Sumário:
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As fusões–cisões regem-se por um princípio de continuidade da atividade, assumindo a sociedade incorporante os direitos, créditos e obrigações da(s) sociedade(s) incorporada(s).
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Na sequência da concretização de uma operação de fusão-cisão realizada ao abrigo do regime da neutralidade fiscal, é reconhecido à sociedade incorporante o direito de dedução do IVA suportado pelas sociedades fundidas/cindidas que não tenha por estas sido previamente deduzido.
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Nos mesmos termos, é de admitir a transferência de créditos de IVA das sociedades cindidas/fundidas para a sociedade incorporante, não exigindo a lei a comunicação prévia da operação de fusão‑cisão à AT, sem prejuízo de esta poder inspecionar e solicitar os esclarecimentos que entenda necessários e proceder a posteriori às correções que se mostrem devidas.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Juiz José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Dr. Ricardo Sequeira[1] (Árbitro Adjunto) e Dr. Luís Farinha Sequeira (Árbitro Adjunto), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 29.04.2024, acordam no seguinte:
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Relatório
A..., S.A., NIPC..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Porto, doravante designada por Requerente, apresentou, em 15.02.2024, pedido de pronúncia arbitral, requerendo a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no art.º 2, n.º 1, alínea e) e art.º 10, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, conjugado com o art.º 99, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada por Requerida ou AT.
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O pedido
A Requerente solicita a anulação do ato de liquidação de IVA n.º 2023..., no montante de € 169.510,40 e do ato de liquidação de juros moratórios com o mesmo número, no montante de € 362,06, dos quais resultou um valor total a pagar de € 169.872,46, bem como a anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra as referidas liquidações. A Requerente peticiona, ainda, a restituição integral dos valores indevidamente pagos, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal.
B) Tramitação
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo foi aceite em 19.02.2024. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que o Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão (sendo o árbitro Ricardo Jorge Rodrigues Pereira, designado em substituição do inicialmente designado) que aceitaram. As partes não se opuseram a tais designações.
O Tribunal encontra-se, desde 29.04.2024, regularmente constituído. A Requerida, apresentou a sua resposta, em 03.06.2024, não tendo, no entanto, disponibilizado o respetivo processo administrativo.
Por despacho de 06.06.2024, foram as partes notificadas da dispensa da realização da reunião a que se refere o art.º 18 do RJAT, dado inexistirem trâmites processuais específicos ou exceções aduzidas, e notificadas para, querendo, no prazo simultâneo de 15 dias, apresentarem alegações escritas, tendo sido fixado o dia 20.10.2024 como data limite previsível para a prolação da decisão arbitral.
Em 24.06.2024 a Requerente apresentou requerimento a solicitar a produção de prova testemunhal, tendo este Tribunal, na mesma data, emitido despacho a solicitar à Requerente, no prazo de 5 dias, os factos concretos que considerava controvertidos e objeto de prova testemunhal a produzir, o que veio a suceder, por requerimento da Requerente de 25.06.2024. Por despacho de 13.07.2024, este Tribunal indeferiu o requerimento de produção de prova testemunhal, por entender inexistir matéria de facto relevante ou essencial passível de comprovação por este meio de prova, e notificou, novamente, as partes, para a apresentação de alegações escritas no prazo simultâneo de 15 dias.
As alegações escritas da Requerente foram apresentadas em 31.07.2024. A Requerida não apresentou alegações.
Tendo sido aceite pelo presidente do Conselho Deontológico do CAAD a renúncia às suas funções de árbitro inicialmente designado, o Tribunal determinou, por despacho de 25-9-2024, a suspensão da instância até investidura de novo árbitro e reconstituição do Coletivo.
Por despacho de 15-10-2024 e após conclusão do processo de designação de novo árbitro, foi declarada a cessação da suspensão da instância.
II. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, em face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado a partir dos factos previstos no artigo 102.º n.º 1, alínea b) do CPPT.
As Partes estão devidamente representadas, têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
O processo não enferma de nulidades ou irregularidades e não existem questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III. Matéria de facto
1. Factos provados
Estão provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
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A Requerente foi constituída sob a forma de sociedade anónima de direito português e o seu objeto consiste no investimento dos capitais obtidos junto dos acionistas, predominantemente em ativos imobiliários, incluindo imóveis, participações em sociedades imobiliárias e ações ou unidades de participação em outros organismos de investimento imobiliário, que permitam gerar rendimento para a sociedade através da compra, da venda, do arrendamento, de outras formas de exploração onerosa e de administração de imóveis, incluindo a revenda dos que sejam adquiridos para esse fim, do desenvolvimento de projetos de construção e de reabilitação de imóveis, da aquisição e venda de outros direitos sobre imóveis tendo em vista a respetiva exploração económica, da realização de obras de melhoramento, ampliação e de reconstrução de imóveis em carteira, bem como a prática de todos os atos necessários à realização do objeto social ou de atividades com este conexas, tudo dentro dos limites, termos e condições definidos para a SICAFI no respetivo Regulamento de Gestão, no RGOIC e em regulamentos da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (cfr. Cópia de certidão permanente junta como documento n.º 7 do PPA, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Requerente é sujeito passivo de IVA, no regime normal de periodicidade mensal (cfr. documento n.º 8 junto com o PPA, cujo teor se dá como reproduzido);
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O sócio único da Requerente tomou a decisão de reorganizar o Grupo por si detido, através da realização de uma operação de fusão-cisão, em que foi sociedade incorporante a Requerente e sociedades incorporadas as seguintes:
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B..., S.A., com NIPC...;
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C..., S.A., com o NIPC...;
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D..., S.A., com o NIPC ...(“D...”);
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E..., S.A., com o NIPC...;
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F..., S.A., com o NIPC...;
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G..., S.A., com o NIPC...;
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H..., S.A., com o NIPC...;
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I..., S.A., com o NIPC...;
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J..., S.A., com o NIPC...;
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K..., S.A., com o NIPC...;
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L..., S.A., com o NIPC... .
(cfr. documentos n.ºs 4, 5 e 7 juntos com o PPA, cujos teores se dão como reproduzidos).
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Por sua vez, a atividade da M..., Unipessoal, Lda., com o NIPC ... (“M...”) foi cindida, tendo sido destacada e transmitida para a Requerente a atividade (e património) de cariz imobiliário;
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A operação de fusão-cisão, através da qual a sociedade incorporante manteve, para efeitos fiscais, os ativos e passivos transferidos pelos mesmos valores que se encontravam contabilizados nas sociedades cindida e incorporadas, foi registada em 01.07.2022 na Conservatória do Registo Comercial e devidamente publicitada em 4 e 5 de julho de 2022 em www.mj.gov.pt/publicações (cfr. documentos n.ºs 4, 5 e 7 juntos com o PPA).
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Em 19.01.2023 a Requerente entregou a declaração periódica de IVA relativa ao período 2022/11, refletindo, no respetivo campo 61, o montante de crédito de IVA a reportar no valor de € 169.510,40 (cfr. documento n.º 8 junto com o PPA).
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O valor de € 169.510,40 corresponde ao crédito de imposto apurado pela Requerente na sua declaração periódica de IVA de 2022/10, a qual por sua vez já considerava os créditos de imposto das sociedades incorporadas e da sociedade cindida refletidos na esfera da Requerente em períodos anteriores, os quais foram igualmente corrigidos pela AT e objeto de liquidações adicionais de IVA e de juros moratórios, tendo dado origem aos processos arbitrais n.ºs 554/2023-T e 77/2024-T (cfr. Resposta da AT, cujo teor se dá como reproduzido).
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Os referidos processos arbitrais n.ºs 554/2023-T e 77/2024-T foram ambos decididos a favor da Requerente, tendo sido determinada, em ambos os casos, a anulação das liquidações de imposto e de juros moratórios por inexistência de norma legal que sujeite a comunicação prévia à AT a intenção da sociedade incorporante de reportar, na sua esfera, em períodos posteriores à fusão, créditos de imposto que tiveram origem nas sociedades incorporadas ou cindida (cfr. site do CAAD).
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Em 31.01.2023, a Requerida emitiu a liquidação de IVA (demonstração de liquidação de IVA n.º 2023 ...), referente ao período 2022/11, no montante de € 169.510,40, donde consta a seguinte fundamentação: “Liquidação efetuada nos termos do art. 87.º do CIVA, em resultado da correção automática da declaração periódica enviada para o período indicado, de que resultou falta de entrega de imposto ao Estado” (cfr. documento n.º 1 junto com o PPA, cujo teor se dá como reproduzido).
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O montante objeto da supra referida liquidação adicional de IVA corresponde a correções automáticas efetuadas pela Requerida, as quais desconsideraram na íntegra o montante previamente inscrito no campo 61 da declaração periódica de IVA de 2022/11 da Requerente (cfr. documentos n.º 1 e n.º 8 junto com o PPA).
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Na mesma data, e sob o mesmo número de liquidação, a Requerida emitiu uma liquidação de juros de IVA relativa ao período 2022/11 e à liquidação de IVA acima referida, no montante de € 363,06, donde consta a seguinte fundamentação: “Juros calculados nos termos do art. 96.º do CIVA e dos artos. 35º e 44º da LGT por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto ou por se ter verificado atraso ou insuficiência do pagamento, por facto imputável ao contribuinte) (cfr. documento n.º 1 junto com o PPA).
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A Requerente, por discordar das liquidações adicionais de IVA e de juros moratórios acima identificadas, apresentou, em julho de 2023, reclamação graciosa contra os referidos atos tributários, peticionando a sua anulação (cfr. documentos n.º 2 e 3 juntos com o PPA), a qual, na data da apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral (15.02.2024) ainda não havia sido objeto de decisão por parte da AT.
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As liquidações de IVA e juros moratórios acima identificadas foram pagos pela Requerente em 28.03.2023 (cfr. documento n.º 9 junto com o PPA).
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As sociedades participantes da operação de fusão-cisão, incluindo a Requerente na qualidade de sociedade incorporante, são/eram sociedades imobiliárias, dedicando-se, em termos genéricos, à gestão e administração de imóveis próprios e alheios, compra, venda e arrendamento de imóveis e revenda dos adquiridos para esse efeito, promoção imobiliária, consultoria imobiliária e prestação de serviços conexos a essas atividades.
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A Requerente deu continuidade às atividades económicas de cariz imobiliário desenvolvidas pelas sociedades incorporadas e cindidas (cfr. documentos n.ºs 4, 5 e 7 juntos com o PPA).
2. Fundamentação da matéria de facto dada como provada
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).
Os factos provados acima elencados baseiam-se nos documentos apresentados pelas Partes e nas posições assumidas por ambas em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.
3. Factos não provados e fundamentação
Não se provou que a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha efetuado qualquer diligência na sequência da apresentação pela Requerente da declaração periódica de IVA relativa ao período 2022/11, bem como na sequência da apresentação da reclamação graciosa, designadamente solicitando quaisquer esclarecimentos sobre os montantes declarados ou iniciando qualquer procedimento inspetivo, tendo em vista apurar junto da Requerente as razões dos valores constantes da mesma. A Requerida não juntou, sequer, o processo administrativo, limitando-se a dizer, na sua Resposta, que a “intervenção dos Serviços de Inspecção afigura-se necessária para o controlo das deduções efetuadas” e que “já se encontra aberta a Ordem de Serviço n.º OI2023..., dos Serviços de Inspecção da Direção de Finanças do Porto, emitida em nome da incorporada B..., para inspeção tributária interna parcial (IVA) relativamente ao ano de 2021, ano a que se reporta a formação de parte significativa do crédito de IVA aqui em causa”.
Ora, não aceitando o valor do crédito de imposto apurado e reportado pela Requerente, caberia à AT, de acordo com as regras do ónus da prova de factos que integram a relação jurídico-tributária, alegar e provar factos que permitissem concluir diferentemente, nomeadamente a eventual existência de operações que não conferem direito à dedução (o que não sucedeu).
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
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Matéria de Direito
1. Apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral
1.1. Posições das Partes
Para fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega, em suma, o seguinte:
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A operação de fusão-cisão ora em análise teve por objeto a reorganização interna do Grupo N..., através (i) da concentração (fusão) das atividades de cariz imobiliário das várias entidades do Grupo na Requerente, com a consequente especialização da sua gestão e (ii) a separação (destaque) da atividade de prestação de serviços de consultoria e apoio à gestão, que continuaria a ser assegurada pela M..., já expurgada, por cisão, do seu ramo de atividade relativo à gestão de ativos imobiliários;
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A referida operação societária permitiu simplificar o modelo organizacional das sociedades, eliminar a multiplicação de custos administrativos, burocráticos e fiscais, racionalizar a gestão do Grupo e aumentar a sua competitividade, reestruturar e redimensionar recursos e ativos, bem como autonomizar áreas de atividade, permitindo, igualmente, converter a Requerente num organismo de investimento coletivo alternativo imobiliário, sob a forma societária de SICAFI;
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Em sede de IVA não existe um conceito de fusão (ou fusão-cisão) e, de acordo com o princípio da continuidade da atividade subjacente a tais operações, as obrigações declarativas e de pagamento de imposto das sociedades fundidas/cindidas são assumidas na esfera da sociedade incorporante a partir da data de produção de efeitos da respetiva operação;
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No caso em apreço, o registo da operação de fusão-cisão ocorreu em 10.08.2022, com efeitos retroativos a 01.01.2022 – com exceção das operações realizadas pela D..., cuja produção de efeitos se deu por iniciada em 02.03.2022 –, tendo sido realizada ao abrigo do regime da neutralidade fiscal;
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Aquando do registo da operação, as sociedades incorporadas (com exceção da M..., que foi a sociedade cindida) extinguiram-se por incorporação na Requerente, transmitindo-se para estas todos os direitos e obrigações a elas inerentes para a Requerente, na qualidade de sociedade incorporante, incluindo os créditos de imposto existentes à data na esfera da cindida/fundidas, o que originou o reporte, no campo 61 da declaração periódica de IVA da Requerente de 11/2022, do montante de €169.510,40 (entretanto totalmente desconsiderado pela AT aquando das correções efetuadas);
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Numa operação de fusão-cisão realizada ao abrigo do regime da neutralidade fiscal, tudo se passa, para efeitos fiscais, como se nunca tivesse ocorrido, verificando-se a continuidade do exercício da atividade das sociedades cindidas/fundidas na esfera da sociedade incorporante (todas as sociedades participantes da operação de fusão-cisão são/eram sociedades imobiliárias, incluindo a Requerente);
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Tais operações encontram-se abrangidas pela norma de exclusão da incidência de IVA constante do n.º 3 do art.º 4 do Código do IVA, não obstante manterem uma relação direta e imediata com a atividade do sujeito passivo;
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O regime da neutralidade fiscal implica, igualmente, a transmissão para a sociedade incorporante do direito de dedução do IVA suportado pelas entidades cindidas/fundidas que não tenha sido por estas deduzido, bem como do direito ao reembolso ou utilização do crédito de IVA nestas gerado e não usado;
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O princípio da intransmissibilidade dos créditos de IVA não tem aplicação em operações de fusão-cisão efetuadas ao abrigo do regime de neutralidade fiscal (como a operação objeto de análise nos presentes autos), pelo que a Requerente tem direito (conforme previsto no n.º 4 do art.º 22 do Código do IVA), ao reporte, no campo 61 da sua declaração periódica de IVA, do crédito de imposto gerado na esfera das sociedades cindidas/fundidas e por estas não utilizado;
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Do n.º 6 do art.º 22 do Código do IVA não resulta a obrigatoriedade de os sujeitos passivos solicitarem o reembolso de IVA apurado em excesso, pelo que as sociedades cindidas/fundidas não se encontravam obrigadas a tal em momento anterior à operação de fusão-cisão;
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Inexiste, igualmente, uma norma legal que determine a obrigatoriedade de autorização prévia da AT para utilização, pela Requerente, do crédito de IVA pertencente às sociedades cindidas/fundidas e transmitido àquela por via da operação de fusão-cisão nem, sequer, uma obrigatoriedade de mera comunicação prévia à Requerida;
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Neste sentido, a desconsideração, pela AT, da totalidade do crédito objeto de reporte no campo 61 da declaração periódica de IVA da Requerente do período 11/2022 viola os mais elementares princípios que subjazem ao regime da neutralidade fiscal que teve subjacente à concretização da operação de fusão-cisão realizada (conforme o disposto no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 01162/03, de 15.06.2004), bem como o princípio da continuidade subjacente ao regime da neutralidade fiscal e o princípio da legalidade;
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A desconsideração, pela AT, da totalidade do crédito objeto de reporte no campo 61 da declaração periódica de IVA da Requerente do período 11/2022 viola, ainda, o dever de fundamentação que sobre si pende, porquanto a AT não fundamentou, em momento algum, a razão para a correção em causa;
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Pelo que, em síntese, a liquidação de imposto emitida pela Requerida é ilegal, devendo ser anulada para todos os efeitos legais, e o seu valor reembolsado à Requerente, dando origem ao pagamento dos respetivos juros indemnizatórios, por estar verificada a existência de erro imputável aos serviços.
Na sua resposta, a AT alegou, em suma, o seguinte:
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No caso vertente, a Requerente faz prova do registo da fusão-cisão, nos termos do
art.º 111 do CSC, através da certidão permanente junta como documento 7 do PPA, e todas as sociedades fundidas cessaram atividade – e a sociedade cindida apresentou declaração de alterações a cessar as atividades imobiliárias – na sequência desta operação;
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Os valores dos créditos de IVA apurados na esfera da Requerente e de algumas das sociedades fundidas/cindida diferem dos valores apurados pela AT;
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Um dos requisitos essenciais para a neutralidade do IVA em operações de fusão-cisão é estarmos na presença de sujeitos passivos que realizem exclusivamente operações que conferem direito à dedução, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, pelo que, quando o adquirente não seja um sujeito passivo que pratique exclusivamente operações tributadas, como aqui sucede, a administração fiscal deve adotar as “medidas regulamentares adequadas”, nomeadamente, a limitação do direito à dedução, seguindo os critérios enunciados no ponto 6 do Ofício-Circulado n.º 134850/89, sendo sempre necessária a intervenção da AT;
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Sem comunicação prévia e intervenção da AT, a Requerente não poderia incluir no campo 61 da declaração periódica de IVA de 2022/11 o montante de € 169.510,40, afigurando-se necessária a intervenção da Inspeção Tributária para o controlo das deduções efetuadas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 26.º do Código do IVA e no regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, a que se refere o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 21/07, de 29 de janeiro, e artigo 12.º, n.º 6 do Código do IVA.
1.2. Da legalidade da liquidação adicional de IVA
Nos exatos termos em que os autos foram delimitados pelas partes no PPA e na respetiva Resposta da AT, o thema decidendum nos presentes autos consiste em saber se a Requerente, na sequência da concretização de uma operação de fusão-cisão, devidamente registada e publicitada, e ao abrigo do regime da neutralidade fiscal que lhe esteja subjacente, pode refletir, nas suas declarações periódicas de IVA (campo 61), os créditos de imposto não usados/reclamados que tiveram origem nas sociedades fundidas/cindida, tornando-se, assim, titular dos mesmos, e, em caso de resposta positiva, se a transferência de tais montantes está sujeita à comunicação prévia da fusão-cisão à AT.
A situação em apreço já foi objeto de análise nos processos arbitrais n.ºs 554/2023-T e
77/2024-T, onde, por referência à mesma operação de fusão-cisão e às mesmas partes intervenientes, relativo a períodos de imposto anteriores, se concluiu, em ambos, a favor da Requerente.
De facto, em ambos os processos arbitrais acima identificados, não foi (e também não o é, nos presentes autos) matéria controvertida entre as Partes a realização e o registo da operação de fusão-cisão em análise, através da qual a sociedade incorporante assumiu os créditos fiscais originados na esfera das sociedades incorporadas/cindida e por estas não usados.
Ora, determina a al. a) do art.º 111 do CSC que, com a inscrição (registo) da fusão no registo comercial, “extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade” (nosso sublinhado). E na ausência de disposição similar em lei tributária, a referida norma do CSC considera-se igualmente válida para efeitos fiscais.
Por sua vez, o art.º 120 do CSC aplica à cisão de sociedades, com as necessárias adaptações, o disposto neste diploma relativamente à fusão.
Neste sentido, quanto à questão de saber se, no caso de uma operação de fusão-cisão, realizada ao abrigo do regime da neutralidade fiscal, a sociedade incorporante se torna titular dos créditos fiscais originados na esfera das sociedades incorporadas/cindida e por estas não usados, entende este Tribunal que a resposta terá de ser positiva, sendo, portanto, de concluir que, quer por resultado da fusão de sociedades, quer por resultado de uma cisão de setores de atividade, os direitos e obrigações das sociedades incorporadas/cindidas se transmitem para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade aquando do registo da operação.
Por sua vez, no que respeita à questão de saber se a transmissão de tais direitos e obrigações opera ope legis ou está dependente de uma comunicação prévia à AT (ou de autorização desta), importa esclarecer que inexiste uma disposição legal a exigir tal comunicação ou autorização prévia, não obstante ser esse o entendimento versado em diversas orientações e informações vinculativas da AT (que, no entanto, não apresentam caráter vinculativo para os sujeitos passivos, nem para os Tribunais).
Conforme se concluiu no processo arbitral n.º 77/2024-T:
“Com Cidália Lança[8], longamente citada pela Requerida na sua resposta (o que parece supor uma concordância de posições): “Assim, na ausência de norma legal específica que regule os procedimentos administrativos necessários para a transferência de saldos credores de IVA das sociedades fundidas para a sociedade resultante da fusão, dado o n.º 5 do artigo 3.º do Código do IVA permitir à administração fiscal a adopção de medidas regulamentares adequadas para a aplicação da regra de não sujeição, considera-se conforme à lei a actuação adoptada pela administração fiscal de permitir a utilização dos créditos supra-referidos, desde que a fusão esteja registada e entregue a declaração de cessação de actividade das sociedades fundidas”
Ora, estes factos (registo e cessação de atividade) foram considerados como provados, pelo que estão verificados todos os requisitos exigíveis, segundo a própria AT, para a transferência para a Requerente da titularidade dos créditos de IVA em causa”.
Este entendimento foi igualmente desenvolvido no processo arbitral n.º 554/2023-T, nos seguintes termos:
“Em sede de IVA, importa ter presente o n.º 4 do artigo 3.º do Código do IVA, que estatui que “[n]ão são consideradas transmissões as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º”.
No n.º 5 do mesmo artigo ressalva-se que “(…) a administração fiscal adopta as medidas regulamentares adequadas, nomeadamente a limitação do direito à dedução, quando o adquirente não seja um sujeito passivo que pratique exclusivamente operações tributadas”.
Nesta conformidade, vem a AT alegar que no ponto 6 do Ofício-Circulado n.º 134850, de 21 de novembro de 1989, da então Direção de Serviços de Conceção e Administração do IVA, se determina que:
“[…]
6.1 O n.º 4 do artigo 3.º do Código do IVA não será aplicável sempre que o adquirente seja um sujeito passivo isento ou esteja abrangido pelo regime dos pequenos retalhistas pois, num caso e noutro, não pratica quaisquer operações tributadas a jusante;
6.2 Quando o adquirente for, nos termos do art.º 23º do CIVA, um sujeito passivo misto, isto é, quando pratique operações que conferem o direito à dedução, simultaneamente com operações que não conferem esse direito, deverá observar-se o seguinte:
6.2.1 Se o regime seguido pelo adquirente, para efeitos do exercício do direito à dedução (art.º 23.º), for o de percentagem de dedução ("prorata"), manter-se-á a aplicação do nº 4 do artigo 3.º, mas o referido adquirente deverá proceder a uma regularização a favor do Estado, correspondente à diferença entre o montante do IVA que lhe teria sido liquidado se a transmissão fosse tributada e o que resulta da aplicação do prorata ao mesmo montante.
6.2.2 Se o regime for o da afectação real, haverá ou não haverá liquidação de IVA, conforme o estabelecimento transmitido for afecto, respectivamente, ao(s) sector(es) que não confere(m) o direito à dedução ou ao sector(es) que confere(m) esse direito”.
No caso em análise, entende o Tribunal que as fusões–cisões se regem por um princípio de continuidade da atividade, assumindo a sociedade incorporante os direitos, créditos e obrigações da sociedade incorporada (inclusive, ao nível da dedução do IVA de faturas que tenham ainda sido emitidas em nome da incorporada, mas cujo exercício do direito à dedução apenas ocorre na esfera da incorporante).
O direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA, sendo garante de uma correta aplicação do princípio basilar da neutralidade do imposto e não pode, em princípio, ser limitado, de onde decorre que qualquer limitação ao mesmo deve ser interpretada restritivamente.
Do princípio de continuidade subjacente à operação de fusão decorre que a sociedade resultante da fusão assume os direitos e obrigações das sociedades fundidas, incluindo, como reconhecido pela doutrina e acolhido genericamente na jurisprudência, os respeitantes a matérias fiscais.
Como vem afirmando o STA em várias decisões (veja-se, nomeadamente, os Acórdãos de 16 de Setembro de 2009, processo 0372/09, e de 10 de Fevereiro de 2010, processo 0925/09, disponíveis em www.dgsi.pt) “independentemente da posição que se assuma acerca da natureza jurídica da fusão (…), a extinção da personalidade jurídica própria da sociedade incorporada por fusão não tem por efeito a extinção dos seus direitos e deveres, antes, por expressa disposição legal estes se “transmitem” para a sociedade incorporante, seja porque esta sucede aquela, em conformidade com a teoria da sucessão universal, seja porque as situações jurídicas de que era titular a sociedade incorporada permanecem inalteradas ao longo do processo de fusão para se reunirem numa nova entidade, em conformidade com a teoria do acto modificativo”. Neste sentido, conclui que, “ (…) por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 112.º do CSC, para a sociedade incorporante “se transmitem” ou nela “se reúnem”, como efeito da inscrição da fusão no registo comercial, os direitos e obrigações da sociedade incorporada, não sendo as obrigações fiscais excepção a essa regra (…).” (cfr. Acórdão do STA de 16 de Setembro de 2009, já citado, e Acórdão de 23 de Setembro de 2009, processo 0370/09).
No que respeita especificamente ao IVA, a assunção pela sociedade resultante da fusão-cisão dos direitos e obrigações das sociedades fundidas-cindidas implica passar a incumbir-lhe dar cumprimento às obrigações impostas pela legislação deste imposto pela atividade que desenvolve, ainda que tais obrigações respeitem a factos tributários ocorridos na esfera das sociedades fundidas-cindidas antes da fusão, bem como responder pelas dívidas fiscais daquelas.
Como salienta Cidália Lança, “Na mesma ordem de ideias, entende-se que a sociedade resultante da fusão pode, nos termos previstos nos artigos 19.º e seguintes do CIVA, exercer o direito à dedução do imposto suportado para a realização de operações efectuadas pelas sociedades fundidas em data anterior à fusão, desde que tal direito não tenha já sido exercido na esfera destas últimas. Estarão nestas circunstâncias facturas cuja emissão possa ocorrer já após a fusão, mas também facturas com data anterior mas que sejam recepcionadas pela sociedade fundida após aquela data. O direito à dedução do IVA inserido em tais facturas deve ser exercido em declaração periódica apresentada pela sociedade resultante da fusão relativa ao período em que ocorreu a sua recepção ou a período posterior àquele. Importa referir que a circunstância de a factura estar emitida em nome de uma sociedade fundida não deve obstar ao exercício do direito à dedução pela sociedade resultante da fusão; tal é uma decorrência de nela terem sido incorporados os direitos das sociedades fundidas, mas também do efeito de neutralidade que está inerente à aplicação da regra de não sujeição a tais tipos de reestruturações empresariais”. Assim, prossegue a Autora, “o princípio da intransmissibilidade dos créditos de IVA não pode ter aplicação de forma absoluta no caso de fusão de sociedades, dado esta implicar necessariamente a transmissão dos direitos e obrigações das sociedades fundidas para a sociedade resultante da fusão (cfr. artigos 97.º e 112.º do Código das Sociedades Comerciais/CSC)”.
(CIDÁLIA LANÇA, “O tratamento em IVA da fusão de sociedades”, in Fiscalidade, n.º 46, Abril-Junho de 2011, pp. 91-103.
Esta interpretação é a que, face ao quadro legal em vigor, é acolhida, por exemplo, no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15 de Junho de 2004, processo 01162/03, no qual, seguindo a posição doutrinária de que a fusão implica a integração da personalidade e capacidade jurídica da sociedade incorporada na sociedade incorporante, se decidiu que “… para efeitos de IVA, (…) de acordo com os princípios que regem a liquidação deste imposto, tudo aconselha que a sociedade incorporante processe e contabilize os créditos e débitos de imposto como se de uma única sociedade se tratasse, entregando ou ficando com crédito de imposto consoante o que dos saldos resultar.”
No mesmo sentido, relativamente aos direitos e obrigações fiscais, se pronunciou o Ac. do TCA Sul de 13-10-2017, proferido no processo 09525/16 e disponível em http://www.dgsi.pt, também no sentido de que, por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 112.º do CSC, para a sociedade incorporante “se transmitem” ou nela “se reúnem”, como efeito da inscrição da fusão no registo comercial, os direitos e obrigações da sociedade incorporada, não sendo as obrigações fiscais excepção a esta regra, ….. pois que esta sociedade (incorporante) ….. sucedeu àquela ou, noutra concepção, sempre será responsável pelo seu pagamento (cfr. a alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, a contrario).
Quanto ao Ofício-Circulado n.º 134850, de 21 de novembro de 1989, da então Direção de Serviços de Conceção e Administração do IVA, invocado pela AT, importa referir o seguinte.
Preceitos criados por atos de natureza legislativa não podem ser, com eficácia externa, interpretados, integrados, modificados, suspensos ou revogados por atos de outra natureza (artigo 112.º, n.º 5, da CRP).
Para além disso, a definição dos pressupostos da tributação é matéria sujeita ao princípio da legalidade, desde logo por força do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP que estabelece que «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes».
Este princípio da legalidade é reafirmado e ampliado pela LGT, no seu artigo 8.º.
É, assim, manifesto que as normas relativas à liquidação de tributos, designadamente, as que definem a incidência e os benefícios fiscais, estão subordinadas ao princípio da legalidade, estando consequentemente afastada a possibilidade de, por via administrativa, serem criadas normas de que resulte uma efetiva oneração para os contribuintes.
É nosso entendimento que nada impede que a AT emita uma circular de que conste o seu entendimento sobre a aplicação de disposições do CIVA, pois tal possibilidade de emissão de orientações genéricas vinculativas para os seus serviços está prevista no artigo 68.º-A da LGT.
Como resulta do n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT e tem sido pacificamente entendido, as circulares apenas têm eficácia vinculativa para a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo efeitos externos apenas de natureza informativa para os contribuintes, que podem saber antecipadamente qual o entendimento que será por aquela adotado.
(…)
Por conseguinte, não sendo ilegal a emissão de circulares que interpretem diplomas legislativos com eficácia interna, a ilegalidade de atos em matéria tributária que apliquem os entendimentos nelas perfilhados não pode derivar da sua aplicação em si mesma, mas, apenas, da ilegalidade desse entendimento em face do regime legal aplicável previsto no diploma legislativo interpretado.
Agora, uma coisa é a AT, proceder, no âmbito inspetivo, à verificação da legalidade das deduções de IVA no âmbito das sociedades envolvidas no processo de fusão-cisão, por entender que a “intervenção da Inspeção Tributária afigura-se também necessária para o controlo das deduções efetuadas, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 26.º do Código do IVA e no regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, a que se refere o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 21/07, de 29 de janeiro, e artigo 12.º, n.º 6 do Código do IVA.”.
Outra coisa, bem diversa, é a AT, na sequência da apresentação de uma declaração periódica de IVA pelo contribuinte, proceder à emissão de uma liquidação adicional de IVA que corrigiu automaticamente o montante reportado de crédito de IVA pela sociedade incorporante relativo aos créditos transferidos das sociedades cindidas/incorporadas, por a AT entender que não lhe foi comunicada previamente a operação de fusão-cisão à AT, o que não lhe permitiu efetuar uma inspeção prévia para controlo das deduções efetuadas pelas sociedades envolvidas, e que tal resulta da lei. Não resulta.
Dispõe o art. 87.º do CIVA, sob a epígrafe “Rectificação das declarações e liquidações adicionais”, o seguinte:
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 90.º, a Direcção-Geral dos Impostos procede à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença.
2 - As inexactidões ou omissões praticadas nas declarações podem resultar directamente do seu conteúdo, do confronto com declarações de substituição apresentadas para o mesmo período ou respeitantes a períodos de imposto anteriores, ou ainda com outros elementos de que se disponha, designadamente os relativos a IRS, IRC ou informações recebidas no âmbito da cooperação administrativa comunitária e da assistência mútua.
3 - As inexactidões ou omissões podem igualmente ser constatadas em visita de fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame dos seus elementos de escrita, bem como da verificação das existências físicas do estabelecimento.
(…)
(sublinhado nosso).
Como se viu, da liquidação adicional de IVA consta a seguinte fundamentação: “Liquidação efetuada nos termos do artº 87º do CIVA e em resultado da correção automática da declaração periódica enviada para o período indicado, de que resultou falta de entrega de imposto ao Estado” (sublinhado nosso).
Portanto, é manifesto que, não só a lei não exige uma comunicação prévia à AT da operação de fusão-cisão, como as retificações das declarações de IVA dos sujeitos passivos e emissão de uma liquidação adicional de IVA só pode ocorrer, in casu, “quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença” (nº 1 do citado artigo 87º), sem prejuízo de “As inexactidões ou omissões podem igualmente ser constatadas em visita de fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame dos seus elementos de escrita, bem como da verificação das existências físicas do estabelecimento.” (nº 3 do citado artigo 87º). (sublinhado nosso).
Como já atrás se disse, «a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» (artigo 58.º da LGT), pelo que tinha o dever de diligenciar, na sequência da apresentação da declaração de IVA da Requerente e/ou do pedido de reclamação graciosa, no sentido de apurar a razão dos valores inscritos pela Requerente na declaração periódica de IVA e/ou objeto de reclamação, se necessário através de pedidos de esclarecimento e exames à contabilidade da Requerente.
É apenas nas situações em que, após a produção das provas e a realização de diligências necessárias para apurar a factualidade relevante para a decisão, subsistem dúvidas sobre factos em que deve assentar a decisão que funcionam as regras do ónus da prova, valorando procedimentalmente as dúvidas contra aquele a quem é atribuído o ónus da prova.
Diversamente, e em violação da lei, a AT procedeu a uma correção automática, não fundamentada, da declaração periódica de IVA da Requerente.
Em jeito de síntese:
A operação de fusão/cisão ocorreu, de facto, em termos válidos, e encontra-se devidamente registada.
O art.º 3 n.º 4 do Código do IVA não exclui a sua aplicação a operações de fusão-cisão entre sujeitos passivos mistos, como é o caso.
E também não exige comunicação prévia à AT, sem prejuízo de a mesma ser recomendada, precisamente para evitar estes problemas derivados de assimetrias de informação.
Ou seja, a comunicação da operação de fusão-cisão não é um requisito legal para a aplicação deste regime de exclusão de imposto.
O ofício-circulado n.º 134850, de 21/11/1989, também permite a aplicação do regime do art.º 3 n.º 4 do Código do IVA a operações de fusão-cisão entre sujeitos passivos mistos, exigindo, no entanto, que se verifique se o adquirente dos créditos deve proceder a uma regularização de imposto a favor do Estado, consoante apure o seu direito à dedução por via de prorata ou afetação real.
Dos elementos disponibilizados não é possível confirmar se a Requerente procedeu, ou se teria de proceder, a alguma regularização de imposto na sua esfera, na sequência da operação de fusão-cisão, conforme é o entendimento da AT expresso no ofício-circulado.
Não obstante, a AT não fundamenta a liquidação oficiosa de IVA na inexistência de uma regularização parcial de imposto que não foi efetuada pelo Requerente.
Diversamente, a emissão da liquidação de IVA foi efetuada de forma automática pelo sistema da AT, com base na divergência de valores de crédito apurados entre a declaração do Requerente e os valores de controlo da AT.
Mesmo que se entendesse que a aplicação do regime do art.º 3 n.º 4 do CIVA implica, in casu, a necessidade de apurar uma eventual regularização de imposto a favor do Estado na esfera do Requerente, a AT não o demonstra, nem o fundamenta.
A AT limitou-se, por isso, a rejeitar na totalidade a transferência de créditos apurados na vigência de uma operação de fusão-cisão, por desconhecimento da mesma, e não verificou, entretanto, se estavam cumpridas as condições que a mesma estabeleceu por via administrativa para o efeito.
Ora, o afastamento tout court do direito à transmissão de créditos de IVA no âmbito de uma operação de fusão-cisão, efetuada ao abrigo do regime da neutralidade fiscal e continuidade da atividade, e que pressupõe a transmissão de todas as obrigações, direitos e créditos existentes na esfera das entidades cindidas/incorporadas para a entidade incorporante, numa lógica de continuidade do negócio, é inadmissível, por contrário à lei e ao princípio da neutralidade fiscal em sede de IVA.
Eventuais dúvidas que se possam suscitar quanto ao correto apuramento dos créditos de imposto em causa (suscitadas pela AT na sua Resposta), podem (e devem) ser averiguadas e confirmadas pela AT em sede de inspeção, mas não constituem fundamento para a manutenção deste ato tributário na ordem jurídica.
Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, impõe-se concluir que a liquidação de IVA em crise enferma de vícios de violação de lei (princípios da continuidade e da neutralidade inerentes às operações de fusões-cisões e do princípio do inquisitório), e falta de fundamentação, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Pelo que terá de proceder, na sua totalidade, o pedido apresentado pela Requerente.
O indeferimento tácito (presumido) da reclamação graciosa enferma do mesmo vício, já que se mantém a liquidação, devendo igualmente ser anulado”.
De igual modo, e pelas mesmas razões e fundamentos, a liquidação de IVA sub judice e o indeferimento tácito da respetiva reclamação graciosa reputam-se ilegais, por vício de violação de lei e falta de fundamentação, devendo, consequentemente, ser anulados.
1.3. Da legalidade da liquidação de juros de IVA (juros moratórios)
A liquidação de juros de IVA tem como pressuposto a liquidação adicional de IVA, acima declarada ilegal, pelo que enferma dos mesmos vícios, devendo ser anulada nos mesmos termos, e pelos mesmos fundamentos.
2. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios
A Requerente formula pedido de restituição das quantias pagas à AT, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios. Por sua vez, a Requerida não põe em causa o pagamento do imposto, limitando-se a concluir que o pedido de pronúncia arbitral deverá ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.
De harmonia com o disposto na al. b) do art.º 24 do RJAT e no art.º 100 da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT], a decisão arbitral favorável à pretensão do sujeito passivo vincula a AT a restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos necessários para o efeito, tendo em vista garantir a imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.
Pelo que acima se referiu, o pedido de pronúncia arbitral procede totalmente contra as liquidações de IVA e de juros moratórios acima identificadas, no montante total de € 169.872,46, tendo a Requerente direito ao reembolso dessa quantia indevidamente paga.
A ilegalidade dos atos tributários sub judice é imputável à AT, pois emitiu-os por sua iniciativa, com base num procedimento de caráter automático que aplica uma errada interpretação da lei. Consequentemente, a Requerente tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, devidos desde a data do pagamento à AT (28.03.2023) até ao integral reembolso do montante indevidamente pago.
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Decisão
Em face do exposto, consideram-se totalmente procedentes os pedidos formulados pela Requerente, pelo que se decreta:
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A anulação dos atos de liquidação de IVA e de juros moratórios n.º 2023..., no montante total de € 169.872,46, relativos ao período 11/2022;
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A anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pela Requerente contra os atos tributários identificados em a) supra;
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A condenação da AT ao reembolso à Requerente da quantia por esta indevidamente paga, no montante global de € 169.872,46;
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A condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, nos termos legais;
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A condenação da AT no pagamento das custas arbitrais deste processo.
VI. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º A n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 169.872,46 (cento e sessenta e nove mil, oitocentos e setenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos).
VII. Custas
De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 3.672,00 (três mil, seiscentos e setenta e dois euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique.
Lisboa, 24 de outubro de 2024
O Tribunal Arbitral,
(José Poças Falcão, Árbitro Presidente)
(Ricardo Rodrigues Pereira, árbitro adjunto)
(Luís Farinha Sequeira, árbitro adjunto)
[1] Passou a integrar este Coletivo a partir de 15-10-2024, em substituição do árbitro anteriormente designado