Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 211/2024-T
Data da decisão: 2024-10-29  IRS  
Valor do pedido: € 9.231,30
Tema: IRS; Residente Não Habitual; Falta de Entrega de Declaração de Rendimentos; Liquidação Oficiosa; Atividade de Elevado Valor Acrescentado.
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SUMÁRIO

 

I – O estatuto de “residente não habitual” deve ser aplicado desde que verificados os pressupostos e requisitos legais nos termos do artigo 16.º, n.ºs 8, 9 e 11 do Código do IRS e do artigo 5.º do EBF, ainda que seja emitida liquidação oficiosa, tendo por base os elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira disponha, em conformidade com o disposto nos artigos 75.º e 76.º, n.º 3 do Código do IRS.

 

II – A tributação reduzida dos rendimentos obtidos, em sede de IRS, em virtude do estatuto de “residente não habitual”, configura benefício fiscal automático e não dependente de reconhecimento, mas implica a verificação casuística da “atividade de elevado valor acrescentado” no respetivo ano de tributação, nos termos do artigo 72.º do Código do IRS e da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro.

 

III – Nos termos da versão original da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, o código “802 - Quadros superiores de empresas” não se confunde com o código “801 - Investidores, administradores e gestores de empresas promotoras de investimento produtivo, desde que afectos a projectos elegíveis e com contratos de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal do Investimento”, sendo que, conceptualmente, afigura-se uma dicotomia entre a atividade de “administradores” e de “quadros superiores de empresas”, excludentes entre si.

 

IV – A remissão expressa para o Código Fiscal do Investimento contida na tabela da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, não permite acolher a pretensão do Requerente de qualificar a atividade de Vogal do Conselho de Administração de sociedade anónima como “atividade de elevado valor acrescentado”, para efeitos do artigo 72.º do Código do IRS, na redação em vigor no ano a que respeitam os rendimentos, não se demonstrando que a sociedade em causa seja promotora de investimento produtivo, afeto a projeto elegível e com contrato de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal do Investimento.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra Adelaide Moura, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral singular, decide o seguinte:

 

  1. Relatório

 

A... (Requerente), portador do Cartão de Cidadão n.º..., emitido pela República Portuguesa, válido até 21-06-2030, contribuinte fiscal n.º ..., residente em ..., ..., ..., ..., Reino Unido, doravante denominado “Requerente”, no seguimento da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2022..., relativa ao ano de 2020, no valor de 8.724,94 EUR, e do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º ...2023..., submetido em 17-07-2023, veio, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra os atos impugnados, peticionando a respetiva anulação e a restituição da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida”, “Autoridade Tributária” ou “AT”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 16-02-2024 e notificado à AT.

 

O Requerente não procedeu expressamente à nomeação de árbitro.

 

Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do RJAT, foi designada a árbitra do presente Tribunal Arbitral singular, que comunicou ao Conselho Deontológico do CAAD a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.

 

As partes foram notificadas da nomeação, não tendo qualquer delas manifestado vontade de a recusar, tendo o Tribunal sido constituído em 29-04-2024, por despacho do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em harmonia com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.

 

Notificada em 08-05-2024, a AT apresentou a sua resposta em 11-06-2024. Foi junto o respetivo processo administrativo.

 

Em 14-06-2024, ao abrigo dos princípios subjacentes ao processo arbitral, o Tribunal dispensou, por despacho, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações finais escritas, prosseguindo para prolação de decisão arbitral nos presentes autos.

 

  1. Posições das Partes

 

1.    Requerente

         

  1. O artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT determina que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da pretensão da declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, onde se incluem as liquidações de IRS.

 

  1. Termos em que, presumindo-se o indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa, o presente Tribunal Arbitral é materialmente competente para julgar o pedido de pronúncia arbitral, que deverá ser apreciado na sua integralidade.

 

  1. Nos termos do artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Requerente é parte legítima no presente processo arbitral.

 

  1. O pedido é oportuno e tempestivo, na medida em que o prazo para solicitar a apreciação do Tribunal Arbitral é de 90 (noventa) dias, contados dos factos previstos no artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do CPTT, ex vi do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

  1. Ora, em 14-07-2023, o Requerente remeteu o pedido de promoção de revisão oficiosa para a Direção de Finanças de Lisboa, enquanto serviço competente da AT.

 

  1. A Direção de Finanças de Lisboa rececionou o pedido de promoção de revisão oficiosa em 17-07-2023.

 

  1. O pedido de promoção de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente é tempestivo e teve como fundamento o “erro imputável aos serviços” por aplicação de taxa de tributação incorreta.

 

  1. Não obstante, verifica-se ainda uma situação de “injustiça grave ou notória”, nos termos do disposto no artigo 78.º, n.ºs 4 e 5 da LGT.

 

  1. Considerando que o prazo de 4 (quatro) meses para decisão da AT se conta a partir da data de entrada do pedido de revisão oficiosa no serviço competente, a formação da presunção de indeferimento tácito verificou-se em 17-11-2023.

 

  1. Sendo assim, o termo do prazo para a apresentação do pedido de constituição de Tribunal Arbitral ocorreria em 15-02-2024, pelo que confere a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 14-02-2024, que deverá ser apreciado.

 

  1. Após penhora no âmbito de processo de execução fiscal, o Requerente verificou que havia sido emitida a liquidação oficiosa de IRS n.º 2022..., respeitante ao ano de 2020, sem que tivesse sido notificado da mesma.

 

  • Ao verificar a existência de tal liquidação de IRS, o Requerente apercebeu-se que, por lapso, não procedeu à entrega da declaração de IRS respeitante ao ano de 2020.

 

  1. Ao analisar o conteúdo da demonstração de liquidação oficiosa de IRS, o Requerente verificou que a AT não teve em consideração o seu estatuto de “residente não habitual”, não tendo aplicado a taxa de tributação reduzida aplicável aos beneficiários desse estatuto.

 

  • Esgotado o prazo para a apresentação de reclamação graciosa contra o ato de liquidação, o Requerente remeteu à AT um pedido de promoção de revisão oficiosa, nos termos do disposto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT.

 

  • Efetivamente, o Requerente tem nacionalidade portuguesa e residiu durante um longo período da sua vida no Reino Unido.

 

  1. No entanto, no ano de 2017, o Requerente decidiu regressar a Portugal, tendo fixado o centro da sua vida pessoal e profissional em território nacional.

 

  1. Em 2017, o Requerente iniciou o exercício de funções como “Vogal do Conselho de Administração” da sociedade anónima com a firma “B..., S.A.”, com NIPC ... e sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... ..., Cascais.

 

  1. Exerceu funções na sociedade anónima até 10-11-2020, data em que renunciou ao cargo de Vogal.

 

  1. O Requerente desempenhava funções de direção na sociedade anónima, geria os negócios e praticava atos e operações respeitantes ao objeto social, bem como detinha poderes de vinculação.

 

  1. Atendendo ao seu regresso a Portugal, no ano de 2017, e as funções que se encontrava a exercer, o Requerente considerou que preenchia os requisitos para beneficiar do regime fiscal dos residentes não habituais.

 

  1. Com efeito, em 27-02-2018, o Requerente submeteu o pedido de inscrição como residente não habitual, com efeitos reportados ao ano de 2017.

 

  1. Em face das funções desempenhadas na sociedade B..., S.A., o Requerente considerou que a atividade que melhor se enquadrava com as suas funções era a de “quadros superiores de empresas”, nos termos da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro.

 

  1. Pelo que, aquando da submissão do pedido de inscrição como residente não habitual, o Requerente indicou o código “802 – Quadros superiores de empresas”.

 

  1. Em 28-02-2018, o pedido de inscrição como residente não habitual foi deferido.

 

  1. Foi atribuído ao Requerente o estatuto de residente não habitual, com efeitos reportados ao ano de 2017 e com término no ano de 2026.

 

  1. A Requerida validou o respetivo código na aplicação do cadastro do Requerente, encontrando-se registado no cadastro do Requerente o referido código “802 – Quadros superiores de empresas”.

 

  1. Em janeiro de 2021, o Requerente voltou a mudar-se para o Reino Unido, tendo aí fixado a sua residência.

 

  1. Com efeito, o Requerente procedeu à respetiva alteração de morada fiscal, sendo atualmente residente em ..., ..., ..., ..., ..., Reino Unido.

 

  1. No decurso do ano de 2022, o Requerente verificou que lhe havia sido penhorado o montante de 9.494,18 EUR, tendo apenas nesse momento descoberto que havia sido emitida a liquidação oficiosa em crise nos presentes autos.

 

  1. Ao verificar a existência de tal liquidação oficiosa de IRS, o Requerente apercebeu-se que, por lapso, mormente devido à sua mudança, no início do ano de 2021, para o Reino Unido, não procedeu à entrega da declaração de IRS, respeitante ao ano de 2020.

 

  1. O Requerente nunca foi notificado da liquidação oficiosa de IRS, nem da demonstração de acerto de contas, após a penhora de saldos bancários.

 

  1. A Autoridade Tributária não notificou o Requerente da liquidação oficiosa de IRS, não tendo este a possibilidade de proceder ao pagamento voluntário do imposto apurado, nem de reagir à liquidação através de outros meios de reação.

 

  1. Após a remessa do pedido de promoção de revisão oficiosa, o Requerente procedeu à entrega da declaração de IRS respeitante ao ano de 2020.

 

  1. O rendimento global apurado pela Autoridade Tributária, no valor de 67.541,58 EUR (sessenta e sete mil quinhentos e quarenta e um euros e cinquenta e oito cêntimos), corresponde ao rendimento efetivamente auferido pelo Requerente no ano de 2020.

 

  1. No entanto, no que se refere à taxa aplicada ao rendimento coletável, a Requerida não poderia ter aplicado uma taxa progressiva, na medida em que o Requerente beneficiou, no ano de 2020, do estatuto de residente não habitual.

 

  1. Em face do exposto, os rendimentos auferidos pelo Requerente, no ano de 2020, deveriam ter sido tributados a uma taxa de 20% e não a uma taxa progressiva de 45%.

 

  1. A liquidação oficiosa de IRS n.º 2022..., respeitante ao ano de 2020, padece de erro na aplicação da taxa de tributação, uma vez que não teve em consideração o facto de o Requerente ser beneficiário do estatuto de residente não habitual.

 

  • Dúvidas não podem restar que as funções exercidas pelo Requerente na sociedade B..., S.A. se enquadram no código de atividade “802 – Quadros superiores de empresas”, uma vez que as mesmas envolvem uma elevada confiança, um elevado grau de responsabilidade, bem como uma especial qualificação.

 

  1. Considerando que a Requerida dispunha da informação e de todos os elementos respeitantes ao estatuto de residente não habitual do Requerente, deveria ter procedido à liquidação oficiosa de IRS com base nos elementos de que dispunha, incluindo o estatuto de residente não habitual do Requerente.

 

  • Não tendo a Requerida emitido qualquer tipo de fundamentação relativamente à alteração do enquadramento dos rendimentos recebidos da mesma entidade, em violação do estatuído no artigo 77.º da Lei Geral Tributária.

 

  • Os atos impugnados padecem de ilegalidade, devendo o pedido do Requerente ser julgado procedente, anulando-os, com a restituição da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos legais.

 

2.     Requerida

 

  1. De acordo com o previsto na 1ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, o pedido de revisão pode ser efetuado por iniciativa do sujeito passivo, com fundamento em qualquer ilegalidade, no prazo da reclamação administrativa, nos termos dos artigos 70.º e 102.º do CPPT, ou seja, 120 dias após a data limite de pagamento da nota de cobrança, que foi em de 21-02-2022.

 

  1. O contribuinte apresentou a petição em 17-07-2023, pelo que o pedido é extemporâneo à luz da 1ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

  1. De acordo com o previsto na 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, o prazo para proceder à revisão oficiosa é de 4 (quatro) anos após a liquidação, com fundamento em erro imputável aos serviços, se o imposto estiver pago ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago.

 

  1. No caso concreto, não estando decorridos os 4 (quatro) anos após a liquidação, a petição do sujeito passivo pode, em princípio, ser apreciada nos termos daquele normativo.

 

  1. Por outro lado, atendendo à revisão com fundamento no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, ou seja, injustiça grave ou notória, subjacente aos argumentos apresentados pelo contribuinte, o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos 3 (três) anos posteriores ao do ato tributário, a revisão da matéria tributável apurada, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

 

  1. O n.º 5 daquela disposição legal considera apenas notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

 

  1. O prazo de 3 (três) anos, posteriores ao ato tributário, não decorreu, pelo que, em princípio, a revisão também se poderia operar ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

 

  1. Contudo, não se verifica qualquer “erro imputável aos serviços” da Requerida, nem qualquer “injustiça grave ou notória” sem negligência do Requerente.

 

  1. De acordo com a análise efetuada à base de dados da AT, relativamente ao exercício do ano de 2020, em 07-11-2021 foi detetado que o Requerente tinha obtido rendimentos que obrigavam à entrega da declaração modelo 3 de IRS, sem que tivesse cumprido essa obrigação (divergência n.º ... do SF de Lisboa ...).

 

  1. Em 08-11-2021, foi dado conhecimento ao Requerente, através de correio CTT com o n.º de registo RY...PT, da falta da submissão da Modelo 3 de IRS do ano 2020.

 

  1. Foi, também, remetido ao Requerente, em 08-11-2021, o ofício n.º GIC-..., para regularizar a falta, entregando a respetiva declaração no prazo de 30 (trinta) dias, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º do Código do IRS.

 

  • Da referida notificação consta que, caso o Requerente não procedesse à entrega da declaração no prazo estipulado, proceder-se-ia à liquidação nos termos do n.º 3 do artigo 76.º do Código do IRS, salvo se fizesse prova da sua entrega ou de que não se encontrava obrigado à sua apresentação.

 

  1. O contribuinte foi considerado notificado em 11-11-2021.

 

  • Não tendo sido submetida a declaração, a AT elaborou declaração oficiosa com os elementos conhecidos (declaração n.º ...-2020-...-...), nomeadamente com os rendimentos da categoria A e Incrementos Patrimoniais.

 

  • A liquidação oficiosa foi emitida em 12-01-2022, no valor de 8.724,94 EUR, incluindo juros compensatórios, no valor de 177,96 EUR.

 

  1. O contribuinte foi notificado da liquidação, bem como do prazo de pagamento, através de correio CTT (registo n.º RY...PT e RY...PT), tendo sido considerado notificado em 17-01-2022.

 

  1. A data limite de pagamento do tributo liquidado foi em 21-02-2022.

 

  1. Não tendo sido paga dentro do prazo de cobrança voluntária, foi emitida a certidão de dívida n.º 2022 ..., e instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2022..., que se encontra pago na presente data.

 

  1. A liquidação sindicada resultou do imperativo legal contido na alínea b) do n.º 1 do artigo 76.º do CIRS, do qual resulta que impende sobre a AT a obrigação de promover a liquidação oficiosa de imposto para evitar que dessa falta resulte uma vantagem futura para o sujeito passivo faltoso, fazendo-o, naturalmente, considerando os elementos de que dispunha.

 

  1. No decurso do procedimento previsto no artigo 76.º do CIRS, foram observadas as formalidades que a lei estabelece e respeitados os direitos procedimentais dos contribuintes, tendo o Requerente sido validamente notificado, no âmbito do procedimento dos faltosos em IRS, regulado no artigo 76.º, n.ºs 1, b), 2 e 3 do CIRS.

 

  1. Não sendo justificada a falta de apresentação da declaração de rendimentos, a AT promove à liquidação oficiosa, tendo por base os elementos de que disponha, sem se atender ao mínimo de existência (artigo 70.º CIRS) e sendo apenas efetuadas as deduções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 79.º (dedução pessoal do sujeito passivo) e no n.º 3 do artigo 97.º (retenções na fonte e pagamentos por conta)

 

  1. O ato de liquidação foi regularmente notificado, de forma a que o contribuinte, em devido prazo, tivesse a oportunidade de sindicar a sua legalidade.

 

  1. As missivas da AT foram endereçadas ao domicílio fiscal do Requerente, inscrito no cadastro fiscal do contribuinte, a 28-01-2023, mormente: Rua ..., ..., ..., ...-... Lisboa.

 

  1. O mais elementar princípio consagrado no preceituado do artigo 19.º, n.ºs 4 e 5 da LGT, reputa de ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.

 

  1. Não se vislumbra que exista erro imputável aos serviços, pelos motivos elencados, não estando preenchido o pressuposto da 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

  1. No que concerne ao n.º 4 do artigo 78.º da LGT, verifica-se que existe comportamento negligente do contribuinte, porquanto, como referido, não cumpriu com a obrigação declarativa da entrega da declaração de IRS e, regularmente notificado da divergência detetada, não exerceu o seu direito de participação, apresentando em tempo qualquer documentação idónea, o que implica que não se possa promover a revisão do ato tributário com fundamento em injustiça grave ou notória, nos termos consignados no n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

 

  1. Importa sublinhar que a causa de pedir em apreço nos presentes autos, centra-se na condição de residente não habitual do Requerente e respetiva atividade.

 

  1. Neste contexto, o Requerente advoga o erro imputável aos serviços, por desconsideração dessa condição, mas erroneamente.

 

  1. O erro imputável aos serviços perfila-se enquanto conceito apontado à legalidade do procedimento de liquidação.

 

  1. É notório que a liquidação vigente só foi efetuada porque o Requerente não cumpriu com a sua obrigação declarativa, nos termos da lei aplicável à situação.

 

  1. O regime dos RNH perfila-se como um alinhamento jurídico excecional, consagrado legalmente, para certos residentes em território português.

 

  1. Dessa forma, a administração fiscal não podia promover a liquidação, baseada num pressuposto que depende da vontade expressa do contribuinte, no sentido da promoção de um regime excecional face ao ordenamento regra, exigindo-se, anualmente, o preenchimento do anexo L à declaração de rendimentos modelo 3, com a atividade de elevado valor acrescentado (AEVA) exercida e os valores auferidos nesse exercício, para gozo do benefício e controlo por parte da AT.

 

  1. Inexiste qualquer ilegalidade conexa com a liquidação em crise, qualquer erro imputável aos serviços ou situação de injustiça grave ou notória.

 

  1. A administração tributária, perante o encadeamento factual que culminou na omissão de entrega da declaração de rendimentos, não teve outra possibilidade senão proceder à liquidação oficiosa do período de tributação controvertido, nos trâmites pugnados no artigo 76.º do CIRS.

 

  1. Mesmo encontrando-se registado no cadastro a situação de residente não habitual, não pode saber a AT se o Requerente exerceu, de facto, uma Atividade de Elevado Valor Acrescentado (AEVA), nem que pretende ser tributado com base no regime excecional de tributação, nem que rendimentos podem ser imputados a essa alegada atividade, elementos fundamentais para aplicação do regime de RNH e que a AT não dispunha.

 

  1. A aplicação do regime de Residente Não Habitual depende da vontade expressa do contribuinte e do exercício de uma AEVA.

 

  1. Nos termos do artigo 76.º do CIRS, decorre que as únicas deduções à coleta admissíveis são as relativas à retenção na fonte e aos pagamentos por conta eventualmente efetuados, pelo que, com base na lei, também se encontra limitada a aplicação de qualquer benefício fiscal.

 

  • Sem prescindir, caso se entenda aferir da legalidade da liquidação, não obstante o exposto, haverá que aferir se a atividade profissional em causa consubstancia uma atividade de elevado valor acrescentado (AEVA), nos termos da legislação relevante, de forma a avaliar se o Requerente poderia ou não, em 2020, beneficiar do disposto no artigo 72.º do IRS, na redação então em vigor.

 

  1. Contrariamente ao invocado pelo Requerente, e atentando nas atividades discriminadas na Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, a atividade profissional em apreço integra o código 801, pois um Vogal de Conselho de Administração tem de se considerar administrador da empresa.

 

  • Não pode o Requerente demonstrar que a atividade se enquadra no código 802, pois os alegados rendimentos em causa não se referem ao exercício de atividade correspondente a quadro (superior) da empresa, mas antes de administrador da mesma, membro de órgão estatutário que é o Conselho de Administração, tendo sido designado e exercendo o cargo de Vogal e poderes de representação e vinculação inerentes.

 

  • As remunerações dos órgãos estatutários das pessoas coletivas que, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, sejam qualificadas como rendimentos do trabalho dependente (categoria A), só podem beneficiar da tributação à taxa especial de 20% nos casos em que o exercício dessas funções possa ser enquadrado no código 801 da Portaria mencionada.

 

  1. Ou seja, o código 801 abrange os administradores e gestores (órgãos estatutários de pessoa coletiva, com funções administrativas/executivas) de empresas promotoras de investimento produtivo, desde que afetos a projetos elegíveis e com contratos de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal de Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro.

 

  1. O Requerente não demonstrou, nem demonstra a qualidade de administrador de empresa qualificada nos termos anteriores.

 

 

  1. Atendendo a que a lei fiscal não define o conceito de “quadros superiores de empresa”, este, por força do n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, deverá ser aferido de acordo com a legislação laboral e societária, nos termos da qual um administrador não se deve considerar um quadro da empresa por não existir uma relação de subordinação.

 

  1. Uma vez que a atividade realizada não se enquadra nas atividades de elevado valor acrescentado previstas na citada Portaria, os rendimentos em causa não são elegíveis para beneficiar do regime pretendido.

 

  1. Não se verificando qualquer vício da liquidação, a mesma deve, pois, manter-se na ordem jurídica, não sendo devidos quaisquer juros indemnizatórios.

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal Arbitral é competente, encontra-se regularmente constituído e o pedido é tempestivo, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1 e 10.º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

O processo não enferma de nulidades. Não há assim qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

 

  1. Matéria de facto

 

1.    Factos provados

 

  1. O Requerente tem nacionalidade portuguesa e residiu durante um longo período no Reino Unido.

 

  1. No ano de 2017, o Requerente regressou a Portugal, tendo fixado o centro da sua vida pessoal e profissional em território nacional.

 

  1. Em 2017, o Requerente iniciou o exercício de funções como “Vogal do Conselho de Administração” da sociedade anónima com a firma “B..., S.A.”, NIPC ... e sede na Rua ..., n.º...,  ..., ...-... ..., Cascais.

 

  1. A sociedade “B..., S.A.” tem como objeto social a gestão de projetos imobiliários, compra e venda de imóveis (incluindo a compra para revenda), consultoria de gestão imobiliária e detenção de participações sociais.

 

  1. O Requerente exerceu funções de Vogal do Conselho de Administração da sociedade anónima desde 27-12-2017 até 10-11-2020, data em que renunciou ao cargo.

 

  1. O Requerente desempenhava funções de administração e direção na sociedade anónima, geria os negócios e praticava atos e operações respeitantes ao objeto social, detendo poderes de representação e vinculação.

 

  1. Em 27-02-2018, o Requerente submeteu o pedido de inscrição como residente não habitual, com efeitos reportados ao ano de 2017.

 

  1. No âmbito do pedido de inscrição, o Requerente indicou o código “802 – Quadros superiores de empresas”, enquanto administrador da sociedade anónima.

 

  1. A AT deferiu o pedido do Requerente, em 28-02-2018, atribuindo-lhe o estatuto de residente não habitual, com efeitos reportados a 2017 e com término em 2026.

 

  1. Em janeiro de 2021, o Requerente voltou a mudar-se para o Reino Unido, tendo aí fixado a sua residência.

 

  1. Relativamente ao exercício do ano de 2020, foi detetado, em 07-11-2021, pela AT que o Requerente tinha obtido rendimentos que obrigavam à entrega da declaração modelo 3 de IRS, sem que tivesse cumprido essa obrigação, conforme divergência n.º ... do SF de Lisboa ... .

 

  • Em 08-11-2021, foi dado conhecimento ao Requerente, através de correio CTT, com registo n.º RY...PT, da falta da submissão da declaração Modelo 3 de IRS do ano 2020.

 

  1. Foi também remetido ao Requerente, em 08-11-2021, o ofício n.º GIC-...,, para regularizar a falta, entregando a respetiva declaração no prazo de 30 (trinta) dias, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º do Código do IRS, tendo sido considerado notificado.

 

  • Não tendo sido submetida a declaração, a AT elaborou declaração oficiosa com os elementos conhecidos (declaração n.º ...-2020-...-...), nomeadamente com os rendimentos da categoria A e Incrementos Patrimoniais.

 

  • A liquidação oficiosa n.º 2022... foi emitida em 12-01-2022, no valor de 8.724,94 EUR, incluindo juros compensatórios, no valor de 177,96 EUR.

 

  1. O contribuinte foi notificado da liquidação, bem como do prazo de pagamento, através de correio CTT (registo n.º RY...PT e RY...PT), tendo sido considerado notificado.

 

  1. Não tendo sido pagão o valor liquidado dentro do prazo de cobrança voluntária, foi emitida a certidão de dívida n.º 2022 ..., e instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2022..., que se encontra pago na presente data.

 

  1. As missivas da AT foram endereçadas ao domicílio fiscal do Requerente inscrito no cadastro fiscal do contribuinte, em 28-01-2023 e anteriormente, ou seja, a Rua ..., ..., ..., ...-... Lisboa.

 

  1. O Requerente procedeu posteriormente à alteração de morada para o Reino Unido, sendo residente em ..., ..., ..., ..., estando a morada atualizada, pelo menos, à data de 26-06-2023.

 

  1. Em 14-07-2023, o Requerente remeteu o pedido de promoção de revisão oficiosa.

 

  1. Os serviços da AT rececionaram o pedido de revisão oficiosa em 17-07-2023.

 

  1. Em 28-09-2023, o Requerente remeteu requerimento adicional no âmbito do pedido de revisão oficiosa, informando a AT de que procedera à entrega da declaração de IRS respeitante ao ano de 2020, incluindo os anexos A e L.

 

  1. Inconformado com o ato presuntivo da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, o Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral no CAAD em 18-01-2024.

 

  1. Em 19-02-2024, foi remetida pela AT ao Requerente carta registada via correio CTT com registo n.º RL...PT, para notificação de audição prévia relativamente ao projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

  1. Não tendo exercido o direito de audição prévia, ao Requente foi remetida carta registada via correio CTT com o registo n.º RL...PT, para notificação da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

2.    Factos não provados

 

Não se verificaram outros factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido considerados provados.

 

3.    Motivação da matéria de facto

 

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada, nos termos do artigo 123.º, n.º 2 do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

 

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência e conhecimento, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC e regras gerais do CC.

 

Somente quando a força probatória de certos meios se encontra estabelecida na lei é que o princípio da livre apreciação não domina na apreciação das provas produzidas. 

 

Em concreto, a convicção do Tribunal fundou-se na prova produzida nos autos, incluindo os documentos e processo administrativo juntos pelas partes, tendo em consideração o ónus de alegação e prova, nos termos legais.

 

  1. Matéria de Direito

 

1.    Objeto e âmbito do processo

 

Face às posições assumidas pelas partes, vertidas nos respetivos articulados, cabe ao Tribunal Arbitral apreciar e decidir sobre a impugnabilidade e ilegalidade dos atos tributários impugnados, atendendo ao regime de tributação aplicável em sede de IRS.

 

2.    Apreciação

 

Impugnabilidade dos atos controvertidos

 

Relativamente à impugnabilidade dos atos em causa nos presentes autos arbitrais, atendendo ao pedido de revisão oficiosa, cumpre esclarecer que o artigo 78.º, n.º 1 da LGT estabelece que “A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.”

 

De acordo com a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (STA), aos contribuintes assiste a faculdade de pedir a revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação dentro do prazo em que a AT a poderia efetuar, ou seja, até 4 (quatro) anos após a liquidação, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, desde que com fundamento em “erro imputável aos serviços”.

 

Conforme acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-05-2005, proferido no processo n.º 319/05, acessível em www.dgsi.pt, que sumariza o seguinte: “A revisão do acto tributário «por iniciativa da administração tributária» pode efectuar-se «a pedido do contribuinte» como resulta do art. 78.º, n.º 6 da LGT e 86.º, n.º 4, al. a) do CPPT, bem como dos princípios da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade - art. 266.º, n.º 2 da CRP. (…) O «erro imputável aos serviços» constante do art. 78.º, n.º 1, in fine da LGT compreende o erro de direito cometido pelos mesmos que não apenas o simples lapso, erro material ou de facto.”

 

Entendimento idêntico decorre do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22-03-2011, proferido no processo n.º 01009/10, acessível em www.dgsi.pt, que refere: “O «erro imputável aos serviços» concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte, mas à Administração, com ressalva do erro na autoliquidação (…). Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266.º, n.º 1 da CRP e 55.º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”.

 

No mesmo sentido, considere-se ainda o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-04-2022, proferido no processo n.º 02031/16.0BEBRG, acessível em www.dgsi.pt, segundo o qual: “No fundamento (…) de revisão dos atos tributários (de liquidação tributária), traduzido, pelo legislador, na menção do “erro imputável aos serviços”, esta imputabilidade não se reporta, como no direito civil, ao estado normal da pessoa que lhe permite discernir a importância e efeitos dos seus atos e, muito menos, tem a ver com a “capacidade de culpa”, penalista. (…) O termo “imputável” vale, aqui, em primeira linha, com o significado, comum, de “suscetível de ser imputado; atribuível”, o qual, conformado com a necessária compatibilização aos interesses em jogo (no art. 78.º da Lei Geral Tributária), quer dizer, erro, no sentido de ilegalidade, não resultante de, provocada por, atribuída a, uma informação/declaração/intervenção do contribuinte ou obrigado tributário”.

 

Atendendo aos princípios da legalidade, justiça, igualdade, imparcialidade e boa-fé, expressamente estatuídos na CRP e na LGT, “não pode a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados” (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-09-2012, proferido no processo n.º 0476/12, acessível em www.dgsi.pt).

 

Sendo que “impende sobre a Administração Tributária o dever de concretizar a revisão de atos tributários, a favor do contribuinte, quando detetar uma situação de erro na liquidação que tenha conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido face à lei” (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-04-2022, proferido no processo n.º 02031/16.0BEBRG, acessível em www.dgsi.pt).

 

Na medida em que a ocorrência de “erro imputável aos serviços” é condição essencial da aplicação do prazo de 4 (quatro) anos referido no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, importa interpretar e aplicar aquele conceito.

 

Cumpre notar, desde logo, que não é controvertido que este conceito abrange o simples lapso, o erro material ou de facto, e também o erro de direito atribuível aos serviços (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22-03-2011, proferido no processo n.º 01009/10, acessível em www.dgsi.pt). Neste contexto, o conceito em causa abrange, também, o “erro sobre os pressupostos de direito”, que corresponde à errada interpretação ou aplicação das normas legais.

 

Também não é controvertido o entendimento segundo o qual, independentemente da prova da culpa de qualquer colaborador da AT, qualquer ilegalidade que afete uma liquidação emitida pela AT, que não resulte diretamente de uma atuação do sujeito passivo, é atribuível à AT.

 

Para se concluir que uma liquidação emitida pela AT é ilegal em virtude da atuação do sujeito passivo, seria necessário que a ilegalidade da liquidação (erro sobre os pressupostos de facto e/ou de direito) tivesse origem em informação, declaração ou intervenção do sujeito passivo, não bastando sequer que a liquidação seja emitida pela AT com base em declaração de imposto submetida pelo contribuinte (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-04-2022, proferido no processo n.º 02031/16.0BEBRG).

 

Da jurisprudência do STA retira-se que, para efeitos do artigo 78.º, n.º 1 da LGT, não tendo o erro nos pressupostos de facto e/ou de direito que afeta a liquidação origem na atuação do sujeito passivo ou dos elementos ou informação por este prestados, tal erro não poderá ser imputável ao sujeito passivo, sendo, ao invés, imputável à AT.

 

É importante ainda salientar que, relativamente à interpretação do conceito de “erro imputável aos serviços”, para efeitos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, a jurisprudência do STA e dos tribunais arbitrais tendem a considerar, quando aplicável, o tipo de benefício fiscal em causa, o qual, sendo automático, ou seja, resultando direta e imediatamente da lei, a AT não pode deixar de apreciar e aplicar no seio da liquidação oficiosa a emitir. Ou seja, um benefício fiscal automático deve ser considerado e aplicado pela AT, mesmo quando o sujeito passivo não o requeira expressamente, conquanto os respetivos pressupostos e requisitos legais se encontrem verificados.

 

Enquadrado o conceito de “erro imputável aos serviços”, cumpre agora referir que, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º do Código do IRS, a liquidação oficiosa emitida aos contribuintes que não apresentem declaração de rendimentos pode, “em todos os casos”, ser corrigida, dentro dos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária.

 

A correção de um ato tributário pode ser obtida, nos termos do artigo 79.º, n.º 1 da LGT, através de revogação, ratificação, reforma, conversão ou retificação. Para o efeito, há que considerar, também, os prazos e condições da revisão do ato tributário previstos no artigo 78.º da LGT.

 

Note-se ainda que, nos termos do artigo 93.º do CIRS, “Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se a revisão oficiosa da liquidação nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária”.

 

Em conformidade, o artigo 76.º, n.º 4 do CIRS deve ser interpretado no sentido de que a liquidação pode ser corrigida, antes de completado o prazo de caducidade, através de pedido de revisão do ato tributário, nos termos dos artigos 78.º e 79.º da LGT.

 

Neste sentido, destaca-se a decisão arbitral de 02-03-2021, proferida no processo n.º 9/2020-T, acessível em www.caad.pt, de onde resulta que “Ao deixar de se pronunciar sobre a pretensão dos Requerentes, a Autoridade Tributária indeferiu-a, ou seja, não reconheceu, no acto de liquidação em causa, as ilegalidades que os Requerentes lhe imputavam. Assim, na linha da jurisprudência referida, é de entender que o acto ficcionado quando ocorre indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa é um acto que comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação cuja revisão foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral. (…) É entendimento deste Tribunal Arbitral singular que a liquidação oficiosa de IRS é passível de poder ser corrigida, também em virtude da iniciativa do contribuinte consistente em suprir a sua falta declarativa, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º do CIRS, desde que o seja dentro dos referidos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da LGT. Igualmente entende este Tribunal Arbitral singular que a liquidação oficiosa de IRS pode ser corrigida através de um pedido de revisão do ato tributário, nos termos do artigo 78.º da LGT, tal como o fizeram os Requerentes.

 

Conforme exposto na decisão arbitral de 02-11-2020, proferido no processo n.º 99/2020-T, acessível em www.caad.pt, “Da factualidade provada nos presentes autos arbitrais resulta que o Requerente no pedido de revisão do ato tributário arguiu a existência de erro imputável aos serviços na liquidação oficiosa realizada e a AT pronunciou-se sobre a questão (…). Ora, concluindo-se que existe a possibilidade de um “erro imputável aos serviços”, é permitida a sua sindicância num prazo de quatro anos contados da data da emissão da liquidação do imposto”.

 

No caso em apreço, a AT emitiu a liquidação, enquanto ato tributário que lhe incumbe em sede de IRS, com base numa declaração oficiosa preparada pelos serviços da Requerida, ao abrigo da prerrogativa prevista no artigo 76.º, n.º 3 do CIRS, não relevando, para efeitos do artigo 78.º, n.º 1 da LGT, o facto de a liquidação oficiosa decorrer da falta de apresentação da declaração anual de rendimentos pelo Requerente.

 

Conforme acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25-01-2024, proferido no processo n.º 01899/20.0BEPRT, acessível em www.dgsi.pt, “acresce, que não fica prejudicado o que ficou dito, pelo facto de estarmos perante uma liquidação oficiosa que emerge da inércia total da Recorrida no cumprimento da apresentação da sua declaração, situação que pode revestir em abstrato um comportamento negligente em termos de cumprimento das suas obrigações fiscais, negligência essa que não se estende ao “erro” em que possa enfermar a liquidação oficiosa, inexistindo o nexo de causalidade do comportamento omissivo da Recorrida para efeitos de afastar a verificação dos pressupostos da revisão.”

 

Sendo a liquidação oficiosa datada de 12-01-2022 e tendo o pedido de revisão oficiosa sido submetido em 17-07-2023, o mesmo afigura-se tempestivo e admissível, atendendo, nomeadamente, à intervenção oficiosa da AT e à respetiva ilegalidade invocada pelo Requerente (cf. decisão arbitral de 21-05-2021, proferida no processo n.º 336/2020-T, acessível em www.caad.pt).

 

Fica, assim, prejudicada, a análise da verificação dos pressupostos e requisitos do pedido de revisão ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, ou seja, com fundamento em injustiça grave ou notória.

 

Não obstante, a eventual liquidação de “imposto superior ao devido”, conforme artigo 93.º do CIRS, poderia configurar-se como “tributação manifestamente exagerada e desproporcionada” para efeitos do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5 da LGT.

 

É assim de concluir pela admissibilidade do pedido de revisão oficiosa da liquidação oficiosa de IRS, dentro do prazo e com os fundamentos previstos no artigo 78.º da LGT, independentemente de tal pedido ter sido tácita ou expressamente indeferido, bem como pela admissibilidade da apreciação da pretensão arbitral do Requerente.

 

Tendo o Requerente impugnado o ato de liquidação, bem como a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa deduzido, afigura-se que os atos tributários são impugnáveis, nos termos legais, sendo o Tribunal Arbitral competente.

 

Liquidação oficiosa

 

Considerando o exposto, e atendendo à factualidade relevante nos presentes autos, verificamos que o Requerente não entregou a declaração de rendimentos referente ao ano de 2020, nos prazos legalmente estipulados nos artigos 57.º e 60.º do CIRS.

 

Apesar de notificado para o efeito, o Requerente não supriu a entrega da declaração de rendimentos em falta.

 

Cumpre asseverar que, contrariamente ao alegado pelo Requerente, e atendendo ao ónus de prova do artigo 74.º da LGT que lhe competia, afigura-se que o mesmo fora notificado pela AT de todos os atos exigidos por lei, nomeadamente os decorrentes do disposto no artigo 76.º, n.º 2 do CIRS e no artigo 59º do CPPT, no âmbito do procedimento por falta de entrega da declaração anual de rendimentos e liquidação oficiosa.

 

É certo que a atual morada britânica já foi inscrita no cadastro do Requerente. Contudo, o documento comprovativo junto pelo Requerente apenas demonstra que a morada atualizada se encontra cadastrada como domicílio fiscal, pelo menos, desde 26-06-2023, conforme certidão de registo do contribuinte, que também refere o estado “suspenso” do estatuto de residente não habitual, não indicando qualquer tipo de atividade de elevado valor acrescentado.

 

As notificações em causa foram todas emitidas em datas anteriores, designadamente no decurso dos anos de 2021 e 2022. À época, de acordo com a informação do processo administrativo, a morada fiscal cadastrada junto da AT correspondia à Rua ..., ..., ..., ...-... Lisboa, para a qual foram remetidas as notificações de que o Requerente alega não ter tido conhecimento.

 

Conforme invocado pela Requerida, nos termos do artigo 19.º, n.º 4 da LGT, é ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.

 

O mesmo decorre do artigo 43.º, n.º 2 do CPPT, por inoponibilidade da alteração de morada não comunicada à AT, na medida em que o sujeito passivo está obrigado a atualizar, no prazo legal, a morada do domicílio fiscal, enquanto manifestação do princípio da colaboração do contribuinte com a Administração Tributária.

 

Com efeito, em 12-01-2022, nos termos do artigo 76.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, os serviços da AT emitiram liquidação oficiosa referente ao ano de 2020, da qual resultou nota de cobrança com o valor a pagar de 8.724,94 EUR, notificada ao Requerente.

 

Ora, considerando a matéria controvertida nos presentes autos, e para efeitos de enquadramento jurídico e fiscal, interessa agora evidenciar as disposições legais mais relevantes para a boa decisão da causa.

 

De acordo com o artigo 1.º, n.º 1 do CIRS, o “imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos (…), depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos”.

 

Em conformidade com o artigo 13.º, n.º 1 do CIRS, ficam “sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.”

 

Nos termos do artigo 15.º, n.º 1 do CIRS, sendo as pessoas residentes em território português, “o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.”


Por força do artigo 16.º, n.º 1 do CIRS, são “residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos”, nomeadamente quando “hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa”.

 

Contudo, consideram-se “residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes (…), não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores”, nos termos do artigo 16.º, n.º 8 do CIRS.

 

Este estatuto de “residente não habitual” foi inicialmente introduzido pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, tendo sofrido algumas alterações legislativas.

 

De acordo com o artigo 16.º, n.º 9 do CIRS, o “sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português”.

 

Para o efeito, o “sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território”, ao abrigo do artigo 16.º, n.º 10 do CIRS.

 

Conforme jurisprudência maioritária, este registo no cadastro fiscal como residente não habitual não assume natureza constitutiva, mas meramente declarativa.

 

Ora, conjugando o disposto nos n.ºs 8, 9 e 11 do artigo 16.º do Código do IRS, a aplicação do regime de RNH depende apenas da observância cumulativa dos seguintes elementos: (i) o sujeito passivo ser considerado fiscalmente residente em território português; e, (ii) o sujeito passivo não ter sido residente em território português em qualquer dos 5 (cinco) anos anteriores ao ano da inscrição como residente em Portugal.

 

O estatuto de “residente não habitual” configura-se como um estatuto que integra benefícios fiscais em sede de IRS, na medida em que abrange eventual redução de tributação, conforme artigo 2.º, n.º 2 do EBF.

 

Em concreto, nos termos do artigo 72.º do CIRS, os “rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20%”, ao invés das taxas gerais constantes no artigo 68.º do CIRS.

 

Conforme disposto no artigo 16.º, n.º 11 do CIRS, o “direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano (…) depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano”.

 

Nesse sentido, e atento o regime do artigo 16.º do CIRS em matéria de residentes não habituais, a redução de tributação do artigo 72.º, n.º 10 do CIRS consiste num benefício fiscal “automático”, na medida em que resulta direta e imediatamente da lei, não dependendo de “reconhecimento”, nos termos do artigo 5.º do EBF.

 

Beneficiando do estatuto de “residente não habitual”, o sujeito passivo, sendo residente em território português, tem o “direito” a ser tributado nessa qualidade.

 

Sem prejuízo, qualquer residente não habitual, enquanto “sujeito passivo” e “residente” em território português, deve “apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos relevantes para a sua concreta situação tributária, (…) devendo ser-lhe juntos, fazendo dela parte integrante os anexos e outros documentos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo”, nos termos do artigo 57.º, n.º 1 do CIRS.

 

A declaração a que se refere o artigo 57.º, n.º 1 do CIRS deve ser “entregue, por transmissão eletrónica de dados, de 1 de abril a 30 de junho, independentemente de este dia ser útil ou não útil”.

 

Não tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira disponha”, sendo a Requerida a processar a declaração e liquidação em falta, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 1, alínea b) do CIRS.

 

Quando não seja apresentada declaração, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efetuada, não se atendendo ao disposto no artigo 70.º e sendo apenas efetuadas as deduções previstas no n.º 3 do artigo 97.º ”, conforme disposto no artigo 76.º, n.º 3 do CIRS, na redação vigente à época.

 

Foi ao abrigo do artigo 76.º, n.º 3 do CIRS, na redação vigente à época, que a Requerida procedeu à emissão de liquidação oficiosa de IRS referente ao ano de 2020, atenta a falta do Requerente.

 

Contudo, do artigo 76.º, n.º 3 do CIRS, na redação vigente à época, apenas resulta que a liquidação oficiosa deve ser emitida, nos termos do CIRS, sem atender ao disposto no artigo 70.º do CIRS – ou seja, mínimo de existência – e efetuando as deduções do artigo 97.º, n.º 3 do CIRS – ou seja, retenções na fonte e pagamentos por conta.

 

Do artigo 76.º, n.º 3 do CIRS, na redação vigente à época, não resultam quaisquer outras limitações em sede de tributação.

 

Em nenhum caso, nem mesmo no caso de omissão de entrega da declaração, se pode aceitar a violação do princípio da capacidade contributiva”, não se podendo “desconsiderar todos os elementos (…) conhecidos da AT” (cf. decisão arbitral de 05-05-2021, proferida no processo n.º 8/2020-T, acessível em www.caad.pt).

 

Por força do artigo 103.º, n.º 3 da CRP, “ Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos (…) cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.”

 

Sendo que a Administração Pública, onde se insere a Requerida, deve visar e garantir “a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, nos termos do artigo 266.º da CRP. Com efeito, os “órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.

 

Nos termos do artigo 4.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, os “impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento”.

 

Concomitantemente, ao abrigo do artigo 5.º, n.º 1 da LGT, a “tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material”.

 

Estão “sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais”, bem como a “liquidação e cobrança dos tributos”. Ou seja, a AT está sujeita e obrigada ao pleno cumprimento dos normativos constitucionais e legais em matéria tributária.

 

Acresce que a “administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”, por força do princípio do inquisitório do artigo 58.º da LGT.

 

Estatuto de residente não habitual

 

Atendendo ao bloco normativo aplicável acima explanado, a questão material que se coloca é se o Requerente faltoso beneficia do direito a tributação como “residente não habitual”, ao abrigo do artigo 16.º do Código do IRS, e se a atividade exercida pelo Requerente se enquadra como “atividade de elevado valor acrescentado”, nos termos do artigo 72.º do Código do IRS e da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro.

 

Relativamente à primeira parte da questão, e considerando o exposto acima, afigura-se que a AT não pode, sem mais, desconsiderar o estatuto de “residente não habitual” do Requerente, com base na falta de entrega da declaração anual de rendimentos e respetivo anexo L, nem na excecionalidade do regime fiscal associado a esse estatuto.

 

A falta de entrega da declaração anual implica, necessariamente, a não entrega do anexo L dessa declaração. O anexo L destina-se a declarar os rendimentos obtidos por residentes não habituais no território nacional em atividades de elevado valor acrescentado, com caráter científico, artístico ou técnico.

 

Contudo, do artigo 76.º, n.º 3 do CIRS, na redação vigente à época, apenas resulta que a liquidação oficiosa não deve atender ao disposto no artigo 70.º do CIRS e que deve apenas incluir as deduções do artigo 97.º, n.º 3 do CIRS.

 

O artigo 76.º, n.º 3 do CIRS em nada impede a consideração do estatuto de “residente não habitual”, sendo que, aliás, nos termos do artigo 16.º, n.ºs 9 e 11 do CIRS, desse estatuto decorre “o direito a ser tributado como tal”.

 

Na medida em que a AT deve emitir a liquidação oficiosamente, isso implicará que a AT emita a respetiva declaração de rendimentos em falta, incluindo eventuais anexos, de acordo com “os elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira disponha”, nos termos do artigo 76.º, n.º 1, alínea b) do CIRS e em observância dos princípios e normas jurídico-fiscais aplicáveis.

 

Conforme acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-04-2022, proferido no processo n.º 0792/17.8BEBRG, acessível em www.dgsi.pt, “Tendo a administração tributária o dever geral de actuar com observância do princípio da legalidade (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT) não se pode considerar admissível que pratique actos em dissonância com a realidade (ilegais por enfermarem de erro sobre os pressupostos de facto mesmo que a declaração tenha sido apresentada intempestivamente).”

 

É manifesto que o estatuto de “residente não habitual” não corresponde ao regime do “mínimo de existência” do artigo 70.º do CIRS, nem a uma qualquer “dedução”, pelo que o regime fiscal associado àquele estatuto, cujo direito foi legitimamente adquirido nos termos da lei, terá que ser aplicado pela Requerida na respetiva liquidação oficiosa.

 

Na verdade, o estatuto foi requerido, oportunamente, pelo Requerente à Requerida, que o deferiu, produzindo efeitos. É assim forçoso concluir que a AT conhecia o estatuto do Requerente aquando da emissão da liquidação oficiosa.

 

Não sendo relevante a falta do Requerente, e não impedindo o artigo 76.º do CIRS a consideração daquele estatuto, a AT, conhecendo-o, deveria emitir a liquidação oficiosa, nos termos legais, sem desconsiderar esse estatuto, contrariamente ao alegado pela Requerida nos presentes autos.

 

Por conseguinte, não sendo afastável o regime do estatuto, cujo benefício fiscal se afigura automático, a falta de entrega da declaração anual de rendimentos, embora possa constituir contraordenação tributária prevista e punida nos termos do RGIT, não poderá ter como consequência o desenquadramento do Requerente no regime de RNH.

 

Concordamos neste ponto com a interpretação sustentada na Circular n.º 4/2019, subscrita pela Diretora Geral da AT, segundo a qual“As normas constantes do n.º 10 do artigo 72.º e do n.º 5 do artigo 81.º, ambas do Código do IRS, consubstanciam medidas excecionais de desagravamento da tributação de caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT, conforme determina o artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

 

Resultando da matéria de facto provada que se encontram preenchidos os pressupostos e requisitos previstos no artigo 16.º do CIRS de que depende o enquadramento do Requerente no regime do residente não habitual, deve o mesmo ser tributado de acordo com aquele regime especial.

 

Em qualquer caso, nota-se que “A liquidação oficiosa emitida pela AT tem natureza provisória (…). A liquidação de IRS pode ser corrigida, mesmo depois de emitida liquidação oficiosa, respeitado que seja o respetivo prazo de caducidade. (…) O art.º 76.º, n.º 4 do CIRS prevê especificamente, para todos os casos previstos no seu n.º 1, sem exceção, a possibilidade de a liquidação poder ser corrigida.” (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 14-10-2021, proferido no processo n.º 1058/11.2BELRS, acessível em www.dgsi.pt).

 

Atividade de elevado valor acrescentado

 

Cumpre agora verificar se ao Requerente assiste o concreto direito a ser tributado nos termos do artigo 72.º do Código do IRS, que dispõe que “Os rendimentos líquidos das categorias A e B (…) auferidos em atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria (…), por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20 %”.

 

Na verdade, embora o presente Tribunal Arbitral conclua que a AT deve considerar o estatuto do Requerente, enquanto residente não habitual, não significa que os rendimentos em causa sejam tributados à taxa especial de 20%.

 

Independentemente da inscrição como RNH, que foi deferida, e da atividade eventualmente associada ao cadastro junto da AT, cuja prova inequívoca não foi produzida, não tendo sido junta qualquer notificação formal ou decisão definitiva de “reconhecimento” daquela, a tributação em IRS deve ser aferida casuisticamente em função da atividade geradora dos rendimentos, em cada ano fiscal, nos termos legais.

 

E quanto a este aspeto o Tribunal Arbitral concorda com a interpretação que consta da Circular n.º 4/2019, no sentido de que o procedimento anterior de “reconhecimento prévio” da atividade, que não era suportado pela lei, dada a natureza automática dos benefícios fiscais daquele estatuto, “não obvia a necessidade de controlo à posteriori da manutenção da verificação dos pressupostos subjacentes àquele reconhecimento”.

 

Para estes efeitos, limitando ao objeto e fundamentos do PPA, importa considerar a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, que aprova a tabela de atividades de elevado valor acrescentado a considerar no âmbito dos artigos 72.º e 81.º do Código do IRS.

 

Recordando os factos provados, o Requerente exerceu funções de “Vogal do Conselho de Administração” da sociedade anónima com a firma “B..., S.A.”.

 

Embora não tenha junto qualquer outro documento comprovativo, além da certidão permanente comercial e de declaração da referida sociedade “ B..., S.A.”, o Requerente, enquanto administrador, na qualidade de Vogal do Conselho de Administração, exercia poderes de gestão, representação e vinculação, nos termos dos artigos 405.º, 406.º, 408.º e 409.º do Código das Sociedades Comerciais.

 

Como alega, o Requerente, no exercício das suas funções, “geria os negócios e praticava atos e operações respeitantes ao objeto social, bem como detinha poderes de vinculação, conforme resulta da forma de obrigar da sociedade” descrita na respetiva certidão permanente comercial.

 

Entende o Requerente que os rendimentos, em Portugal, pagos pela referida sociedade “B..., S.A.”, em que integrava o respetivo Conselho de Administração, deveriam beneficiar da taxa especial do artigo 72.º do Código do IRS.

 

À data da inscrição como “residente” fiscal em Portugal, o Requerente entendeu que a respetiva atividade se enquadrava no regime de RNH com o código “802 - Quadros superiores de empresas”, atendendo à redação da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro.

 

Ora, concordando-se, genericamente, com a posição partilhada pela Requerida, o conceito de “quadro superior de empresa”, cujo código constava na versão original da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, é um conceito indeterminado na legislação fiscal, que carece de concretização casuística, nos termos do artigo 11.º, n.º 2 da LGT, tendo como principal pressuposto o desempenho de funções de direção, incluindo, eventualmente, poderes de representação e/ou vinculação, mas que, todavia, não se confunde com os órgãos estatutários de administração de empresas.

 

Conforme decisão arbitral de 15-11-2022, proferida no processo n.º 557/2021-T, acessível em www.caad.pt, “o sentido comum de “quadro superior” (…), que é aquele que tem curso no Direito do Trabalho, é também aquele que deve vigorar no Direito Fiscal, por força do disposto no art. 11.º, n.º 2 da LGT, já que é notório que não há nenhum conceito de “quadro superior” que seja privativo do Direito Fiscal”.

 

Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-09-2008, proferido no processo n.º 0851540, acessível em www.dgsi.pt, o que releva são “funções de maior complexidade técnica, ou que pressupõem mais elevada confiança, mais elevado grau de responsabilidade ou mais especial qualificação”.

 

Contudo, e independentemente de se afigurar que as funções do Requerente podem representar “elevado grau de responsabilidade”, os órgãos estatutários de administração de empresas assumem tratamento diferente, nos termos e para efeitos da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro.

 

No âmbito do ponto “8 - Investidores, administradores e gestores” existem dois códigos: um sobre administradores (código 801) e um sobre quadros superiores de empresas (código 802). Para o Requerente ter acesso à tributação reduzida, teria de ser enquadrado em algum desses códigos.

 

O Requerente alega que estava enquadrado no código 802 (embora não faça prova efetiva desse enquadramento) e que esse código era aplicável à atividade que desenvolvia – vogal de conselho de administração.

 

Contudo, entende este Tribunal Arbitral que o código 802 não é aplicável já que, enquanto membro de um órgão de administração, apenas o código 801 poderia ser aplicável. Mas não o é, de facto, porque a empresa não é de investimento produtivo. O que se requer é que sejam “empresas promotoras de investimento produtivo, desde que afectos a projectos elegíveis e com contratos de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal do Investimento”.

 

Em conformidade com o exposto na decisão arbitral de 27-05-2024, proferida no processo n.º 41/2024-T, acessível em www.caad.pt: “A remissão expressa para o Código Fiscal do Investimento, contida na nova tabela aprovada pela Portaria n.º 230/2019, já existente na redação inicial da Portaria n.º 12/2010, por referência ao CFI/2009, não permite acolher a pretensão do Requerente de qualificar a sua atividade de Presidente do Conselho de Administração como de elevado valor acrescentado, para efeitos do disposto no n.º 6 do artigo 72.º do Código do IRS, na redação em vigor no ano a que respeitam os rendimentos, por não estar provado que a sociedade em causa seja um promotor de investimento produtivo, afeto a um projeto elegível e com contrato de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal do Investimento.”

 

Efetivamente, o Conselho de Administração é o órgão societário competente para gerir os negócios da sociedade anónima, competindo-lhe a prática de todos os atos de prossecução do respetivo objeto social, atos de gestão e atos de representação e vinculação da sociedade, sendo que os seus membros, incluindo Presidente e Vogais, não são equiparáveis a quaisquer quadros superiores de empresa.

 

Configura-se, assim, uma dicotomia entre os conceitos de “quadros superiores de empresa” e “administradores”, excludentes entre si, atenta a redação da mencionada Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro.

 

Comparativamente, na atual versão da Portaria, as atividades de “Diretor-geral e gestor executivo de empresas” e outros “Diretores” são, também, separadas das atividades de “Administradores e gestores” de “empresas promotoras de investimento produtivo, desde que afetos a projetos elegíveis e com contratos de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal do Investimento”.

 

Considerando o exposto acima, o presente Tribunal Arbitral considera que a atividade exercida pelo Requerente não é enquadrável no código “802 - Quadros superiores de empresas” da tabela da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, na sua versão original, nem na versão alterada pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho.

 

Ao Requerente, sendo aplicável o regime de RNH, a respetiva liquidação deve considerar esse estatuto. Contudo, atendendo ao ónus de alegação e de prova, a atividade de “Vogal do Conselho de Administração” da sociedade “B..., S.A.” não se configura como atividade de elevado valor acrescentado que beneficie da taxa de tributação especial prevista no artigo 72.º do Código do IRS.

 

Dessa forma, não sendo aplicável a taxa de tributação especial prevista no artigo 72.º do Código do IRS, e não se concluindo por tributação e pagamento de tributo em montante superior ao legalmente devido, o presente Tribunal Arbitral considera que os atos impugnados não padecem de ilegalidade, na medida em que, não exercendo atividade de elevado valor acrescentado, não seria preenchido o anexo L da declaração anual de rendimentos, nem seria reduzido o tributo liquidado.

 

Improcedendo a pretensão anulatória, os atos impugnados na ordem jurídica mantêm-se inalterados, não havendo lugar à restituição do imposto pago, nem pagamento de juros indemnizatórios, nos termos legais.

 

  1. Decisão

 

Face ao exposto, decide este Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, na medida em que, embora o Requerente tenha o direito a ser tributado de acordo com o estatuto de residente não habitual, a atividade geradora dos rendimentos não se enquadra como atividade de elevado valor acrescentado, nos termos legais;

 

  1. Condenar o Requerente nas custas do processo.

 

  1. Valor

 

Fixa-se o valor do processo em 9.231,30 EUR, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VIII.   Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 918,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelo Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5 do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 29 de outubro de 2024

 

 

A Árbitra

 

 

 

Dra. Adelaide Moura