Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 79/2024-T
Data da decisão: 2024-10-28  IRC  
Valor do pedido: € 248.401,13
Tema: IRC: Mais-valias mobiliárias. Aumento de capital social por conversão de suprimentos. Data de aquisição de partes de capital. Artigos 51.º-C e 47.º-A, do CIRC.
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SUMÁRIO

  1. O n.º 1 do artigo 51.º-C do Código do IRC, que prevê o regime da participation exemption, exige que, à data da transmissão das partes sociais, estas tenham sido detidas ininterruptamente por um período não inferior a um ano.
  2. O artigo 47.º-A do Código do IRC, sob a epígrafe “Data de aquisição das partes de capital”, dispõe, na sua alínea a), o seguinte: “[a] data de aquisição das partes de capital adquiridas ou atribuídas ao sujeito passivo por incorporação de reservas ou substituição, designadamente por alteração do respetivo valor nominal ou transformação da sociedade emitente, é a data de aquisição das partes de capital que lhes deram origem”.
  3. Para efeitos do requisito temporal previsto no n.º 1 do artigo 51.º-C do Código do IRC, a data a considerar como a da aquisição das partes sociais, quando ocorra um aumento do valor nominal das mesmas por conversão de suprimentos, corresponde à data de aquisição das partes sociais ab initio, não devendo a conversão de suprimentos ser equiparada à aquisição de nova parte social.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Dr. Sérgio Santos Pereira e Dr. Nuno Pombo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral Tributário, acordam no seguinte:

  1. RELATÓRIO

A..., S.A., com o número único de matrícula na conservatória do registo comercial e de pessoa coletiva..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ..., ...-... Aveiro (adiante designada “ a Requerente”), veio, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que regula o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 de março, e ainda da alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de tribunal arbitral coletivo e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) com vista (1) à anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022..., proferido pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária – Contencioso da Direção de Finanças de Aveiro, em 15.10.2023; (2) à anulação parcial do ato tributário de autoliquidação n.º 2020..., de 07.08.2020, do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) relativamente ao período de tributação de 2019 (“Liquidação Contestada”); (3) ao reembolso do montante de € 248.401,13 (duzentos e quarenta e oito mil, quatrocentos e um euros e treze cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral e o PPA foram apresentados no dia 17.01.2024, tendo sido aceites pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificados à Requerida. Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 26.03.2024.

Em 02.05.2024, a Requerida apresentou resposta com defesa por impugnação, tendo junto aos autos o respetivo processo administrativo.

Em 04.06.2024, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas simultâneas. A Requerida apresentou alegações no dia 18.06.2024 e a Requerente fê-lo a 20.06.2024

Posição da Requerente:

  1. A Requerente detinha uma participação social na B..., Lda. (“B...”), sociedade constituída em 2015, com outra denominação social, com um capital inicial de € 5.000,00 (cinco mil euros), repartido em duas quotas: (i) uma com o valor nominal de € 50,00 (cinquenta euros), representativa de 1% (um por cento) do respetivo capital social, detida diretamente pela Requerente; e (ii) outra com o valor nominal de € 4.950,00 (quatro mil novecentos e cinquenta euros), representativa de 99% (noventa e nove por cento) do respetivo capital social, detida pela C..., Unipessoal, Lda. (a “C...”), por sua vez detida integralmente pela Requerente.
  2. A B... dedicava-se, desde a sua constituição, à “promoção e gestão imobiliária, compra de imóveis para revenda, actividades de arquitectura, engenharia e técnicas afins; construção civil e arrendamento de bens imobiliários”.
  3. A B... adquiriu, em 2016, um imóvel destinado a comércio e serviços, sito na Rua ..., na União de freguesias de ... e ..., inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o número .../... e matriz predial urbana da referida União de freguesias sob o artigo ...-P.
  4. Parte do imóvel em questão – mais concretamente a fração autónoma “A” – havia sido alvo de um contrato-promessa de arrendamento, através do qual a B... havia prometido arrendar à sociedade D..., ..., S.A. (“D...”), pessoa coletiva ..., uma fração autónoma que viria a originar daquele imóvel.
  5. Concluído o processo de construção, a constituição de propriedade horizontal e aquisição, em 16.03.2017, no âmbito do seu escopo societário, a Requerente celebrou com a D... o prometido contrato de arrendamento por um período de 20 anos (com data de início a 16.12.2016), tendo sido convencionado o pagamento de uma renda mensal no valor de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).
  6. A atividade prosseguida pela B... foi, desde a sua constituição e até à alienação do respetivo capital social em 2019, a de arrendamento do aludido imóvel - o que se concretizava na exploração do mesmo através do referido contrato de arrendamento.
  7. A 28.05.2019, a Assembleia Geral da B... deliberou um aumento de capital mediante a conversão de suprimentos realizados pela Requerente, no montante de € 665.000,00 (seiscentos e sessenta e cinco mil euros), por aumento do valor nominal da respetiva quota.
  8. Na sequência desse aumento de capital, o capital social da B... passou a ser de € 670.000,00 (seiscentos mil e setenta euros), dividido em duas quotas: i) uma com o valor nominal de € 665.050,00 (seiscentos e sessenta e cinco mil e cinquenta euros), representativa de 99,26% (noventa e nove vírgula vinte seis por cento) do respetivo capital social, detida diretamente pela Requerente; e ii) outra com o valor nominal de € 4.950,00 (quatro mil novecentos e cinquenta euros), representativa de 0,74% (zero vírgula setenta e quatro por cento) do respetivo capital social, detida pela C... .
  9. Por escritura pública de 31.05.2019, a Requerente alienou a quota de que era titular na B... por € 1.568.326,87 (um milhão quinhentos e sessenta e oito mil, trezentos e vinte seis euros e oitenta e sete cêntimos), apurando uma mais-valia contabilística de € 903.276,87 (novecentos e três mil, duzentos e setenta e seis euros e oitenta e sete cêntimos), a que correspondeu, atento o coeficiente de desvalorização monetária aplicável, uma mais-valia fiscal de € 833.325,37 (oitocentos e trinta e três mil, trezentos e vinte cinco euros e trinta e sete cêntimos).
  10. Por lapso, a Requerente não deduziu o montante dessa mais-valia contabilística no campo 767 do quadro 7 da declaração de rendimentos (modelo 22) de IRC referente ao ano de 2019, razão por que essa mais-valia concorreu, na íntegra, para a determinação do lucro tributável da Requerente em 2019.
  11. Contudo, entende a Requerente que esta mais-valia não deve concorrer para a determinação do seu lucro tributável de 2019, uma vez que beneficia do regime da participation exemption, por estarem verificados todos os requisitos de que depende a sua aplicação e que estão previstos no artigo 51.º-C do Código do IRC.
  12. Por esse motivo, a Requerente apresentou a competente reclamação graciosa contra a auto-liquidação em causa – a qual, tendo sido tramitada na Direção de Finanças do Aveiro sob o n.º ...2022..., veio a ser expressamente indeferida, por entender a AT que não se mostra cumprido o requisito temporal de detenção previsto no n.º 1 do artigo 51.º-C do CIRC.
  13. Ora, no presente caso, mostram-se integralmente verificados todos os requisitos previstos no sobredito regime, já que:
    1. A Requerente é sujeito passivo de IRC e tem sede em território nacional – cfr. epígrafe do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRC, aplicável ex vi n.º 1 do artigo 51.º-C do mesmo diploma legal;
    2. À data da transmissão da quota representativa do capital social da B... detida pela Requerente, ela detinha, direta e indiretamente (através da C...), 100% do capital social da B... – cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRC, aplicável ex vi n.º 1 do artigo 51.º-C do mesmo diploma legal;
    3. A Requerente não se encontra abrangida pelo regime da transparência fiscal - cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRC, aplicável ex vi n.º 1 do artigo 51.º-C do mesmo Código;
    4. A B... tinha residência, para efeitos fiscais, em território português, não tendo domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável – cfr. alínea e) do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRC, aplicável ex vi n.º 1 do artigo 51.º-C do mesmo diploma legal;
    5. Embora o valor do bem imóvel situado em território nacional representasse mais de 50% do ativo da B..., o mesmo encontrava-se afeto a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial que não a compra e venda de bens imóveis – cfr. n.º 4 do artigo 51.º-C do Código do IRC;
    6. Por referência à data da transmissão da referida quota representativa do capital social da B... pela Requerente, a dita quota era detida ininterruptamente por um período não inferior a um ano, em concreto, desde o momento da constituição da B... (que remonta ao ano de 2015) - cfr. n.º 1 do artigo 51.º-C do Código do IRC.
  14. A operação de aumento de capital da B... realizada em 2019, por conversão de suprimentos nela realizados pela Requerente (no montante de € 665.000,00) em capital social, apenas acarretou o aumento do valor nominal da quota detida, ab initio, pela Requerente, não podendo ser legalmente equiparada a uma aquisição nova de capital social da  B... .
  15. O artigo 47.º-A do Código do IRC, sob a epígrafe “Data de aquisição das partes de capital”, dispõe na sua alínea a) que “[a] data de aquisição das partes de capital adquiridas ou atribuídas ao sujeito passivo por incorporação de reservas ou substituição, designadamente por alteração do respetivo valor nominal ou transformação da sociedade emitente, é a data de aquisição das partes de capital que lhes deram origem”.
  16. No caso em que o aumento de capital de uma sociedade seja efetuado através de novas entradas, verifica-se uma alteração da situação líquida da sociedade. Pelo contrário, no caso de aumento de capital através de incorporação de reservas, os lucros obtidos pela sociedade transferem-se para o seu capital social, verificando-se uma “mera” operação contabilística.
  17. Ora, não tendo sido adquirida nova quota, mas apenas a valorização da existente, a data da sua aquisição corresponde à data de aquisição da quota originária que lhe deu origem, nos termos do artigo 47.º-A do Código do IRC.
  18. Assim, o lucro tributável de 2019 da Requerente, carece de ser corrigido nos seguintes termos:

 

  1. Verifica-se, pois, um resultado a favor da Requerente de € 248.401,13 (duzentos e quarenta e oito mil, quatrocentos e um euros e treze cêntimos), correspondente ao IRC liquidado em excesso (€ 234.851,98) e à diferença (€ 13.549,15) entre o montante de derrama municipal liquidado e o montante corrigido.
  2. Tendo a Requerente pago imposto indevido, são-lhe também devidos, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, os correspondentes juros indemnizatórios vencidos a partir do indeferimento do procedimento de reclamação graciosa.

Posição da Requerida:

  1. A Requerida aceita estar verificada a maioria dos requisitos de que depende a aplicação do regime da participation exemption, previsto no artigo 51.º-C do Código do IRC.
  2. O capital social da B... aumentou de facto, a 28.05.2019, através da conversão de suprimentos detidos pela Requerente, no montante de € 665.000,00, em capital social (ou seja, mediante uma entrada em espécie, pelo que, nos termos do n.º 4 do artigo 89.º do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”), para efeitos de verificação destas entradas, seria suficiente uma declaração de contabilista certificado mencionando que a quantia dos suprimentos consta dos regimes contabilísticos bem como a sua proveniência e a data em que foram efetuados, comprovativo legal que não consta dos presentes autos), passando a Requerente, apenas nessa data (pois até então detinha uma participação direta no capital social da B... de 1%), a deter uma participação direta no capital social da B... de cerca de 99,26 %, participação social que, depois de dividida em duas quotas (uma de € 469.000,00 e outra de € 196.050,00) foi transmitida a duas pessoas singulares não residentes, a 31.05.2019 (ou seja, 2 dias depois da operação de aumento de capital), pelo montante total de € 1.568.326,87, pelo que, desde logo e sem mais, não se pode considerar que a mesma tenha sido detida por um período não inferior a um ano.
  3. Os suprimentos só adquirem a qualificação de partes do capital na data em que foi deliberada a operação de aumento de capital, mediante a sua conversão em capital social, ou seja, no dia 28.05.2019.
  4. A letra da lei da alínea a) do artigo 47.º-A do Código do IRC determina que: “A data de aquisição das partes de capital adquiridas ou atribuídas ao sujeito passivo por incorporação de reservas de substituição, designadamente por alteração do respectivo valor nominal ou transformação da sociedade emitente, é a data de aquisição das partes de capital que lhes deram origem”, sendo forçoso reconhecer que não se está perante nenhuma dessas situações.
  5. Os suprimentos, não constituindo reservas, nem resultados nem tão pouco outros instrumentos de capital próprio, não podem aproveitar do disposto no referido artigo 47.º-A do Código de IRC.
  6. Neste mesmo sentido vai a Instrução de Serviço n.º 20.007/2020, Série I, de 30.06.2020, da Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso da AT, que divulgou o entendimento segundo o qual: “Em determinadas condições, as mais-valias correspondentes a participações subscritas mediante a conversão de prestações acessórias qualificam-se para o regime de isenção previsto no artigo 51.º-C do Código do IRC, atendendo-se à data da realização das prestações acessórias para efeitos da contagem do período de detenção das partes de capital alienadas.
  7. Relativamente à parte das mais-valias apuradas com a alienação das participações subscritas mediante a conversão dos suprimentos em capital, a citada Instrução de Serviço concluiu que: “(…) para que possam beneficiar do n.º 2 do artigo 51.º- C do CIRC e, consequentemente, da não tributação teriam os suprimentos de ser qualificados como outros instrumentos de capital próprio.
  8. Quanto a este aspeto, estabelece o artigo 243.º do CSC o seguinte:

«1- Considera-se contrato de suprimento o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência.

2 - Constitui índice do carácter de permanência a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, quer tal estipulação seja contemporânea da constituição do crédito quer seja posterior a esta. No caso de diferimento do vencimento de um crédito, computa-se nesse prazo o tempo decorrido desde a constituição do crédito até ao negócio de diferimento…».

  1. Ora, do ponto de vista contabilístico, os suprimentos registam-se na conta 253 –participantes de capital. Os suprimentos são, assim, empréstimos dos sócios à sociedade e fazem parte do passivo, ficando a sociedade obrigada a restituí-los. Os suprimentos nunca poderão corresponder a «outros instrumentos de capital próprio». Na sociedade que os recebe são registados numa conta do passivo.
  2. Os suprimentos, com a conversão em capital social, passam a assumir a denominação de partes de capital, mas a verdade é que, até àquele momento, na B..., constituíam inequivocamente passivos financeiros e não capitais próprios.
  3. Não se verificando erro imputável aos serviços na autoliquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer indemnização, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.

Nas suas alegações, entende a Requerente que a AT adiciona outros elementos, fundamentando a posteriori o ato tributário posto em crise, o que não deve ser admitido.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.

Nas suas alegações, a Requerente alegou que a AT havia adicionado elementos adicionais aos que constam da fundamentação do ato de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou, sustentando não poder haver fundamentação complementar e a posteriori do ato tributário posto, em termos imediatos, em crise.

Cumpre desde já referir que tanto na resposta como nas alegações, pode a AT explanar de forma mais detida os fundamentos que motivaram o ato impugnado pelo sujeito passivo. No caso dos autos é isso que se verifica. A AT, nos articulados apresentados, reitera o fundamento que motivou o indeferimento da reclamação graciosa e esse fundamento é a consideração de que a operação de conversão de suprimentos em capital social, por aumento do valor nominal da quota, não pode significar que toda a participação social se considere adquirida na data de aquisição da quota com o valor nominal antes do aumento de capital, o que leva a Requerida a advogar que, no caso presente, não se acha verificado o requisito da detenção ininterrupta por período não inferior a um ano da parte social alienada (apenas na parte correspondente ao aumento de capital social).  

O processo não enferma de nulidades. Não foram suscitadas exceções, pelo que se tomará de imediato conhecimento do mérito da causa.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO
    1.  Factos provados

Com interesse para a prolação da presente decisão arbitral, mostram-se provados os seguintes factos:

  1. A sociedade B... foi constituída em 2015, com outra denominação social, com um capital inicial de € 5.000,00 (cinco mil euros), repartido em duas quotas: (i) uma quota com o valor nominal de € 50,00 (cinquenta euros), representativa de 1% (um por cento) do respetivo capital social, detida diretamente pela Requerente; e (ii) outra quota com o valor nominal de € 4.950,00 (quatro mil novecentos e cinquenta euros), representativa de 99% (noventa e nove por cento) do respetivo capital social, detida pela sociedade C..., por sua vez detida integralmente pela Requerente (cfr. alegado no artigo 12.º do PPA, facto não contestado pela Requerida).
  2. A B... dedicava-se, desde a sua constituição, à “promoção e gestão imobiliária, compra de imóveis para revenda, actividades de arquitectura, engenharia e técnicas afins; construção civil e arrendamento de bens imobiliários” (documento n.º 2 junto com o PPA).
  3. A B... adquiriu, no dia 08.04.2016, um imóvel destinado a comércio e serviços, sito na Rua ..., na União de freguesias de ... e ..., inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o número .../... e matriz predial urbana da referida União de freguesias sob o artigo ...-P (documento n.º 3 junto com o PPA).
  4. Parte do imóvel em questão – mais concretamente a fração autónoma “A” – foi objeto de um contrato-promessa de arrendamento, através do qual a B... prometeu arrendar à sociedade D..., pessoa coletiva ..., uma fração autónoma que viria a originar daquele imóvel (documento n.º 4 junto com o PPA).
  5. Concluído o processo de construção, a constituição de propriedade horizontal e aquisição, a 16.03.2017, no âmbito do seu escopo societário, a Requerente celebrou com a D... o prometido contrato de arrendamento por um período de 20 anos (com data de início a 16.12.2016), tendo sido convencionado o pagamento de uma renda mensal no valor de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) (documento n.º 4 junto com o PPA).
  6. A atividade prosseguida pela B... foi, desde a sua constituição em 2015 e até à alienação do respetivo capital social em 2019, a de arrendamento do aludido imóvel (documento n.º 4 junto com o PPA).
  7. A 28.05.2019, a Assembleia Geral da B... deliberou um aumento de capital, mediante a conversão de suprimentos realizados pela Requerente, no montante de € 665.000,00 (seiscentos e sessenta e cinco mil euros), por aumento do valor nominal da respetiva quota (documento n.º 7 junto com o PPA).
  8. Na sequência desse aumento de capital, o capital social da B... passou a ser de € 670.000,00 (seiscentos mil e setenta euros), dividido em duas quotas: (i) uma com o valor nominal de € 665.050,00 (seiscentos e sessenta e cinco mil e cinquenta euros), representativa de 99,26% (noventa e nove vírgula vinte seis por cento) do respetivo capital social, detida diretamente pela Requerente; e (ii) outra com o valor nominal de € 4.950,00 (quatro mil novecentos e cinquenta euros), representativa de 0,74% (zero vírgula setenta e quatro por cento) do respetivo capital social, detida pela C... (documento n.º 7 junto com o PPA).
  9. Por escritura pública de 31.05.2019, a Requerente alienou a quota de que era titular na B..., com o valor nominal de € 665.050,00 (seiscentos e sessenta e cinco mil e cinquenta euros), por € 1.568.326,87 (um milhão quinhentos e sessenta e oito mil, trezentos e vinte seis euros e oitenta e sete cêntimos) (documento n.º 8 junto com o PPA), apurando uma mais-valia contabilística de € 903.276,87.
  10. Na mesma data, a sociedade C... alienou a quota de que era titular na B..., com o valor nominal de € 4.950,00 (quatro mil novecentos e cinquenta euros) (documento n.º 8 junto com o PPA).
  11.  A Requerente não deduziu o montante da mais-valia contabilística no campo 767 do quadro 7 da declaração de rendimentos (modelo 22) de IRC referente ao ano de 2019, razão por que essa mais-valia concorreu, na íntegra, para a determinação do lucro tributável da Requerente em 2019 (documento n.º 1 junto com o PPA).
  12.  Em 20.07.2022, a Requerente apresentou a reclamação graciosa contra a auto-liquidação em causa, tramitada na Direção de Finanças do Aveiro sob o n.º ...2022... (cfr. reclamação graciosa junta ao Processo Administrativo).
  13. Esta reclamação foi expressamente indeferida em 25.08.2023 (documento n.º 10 junto com o PPA), com os seguintes fundamentos:

 

  1. Em 17.02.2024, a Requerente apresentou o PPA que deu origem aos presentes autos.

 

 

  1.  Factos não provados

Não há factos relevantes para a prolação da decisão que tenham sido dados como não provados.

 

  1. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de pronunciar-se sobre tudo quanto é alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que se mostrem relevantes para a prolação da decisão, identificando os factos que se consideram provados e os que, por seu turno, não se acham demonstrados (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 e n.º 4, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  Assim, os factos que importam para a decisão são apurados em função do objeto do litígio (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas partes e nas posições que assumiram nos articulados por si apresentados.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO
    1.  Questões a decidir

Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar são, no fundo, as seguintes:

  1. Se, para efeitos do n.º 1 do artigo 51.º-C do Código do IRC, que prevê o regime da participation exemption, se pode considerar que, à data da transmissão da quota na B... (31.05.2019), a Requerente detinha a mesma ininterruptamente por um período não inferior a um ano?
  2. Se, caso se julgue procedente o pedido de anulação parcial da Liquidação Contestada, a Requerente, no âmbito do presente processo arbitral, poderá obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente à quantia por si entregue para satisfação da prestação tributária por esta ilegalmente exigida?

 

  1. Aumento de capital social por conversão de suprimentos - data de aquisição de partes de capital

As partes contendem quanto à questão de saber se a mais-valia auferida pela Requerente com a transmissão da quota na sociedade B..., em 31.05.2019, beneficia do regime da participation exemption previsto no artigo 51.º-C do CIRC, mais especificamente, se se encontra verificado o requisito temporal de detenção ininterrupta da participação social por um período não inferior a um ano, previsto no n.º 1 do dito artigo.

A resposta a esta questão exige determinar o momento em que a quota da B... alienada pela Requerente, com o valor nominal de € 665.050,00, se considera adquirida para efeitos da regime da participation exemption previsto no artigo 51.º-C do CIRC: (a) se num único momento, quando a B... foi constituída, em 2015, caso em que se considera como verificado o referido requisito temporal (como defende a Requerente), ou (b) se em dois momentos distintos, quando a B... foi constituída, em 2015, e no momento em que o valor nominal da quota foi aumentado por conversão de suprimentos, em 28.05.2019, de € 50.000,00 para € 665.050,00, caso em que se considera como não verificado o referido requisito temporal (como defende a Requerida).

A data de aquisição de participações sociais tem sido discutida no contexto do artigo 5.º da Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, que determina a não sujeição a IRS das mais-valias auferidas por ocasião da transmissão de participações sociais adquiridas antes da entrada em vigor do Código do IRS (ou seja, antes de 01.01.1989). À luz da jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo e dos tribunais arbitrais, a data de aquisição das quotas alienadas não é impactada pelo aumento do respetivo valor nominal após 01.01.1989, seja o aumento realizado por entradas em espécie, ou por entradas em dinheiro, com alteração da situação líquida da empresa, seja o aumento realizado por incorporação de reservas, uma mera operação contabilística, sem alteração da situação líquida da empresa. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.03.2018, processo n.º 0149/17 (posterior ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 28.09.2027, processo n.º 01264/09.0BEVIS, subscrevendo o entendimento oposto), e as Decisões Arbitrais de 26.02.2020, processo n.º 689/2019-T; 16.03.2021, processo n.º 526/2020-T; 13.05.2022, processo n.º 562/2021-T; 22.03.2024, processo n.º 632/2023-T.

Note-se que, no processo n.º 689/2019-T, o Tribunal Arbitral considerou, sem distinguir, o aumento do valor nominal das quotas realizado por entradas “em numerário ou por incorporação de reservas ou transformação de prestações suplementares”. Em suporte do mesmo entendimento, no processo arbitral n.º 562/2021-T, o Tribunal referiu que “a decisão de realizar o aumento de capital e de o concretizar por uma daquelas vias é uma decisão empresarial que recai na esfera dos sócios e que pode ser livremente orientada por critérios do interesse particular dentro dos limites conferidos pela lei. Caso se defendesse aquela interpretação jurídica estar-se-ia a provocar, por via interpretativa, uma distorção à neutralidade fiscal e uma restrição que não tem correspondência com a letra e com o espírito da lei”. Já no processo n.º 632/2023-T, o Tribunal Arbitral sublinhou que o enunciado normativo vertido no artigo 43.º, n.º 6, alínea a), do Código do IRS (reproduzido na alínea a) do artigo 47.º-A do Código do IRC) apresenta uma redação exemplificativa, na medida em que ali se emprega o advérbio de modo “designadamente”, o que permite inferir que o legislador pretendeu abranger todas as situações de alteração do valor nominal.

Desta jurisprudência retira-se, mais genericamente, que a data de aquisição de partes de capital cujo valor nominal tenha sido aumentado é a data de aquisição das partes de capital que lhes deram origem. Este entendimento resulta essencialmente da interpretação da alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º do Código do IRS, sob a epígrafe “Mais-valias”, na redação em vigor em 2019. Com relevo para os presentes autos, interessa salientar que o Código do IRS e o Código do IRC não divergem relativamente à data de aquisição de participações sociais.

A alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º do Código do IRS, sob a epígrafe “Mais-valias”, na redação em vigor em 2019, dispunha o seguinte: “A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem”. Do mesmo modo, a alínea a) do artigo 47.º-A do Código do IRC, sob a epígrafe “Data de aquisição das partes de capital”, na redação em vigor em 2019, estabelecia o seguinte: “A data de aquisição das partes de capital adquiridas ou atribuídas ao sujeito passivo por incorporação de reservas ou substituição, designadamente por alteração do respetivo valor nominal ou transformação da sociedade emitente, é a data de aquisição das partes de capital que lhes deram origem”.

Cumpre então averiguar se, para efeitos do regime de “participation exemption” previsto no artigo 51.º-C do Código do IRC, a quota alienada pela Requerente se deve considerar adquirida em 2015, não obstante o seu valor nominal ter sido aumentado, mediante a conversão de suprimentos realizados pela Requerente, em 28.05.2019?

E, a este respeito, concluímos que sim, que assiste razão à Requerente.

Em primeiro lugar, importa recordar que suprimentos consistem “contratos de mútuo ou os pactos de diferimento de créditos celebrados entre a sociedade e os seus sócios, quando pela permanência da utilização do dinheiro assim obtido pela sociedade este desempenhe função idêntica à das entradas dos sócios para o capital, por constituírem um fundo suplementar de maneio quando o capital social é insuficiente para as despesas de exploração e respectivas necessidades de tesouraria” (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19.12.2007, processo n.º 02073/07). De facto, e não obstante de serem contabilizados como passivo financeiro, os suprimentos, pelo seu carácter de permanência e função, aproximam-se dos capitais próprios.

Em segundo lugar, a interpretação defendida pela Requerente em nada contende com a ratio legis do regime de “participation exemption” previsto no artigo 51.º-C do Código do IRC, cujo objetivo é eliminar a dupla tributação económica quer de lucros e reservas distribuídos, quer no que se refere a mais e menos-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais e de outros instrumentos de capital próprio. In casu, os lucros da B... foram já tributados em sede de IRC. A isenção de mais-valias resultante do artigo 51.º-C do Código do IRC apenas previne que os mesmos sejam tributados novamente. Mas esta não é uma consideração verdadeiramente relevante no caso sub judice. Se, ao invés de converter os suprimentos em partes de capital, a Requerente tivesse optado pela restituição dos suprimentos antes de transmitir a sua quota na B..., a Requerente não sofreria qualquer tributação mais gravosa em sede de IRC. De facto, a restituição de suprimentos, tal como sucede com a restituição dos capitais próprios, não é sujeita a tributação, quer em sede de IRS, quer em sede de IRC, na medida em que se configura como um simples reembolso.

Isto significa que, mesmo se a Requerente recebesse o montante dos suprimentos em apreço (€ 665.000,00) antes de transmitir a quota em apreço, ao invés de aumentar o valor da sua quota, nunca seria tributada, em sede de IRC, com referência ao valor dos mesmos. Não vemos, assim, motivo atendível para equiparar, como pretende a AT, o aumento do valor nominal da quota detida pela Requerente, sem alteração da situação líquida da sociedade, a uma aquisição de uma nova parte social da B... . E, tal como defendido pela Requerente, não tendo sido adquirida nova quota, mas tendo ocorrido apenas a valorização de uma quota existente, a data da sua aquisição corresponde à data de aquisição da quota originária que lhe deu origem, nos termos do artigo 47.º-A do Código do IRC.

Em terceiro e último lugar, não vemos motivo atendível para, relativamente ao artigo 51.º-C do Código do IRC, nos afastarmos da jurisprudência consolidada relativamente à data de aquisição de partes sociais para efeitos do artigo 5.º da Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro. Assim sendo, temos que esta jurisprudência deve ser aqui ponderada de forma a assegurar a devida tutela da coerência sistemática e da segurança jurídica na aplicação do direito a que alude o artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil ao referir que “o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.

 

Note-se ainda que o imóvel detido pela sociedade B...encontrava-se arrendado em 2019, ou seja, que o mesmo se encontrava afeto a uma atividade comercial que não a compra e venda de imóveis, não sendo in casu relevante a exclusão prevista no n.º 4 do artigo 51.º-C do Código do IRC (“O disposto no n.º 1 não é aplicável às mais-valias e menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa de partes sociais, bem como à transmissão de outros instrumentos de capital próprio associados às partes sociais, designadamente prestações suplementares, quando o valor dos bens imóveis ou dos direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, com exceção dos bens imóveis afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial que não consista na compra e venda de bens imóveis, represente, direta ou indiretamente, mais de 50 % do ativo”). Andou bem a AT ao não levantar esta questão no caso sub judice.

Pelo exposto, conclui-se que, para efeitos do n.º 1 do artigo 51.º-C do Código do IRC, a quota alienada pela Requerente em 31.05.2019 considera-se adquirida em 2015 e que se verifica o requisito temporal exigido no referido preceito. Em consequência, o Tribunal Arbitral julga procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação da Liquidação Contestada e do ato de indeferimento da reclamação graciosa contra ela apresentada.

 

  1. Direito ao reembolso do imposto pago e a juros indemnizatórios

A Requerente veio no PPA requerer que lhe sejam reembolsadas as quantidades indevidamente pagas, acrescidas dos juros indemnizatórios vencidos e vincendos até ao pagamento integral dos referidos montantes, nos termos do artigo 43.º da LGT.

Decorre do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT que a AT tem o dever de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado. Na sequência da anulação parcial da autoliquidação de IRC contestada, a Requerente tem direito a ser reembolsada do valor de € 248.401,13.

No que respeita ao direito a juros indemnizatórios, o respetivo regime substantivo vem regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

No caso sub judice, os erros que afetam a autoliquidação de IRC impugnada não são imputáveis à Requerida, visto que aquela não foi por esta emitida. No entanto, o mesmo não sucede com o indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente. Na verdade, e pelos motivos explicitados supra, a AT deveria ter deferido a pretensão da Requerente em sede de reclamação graciosa. Não o tendo feito, a AT manteve uma situação de ilegalidade, sendo-lhe assim imputável erro de direito enquadrável no n.º 1 do artigo 43.º da LGT. Neste sentido, pode ler-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0890/16, em 18.01.2017, bem como a Decisão Arbitral de 14.05.2019, processo n.º 637/2018-T; Decisão Arbitral de 27.05.2019, processo n.º 678/2018-T; Decisão Arbitral de 13.07.2022, processo n.º 115/2022-T; Decisão Arbitral de 28.07.2022, processo n.º 816/2021-T.          

Relativamente ao momento a partir do qual são devidos os juros indemnizatórios, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido no processo n.º 0360/11.8BELRS, de 07.04.2021:

“(…) afigura-se-nos justo e equitativo que a indemnização ao contribuinte (decorrente do pagamento de juros indemnizatórios, pela AT) não retroaja ao momento da prática do ato de retenção na fonte (da responsabilidade do substituto tributário), porquanto, tratando‑se de uma situação de autoliquidação, só com a competente impugnação administrativa, atempada, os serviços da AT ficam em condições de conhecer e reparar uma cometida ilegalidade, sendo, a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, justificado o ressarcimento do sujeito passivo, decorrente de não receber e passar a dispor desde esse momento (que podia ter sido de viragem) do imposto indevidamente entregue ao Estado, através do mecanismo da substituição tributária.

Neste ponto, apenas, resta problematizar se, na situação versada (ou equiparáveis), o dies a quo deve corresponder ao da data da apresentação da impugnação administrativa (reclamação graciosa e/ou recurso hierárquico) ou ao do momento em que os competentes serviços da AT se pronunciam/comunicam o resultado da pronúncia ao contribuinte.

(…) julgamos, justo, adequado e seguro, assumir como marco, para identificar e fixar o disputado dies a quo, o prazo, fixado por lei, para a decisão do procedimento de reclamação graciosa (...), isto é, o período, atualmente, de 4 meses”.

O mesmo entendimento foi acolhido na Decisão Arbitral de 01.02.2022, processo n.º 345/2020-T; Decisão Arbitral de 23.05.2022, processo n.º 558/2020-T; Decisão Arbitral de 13.07.2022, processo n.º 115/2022-T; Decisão Arbitral de 28.07.2022, processo n.º 816/2021-T.

No caso em apreço, a Requerente apresentou reclamação graciosa para apreciação da legalidade e anulação da Liquidação Contestada em 20.07.2022. A AT deveria ter-se pronunciado sobre a mesma no prazo de quatro meses (cf. artigo 57.º, n.º 1, da LGT), ou seja, até 20.11.2022, o que não veio a suceder. Assim sendo, o Tribunal determina que os juros indemnizatórios sobre o montante de € 248.401,13 contam desde o dia 21.11.2022 até ao integral reembolso do referido montante à Requerente (nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

  1. DECISÃO

Termos em que, de harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e em consequência:

  1. Declarar ilegal e anular o ato de indeferimento da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2022...;
  2. Declarar ilegal e anular parcialmente, no montante de € 248.401,13, o ato tributário de autoliquidação de IRC n.º 2020..., referente ao período de tributação de 2019;
  3. Condenar a AT no reembolso à Requerente do montante de € 248.401,13;
  4. Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante de € 248.401,13, a contar desde 21.11.2022 até ao integral reembolso do referido montante à Requerente.

 

  1. VALOR DA CAUSA

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 248.401,13 (duzentos e quarenta e oito mil, quatrocentos e um euros e treze cêntimos), correspondente ao valor contestado pela Requerente (conforme indicado no PPA e não contestado pela Requerida).

 

  1. CUSTAS

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em € 4.284,00 (quatro mil duzentos e oitenta e quatro euros), a cargo da Requerida, em razão do decaimento.

Notifique-se.

 

 

CAAD, 28 de outubro de 2024

A Presidente do Tribunal Arbitral,

 

 

Rita Correia da Cunha

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

 

Sérgio Santos Pereira

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

 

Nuno Pombo (com declaração de voto)

 

Declaração de voto

Tendo a considerar que a alínea a) do art.º 47.º-A do Código do IRC parece cingir-se aos casos em que a aquisição de quotas opera por via de um aumento de capital por incorporação de reservas ou às situações em que o valor nominal das quotas é alterado por razões alheias a um novo investimento dos sócios.

Se há um aumento de capital por incorporação de reservas ou se se altera o valor nominal das quotas em resultado, por exemplo, de uma amortização de quotas (artigo 237.º do Código das Sociedades Comerciais), nenhum “novo” investimento é realizado pelo sócio. O risco por ele assumido é apenas o que resultou do seu investimento inicial e a variação do capital próprio da sociedade resulta, apenas, desse investimento. Diferente é a situação em que o sócio realiza um novo investimento, através da injeção de dinheiro fresco na sociedade.

Nestes casos, o sócio aumenta o seu risco e com isso pretende aumentar os seus ganhos, sendo susceptíveis de datação ambos os investimentos realizados, o inicial e o subsequente. Da mesma sorte, a situação patrimonial da sociedade incrementa em função desse aumento. O reforço do capital social da empresa por aumento de capital em dinheiro ou em espécie, insista-se, por novas entradas, aumenta a capacidade financeira da empresa o que faz igualmente potenciar a capacidade de ela gerar resultados que contribuam para a obtenção de mais-valias, caso o sócio decida alienar as suas participações sociais.

Aliás, não se duvida que o aumento de capital por novas entradas pode dar origem a novas quotas, não me parecendo que estas novas quotas pudessem beneficiar do regime consagrado a alínea a) do art.º 47.º-A do Código do IRC. Portanto, haveria um regime tributário diverso para situações economicamente idênticas. Na verdade, querendo-se aumentar o capital social de uma sociedade por novas entradas, parece-me em termos económicos indiferente fazê-lo aumentado o valor nominal das quotas existentes ou atribuindo aos sócios existentes novas quotas, nos termos do artigo 219.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais. Até porque, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito, “a quota primitiva de um sócio e as que posteriormente adquirir são independentes”. E neste caso, que é o de aumento de capital por novas entradas, adquirir novas quotas ou incrementar o valor nominal das quotas de que já for titular, é indiferente. E sendo indiferente, parece-me que o regime tributário o devia ser também.

Defende-se na presente decisão o argumento segundo o qual a interpretação apresentada pela Requerente, e que fez vencimento, em nada contende com a ratio legis do regime da “participation exemption” previsto no artigo 51.º-C do Código do IRC. É certo que o objetivo deste regime é eliminar a dupla tributação económica quer de lucros e reservas distribuídos, quer no que se refere a mais e menos-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais e de outros instrumentos de capital próprio. É preciso acrescentar que esse propósito não dispensa a observância de requisitos, nomeadamente: que haja uma detenção ininterrupta dessas partes sociais por um período não inferior a um ano e que o sujeito passivo detenha, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 10% do capital social.

Reconheço que no caso que nos ocupa, “se ao invés de converter os suprimentos em partes de capital, a Requerente tivesse optado pela restituição dos suprimentos antes de transmitir a sua quota na B..., a Requerente não sofreria qualquer tributação mais gravosa em sede de IRC”. Na verdade, uma vez que a Requerente detinha, direta e indiretamente, a totalidade do capital social da B..., mesmo que alienasse a quota que detinha diretamente, e que era de apenas 1% (sem o referido aumento de capital), beneficiaria da “participation exemption”. Contudo, se a Requerente não detivesse, ainda que indiretamente, pelo menos, 10% do capital social, salvo melhor opinião, o argumento cairia.

Portanto, mantenho o que a este propósito deixei expresso na declaração de voto que exarei na decisão arbitral prolatada no Processo n.º 562/2021-T, transponível para aqui, apesar de ser outro o problema que ali se discutia. Também me parece, como se disse na decisão arbitral do Processo n.º 426/2023-T, que “uma interpretação assente no elemento racional ou teleológico, em que se tenha em consideração, para determinar o sentido da norma, a ponderação dos diversos interesses que a norma regula e o peso relativo desses interesses, aponta, à partida, para a exclusão do âmbito de previsão do artigo 47.º-A, alínea a), do CIRC das situações de aumento de capital através de novas entradas destinadas a reforçar as participações sociais já existentes”.

Cabe a propósito lembrar o que dispõe o art.º 47.º do Código do IRC. Diz o n.º 1 deste preceito que “o valor de aquisição corrigido nos termos do n.º 2 do artigo anterior é atualizado mediante aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda para o efeito publicados em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sempre que, à data da realização, tenham decorrido pelo menos dois anos desde a data da aquisição, sendo o valor dessa atualização deduzido para efeitos da determinação do lucro tributável”. A correção monetária aplica-se às partes de capital. Assim, nos casos em que não haja lugar ao regime da “participation exemption”, por não se verificarem os respetivos requisitos, o entendimento que fez vencimento na presente decisão, imporia, segundo me parece, que o valor de aquisição da quota (correspondente ao somatório das sucessivas entradas em dinheiro) fosse corrigido … desde a data de aquisição (equivalente à data de aquisição do investimento inicial), o que, em tese, poderia até transformar uma mais-valia económica numa menos valia fiscal.

Creio, pelas razões expostas, que a solução devia ser outra.

 

Nuno Pombo