SUMÁRIO
-
O artigo 12.º-A do Código do IRS estabelece um regime especial de tributação para ex-residentes que voltem a ser residentes fiscais em Portugal.
-
Para o sujeito passivo puder beneficiar deste benefício fiscal, de entre outros requisitos, não pode ter sido residente em território português em qualquer dos três anos anteriores ao ano em que pretende a aplicação do regime.
-
Quando o artigo 12º-A do Código do IRS estabelece como condição para a sua aplicação que o sujeito passivo não tenha sido residente fiscal em Portugal “em qualquer dos três anos anteriores”, tal significa que não pode ter sido residente em nenhum dos três anos civis anteriores.
DECISÃO ARBITRAL
A..., doravante referido como “Requerente” ou “Sujeito Passivo”, contribuinte nº..., residente na Rua ... nº ... esquerdo, ..., ...-... ..., veio, ao abrigo do disposto nos art.ºs 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto‑Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), na versão introduzida pelos art.ºs 228.º e 229.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, deduzir Pedido de Pronúncia Arbitral.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
I – RELATÓRIO
-
O pedido
O Requerente vem deduzir pedido de pronúncia arbitral, tendo por objeto a decisão que negou provimento ao procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023..., que interpôs contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2022..., relativo ao ano de 2021, no montante de €18.523,84 (dezoito mil quinhentos e vinte e três euros e oitenta e quatro cêntimos), relativamente ao qual pede a sua anulação porque ferido de ilegalidade. Pede ainda o reconhecimento do direito à restituição do imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43º da LGT.
-
Tramitação processual
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 19/02/2024, tendo o Árbitro sido nomeado pelo Conselho Deontológico do CAAD, que aceitou a sua nomeação, a qual não foi objeto de oposição pelas partes. O tribunal arbitral ficou constituído em 29/04/2024, tendo a Requerida sido chamada a apresentar resposta, o que fez em 04/06/2024.
Por despacho de 26/09/2024, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o art. 18º do RJAT. Nenhuma das partes se opôs. Pelo mesmo despacho foram as partes notificadas para, querendo, apresentarem alegações, fixando-se o prazo de sete dias úteis sequenciais. A Requerente alegou em 4/10/2024 e a Requerida em 11/10/2024. Não foram levantadas quaisquer excepções.
-
O litígio
A questão a decidir é saber se é ou não aplicável ao Requerente o regime do artigo 12.º - A do CIRS – Regime fiscal aplicável a ex-residentes – que exclui de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n. 1 e 2 do artigo 16.º do mesmo código, em 2021, observem os requisitos previstos naquele artigo.
Em suma o Requerente considera que preenche os requisitos de ter sido residente em Portugal antes de 31 de dezembro de 2017, e não-residente nos três anos anteriores ao ano de 2021, pelo que deveria ser tributado ao abrigo daquele regime e, consequentemente, beneficiar da exclusão de tributação de 50% dos rendimentos auferidos no ano de 2021 e nos quatro anos seguintes.
A Requerida propugna a posição contrária, considerando que o Requerente não foi, de facto, não-residente nos três anos anteriores ao ano de 2021, dado que, no ano de 2020, se declarou residente em Portugal em Dezembro de 2020, pelo que nesse ano, no limite, terá sido parcialmente residente.
II – DA DECISÃO
-
Saneamento
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5 e 6, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
-
Prova
b.1) – Factos Provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
-
O Requerente, de nacionalidade Portuguesa, terá vivido fora de Portugal entre Outubro de 2014 e 17 de Dezembro de 2020;
-
Formalmente, a mudança da sua residência fiscal para Madrid foi concretizada apenas no dia 06/10/2021, com efeitos a 22/10/2014, tendo, nesse mesmo dia, alterado a sua residência fiscal para Portugal, com efeitos a 17/12/2020.
-
Nesse período, entre Outubro de 2014 e 17 de Dezembro de 2020, não terá auferido rendimentos em Portugal.
-
O Requerente tem a sua situação contributiva e tributária regularizada.
-
E não está em situação de incumprimento relativamente a apoios financeiros concedidos pelo IEFP.
-
Em 24/05/2022 entregou a sua declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2021, na qual foi mencionado ser o Requerente residente em território nacional, e ter auferido rendimentos de trabalho dependente no respetivo Anexo A, da qual resultou a liquidação n.º 2022..., sub judice.
-
Por não concordar com a referida liquidação, que não considerou ser-lhe aplicável o regime dos ex-residentes, previsto no artigo 12.º- A do CIRS, o Requerente apresentou reclamação graciosa a qual foi indeferida, por despacho de 2023.11.17, do Chefe de Finanças de Oeiras – ... (...).
b.2)- Factos não provados
Não existem factos dados como não provados, relevantes para a decisão da causa.
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas o dever de identificar os factos que importam para a decisão, discriminando a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, a) e e), do RJAT).
No que se refere à matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, bem como na análise crítica da prova documental que consta dos autos.
-
Do Direito
A questão de fundo a dirimir no presente processo, consiste em apurar se ao Requerente é ou não aplicável o regime do artigo 12.º - A do CIRS – Regime fiscal aplicável a ex-residentes – que exclui de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n. 1 e 2 do artigo 16.º do mesmo código, em 2021, observem os requisitos previstos naquele artigo.
Então vejamos. O n.º 1 do artigo 12.º - A do CIRS estipula que:
“São excluídos de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º em 2019, 2020, 2021, 2022 ou 2023:
a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores;
b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015, no caso dos sujeitos passivos que se tornem fiscalmente residentes em 2019 ou 2020, e antes de 31 de dezembro de 2017, 2018 e 2019, no caso dos sujeitos passivos que se tornem fiscalmente residentes em 2021, 2022 ou 2023, respetivamente;
c) Tenham a sua situação tributária regularizada.”
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei Geral Tributária (LGT), o domicílio fiscal do sujeito passivo é o local da residência habitual da pessoa singular, sendo ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito.
No caso em concreto, o Requerente comunicou a sua mudança de domicílio, quer de saída do País, quer de regresso ao país, apenas em 2021, com efeitos retroactivos a 2014 e a 2020, respectivamente.
De facto, formalmente, a mudança da sua residência fiscal para Madrid foi efetuada apenas no dia 06/10/2021, com efeitos a 22/10/2014, tendo, nesse mesmo dia, alterado a sua residência fiscal para Portugal com efeitos a 17/12/2020.
Assim sendo, o Requerente terá sido, de facto, residente em Portugal, e, de acordo com as suas próprias declarações, tendo ido residir para Espanha a 22/10/2014 e regressado a Portugal a 17/12/2020.
Ora, de acordo com o supramencionado regime, para que o mesmo se aplique ao Requerente no ano de 2021, é requisito que o Requerente não tenha sido residente em Portugal em qualquer um dos três anos anteriores, a saber, 2018, 2019 e 2020.
Esta é, então, a questão controvertida. O Requerente entende que não foi residente em Portugal “em qualquer dos três anos anteriores” a 2021. A Requerida, por sua vez, defende que tendo o Requerente declarado a sua residência fiscal em Portugal a partir de 17/12/2020, que não se pode considerar que foi não-residente em Portugal nesse período.
Vejamos. Como se deve entender o requisito “em qualquer dos três anos anteriores”? O termo “ano”, quando é antecedido da preposição “de” ou “em” refere-se a um ano concreto, que corresponde a um ano civil, o que no caso concreto seria uma referência aos anos de 2018, 2019 e 2020.
Acresce que, de acordo com o artigo 143.º do Código do IRS «Para efeitos do IRS, o ano fiscal coincide com o ano civil», pelo que a interpretação do termo “ano” em sede deste imposto é a sua coincidência com o “ano fiscal” e, consequentemente, com o ano civil.
Mais acresce que, nos termos do n.º 8 do artigo 13.º do Código do IRS, a condição de residente, relevante para efeitos do IRS “é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite”.
Por outro lado, quando o legislador pretende estabelecer um período de 12 meses, diz isso mesmo. A título de exemplo, o artigo 16.º do Código do IRS, segundo o qual são considerados residentes “as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos: a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;”.
Um outro exemplo, o caso do artigo 10.º, n.º 5 alínea b): “O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização”.
Entendemos, assim, que o legislador no art.º 12.º -A, n.º 1 a) ao mencionar “Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores” está a referir-se a 3 anos civis e não a 36 meses.
Ora, assim sendo, quando o artigo 12º-A do Código do IRS estabelece como condição para a sua aplicação que o sujeito passivo não tenha sido residente fiscal em Portugal “em qualquer dos três anos anteriores”, tal significa que não pode ter sido residente em nenhum dos três anos civis anteriores.
Ora, assim sendo, tendo o Requerente pretendido aplicar o regime dos ex-residentes ao seu rendimento de 2021, tal significa que o Requerente não poderia ter sido residente em Portugal nos três anos imediatamente anteriores, isto é, 2018, 2019 e 2020.
Ora, segundo as próprias declarações do Requerente, passou a ser residente fiscal em Portugal a 17/12/2020, pelo que ainda em 2020. E, assim sendo, o Requerente não reúne todos os requisitos para poder beneficiar do regime aplicável a ex-residentes, pois não cumpre com o requisito relativo à não residência em território português em qualquer dos três anos anteriores ao ano em que regressou.
V – Decisão
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se a Requerida do pedido, com as legais consequências.
Valor do processo – Fixa-se em €18.523,84 (dezoito mil quinhentos e vinte e três euros e oitenta e quatro cêntimos) correspondente ao montante da liquidação impugnada.
Custas - no montante de € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros) a cargo do Requerente.
29 de Outubro de 2024
O Árbitro
Maria Antónia Torres