Sumário:
Constitui jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (artigo 78.º, n.º 1, da LGT), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins (presidente), Ana Teixeira de Sousa e Sérgio Santos Pereira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 29 de abril de 2024, acordam no seguinte:
I. Relatório
A..., S.A., NIPC..., com sede à Rua ..., ... , ..., ..., ...-... Porto veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a Constituição de Tribunal Arbitral, visando a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRC do ano de 2019, no montante de € 133.921,58.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Em 6 de fevereiro de 2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, do que foi notificada a AT.
De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 29 de abril de 2024.
Em 3 de junho de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por impugnação, e juntou aos autos o processo administrativo (“PA”).
Depois de primeira designação de data de audiência, sem efeito, foi proferido novo despacho em 4 de julho de 2024, com o seguinte conteúdo:
-
“Designa-se o dia 16 de setembro de 2024, pelas 10h00 horas, nas instalações do CAAD como nova data para realização da audiência para produção de prova testemunhal.
-
Notifiquem-se as partes do presente despacho”.
A audiência foi realizada, e ambas as partes apresentaram alegações.
Posição da Requerente
A Requerente foi notificada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT) da Demonstração de Liquidação de IRC de 2023-10-23, cuja cópia se junta, através da qual teve conhecimento do ato tributário de liquidação (adicional) de IRC nº 2023 ... relativo ao ano de 2019, no montante de € 133.921,58, que constitui objeto do presente pedido de pronúncia arbitral e com o qual não se conforma – Doc. 1.
A AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais nos termos do artigo 1.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, quanto a pretensões deduzidas, como é o caso, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011.
Por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, o prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral é, nas circunstâncias do caso, de noventa dias contados do facto previsto no artigo 102.º, n.º 1, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, i.e., contados do termo do prazo para pagamento voluntário da liquidação adicional de IRC aqui em causa. Assim,
Atenta a data limite de pagamento da liquidação – 2023-12-12 (cfr. Doc. 1) – o presente pedido de constituição de tribunal arbitral é tempestivo, tendo a Requerente legitimidade para o mesmo. Ora,
Como adiante se irá demonstrar a liquidação de IRC em causa padece de vício de violação de lei e de erro no apuramento do lucro tributável, que conduz à sua anulação.
A AT, na sequência de uma inspeção à ora Requerente “A..., S.A.” – sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeitas ao Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado (RTLC) – procedeu à correção da matéria coletável declarada pela Requerente relativamente a IRC do exercício de 2019, mediante o acréscimo de € 640.328,18, motivado, em parte, por ter considerado indevida a dedução de prejuízos fiscais individuais da sociedade dominada “B..., S.A.”, uma vez que a declaração de substituição que esta apresentou em 25/11/2021 não produziu efeitos por ter sido entregue fora do prazo de um ano previsto no nº 2 do artigo 122º do CIRC – Doc. 2.
Da correção efetuada resultou a questionada liquidação adicional de imposto e respetivos juros compensatórios, no montante de € 133.921,58.
A Requerente entende, em primeiro lugar, que a AT carece de fundamento legal para alterar, como alterou, a imputação de prejuízos fiscais de uma das sociedades do grupo na determinação da matéria coletável consolidada.
A AT na fundamentação da decisão de não aceitar os prejuízos fiscais invoca apenas a entrega não atempada da declaração de substituição, não invocando suspeita da falta de correspondência à realidade dessa declaração e dos prejuízos aí apresentados. Ou seja,
Entendeu não levar em conta os dados declarados na declaração substitutiva de 25/11/2021 apresentada pela “B..., S.A.”, por considerar esta extemporânea, abstendo-se assim, por razões exclusivamente formais, de apreciar as informações relevantes para a definição da situação tributária e cálculo do imposto. Ora,
No caso concreto, impunha-se que a AT realizasse previamente à liquidação diligências complementares no sentido da descoberta da verdade material (princípio da investigação ou do inquisitório, consagrado no artigo 58º da LGT), atendendo desde logo ao montante dos prejuízos fiscais dedutíveis apresentados na declaração substitutiva, que lhe permitissem afirmar que os factos sobre os quais incidiu a liquidação corretiva se aproximavam o mais possível da realidade.
Posição da Requerida
A Requerente foi sujeita a um procedimento de inspeção interno, de âmbito parcial (IRC), ao período de tributação de 2019, procedimento credenciado pela ordem de serviço n.º OI2023..., o qual se dá por integralmente reproduzido nos autos.
A ordem de serviço foi emitida com o objetivo de controlo dos sujeitos passivos que apresentam divergências declarativas em IRC no âmbito do grupo de sociedades.
A Requerente é a sociedade dominante de um grupo que é constituído por ela própria, e pelas sociedades dominadas, B... S A, NIF ... e C... LDA, NIF..., tendo optado para efeitos de IRC, pela tributação pelo Regime Especial de Grupos de Sociedades (RETGS) previsto no artigo 69.º do Código do IRC.
Na qualidade de sociedade dominante, a Requerente deve enviar a declaração periódica de rendimentos relativa ao lucro tributável do grupo apurado nos termos do artigo 70.º do Código do IRC e cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante, deve enviar a sua declaração periódica de rendimentos na qual seja determinado o imposto como se aquele regime não fosse aplicável.
E, nos termos do n.º 5 do artigo 122.º do CIRC quando for aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades e alguma das sociedades do grupo apresente declaração de substituição da sua declaração periódica de rendimentos, a sociedade dominante deve proceder à substituição da declaração periódica de rendimentos do grupo.
A declaração periódica de rendimentos relativa ao lucro tributável do grupo foi submetida em 20/09/2022, ID..., mas por conter erros, não foi validada nem liquidada.
Tal como se demonstra no Relatório inspectivo a declaração periódica de rendimentos de 2019, relativa ao grupo, encontrava-se errada porque a soma algébrica dos resultados fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo não coincidia com o lucro tributável do grupo calculado pela sociedade dominante e declarado no campo 380 do quadro 09 da declaração do grupo, submetida em 20/09/2022 e identificada com a referência ... .
Sendo que a única declaração periódica de rendimentos modelo 22 do grupo, relativa ao período de tributação de 2019, foi submetida em 20/09/2022, fora do prazo legal, e que essa mesma declaração ficou marcada com erros centrais após a sua validação.
A Direção de Serviços de IRC, através de duas notificações sucessivas, emitidas em 21 e de setembro de 2022 e enviadas para a caixa postal eletrónica ViaCTT, informou a Requerente dos erros ocorridos e da forma de os corrigir.
Essa correção não se verificou e isso impediu a liquidação da declaração periódica de rendimentos do grupo.
Perante a permanência dos erros na declaração do grupo os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto emitiram, primeiramente, uma ordem de serviço interna (OI2022...) dirigida à Requerente, a título individual, com o objetivo de controlar as divergências declarativas em IRC.
Tendo-se concluído o procedimento inspetivo sem quaisquer correções e confirmaram o lucro tributável declarado pela Requerente, a título individual, no montante de € 775.59,99.
Concluído o procedimento inspetivo à Requerente a título individual partiu-se para o controlo e análise das divergências declarativas em IRC no âmbito do grupo de sociedades.
O procedimento de inspeção ao nível do grupo, ao período de tributação de 2019, foi credenciado pela ordem de serviço n.º OI2023..., e teve o seu inicio em 07-07-2023, ou seja, após a conclusão do procedimento inspetivo a título individual.
No procedimento inspetivo apurou-se a Matéria Coletável do grupo, que resulta da soma dos resultados fiscais individuais constantes das declarações vigentes à data da análise, submetidas pelas sociedades pertencentes ao grupo, deduzido dos prejuízos fiscais de períodos anteriores.
A Requerente foi notificada, nos termos dos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPITA, para a sua caixa postal eletrónica, ViaCTT, em 06/09/2023, para, querendo, exercer no prazo de 15 dias, o direito de audição relativamente ao Projeto de Relatório de Inspeção, ou proceder à regularização da sua situação tributária de acordo com o referido projeto.
Decorrido o prazo concedido a Requerente não exerceu o direito de audição nem regularizou a sua situação tributária.
No presente pedido arbitral alega que os Serviços Inspectivos não levaram em conta os dados da declaração de substituição, relativa ao período de tributação de 2019, submetida pela "B..., S.A.", em 25-11-2021, por ter sido apresentada para além do prazo legal para o efeito, previsto no n.º 2 do artigo 122.º do Código do IRC, e que esse facto fez com que a perda no montante de € 570.127,08 referente à alienação de um crédito no valor de € 593.627,08 que a mesma detinha sobre a sua participada D..., S.A., pelo preço de € 23.500,00, e que era resultante de empréstimos/suprimentos concedidos a esta empresa, não fosse considerado (§ 29.º).
Sucede que, salvo devido respeito, carece o presente pedido de pronúncia arbitral de qualquer fundamento de facto ou de direito, devendo, consequentemente, ser declarado totalmente improcedente, por não fundado e não provado.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT, contado da notificação da decisão de indeferimento da reclamação deduzida contra os atos tributários impugnados.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas, assistindo ao substituído o direito de ação, nos termos do disposto nos artigos 20.º e 65.º da LGT e 9.º e 132.º do CPPT, e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Não foram identificadas nulidades ou outras questões que obstem ao conhecimento do mérito.
-
Fundamentação de Facto
-
Factos Provados
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
-
A Requerente foi sujeita a um procedimento de inspeção interno, de âmbito parcial (IRC), ao período de tributação de 2019, procedimento credenciado pela ordem de serviço n.º OI2023..., o qual se dá por integralmente reproduzido nos autos.
-
A ordem de serviço foi emitida com o objetivo de controlo dos sujeitos passivos que apresentam divergências declarativas em IRC no âmbito do grupo de sociedades.
-
A Requerente é a sociedade dominante de um grupo que é constituído por ela própria, e pelas sociedades dominadas, B... S A, NIF ... e C... LDA, NIF ..., tendo optado para efeitos de IRC, pela tributação pelo Regime Especial de Grupos de Sociedades (RETGS) previsto no artigo 69.º do Código do IRC.
-
Na qualidade de sociedade dominante, a Requerente deve enviar a declaração periódica de rendimentos relativa ao lucro tributável do grupo apurado nos termos do artigo 70.º do Código do IRC e cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante, deve enviar a sua declaração periódica de rendimentos na qual seja determinado o imposto como se aquele regime não fosse aplicável.
-
E, nos termos do n.º 5 do artigo 122.º do CIRC quando for aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades e alguma das sociedades do grupo apresente declaração de substituição da sua declaração periódica de rendimentos, a sociedade dominante deve proceder à substituição da declaração periódica de rendimentos do grupo.
-
A declaração periódica de rendimentos relativa ao lucro tributável do grupo foi submetida em 20/09/2022, ID ..., mas por conter erros, não foi validada nem liquidada.
-
Tal como se demonstra no Relatório inspectivo a declaração periódica de rendimentos de 2019, relativa ao grupo, encontrava-se errada porque a soma algébrica dos resultados fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo não coincidia com o lucro tributável do grupo calculado pela sociedade dominante e declarado no campo 380 do quadro 09 da declaração do grupo, submetida em 20/09/2022 e identificada com a referência... .
-
Sendo que a única declaração periódica de rendimentos modelo 22 do grupo, relativa ao período de tributação de 2019, foi submetida em 20/09/2022, fora do prazo legal, e que essa mesma declaração ficou marcada com erros centrais após a sua validação.
-
A Direção de Serviços de IRC, através de duas notificações sucessivas, emitidas em 21 e de setembro de 2022 e enviadas para a caixa postal eletrónica ViaCTT, informou a Requerente dos erros ocorridos e da forma de os corrigir.
-
Essa correção não se verificou e isso impediu a liquidação da declaração periódica de rendimentos do grupo.
-
Perante a permanência dos erros na declaração do grupo os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto emitiram, primeiramente, uma ordem de serviço interna (OI2022...) dirigida à Requerente, a título individual, com o objetivo de controlar as divergências declarativas em IRC.
-
Tendo-se concluído o procedimento inspetivo sem quaisquer correções e confirmaram o lucro tributável declarado pela Requerente, a título individual, no montante de € 775.59,99.
-
Concluído o procedimento inspetivo à Requerente a título individual partiu-se para o controlo e análise das divergências declarativas em IRC no âmbito do grupo de sociedades.
-
O procedimento de inspeção ao nível do grupo, ao período de tributação de 2019, foi credenciado pela ordem de serviço n.º OI2023..., e teve o seu inicio em 07-07-2023, ou seja, após a conclusão do procedimento inspetivo a título individual.
-
No procedimento inspetivo apurou-se a Matéria Coletável do grupo, que resulta da soma dos resultados fiscais individuais constantes das declarações vigentes à data da análise, submetidas pelas sociedades pertencentes ao grupo, deduzido dos prejuízos fiscais de períodos anteriores.
-
A Requerente foi notificada, nos termos dos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPITA, para a sua caixa postal eletrónica, ViaCTT, em 06/09/2023, para, querendo, exercer no prazo de 15 dias, o direito de audição relativamente ao Projeto de Relatório de Inspeção, ou proceder à regularização da sua situação tributária de acordo com o referido projeto.
-
Decorrido o prazo concedido a Requerente não exerceu o direito de audição nem regularizou a sua situação tributária.
-
Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes, na prova produzida na audiência de inquirição e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.
Não existem factos alegados com relevância para a apreciação da causa que devam considerar-se não provados.
-
Do Mérito
O caso sub judice centra-se na convolação de reclamação graciosa em revisão oficiosa com fundamento em ilegalidade. Nesta sede, saliente-se que a AT, na sequência de uma inspeção à ora Requerente “A..., S.A.” – sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeitas ao Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado (RTLC) – procedeu à correção da matéria coletável declarada pela Requerente relativamente a IRC do exercício de 2019, mediante o acréscimo de € 640.328,18, motivado, em parte, por ter considerado indevida a dedução de prejuízos fiscais individuais da sociedade dominada “B..., S.A.”, uma vez que a declaração de substituição que esta apresentou em 25/11/2021 não produziu efeitos por ter sido entregue fora do prazo de um ano previsto no nº 2 do artigo 122º do CIRC.
Da correção efetuada resultou a questionada liquidação adicional de imposto e respetivos juros compensatórios, no montante de € 133.921,58.
A Requerente entende, em primeiro lugar, que a AT carece de fundamento legal para alterar, como alterou, a imputação de prejuízos fiscais de uma das sociedades do grupo na determinação da matéria coletável consolidada.
A AT na fundamentação da decisão de não aceitar os prejuízos fiscais invoca apenas a entrega não atempada da declaração de substituição, não invocando suspeita da falta de correspondência à realidade dessa declaração e dos prejuízos aí apresentados. Ou seja,
Entendeu não levar em conta os dados declarados na declaração substitutiva de 25/11/2021 apresentada pela “B..., S.A.”, por considerar esta extemporânea, abstendo-se assim, por razões exclusivamente formais, de apreciar as informações relevantes para a definição da situação tributária e cálculo do imposto.
Ora, no caso sub judice, estando em prazo para a revisão oficiosa, deveria a Autoridade Tributária, oficiosamente, ter convolado a reclamação graciosa em revisão oficiosa do ato tributário. Como lhe impõe a lei (Cfr. artº 52º do CPPT).
Neste mesmo sentido vai, igualmente, toda a linha jurisprudencial que o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a adotar, designadamente nos acórdãos proferidos em 7/10/2009, nos processos nºs 475/09 e 476/09, em 2/11/2011, no processo n.º 329/11 e em 14/12/2011, no processo 0366/11, em que se decidiu que a Administração Tributária tem o dever de convolar uma reclamação em procedimento de revisão oficiosa, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT.
Veja-se, por exemplo, o Acórdão do STA, de 14/12/2011, Proc. 0366/11, onde se sumariou:
“Sumário:
I - Apesar de não ter sido deduzida reclamação contra o acto de autoliquidação no prazo previsto no artigo 131.º do CPPT, o interessado podia ainda solicitar à administração tributária a revisão oficiosa do acto ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, vez que a lei ficciona que os erros da autoliquidação são imputáveis à administração e esta não pode demitir-se de tomar a iniciativa de revisão quando demandada para o efeito pelo interessado, estando mesmo obrigada a proceder à convolação nesse meio procedimental quando conclui que a reclamação apresentada é intempestiva – artigo 52.º do CPPT.
II – (...)
III –(...).
IV - Considerando o poder-dever atribuído à administração tributária de proceder à convolação da reclamação em pedido de revisão do acto de autoliquidação, e considerando que na data em que é apresentado a reclamação ainda não se encontrava esgotado o prazo dentro do qual a revisão oficiosa podia ser pedida e ordenada, não podia o pedido de anulação do acto que a reclamante dirigiu à administração tributária ser indeferido por intempestividade.”
No mesmo sentido, vai o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º 1349/10.0BELRS, de 23.03.2017:
(...)
“4. Recorde-se que nos casos previstos na norma de iniciativa oficiosa de revisão, podem os contribuintes provocar a revisão a levar a efeito pela A. Fiscal, visto se entender a revisão como um poder-dever, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a Fazenda Pública tem de observar na globalidade da sua atividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., artº.55, da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei.”
Assim, em vez não levar em conta os dados declarados na declaração substitutiva de 25/11/2021 apresentada pela “B..., S.A.”, por considerar esta extemporânea, a AT deveria ter convolado, oficiosamente, a petição em revisão do ato tributário e ter, consequentemente anulado as liquidações ilegais reclamadas, de acordo com o juízo de ilegalidade que a AT delas fez, atentos os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade que a AT tem de observar na sua atividade, decorrentes dos artigos 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 55.º da Lei Geral Tributária (LGT).”
Isto posto, afigura-se que assiste razão à Requerente.
Em primeiro lugar, é inquestionável que, ainda não tinha decorrido o prazo de revisão oficiosa. Assim sendo, como ficou consignado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da seção do CT, processo n.º 0793/2014), de 3 de junho de 2015, “(…) o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação)…”.
Por outro lado, quanto ao prazo de recurso à via da revisão oficiosa, constitui, hoje, jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (artigo 78.º, n.º 1, da LGT), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento.
Assim sendo, reconhecendo a Requerida que as liquidações ora impugnadas foram notificadas para além do prazo de caducidade, deveria ter procedido à convolação da reclamação graciosa em revisão oficiosa, com vista à sua revogação total, com fundamento em ilegalidade.
Termos em que a reclamação do contribuinte é tempestiva por estar em prazo para ser convolada em revisão oficiosa, nos termos do artigo 52.º do CPPT, preceito que foi violado no caso em apreço.
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento nos vícios atrás referidos, o que assegura uma efetiva e estável tutela dos direitos dos Requerentes, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados.
Na verdade, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), julgado procedente um vício que obste à renovação do ato impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados.
Por isso, julgado procedente o pedido com fundamento num vício que impede a renovação do ato impugnado com o mesmo sentido, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados.
-
Decisão
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar o pedido totalmente procedente, com as legais consequências;
-
Condenar a Requerida ao pagamento das custas arbitrais.
-
Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 119.726,68, indicado pela Requerente (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
-
Custas
Custas no montante de 3.060,00 € (três mil e sessenta euros), a suportar integralmente pela Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.
Lisboa, 25 de outubro de 2024
Os árbitros,
Guilherme W. d'Oliveira Martins
(Presidente)
Ana Teixeira de Sousa
Sérgio Santos Pereira