Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 274/2024-T
Data da decisão: 2024-10-29   Outros 
Valor do pedido: € 8.449,83
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário - Competência material do tribunal arbitral - Repercussão legal e económica - Legitimidade processual
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SUMÁRIO: I - A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) reveste a natureza de imposto, dispondo o tribunal arbitral de competência material para apreciar a legalidade dos respectivos actos de liquidação. II - A Requerente não é sujeito passivo da CSR ou repercutido legal da mesma. A repercussão económica da CSR não é imposta ou sequer pressuposta, quer no seu regime regulador, quer por via do Código dos IECs para o qual remetem as respectivas normas de liquidação e pagamento. III - A legitimidade processual assente na existência de um interesse legalmente tutelado, impõe a coexistência da prova da repercussão económica a montante pelo adquirente e da não repercussão económica, por este, no preço dos bens e serviços por si fornecidos.

 

DECISÃO ARBITRAL

A..., LDA, com o número de identificação fiscal ... e sede social na Rua ..., n.º ...,  ..., ...-... Alenquer, (doravante designada por “Requerente”), solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).

I.       Relatório

O pedido formulado pela Requerente consiste na (i) declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão tácita de indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação do Imposto Especial de Consumo (IEC), na parcela referente à Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), dos períodos de Maio de 2019 a Dezembro de 2022, no valor de € 8.449,83 e (ii) no pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 9 de Maio de 2024.

Na sua resposta e envio do processo administrativo em 28 de Maio 2024, a Requerida apresentou defesa por impugnação e por excepção. Em 24 de Junho a Requerente pronunciou-se sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida.

A reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi realizada em 23 de Setembro, data em que foram igualmente inquiridas as testemunhas.

Foram apresentadas alegações finais.

Posição da Requerente

No pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega que:

  1. Em 27 de Julho de 2023 apresentou um pedido de revisão oficiosa, solicitando a anulação dos actos de liquidação da CSR referentes ao período de 15 de Maio de 2019 a 31 de Dezembro de 2022, a qual foi liquidada pelo sujeito passivo e, posteriormente, repercutida à Requerente. A AT não se pronunciou sobre o pedido no prazo legal estabelecido para o efeito, tendo-se formado indeferimento tácito;
  2. As sociedades «B..., SA», «C..., SA», «D..., SA», «E..., SA», «F..., LDA» e «G..., LDA», entregaram ao Estado, enquanto sujeitos passivos da relação jurídico-tributária, os valores apurados nos actos de liquidação de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e CSR praticados pela AT com base nas Declarações de Introdução no Consumo (DIC) submetidas por aquelas submetidas;
  3. No período de 2019 a 20222, a Requerente adquiriu, para a prossecução da sua actividade estatutária, 76.124,53 litros de gasóleo rodoviário às referidas entidades. Estas repercutiram nas correspondentes facturas a CSR referente a cada um desses consumos de gasóleo, pelo que a CSR entregue ao Estado pelos sujeitos passivos que introduziram o gasóleo no circuito económico foi única e exclusivamente suportado pela Requerente. Foi esta o contribuinte de facto da CSR, tendo suportado € 8.449,83;
  4. As fornecedoras do gasóleo confirmaram que foi a Requerente a suportar a CSR, pelo que dúvidas não subsistem de que foi esta que suportou à custa do seu património o referido imposto;
  5. Verifica-se a ausência de qualquer contraprestação administrativa indirecta e presumivelmente destinada aos contribuintes sobre quem recai o encargo da CSR - os repercutidos - que justifique a sua oneração com este tributo;
  6. A Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, limita-se a consignar genericamente a receita da CSR à «Infraestruturas de Portugal, SA», não estabelecendo qualquer contrapartida presumivelmente aproveitada pelos sujeitos passivos da CSR. Pelo que esta, pelo seu carácter inequivocamente unilateral, configura um imposto e não uma contribuição. Pelo que os tribunais arbitrais são materialmente competentes para apreciar os actos de liquidação da CSR;
  7. A legitimidade para propor o presente pedido de pronúncia arbitral resulta dos n.º 1 e 2 do artigo 9.º da Lei Geral Tributária (LGT): “Todos os actos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos são impugnáveis ou recorríveis nos termos da lei”. Continua o artigo 95.º da LGT que: “O interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei”;
  8. O n.º 1 do artigo 9.º do Código de Processo e de Procedimento Tributário (CPPT) estatui que: “Têm legitimidade no processo judicial tributário (…) além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”. Tudo em linha com o artigo 18.º da LGT que estabelece que é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou pedido de pronúncia arbitral;
  9. Em qualquer situação de repercussão do pagamento do imposto, independentemente da repercussão legal ou facultativa, verifica-se uma ablação do património do repercutido, o qual suporta o encargo tributário sem qualquer participação no procedimento de liquidação;
  10. Na situação em apreço, o sujeito passivo do imposto não é ou não foi a Requerente. Mas o encargo inerente ao pagamento do imposto foi-lhe repercutido;
  11. Pese embora a legislação não preveja, expressamente, uma obrigação legal de repercussão sobre os consumidores finais dos combustíveis, tal obrigação decorre do regime consagrado na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, a qual determina que “o financiamento da rede rodoviária nacional (…) é assegurado pelos respectivos utilizadores (…)”, dado que “(…) a CSR constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional tal como está verificada pelo consumo dos combustíveis”;
  12. Nos termos da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, o artigo 2.º do Código dos IECs foi alterado no sentido de consagrar a repercussão desses tributos. Trata-se do reconhecimento de que a repercussão sempre foi legal nos impostos especiais de consumo;
  13. É ainda entendimento da AT que os sujeitos passivos da CSR não podem obter o reembolso dos montantes suportados a esse título, precisamente porque é prática uniforme e reiterada a sua repercussão na espera jurídica dos adquirentes de combustível;
  14. Na sequência do pedido de decisão prejudicial apresentado nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) pelo tribunal arbitral constituído no âmbito do processo n.º 564/2020-T, foi proferido o despacho do TJUE de 7 de Fevereiro de 2022 (“Vapo Atlantic”, Processo C-460/21);
  15. O TJEU decidiu que a CSR não prossegue “motivos específicos” na acepção do artigo 1.º n.º 2 da Directiva 2008/118 e, como tal, configura uma violação do direito da União Europeia;
  16. Impunha-se à AT determinar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, a anulação dos actos tributários sub iudice e proceder ao reembolso das quantias indevidamente suportadas pela Requerente a título de CSR.
  17. Verifica-se um erro imputável à AT, investindo a Requerente no direito ao recebimento de juros indemnizatórios calculados desde a data dos pagamentos indevidos.

 

Posição da Requerida

A Requerida apresentou contestação, tendo suscitado diversas excepções:

  1. Primeiro, a AT está vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, encontrando-se o objecto dessa vinculação definido no artigo 2.º: “(…) que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos (…)”. No caso em apreço está em causa a apreciação da legalidade da CSR e respectivas liquidações, pelo que, tratando-se de uma contribuição e não de um imposto, as matérias sobre a CSR estão excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal;
  2. Ainda que a competência material dos tribunais arbitrais fosse admissível, os actos de repercussão de CSR não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal, a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT. A qual dispõe que: "A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta";
  3. Ao tribunal arbitral é vedado pronunciar-se sobre actos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos da sua liquidação. A repercussão não constitui um acto tributário e, no caso concreto, não estamos perante uma repercussão legal, mas antes uma repercussão meramente económica ou de facto. Tratando-se de uma contribuição e não de um imposto, a CSR está excluída da arbitragem tributária;
  4. Segundo, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago. No âmbito dos impostos especiais de consumo, são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo. É a estas entidades que são emitidas as respectivas liquidações de imposto e apenas estas podem identificar tais actos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigos 15.º e 16.º do CIEC);
  5. De entre os fornecedores elencados pela Requerente, apenas a «B..., SA» é titular de estatuto fiscal habilitado a introduzir no consumo gasolinas e gasóleos, podendo, enquanto tal, ter sido sujeito passivo da CSR liquida nos combustíveis comercializados à Requerente;
  6. Os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do acto tributário e consequente pedido de reembolso do imposto. Não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do Código dos IEC, não têm legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral;
  7. Não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal. No caso concreto, não está em causa uma alegada situação de repercussão legal, porquanto a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto;
  8. A repercussão económica da CSR depende da decisão dos sujeitos passivos, de, no âmbito das suas relações comerciais privadas, procederem, ou não, à transferência parcial ou total da carga fiscal para outrem (os seus clientes), tendo em conta a política de definição dos preços de venda e as consequências para a sua actividade no que respeita ao impacto na procura. Com efeito, os revendedores podem ter um interesse económico em suportar, através da diminuição do preço, o custo adicional gerado pelo agravamento da CSR;
  9. Não existe no âmbito da CSR um acto tributário de repercussão legal e autónomo do(s) acto(s) de liquidação de ISP/CSR, sendo que as facturas não corporizam actos de repercussão de CSR, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis. Ou seja, a venda não origina, obrigatoriamente, uma repercussão, uma vez que esta, conforme referido, depende da política de definição dos preços de venda pelo fornecedor;
  10. Ainda que o sujeito passivo “repasse” o custo da CSR no preço de venda dos combustíveis, os seus clientes não são, necessariamente, quem suporta tal encargo. A Requerente, enquanto sociedade comercial que desenvolve uma actividade com fins lucrativos, repassa, necessariamente, no preço dos serviços que presta, os gastos em que incorre, o que inclui as aquisições de combustível. Pelo que as entidades potencialmente lesadas com o encargo da CSR serão os consumidores finais de tais serviços;
  11. No caso, a Requerente não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis adquiridos aos seus fornecedores inclui o valor da CSR pago pelo sujeito passivo da mesma, nem sequer que suportou, a final, o encargo desse tributo, i. e. que não o repassou no preço dos serviços prestados aos seus clientes. Não dispondo, assim, de legitimidade processual;
  12. Terceiro, o pedido de pronúncia arbitral é inepto, dado que as transacções económicas, que ocorrem após a introdução no consumo, não têm por base um acto de liquidação, o que impede a identificação concreta do acto tributário subjacente. A Requerente limita-se a juntar facturas de aquisição de combustível, sem ser capaz de identificar quer o acto tributário subjacente quer o sujeito passivo da obrigação tributária;
  13. Não pode a AT suprir a falha relativa à identificação dos actos tributários, porquanto se revela impraticável estabelecer qualquer correspondência entre os actos de liquidação (que não foram identificados) praticados pelos sujeitos passivos de ISP/CSR (que igualmente se desconhecem) e o alegado pela Requerente;
  14. Também não é possível estabelecer qualquer correspondência entre as quantidades de gasóleo introduzido no consumo e as quantidades desse produto adquiridas pela Requerente. Isto, porque as introduções no consumo assentam em quantidades apuradas a 15 graus centígrados, ao passo que as posteriores alienações entre os diversos operadores económicos se realizam à temperatura observada. Pelo que, dependendo da temperatura, os valores facturados poderão ser inferiores ou (como será na maioria dos casos) superiores. Daqui decorrendo que, no limite, os litros vendidos e os correspondentes montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado, serão, por isso, superiores às importâncias da CSR efectivamente liquidadas e pagas pelos sujeitos passivos dos IECs (considerando a temperatura a 15º centígrados);
  15. Sem a identificação dos actos de liquidação, não é possível sindicar a respetiva legalidade;
  16. Quarto, a ausência dos actos tributários impede a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, dado que a contagem do prazo se inicia a partir do termos do prazo de pagamento dos IECs, tendo por referência a data do acto de liquidação;
  17. A Requerente funda o seu pedido na prática de um erro imputável à AT. Sucede que esta, estando vinculada ao princípio da legalidade e tendo liquidado os IECs em estrita observância do normativo aplicável, não incorreu em qualquer erro de facto ou de Direito.

Defendeu-se ainda por impugnação:

  1. A Requerente não logra fazer prova do que alega, designadamente, que pagou e suportou integralmente a CSR por repercussão. A prova de pagamento do tributo não pode assentar em juízos meramente presuntivos. As regras do ónus da prova apenas se invertem em caso de presunção legal, o que não se verifica no caso em apreço;
  2. As facturas anexas não contêm qualquer referência aos valores pagos a título de CSR. Acresce que não são apresentados elementos concretos, inclusive o quantum repercutido. Não se pode exigir à AT a prova de que não houve repercussão (facto negativo). A Requerente também não provou que o preço dos serviços que presta aos seus clientes não comporta, a jusante, a repercussão da CSR;
  3. Os montantes referenciados pela Requerente como constituindo a CSR liquidada pelos sujeitos passivos, estão incorrectos. Isto, porque a liquidação foi efectuada à temperatura de 15.º ao passo que a subsequente comercialização à Requerente foi praticada à temperatura observada, que não está certificada. Razão pela qual não é possível conhecer o valor da CSR previamente liquidada;
  4. A Requerente também não provou que ela própria não incluiu a CSR, que diz ter suportado, nos preços de venda praticados aos seus clientes;
  5. É jurisprudência do TJUE que, ainda que fosse provada a repercussão do imposto a um dado adquirente de produtos sujeitos a IEC, o Estado-membro pode opor-se à devolução do imposto a esse adquirente, com fundamento no facto de este não ter pago o imposto e possa exercer uma acção cível de repetição do indevido contra o sujeito passivo;
  6. Quanto aos juros indemnizatórios, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado na sequência do pedido de revisão oficiosa submetido em 28 de Julho de 2023. Pelo que os juros indemnizatórios só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa. De todo o modo, a improcedência do pedido conduz a idêntico desfecho no que aos juros diz respeito.

A Requerente pronunciou-se pela improcedência das excepções invocadas pela Requerida

Nas alegações finais, as Partes mantiveram o que invocaram nos articulados anteriores.

  1. Saneamento

O tribunal arbitral é competente e foi regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades e as Partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias.

 

  1. Matéria de facto

Inquirição das testemunhas

Da inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente, resultou a seguinte matéria com relevo para a decisão:

  1. H...
  • É contabilista certificada, prestando serviços à Requerente há mais de 20 anos. Trata-se de uma PME familiar que se dedica ao transporte rodoviário de mercadoria, com destaque para inertes e britas. O principal cliente é a «I... » e «D... »;
  • Das facturas de aquisição de combustível não consta o valor dos impostos especiais de consumo. Os principais fornecedores são a «C..., SA» e a «B..., SA»;
  • Crê que a CSR terá sido repercutida pelos fornecedores de combustível e que não terá sido repassada nos preços de prestação de serviços, pelo facto de as PME não disporem de poder negocial;
  • Não se recorda se a Requerente apurou resultado líquido positivo ou negativo nos exercícios de 2019 a 2022.
  1. J...
  • É sócio-gerente da «K..., LDA». Não conhece a Requerente, não tendo ideia de ser seu cliente.
  • A sociedade é franchisada da L..., a quem adquire os combustíveis, em regime de conta firme, aos preços que esta estabelece. O mesmo sucede com os preços de venda, que são igualmente fixados pela L... . A sociedade aufere uma margem pela diferença de preços. A L... garante uma rentabilidade mínima;
  • O software de facturação é responsabilidade da L... . Se houve facturas de venda à Requerente, essas vendas terão ocorrido. Não conhece a CSR.
  1. M...
  • É responsável pelo negócio de combustíveis da «E..., SA». A Requerente é seu cliente de retalho (não de frota);
  • A CSR é paga à Autoridade Tributária pelas empresas responsáveis pela introdução no consumo dos combustíveis, o que não é o caso da «E..., SA». As facturas que lhe são emitidas incluirão todos os impostos devidos, apesar de não surgirem discriminados nas facturas. Os impostos são repercutidos ao longo da cadeia, sendo suportados pelo cliente final;
  • O fornecedor é a P..., a quem adquire o combustível mediante uma fórmula de preço contratual, à qual acrescem os impostos à taxa legal vigente, designadamente o ISP, a CSR (até 31 Dezembro de 2022) e o Adicionamento de CO2. A sociedade contrata o serviço de transporte, através do qual os combustíveis são levantados e adquiridos nos entrepostos fiscais (exemplificativamente, Aveiras, Sines e Boa Nova) e subsequentemente transportados para as estações de serviço. A sociedade não tem uma relação directa com os sujeitos passivos, que não conhece e que, enquanto titulares dos entrepostos fiscais, são responsáveis pela introdução no consumo;
  • A aquisição dos combustíveis  nos entreposto fiscal é efectuada a 15º graus. A posterior venda nas estações de serviços é efectuada à temperatura observada, pelo que poderá ser alienada uma quantidade de combustível que não foi adquirida a montante, i. e. o preço de venda inclui uma parcela que não foi suportada como custo a montante;
  • No último mês, a taxa dos IECs subiu por três vezes. A política da «E... » consiste em passar para o preço o aumento do valor do IEC, pese embora o mesmo tenha sido liquidado a uma taxa inferior dado que a respectiva introdução no consumo ocorreu previamente à alteração de taxa. O mesmo sucederia, em sentido inverso, no caso de ocorrer uma descida da taxa dos IECs;
  • Ofereceu um exemplo adicional de liberdade na fixação dos preços, ao referir que em determinados momentos a «E..., SA» opta por não reflectir no preço o ajuste que seria expectável face ao movimento semanal das cotações internacionais;
  • Resumiu a sua intervenção do seguinte modo: a «E..., SA» tem uma política de repercussão nos preços dos custos que suporta nas aquisições de combustíveis, de forma a obter um retorno positivo. No que à CSR (e aos IECs como um todo) respeita, não consegue garantir a traçabilidade entre os valores pagos ao fornecedor e repercutidos aos clientes. Tal decorreda política comercial, da oscilação da temperatura e da variação das taxas dos IECs, o que impede a existência de uma relação quantitativa directa entre os valores pagos e repercutidos;
  1. N... e O...
  • O Sr. N... é sócio-gerente da sociedade «G..., LDA». Conhece a Requerente, porque realizam abastecimentos no posto gerido pela sociedade. O Sr. N... é filho do sócio-gerente e presta apoio na gestão da sociedade;
  • O combustível é adquirido à P... em regime de conta-consignação. A P... determina tanto os preços de aquisição como os preços de venda, ficando uma margem positiva (de lucro) para a sociedade. O software de facturação é responsabilidade da P...;
  • Não conhecem o entreposto fiscal de origem, não dispondo de qualquer informação sobre quem possa ser o sujeito passivo da CSR;
  • No último mês ocorreram 3 aumentos na taxa de IECs. Com a entrada em vigor desses aumentos, a P... aumentou o preço de forma a reflectir a maior taxa de imposto, pese embora o IEC houvesse sido previamente liquidado a uma taxa inferior. Esse aumento foi repercutido no preço de venda praticado pela sociedade.

 

Matéria provada e não provada

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente desenvolve as actividades de transporte rodoviário de mercadorias;
  2. No período de 15 de Maio de 2019 a 31 de Dezembro de 2022, a Requerente adquiriu gasóleos rodoviários à «B..., SA», a «C..., SA», «D..., SA», «E..., SA», «L..., LDA» e «G..., LDA»;
  3. Todas as referidas sociedades operaram como revendedores de combustível, que adquiriram a outos distribuidores ou revendedores (que não foram identificados no presente processo) e posteriormente revenderam à Requerente;
  4. Apenas a «B..., SA» é titular de um estatuto que lhe permite actuar como sujeito passivo de IECs e, concretamente, da CSR;
  5. As facturas que titulam as vendas à Requerente, e que foram por esta integralmente pagas, não contêm qualquer referência à CSR;
  6. O valor de € 8.449,83 corresponde à aplicação da taxa legal da CSR sobre as quantidades de gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente;

Dado que a liquidação dos IECs tem por base a temperatura de 15º Celsius (n.º 1 do artigo 91.º do Código dos IECs) e não se conhece a temperatura observada no momento da aquisição dos combustíveis pela Requerente, o referido valor de € 8.449,83 não corresponde ao exacto valor que não é conhecido e que terá sido liquidado pelo sujeito passivo da obrigação tributária.

Acresce que, conforme o depoimento das testemunhas, os revendedores recorrem à prática de reflectir nos preços de venda o aumento da taxa dos IECs, pese embora uma parte dos combustíveis alienados tenham sido introduzidos no consumo à taxa antiga. Sendo verdade que a taxa da CSR não sofreu modificações ao longo do período em análise (Maio de 2019 a Dezembro de 2022), não menos verdade é que esta prática rompe a traçabilidade e repercussão do imposto ao longo da cadeia, evidenciando a liberdade económica inerente à fixação dos preços. Naturalmente que alguma repercussão terá, por força do valor absoluto da CSR, de existir, mas a conjugação destes dois factores - temperatura e liberdade na fixação dos preços - não permite a ligação directa e causal entre a liquidação do imposto e a posterior facturação no circuito de comercialização;

  1. Não foi identificado o sujeito passivo que emitiu as declarações electrónicas de introdução no consumo, a partir das quais foi liquidada a CSR cuja anulação e devolução constitui o objecto do pedido de pronúncia arbitral.

Pese embora o fornecedor «B..., SA» seja detentor de um estatuto que lhe permite introduzir no consumo produtos sujeitos a IECs, não foi apresentado qualquer meio probatório que permita concluir que os combustíveis alienados à Requerente foram previamente introduzidos no consumo por essa sociedade.

Bem pelo contrário, a declaração emitida pela «B..., SA» apenas alude à “CSR por si suportada na aquisição de combustível a sujeitos passivos”, o que nos conduz à conclusão óbvia de que, nas vendas à Requerente, esse fornecedor não actuou como sujeito passivo;

  1. A Requerente não é um consumidor final dos combustíveis adquiridos aos seus fornecedores, dado que tais produtos são utilizados no âmbito da sua actividade económica de transporte rodoviário de mercadorias;
  2. Em 27 de Julho de 2023 a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, no qual, alegando a qualidade de repercutido legal e económico da CSR, peticionou a anulação da correspondente liquidação de imposto. Na ausência de resposta dentro do prazo legal previsto para o efeito, o pedido de revisão oficiosa foi considerado como tacitamente indeferido. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo;

 

Considera-se como não provado que:

  1. As facturas de aquisição de combustível permitem demonstrar que os sujeitos passivos de IECs (cuja identidade é desconhecida) liquidaram a CSR e repercutiram o correspondente valor aos posteriores intermediários do circuito económico.
  2. A Requerente suportou efectiva e integralmente o montante da CSR liquidada e paga pelos sujeitos passivos dos IECs.

Desde logo, porque, perante o desconhecimento da identidade dos sujeitos passivos, dos actos tributários por estes praticados e dos valores do imposto liquidado a 15º Celsius no entreposto fiscal (saída do regime suspensivo e simultânea introdução no consumo), soçobra a prova da liquidação e do pagamento do imposto no início do circuito económico. O que não permite efectuar qualquer juízo sobre ou demonstração da repercussão económica do imposto desde esses sujeitos passivos até à Requerente.

Também a declaração emitida pela «B..., SA» não apresenta a idoneidade probatória que a Requerente lhe atribui. Não identifica o sujeito passivo e não contém quaisquer elementos sobre os IECs que lhe terá sido liquidado. Na ausência destes elementos não se compreende o determinismo com que considera que suportou o tributo. E, na falta destes elementos, não se compreende como toma o seguinte passo lógico de considerar que esse custo foi integralmente repercutido à Requerente.

A listagem das facturas nada aporta, dado que estas são as que já estão em posse da Requerente.

Em suma, não tendo actuado como sujeito passivo da CSR, não conhecendo a identidade desse sujeito passivo e não conhecendo o valor liquidado a esse sujeito passivo, a declaração não apta a provar a repercussão da CSR. Quer a montante (pelos seus fornecedores), quer a jusante (à Requerente).

  1. A Requerente é um consumidor final, tendo suportado o encargo da CSR que lhe terá sido repercutida pelos seus fornecedores.

Não foi apresentada prova capaz de demonstrar que, contrariamente à lógica inerente à prossecução de uma actividade económica, o custo dos combustíveis adquiridos aos seus fornecedores (que incluiria a repercussão económica da CSR que lhes teria sido previamente repercutida por outros revendedores ou pelos sujeitos passivos da obrigação tributária), não foi tido em conta no valor dos serviços prestados aos seus clientes.

Não sendo um consumidor final e prestando serviços de transporte rodoviário de mercadorias, o custo decorrente da aquisição de combustível representará uma parcela significativa dos custos totais suportados pela Requerente em resultado dos serviços prestados aos seus clientes. E não ficou minimamente demonstrado que tais custos não foram, no todo ou em parte, considerados (indirectamente repercutidos) no valor dos referidos serviços prestados pela Requerente aos seus clientes.

É de salientar que um dos fornecedores da Requerente, a «D..., SA», é também um dos seus principais clientes. Pelo que o custo dos combustíveis adquiridos a este fornecedor, certamente teria sido considerado no preço dos serviços que a Requerente lhe presta, lançando fundada dúvida sobre a não repercussão desse custo.

A Requerente nem sequer apresentou elementos económicos, contabilísticos ou financeiros susceptíveis de permitir aferir da sua capacidade de recuperar os custos directos e indirectos da sua actividade nos preços praticados aos seus clientes. Em suma, não ocorreu qualquer esforço probatório mínimo ou essencial que permita afastar o comum juízo de experiência, em obediência ao qual os operadores económicos, no âmbito da sua actividade de escopo lucrativo, repercutem (ou pelo menos procuram repercutir) nos preços a totalidade dos custos suportados.

 

Relativamente à fundamentação da matéria de facto supra, o tribunal não carece de se pronunciar sobre a totalidade dos factos alegados pelas partes, antes lhe cabendo o dever de recortar, de entre a matéria alegada, aquela que se afigura relevante para estabelecer os factos provados e não provados (n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do artigo 607.º do Código de Processo Civil).

A prova foi seleccionada pela correspondente relevância para a decisão arbitral e assentou no processo administrativo remetido pela Requerida, nos documentos apresentados pela Requerente e no depoimento das testemunhas (com destaque para os Srs. M..., N... e O...).

 

  1. Matéria de direito

Tendo sido suscitadas diversas excepções, impõe-se o conhecimento prioritário das mesmas previamente à apreciação do mérito do pedido.

 

da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral

A Requerida alega a ineptidão do pedido por falta de objecto, i. e. por não estarem identificados os actos tributários controvertidos, imputando à Requerente a mera indicação de facturas de aquisição de combustíveis as quais não configuram actos tributários e de que não resulta a prova de actos de repercussão de CSR.

Improcede esta excepção, por não se verificar qualquer uma das faltas plasmadas no artigo 186.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT e da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT: (i) quando seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, (ii) se o pedido estiver em contradição com a causa de pedir ou (iii) quando se acumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

Com efeito, a Requerente, partindo da condição que alega de repercutido da CSR previamente liquidada pelos respectivos sujeitos passivos, apresenta o pedido de anulação desses actos de liquidação, para o período de 15 de Maio de 2019 a 31 de Dezembro de 2022, e fundamenta a causa de pedir na aquisição de combustíveis cuja prévia introdução no consumo preenche a incidência objectiva daquele imposto.

Pese embora a Requerente não seja sujeito passivo da CSR, o normativo aplicável (concretamente o artigo 9.º do CPPT) admite que da repercussão de um imposto possa advir a necessidade de tutelar um interesse legalmente protegido e, por esse motivo, confere ao repercutido o direito de reacção, por via administrativa e judicial, contra essa repercussão.

Assim, nada obsta a que a Requerente apresente um pedido de revisão oficiosa e um pedido de pronúncia arbitral contra a repercussão da CSR, suportados nos únicos elementos que lhe é permitido conhecer (as facturas de aquisição de combustíveis). Impor-lhe o conhecimento dos actos tributários da CSR, a cuja liquidação e pagamento a mesma é alheia, corresponderia ao esvaziamento da tutela legal do direito que lhe assiste.

Reconhece-se a evidente dificuldade (senão mesmo impossibilidade) da Requerida em identificar os actos de liquidação, atento os elementos subjectivos (identificação dos sujeitos passivos e a cadeia de comercialização que se lhes segue) e objectivos (liquidação e pagamento da CSR) em falta. Todavia, daqui não decorre que essa mesma onerosidade possa ser imputada à Requerente, sob pena de, como vimos, se inutilizar a tutela legal do seu direito à sindicância da legalidade dos actos tributários.

Acresce que a falta de identificação dos actos tributários não impediu o exercício do contraditório, no qual a Requerida manifestou a compreender o teor e alcance do pedido formulado pela Requerente.

 

da incompetência material do tribunal arbitral

A CSR, instituída pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, assentou na autonomização de uma parcela do ISP, cujo valor foi consignado à «EP - Estradas de Portugal, SA» (o Decreto-Lei n.º 374/2007, de 7 de novembro, transformou a «Estradas de Portugal E.P.E.» na «EP - Estradas de Portugal, S.A.» e o Decreto-Lei nº 91/2015 de 29 de maio, operou a incorporação por fusão desta na « REFER, E.P.E.» que é transformada em sociedade anónima, passando a denominar-se «Infraestruturas de Portugal, S.A.»), tendo em vista a concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. O artigo 3.º da referida Lei apresenta a CSR como a contrapartida pela utilização desse rede rodoviária, verificada a partir do consumo de combustíveis rodoviários (gasolinas, gasóleos e GPL de carburação). A CSR apoia-se no Código dos IECs para efeitos de estabelecimento da incidência subjectiva e objectiva, a par das regras de liquidação e pagamento.

 

Para a qualificação da CSR como imposto, seguimos de perto a decisão arbitral n.º 304/2022-T, de 5 de Janeiro de 2023, cujo sentido e decisão subscrevemos:

«Baseando-nos em todas os anteriores contributos jurisprudenciais e doutrinários, mas sobretudo no último acórdão citado do STA, concluímos que não é o simples facto de um tributo ter, desde logo, a designação de “contribuição” (ac. TC n.º 539/2015) e nem o facto de esse tributo ter a respetiva receita consignada (ac. TC n.º 232/2022), que o qualifica automaticamente como “contribuição financeira”; antes é, para tal, necessário, como judicia o STA, que esse tributo tenha com finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.” Com efeito, o sistema tributário comporta tributos que têm a designação de “contribuições” e são verdadeiros impostos, como se extrai, desde logo, do n.º 3 do art.º 4.º da LGT. Por outro lado, o sistema tributário comporta igualmente impostos que, ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos (estabelecido no art.º 7.º da Lei de Enquadramento Orçamental), têm a sua receita consignada (vg. ac. TC n.º 369/99, de 16.06.1999, proc. 750/98). Por conseguinte, nem o nomen juris “contribuição”, nem a afetação da receita a uma finalidade específica são suficientes para qualificar um tributo como “contribuição financeira”. O elemento decisivo para essa qualificação é a existência de uma estrutura de comutatividade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita e os sujeitos passivos do tributo. […] Ou seja, para que possamos afirmar estar-se perante uma “contribuição financeira”, é necessário que as prestações públicas que constituem a contrapartida coletiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respetivos sujeitos passivos. […] Entendemos, assim, que o que distingue uma “contribuição financeira” de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública. A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007). Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa - que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” - é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.” Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial - a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. - não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade. A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1.º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2.º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento. No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4.º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos. (…) Nos termos do n.º 1 do art.º 20.º da LGT, “a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte”. Para que estivéssemos, no caso presente, perante uma situação de substituição tributária, era necessário que os consumidores que pagam o preço dos combustíveis aos revendedores estivessem na posição de “contribuintes”. Sobre o conceito de contribuintes, o n.º 3 do art.º 18.º diz que “o sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.” De onde se retira que o contribuinte é uma das espécies da categoria “sujeitos passivos” e estes são as pessoas (ou entidades) que estão obrigadas ao pagamento da prestação tributária, o que não acontece com os consumidores dos combustíveis. Concluímos, assim, que não estamos perante uma situação de substituição, pelo que os sujeitos passivos da CSR são igualmente os respetivos contribuintes diretos. Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede. Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira. […]».

 

A Requerida argumenta adicionalmente que ao tribunal arbitral está vedado pronunciar-se sobre actos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos da sua liquidação. A repercussão não constitui um acto tributário e, no caso concreto, não estamos perante a figura da repercussão legal.

 

Convocando a decisão arbitral n.º 987/2023-T, que igualmente subscrevemos:

«Como é sabido, é pelo critério do pedido que se afere a competência de um tribunal. Nesta sede, puramente formal, irrelevam assim quaisquer considerações em torno da viabilidade substancial da pretensão deduzida, as quais apenas deverão aferidas na fase do julgamento da causa. Assim, não se verificará aquele apontado vício da instância se a pretensão concretamente deduzida, apreciada em abstrato e alheando-se de qualquer avaliação do seu mérito, couber no quadro das competências jurisdicionais do tribunal em que a ação pende. No caso presente não subsistem dúvidas de que a pretensão deduzida - de resto, de modo bastante claro e sem qualquer ambiguidade ou equivocidade - é a de invalidação de atos de liquidação da CSR, com fundamento em que o conteúdo exatório desses atos foi repercutido na esfera jurídica da requerente e assacando-se-lhes um vício que, de acordo com a argumentação sufragada, seria causa da respetiva ilegalidade. Para apreciar a competência do tribunal é indiferente, portanto, saber se o vício invocado procede quer no que diz respeito à existência efetiva dos seus elementos constitutivos quer mesmo no que diz respeito ao efeito invalidante que se lhe atribui - tudo isso pertence já ao conhecimento da questão de fundo - ou se a requerente tem legitimidade adjetiva para o invocar em juízo, matéria que subingressará já no quadro da apreciação da exceção de ilegitimidade. Ora, a jurisdição arbitral tributária é competente para conhecer de pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos” [art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT]. Tanto basta, assim, para concluir pela manifesta improcedência da exceção de incompetência com este fundamento, na medida em que o que se peticiona não é a declaração de ilegalidade dos atos de repercussão, mas antes a declaração de ilegalidade de atos de liquidação da CSR cujos efeitos foram alegadamente repercutidos na esfera da requerente, pretensão que claramente se compreende no âmbito material da jurisdição arbitral tributária».

Assim se concluindo pela improcedência desta excepção.

 

da ilegitimidade da requerente

Resumidamente, a Requerente alega que a CSR, liquidada pelos sujeitos passivos, lhe foi repercutida nas facturas de fornecimento de combustível. Foi a Requerente que, exclusivamente e em última instância, suportou o encargo da CSR.

Estamos perante a figura da repercussão legal, tendo em vista o disposto no artigo 2.º do Código dos IECs

Vejamos.

 

No processo judicial tributário, o CPPT dedica uma norma específica à legitimidade, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT). Em linha com o artigo 65.º da LGT: “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.

Sendo indisputável que a Requerente não é sujeito passivo em sede de IEC, a sua legitimidade processual e substantiva terá de se fundar na repercussão legal ou económica do imposto.

Apesar de o repercutido legal não ser sujeito passivo, a alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, determina que assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”. O repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição necessária à sua intervenção em juízo.

Sucede, que a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não estabelece qualquer mecanismo de repercussão legal deste imposto. Limita-se a identificar os sujeitos passivos da obrigação tributária e o objecto do imposto. E, por remissão para o Código dos IECs (no seu n.º 1 do artigo 5.º), o facto gerador da obrigação tributária, o momento da exigibilidade da mesma, a liquidação e o pagamento.

Em momento algum se determina a entidade que, ao longo da cadeia de comercialização dos combustíveis sujeitos a CSR, deve suportar o valor do imposto liquidado e pago. Não se institui um mecanismo de repercussão legal - como sucede com uma retenção na fonte ou o Imposto sobre o Valor Acrescentado - e nada se refere quanto à obrigatoriedade de repercussão económica.

É sabido que, em obediência à finalidade lucrativa a que preside a sua actividade, os operadores económicos procuram repassar os custos em que incorrem. Todavia, um tal comportamento - que sempre careceria de uma concretização mínima - não se funda na observância de uma norma que, à semelhança das regras de liquidação do IVA ou do mecanismo da retenção na fonte, imponha uma repercussão legal. Esta, a existir, teria de constar de uma norma habilitadora, a qual não existe.

Convoca-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 1 de Outubro de 2023, Processo n.º 956/03): “O imposto automóvel é devido pelo requerente da atribuição de matrícula nacional ao respectivo veículo automóvel (…) pelo que que tem o mesmo legitimidade para deduzir impugnação judicial contra a respectiva liquidação, dada a sua qualidade de sujeito passivo da relação jurídica tributária, aliás como contribuinte directo - artºs 9 n° 1 e 4 do CPPT e 18 n° 3 da LGT. (…) O terceiro adquirente do veículo não é, como se disse, um sujeito passivo nem contribuinte (…). Nada importando a eventual repercussão do imposto na venda do mesmo, a que, a lei, nos preditos termos, não atribui, qualquer relevância legal para retirar legitimidade ao dito sujeito passivo e contribuinte”.

 

Em defesa da repercussão legal, a Requerente indica o artigo 2.º do Código dos IECs, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro: “Os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

E o artigo 6º da citada Lei nº 24-E/2022 estabelece que: “A redação conferida pela presente lei ao artigo 2.º do Código dos IEC tem natureza interpretativa.

Estamos perante uma norma que, apresentando-se como interpretativa, é claramente inovadora. E cuja aplicação a factos anteriores estaria ferida de inconstitucionalidade, por violação do princípio da irretroactividade material, conforme decorre do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de Janeiro de 2021:

A retroatividade inerente às leis interpretativas é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição”.

Acresce que a estrutura basilar do IEC - assente na liquidação monofásica do imposto no momento em que ocorre a saída de um regime suspensivo e com absoluta independência de uma transacção económica - não se presta, por mero comando legal, a uma repercussão total e plena. Por muito que uma qualquer solução legal o deseje, não é possível estabelecer uma linha de traçabilidade, causal e directa, entre a obrigação de liquidação do IEC e as posteriores e sucessivas etapas de comercialização dos combustíveis. Basta aliás atentar na unidade de medida de 15º, que apenas ao sujeito passivo seria possível conhecer.

Em suma, estamos perante uma norma claramente inovadora e, como tal, apenas aplicável ex nunc.

 

Ao não revestir a qualidade de sujeito passivo de CSR ou de repercutido legal, a legitimidade processual da Requerente exige a demonstração de um interesse legalmente protegido, nos termos dos n.º 1 e n.º 4 do artigo 9.º do CPPT.

Sucede que a Requerente baseia a sua intervenção processual na alegação de lhe ter sido repercutida a CSR pelas empresas fornecedoras de combustíveis, caracterizando-se como um consumidor de combustíveis que suporta (a final) o encargo daquele tributo.

Mas esta sua alegação não encontra suporte no probatório.

Não constituindo uma imposição legal, a repercussão económica dependerá das políticas comerciais adoptadas pelos diversos agentes económicos intervenientes no circuito de comercialização. O qual é especialmente longo, dado que todos os fornecedores da Requerente operam como revendedores de combustível.

Não estando o sujeito passivo (não identificado nos autos) obrigado à repercussão legal do encargo inerente à CSR por si declarada nas introduções no consumo (que originam as liquidações de imposto e consequente pagamento), a repercussão será o resultado das políticas comerciais que, em cada momento, forem sendo livremente praticadas por e entre os diversos operadores.

Não se podendo pressupor ou inferir, legal ou economicamente, que cada um dos intermediários do circuito de comercialização repercute, no todo ou em parte, o valor da CSR liquidado ao sujeito passivo que inicia o circuito de transmissão onerosa de combustíveis sujeitos a imposto, tudo se resume aos meios de prova juntos aos autos e a respectiva aptidão à demonstração, de facto, dessa repercussão.

Ora, o probatório organizado pela Requerente consiste na junção de facturas que nada permitem concluir pela liquidação da CSR a montante. Na verdade, apenas se poderá presumir que os sujeitos passivos (não identificados) terão satisfeito essa sua obrigação tributária, sob pena de incumprimento.

Nada se sabe sobre a repercussão económica do encargo da CSR pelo sujeito passivo aos seus clientes revendedores, de entre os quais estão os fornecedores da Requerente.

A inexistência de informação sobre o valor que eventualmente terá sido repercutido a estes revendedores, preclude qualquer conclusão quanto à repercussão - por estes - à Requerente.

Adicionalmente, e conforme resultou da prova testemunhal, os revendedores estabelecem os preços livremente. Por vezes não reflectem no preço o aumento do custo do produto (como consequência da fórmula de preço baseada em cotações internacionais). Outra vezes transportam para o preço o aumento da taxa dos IECs, mesmo quando esse imposto foi liquidado a montante a uma taxa inferior (pelo facto de a introdução no consumo ter ocorrido no momento em que estava em vigor uma taxa inferior). Actuando da mesma forma e em sentido contrário sempre que ocorrem descidas na taxa dos IECs.

A todo este quadro de incerteza e dúvida quanto ao valor do imposto liquidado a montante e se este terá sido directa e integralmente repercutido na cadeia de revenda até à Requerente, soma-se a sua actividade económica de transporte rodoviária de mercadorias.

Contrariamente ao que alega, a Requerente não é um consumidor final dos combustíveis que adquire, dado que os utiliza como recurso na prossecução dessa sua actividade comercial de transporte de mercadorias.

A Requerente não juntou elementos probatórios que permitam concluir que o encargo inerente à CSR, a ter-lhe sido integral ou parcialmente repercutido - que, como vimos supra, não se pode dar por estabelecido - não foi também por esta repercutido, total ou parcialmente, aos seus clientes. Sendo que estes («I...» e «D... ») também serão operadores económicos (e não consumidores finais).

Pelo exposto, a Requerente não logrou demonstrar nem a repercussão económica da CSR nos combustíveis por si adquiridos, nem a ausência de repercussão desse valor nos preços por si praticados.

A liquidação da CSR obedece à unidade de medida de 15º Celsius (n.º 1 do artigo 91.º do Código dos IEC). Todavia, a posterior comercialização a revendedores e por estes à Requerente baseou-se na temperatura observada, a qual não é conhecida.

Quer isto dizer que nem sequer é possível estabelecer, ao contrário do que alega a Requerente, que a CSR foi liquidada no valor de € € 8.449,83. Esta importância resulta da mera aplicação da taxa da CSR às quantidades facturadas pelos fornecedores Requerente, o que, por efeito de temperatura, não poderá corresponder ao imposto liquidado (que poderá ter sido superior ou inferior ao valor indicado pela Requerente).

O que constituirá um dos fundamentos pelo qual o artigo 15.º do Código dos IEC reserva a legitimidade activa aos sujeitos passivos, que, por participação directa na liquidação do imposto, dispõem da informação e documentação necessárias à aferição da factualidade e legalidade.

Note-se que à Requerida não pode ser imposto o conhecimento da relação causal entre as liquidações da CSR por si realizadas e as diversas facturas emitidas pelos operadores que intervêm no circuito económico. Desde logo, porque tal implicaria a identificação de todo o circuito económico que precede a comercialização dos combustíveis à Requerente até alcançar o sujeito passivo do imposto. Acresce que, como bem alegada a Requerida, os abastecimentos podem ter sido realizados a partir de diferentes entrepostos fiscais, com intervenção de diferentes sujeitos passivos. À Requerente era exigível um impulso probatório mínimo que, pelo menos, permitisse a identificação do(s) sujeito(s) passivo(s).

Em suma, no pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega, correctamente, que aquele que demonstrar ter suportado o encargo do imposto terá legitimidade procedimental para contestar a legalidade das liquidações, detenha ou não a qualidade de sujeito passivo.

No entanto, a Requerente não demonstrou que a CSR lhe foi repercutida e, muito menos, que suportou a CSR contra a qual reage. E esta seria a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade para o presente pedido de pronúncia arbitral (dado não ser sujeito passivo nem repercutido legal da CSR).

Mesmo a aceitar-se que o encargo representado pela CSR poderia ter sido repercutido ao longo do circuito económico, certo é que a Requerente, ao não se apresentar como consumidor final, não pode subsumir-se ao conceito de entidade potencial ou efectivamente lesada pela repercussão económica. Em rigor, a Requerente é apenas um de entre os vários operadores no circuito económico entre o sujeito passivo e o consumidor final.

 

  1. Decisão

Face ao exposto, o tribunal arbitral decide julgar procedente a excepção de ilegimitidade activa da Requerente, o que obsta à apreciação do mérito do pedido e determina a consequente absolvição da Requerida da instância.

 

  1. Valor do Processo

Fixa-se ao processo o valor de € 8.449,83 indicado pelo Requerente como respeitante ao montante da CSR cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido) e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

  1. Custas

Custas no montante de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a suportar integralmente pela Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

Lisboa, 29 de Outubro de 2024

 

 

(José Luís Ferreira)