
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As razões da AT foram amplamente compreendidas e posteriormente referenciadas e atacadas pelo Requerente no seu requerimento de pronúncia arbitral que, de outra forma, não o teria apresentado, pelo que se tem por não verificado o vício de falta de fundamentação, cabendo em todo o caso ao Requerente, se assim não fosse, lançar mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT e solicitar a respetiva notificação ou emissão da certidão em conformidade, o que não se verificou.
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E isto, como bem se decidiu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13.05.2008, no processo n.º 02302/08:
“(...)II) - A faculdade consentida pelo art. 37.º do CPPT é o modo único de sanação da deficiência da notificação, com diferimento do início do prazo para uso dos meios graciosos ou contenciosos de impugnação, não constituindo condição para o acesso a esses meios. IV) - A falta de uso daquela faculdade terá como consequência a impossibilidade de invocar o vício de forma por falta de fundamentação como causa de pedir da impugnação judicial deduzida contra o acto cuja fundamentação não tenha sido comunicada ao contribuinte.”
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Solicitando, por isso, ao Tribunal que seja julgado improcedente o Pedido de Pronúncia Arbitral.
III - SANEAMENTO
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.
IV - Matéria de Facto
Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC).
Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral da Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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Factos dados como Provados
Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
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O Requerente é proprietário da fração autónoma com a letra B, e Artº Matricial nº. ...- U- ...-B, sita na Rua ..., nº ... –..., em Lisboa. (Cfr. Documento nº 3)
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A fração encontra-se arrendada desde o dia 01 de Abril de 1974 (Cfr. 4 – Comunicação AT Contrato de Arrendamento);
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A 09.02.2010, o prédio foi avaliado com a ficha de avaliação n.º ..., conexa com a declaração modelo 1 do IMI apresentada em 21.12.2009 com o motivo 6 “Pedido de avaliação”;
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Na vigência do referido contrato, o Requerente efetuou, em 18 de Março de 2020, uma participação de rendas, recebidas no âmbito do contrato de arrendamento acima, (participação de rendas nº ...) para aplicação do regime previsto no artigo 15º-N do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro. (Cfr. 5 – Participação de Rendas).
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Com data de 26 de Março de 2020, é emitido despacho pelo Sr. Chefe de Serviço de Finanças Lisboa ..., através do qual é comunicado ao Requerente o valor patrimonial tributário do sempre identificado imóvel, para efeitos exclusivamente do IMI do ano de 2019. (Cfr. Documento nº 6 – IMI – Notificação de decisão).
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Tal valor patrimonial tributário para efeitos exclusivamente do IMI do ano de 2019 - € 104.148,00 - é bastante inferior ao valor patrimonial tributário do imóvel - € 331.981,02.
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Por ofício datado de 24.11.2023, a Exma. Senhora Diretora de Serviços do IMI, notifica o Requerente para o exercício do direito de participação na decisão, na modalidade de audição prévia, previsto no artigo 60º da LGT, relativamente ao seguinte:
“1. No âmbito do controlo à aplicação do regime previsto no artigo 15º-N do Decreto-Lei nº 287/2003 de 12 de Novembro, efetuado às participações de renda submetidas para o ano de 2019, foi submetida a participação de rendas nº... . 2. Foram indicados como se encontrando em condições de beneficiar daquele regime os prédios abaixo identificados: Código...- freguesia ... - artigo ... - fração B 3. Relativamente às condições previstas no nº 1 do artigo 15º-N do referido diploma, após consulta ao sistema aplicacional do Património-IMI efetuada para o mencionado prédio, constata-se que não cumpre o requisito legal de terem sido objeto de avaliação geral, conforme determinado no nº 10 do artigo 15º desse diploma. 4. Assim, é de anular a aplicação do regime previsto no artigo 15º-N do Decreto-Lei nº 287/2003 de 12 de Novembro, para o prédio e o ano supra identificados, uma vez que não se mostra cumprido o requisito legal de ter sido avaliado no âmbito da avaliação geral dos prédios urbanos e, consequentemente, proceder-se à correção da liquidação do IMI tendo por base o valor patrimonial do prédio” (Cfr. Documento nº 7)
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O Requerente exerceu o direito de audição prévia concedido, através do E-Balcão. (Cfr. Documento nº 8)
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Foi comunicado ao Requerente, com data de 29 de dezembro de 2023, a demonstração da revisão oficiosa da liquidação de imposto sobre o referido imóvel.
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Na sequência do controlo à aplicação da participação de rendas foi promovida a liquidação n.º..., que apurou o IMI referente ao prédio de € 796,75, tendo por base o valor patrimonial tributário de € 331.981,02 (Vd. Docº. 2019... Adicional 2019) com data limite de pagamento para 29.02.2024.
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O Requerente procedeu ao pagamento, em 21.02.2024, da liquidação adicional no montante de € 546,79 (Cfr. Documento nº 9).
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O Requerente apresentou, em 28 de fevereiro de 2024, o presente pedido de pronuncia arbitral.
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Factos dados como não Provados
Não existem factos dados como não provados, entendendo o presente Tribunal Arbitral que todos os factos dados como provados são os bastantes e relevantes para a apreciação do pedido.
THEMA DECIDENDUM –
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Importa saber:
i). se o ato de liquidação do IMI do ano de 2019 está devidamente fundamentado e
ii). se o prédio em causa foi abrangido ou não pela denominada avaliação geral prevista n.º 10 do art.º 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro e se, em consequência
iii). pode ou não beneficiar do regime previsto no artigo 15º-N do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro e ser tributado em IMI com base no VPT calculado face ao valor de capitação da renda praticada.
V – O DIREITO
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Face às posições assumidas e aos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, importa decidir.
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Comecemos pela falta de fundamentação invocada pelo Requerente.
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Está aqui em causa a interpretação e aplicação, nomeadamente, do disposto no nº. 3 do art.º 268º. da Constituição da República Portuguesa (CRP), que consagra o seguinte:
“3. Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”
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A invocada falta de fundamentação, está relacionada com a ausência de justificações adequadas nas respetivas decisões administrativas.
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O art.º 268.º da CRP estabelece os direitos dos cidadãos no âmbito da atuação da Administração Pública e garante que as decisões que afetam diretamente os seus direitos ou interesses legalmente protegidos devem ser fundamentadas. Isso significa que qualquer decisão administrativa precisa explicar de forma clara e suficiente as razões que levaram a essa decisão.
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Assim se garantindo a transparência, o controlo da legalidade e o respeito pelos direitos dos cidadãos, permitindo-lhes compreender as razões subjacentes às decisões que os afetam e, se necessário, contestá-las.
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Por seu turno, os n.ºs 1 e 2 do art.º 77º. da Lei Geral Tributária (LGT), consagra que:
“1 — A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 — A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”
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Essa suposta falta de fundamentação, detetada, ab inicio pelo contribuinte, pode levá-lo a utilizar a faculdade prevista no art.º 37º. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o que, no caso concreto o Requerente não fez, admite-se, porque tenha entendido os fundamentos da liquidação do imposto em causa.
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Ou seja, pode considerar-se que o contribuinte não tenha utilizado o mecanismo aí imprevisto, já que pelas diversas intervenções que fez ao longo do processo, no exercício dos seus direitos de defesa, deu a entender que tinha perfeitamente identificado os fundamentos da decisão, a legislação fiscal aplicável, as razões pelas quais a AT procedeu à liquidação adicional do IMI, o que ficou validado pelo teor da argumentação utilizada no presente PPA.
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O Requerente manifestou pleno conhecimento da fundamentação do ato em causa, pelo modo como foi exercido o seu direito de participação na decisão comunicada por ofício de 24/11/2023 da Senhora Diretora de Serviços do IMI.
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Entendemos, por isso, que, embora de modo remissivo para as disposições legais aplicáveis, o ato em causa está devidamente fundamentado, porquanto, se mais não houvesse, o seu destinatário ficou perfeitamente esclarecido acerca das razões que o motivaram.
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Vejamos, nesse sentido, o que encontra consagrado no Acórdão do STA Proc. nº. 0723/15 de 7 de junho de 2017:
“I - A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
II - No que concerne aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
III - A Administração Tributária cumpre este dever de fundamentação quando, estando em causa um acto de liquidação oficiosa de IVA, dá a conhecer ao sujeito passivo as operações aritméticas a que procedeu para determinar o quantum de imposto em dívida, depois de identificar, individualizar e quantificar os factores que utilizou nessas operações: ratio do sector da actividade exercida, volume de negócios, tributação mínima e declarações periódicas em falta.”
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Também a entidade Requerida refere outra decisão que dá suporte à conclusão quanto à devida fundamentação do ato em causa, nos seguintes termos:
“(…) Não significa uma exaustiva descrição de todas as razões que determinam a sua prática, mas implica esclarecer devidamente o seu destinatário dos motivos que estão na génese e das razões que sustentam o seu conteúdo. (...) Esse dever de fundamentação visa, assim, permitir ao destinatário do ato conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo deste, permitindo-lhe ficar a saber quais os motivos que levaram à Administração à sua prática. (...).
Um ato está devidamente fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal – o bonus pater familia de que fala o artigo 487º, n.º 2 do Código Civil – fica esclarecido acerca das razões que o motivaram.” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, tirado no Proc. n.º 016217 proferido em 28-10-1998)
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Por seu turno, se tivermos em consideração também o que dispõe o já referenciado art.º 77º. da LGT, poderemos chegar à mesma conclusão, como nos dizem, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em anotação a esta disposição legal e já acima transcrita:
“Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa. Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.” (vd., Lei Geral Tributária. Anotada e Comentada, 4.ª ed., Lisboa, Encontro da Escrita Editora, 2012, pp. 675).
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Em resumo, a "falta de fundamentação" significa que uma decisão administrativa foi tomada sem uma explicação adequada, o que poderia violar os direitos estabelecidos no artigo 268.º da Constituição, o que no caso concreto não aconteceu, pelo que vai, quanto a este aspeto, indeferida a pretensão do Requerente.
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Relativamente à questão de fundo, e às consequências em sede de determinação do VPT dos prédios urbanos arrendados, face ao regime previsto no artigo 15º.-N, do Decreto-Lei nº. 287/2003 de 12 de novembro, a questão que divide as partes tem a ver com o facto de, por um lado, o Requerente entender que o prédio em causa foi abrangido por uma avaliação e como tal poderia beneficiar do regime ali previsto, enquanto que a AT entende que a avaliação de que o Requente fala, não constitui uma avaliação e muito menos uma avaliação geral, ainda para mais tendo ocorrido uma em 2010, e como tal, anteriormente à data a partir da qual se poderia passar a realizar a chamada “avaliação geral”, ou seja após 1 de dezembro de 2011.
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Tal facto, conclui a Requerida, impede que ao contribuinte seja reconhecido o direito a fazer incidir o IMI sobre um valor substancialmente inferior.
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Ou seja, a AT entende que:
“A avaliação geral de prédios urbanos é um processo que incide sobre os prédios urbanos que, em 1 de dezembro de 2011, não tenham sido avaliados nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e em relação aos quais não tenha sido iniciado procedimento de avaliação.”
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Invoca para o efeito o determinado pelo nº. 10 do art.º 15º. do referenciado Decreto-Lei que determina o seguinte:
“Ficam abrangidos pela avaliação geral os prédios urbanos que em 1 de dezembro de 2011 não tenham sido avaliados e em relação aos quais não tenha sido iniciado procedimento de avaliação nos termos do CIMI”
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Ora, a entidade Requerida refere que o imóvel em causa não foi objeto de avaliação geral, ao que o Requerente contrapõe, que sim, considerando como tal a notificação que recebeu em 26/03/2020, contendo o Despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ..., que dá conta que o VPT do imóvel para efeitos de IMI do ano 2019 é de € 104.148,00 contrariamente àquela que já se encontrava fixado em € 331.981,02, invocando ainda, para este mesmo efeito, aquela avaliação que foi efetuada ao imóvel em 2010.
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Ora acontece que, conforme consta da respetiva notificação, esse VPT (€ 104.148,00) foi fixado apenas para esse feito. E qual o efeito? O do cálculo da coleta do IMI referente ao ano de 2019. E nada mais.
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Recorde-se, que esta notificação foi feita na sequência de uma participação de rendas, efetuada ao abrigo do art.º 15º.-N do Decreto-Lei nº. 287/ 2003, 12 de novembro.
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Sobre as questões relacionadas com a avaliação geral e as suas consequências, a AT emitiu na altura a Circular nº. 4/2013, que transcrevemos em parte:
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Por outro lado, o Requerente também refere o prédio foi avaliado em 2010, e que essa avaliação deve ser considerada relevante para efeitos fiscais.
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Contudo, como já referimos, a avaliação a que o Requerente se refere, por força das disposições legais aplicáveis, não pode ser considerada como a “tal” “avaliação geral”, já que a mesma foi efetuada antes de 1/12/2011 e promovida por iniciativa do contribuinte, facto por ele não contestado.
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Como sabemos, durante os anos de 2011/2013, Portugal foi alvo de uma intervenção por parte dos credores internacionais e no contexto de diversas medidas então empreendidas, foi determinada a necessidade de se proceder a uma avaliação geral do património imobiliário, porquanto os valores patrimoniais dos prédios urbanos estavam bastante subavaliados (o que também acontecia e em maior escala com os prédios rústicos, mas cujo procedimento de avaliação se tornava mais complexo).
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Determinou-se, num primeiro momento, que tal avaliação se faria aos prédios novos e de cada vez que o imóvel fosse transmitido, quer por ato inter vivos quer mortis causa, o que se vai revelar lento e manifestamente insuficiente face ao objetivo assumido de avaliação de todo o património imobiliário.
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A esta situação se refere José Maria Pires, nos seguintes termos:
“A aproximação dos valores patrimoniais de prédios urbanos aos valores de mercado, foi um dos objetivos fundamentais, como temos vindo a analisar, da entrada em vigor do sistema de avaliações de prédios urbanos introduzido pelo Código do IMI. Foi também a aproximação aos valores de mercado que esteve na base do regime transitório de atualização de valores aplicável aos prédios urbanos já existentes no cadastro predial à data da entrada em vigor da reforma.
O primeiro começou a aplicar-se aos prédios novos e aos que forem transmitidos após a entrada em vigor da reforma (após o dia 13 de novembro de 2003). O segundo aplicou-se aos restantes prédios e vigorou para cada prédio enquanto não foi avaliado por ser transmitido ou enquanto não foi efetuada a avaliação geral da propriedade urbana.” (Vd. José Maria Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, pág. 121/2, Almedina, 2012, 2ª. Edição)
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Razão pela qual se legislou, mais tarde, no sentido de consagrar uma avaliação geral que abrangesse os prédios que, até ao momento, face ao regime anterior, ainda não tivessem sido avaliados.
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Continuemos com o mesmo autor, agora relativamente a esta questão da “avaliação geral”:
“O diploma que aprovou a Reforma da Tributação do Património de 2003/2004 estabelecia que num prazo máximo de 10 anos todos os prédios urbanos seriam avaliados NOS termos do novo sistema de avaliações constantes do Código do IMI.” (Ob. Cit, pág. 147).
“A avaliação geral dos prédios urbanos que a data de 1 de dezembro 2011 ainda não haviam sido abrangidos pelo procedimento de avaliação do código do IMI, foi um procedimento de natureza excecional que teve que ser regulado por legislação própria, apesar de a metodologia de realização da avaliação de cada prédio ter assentado na aplicação do sistema de avaliações do IMI a todos.
Para esse efeito a Lei nº. 64-A/ 2011, de 30 de novembro, acrescentou ao Decreto-Lei nº. 287/2003, de 12 de novembro, os artigos 15º.-A a 15º.-P, onde está contido o regime de avaliação geral.” (Ob. Cit, pág. 150/1), e cujos princípios que a nortearam vêm aí sobejamente desenvolvidos.
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É essa avaliação geral e não qualquer outra, que se impõe que tivesse ocorrido para efeitos de aplicação do regime previsto no referenciado Art.º 15-N do Decreto-Lei nº. 287/ 2003, 12 de novembro.
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Isto porque, conforme defende o autor que temos vindo a citar, foram sujeitos à avaliação geral todos os prédios cujo procedimento de avaliação não havia sido iniciado até ao dia 30 de novembro de 2011.
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Ora, por outro lado, o que aconteceu ao imóvel propriedade do Requerente nada tem a ver com esta avaliação geral, pois trata-se da determinação de um VPT inferior ao normal, face ao valor dos rendimentos gerados com arrendamento do imóvel em causa e, por outro lado, a avaliação propriamente dita de que o imóvel foi alvo em 2010, não reúne os requisitos legais impostos para que possa ser considerada como uma avaliação geral.
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O valor de € 104.148,00 objeto de notificação por parte do Serviço de Finanças de Lisboa ..., na sequência do pedido efetuado pelo Requerente, limitou-se a fixar um VPT para, com base nele, ser calculado o IMI do ano 2019, como o próprio Requerente tinha solicitado e apenas na sequência do seu pedido. Cabia ao proprietário do prédio arrendado tomar essa iniciativa, que só a ele aproveitaria, e que nunca seria desencadeada oficiosamente pela própria autoridade tributária.
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Não estamos perante uma avaliação do imóvel, trata-se antes da aplicação do regime legal que condiciona o VPT, em função do rendimento gerado pelo imóvel (capitalização de rendas), face, nomeadamente, ao constante congelamento das rendas imposto pelo legislador nacional aos proprietários portugueses.
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Tal compensação, face à ausência sistemática da possibilidade de atualização das rendas urbanas, estaria a ser minimamente compensada, naturalmente numa base muito reduzida, pelo cálculo de um IMI inferior àquele que corresponderia ao VPT normal/real do imóvel (de mercado).
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Daí que o legislador tenha criado um regime de salvaguarda, precisamente aplicável aos imóveis com rendas degradadas, que se destinavam fundamentalmente a evitar que, em caso algum, o IMI a pagar pelos sujeitos passivos fosse superior ao valor das rendas recebidas e que consiste numa limitação da liquidação do IMI com base num VPT que não pode exceder a capitalização da renda anual pelo fator 15.
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Retomando José Maria Pires:
“O legislador assume que a persistência de rendas degradadas no mercado de arrendamento imobiliário em Portugal é um problema que não respeita apenas aos proprietários, e é também um problema de que o próprio estado é responsável,….” assim concluindo que: “… A persistência, continuada no tempo, de regimes de condicionamento legal do mercado de arrendamento, conduziram a uma profunda degradação do valor das rendas de muito prédios arrendados.” (ob. cit., pág. 201).
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Não pode este Tribunal dar como reunidos os requisitos legais previstos para aplicação do regime estabelecido no nº. 1 do artigo 15º-N do Decreto-Lei nº. 287/2003, de 12 de novembro, porquanto aí se impõe que o imóvel que beneficie desse regime tenha sido objeto de avaliação geral, o que no caso concreto não aconteceu.
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A avaliação imposta por lei para este efeito - a avaliação geral - não abrange os imóveis que não tivessem sido avaliados (ou a avaliação tivesse o seu início) antes de 1 de dezembro de 2011.
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Ora, o imóvel em questão já tinha sido avaliado em 2010, pelo que não o poderia ter sido novamente a partir de 1 de dezembro de 2011.
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Razões pela quais não pode procede a pretensão do Requerente quanto à anulação da liquidação adicional do imposto em causa.
VII - DECISÃO
Face ao exposto, não é considerado como procedente o pedido de pronuncia arbitral apresentado pelo Requerente relativamente à liquidação do IMI do ano de 2019, no montante de € 546,79 e prejudicado fica deste modo o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
VIII - Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 546,79 (quinhentos e quarenta e seis euros e setenta e nove cêntimos), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, c), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
IX - Custas
Custas a cargo do Requerente, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 306,00 (trezentos e seis euros).
Notifique-se.
Lisboa, 21 de outubro de 2024
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O Árbitro
(Jorge Carita)
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