Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 836/2024-T
Data da decisão: 2024-10-21   
Valor do pedido: € 11.102,62
Tema: IRS – Inutilidade superveniente da lide – extinção da instância
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SUMÁRIO:

Ocorre inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância se a Requerente obteve a plena satisfação do pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do ato de liquidação contestado.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            I. RELATÓRIO

 

            1. A..., titular do NIF..., divorciada, residente em..., ..., ... Madrid, em Espanha (“Requerente”), requereu a constituição de Tribunal Arbitral Tributário e apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º e da alínea a), do n.º 1, e do n.º 2 do artigo 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), tendo em vista a anulação parcial do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2023..., referente ao período de tributação de 2022, do qual resultou o montante de imposto a pagar de € 22.205,24. Mais peticionou pelo reembolso do imposto indevidamente pago, no montante de € 11.102,62, bem como pelo pagamento de juros indemnizatórios.

 

            2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito em 3 de julho de 2024 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

            3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 23 de agosto de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

4. No pedido de pronúncia arbitral, considera a Requerente que a liquidação em causa está ferida de ilegalidade, por vício de violação de lei, na medida em que a mais-valia imobiliária realizada pela Requerente, à qual se aplica a taxa autónoma de 28% nos termos do artigo 72.º, n.º 1 do CIRS, apenas deveria ser relevada em metade do seu montante, tal como o artigo 43.º, n.º 2 prescreve para os residentes, acabando, todavia, por ser considerada pela AT na totalidade, o que constitui uma restrição à liberdade de circulação de capitais. Em suporte da sua tese, a Requerente cita abundante jurisprudência dos tribunais nacionais, do CAAD e do TJUE sobre esta matéria.

 

            5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 10 de setembro de 2024, sendo que naquela mesma data foi a Requerida notificada para apresentar e juntar cópia do processo administrativo.

 

            6. Em 25 de setembro de 2024, a Requerida apresentou requerimento a informar os autos que, por despacho da Subdiretora-geral da AT de 18 de setembro de 2024, foi revogado o ato impugnado, juntando o referido despacho de revogação, no qual se refere, na parte relevante, o seguinte:

 

V – Conclusão

 

Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deverá ser aplicada na liquidação o disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 43º do CIRS considerando-se o saldo das mais-valias imobiliárias em apenas 50% do seu valor, restituindo-se o imposto pago a mais, assim como o pagamento dos respetivos juros indemnizatórios

 

7. Por despacho de 27 de setembro de 2024, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente para, no prazo de cinco dias, requerer o que entendesse por conveniente e que fosse eventualmente impeditivo da possível prolação de decisão de extinção da instância por impossibilidade, superveniente, da lide por falta de objeto.

 

8. Em 30 de setembro de 2024, a Requerente informou os autos de haver sido notificada do despacho da Subdiretora-geral que revogou o ato de liquidação de IRS sindicado, requerendo a extinção do processo arbitral por inutilidade da lide.

 

            9. Por despacho de 2 de outubro de 2024, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente para efetuar o pagamento do remanescente da taxa arbitral no prazo máximo de 10 dias.

 

10. Em 10 de outubro de 2024, veio a Requerente expor que tendo perdido interesse no prosseguimento do processo arbitral, por inutilidade da lide, e tendo requerido a extinção do mesmo, não ira efetuar o pagamento do remanescente da taxa arbitral, solicitando o desentranhamento do despacho arbitral de 2 de outubro de 2024.

 

11. Por despacho de 11 de outubro de 2024, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente do indeferimento do pedido de desentranhamento do despacho arbitral de 2 de outubro de 2024.

 

12. Em 16 de outubro de 2024, veio a Requerente juntar o comprovativo do pagamento do remanescente da taxa de arbitragem.

 

 

 

 

II. SANEAMENTO

 

13. O Tribunal Arbitral é materialmente competente, foi regularmente constituído e o pedido é tempestivo nos termos dos artigos 2.º, 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. O processo não enferma de nulidades.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Factos provados

 

            14. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A AT emitiu o ato de liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao período de tributação de 2022, do qual resultou o montante de imposto a pagar de € 22.205,24;
  2. A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação no prazo de pagamento voluntário;
  3. Em 4 de dezembro de 2023, a Requerente apresentou reclamação graciosa, no Serviço de Finanças de Lisboa-..., à qual foi atribuído o n.º ...2023...;
  4. A Requerente não foi notificada de qualquer projeto de decisão da reclamação graciosa apresentada, e em 6 de abril de 2024 formou-se a respetiva presunção de indeferimento tácito;
  5. Em 3 de julho de 2024, a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo;
  6. Por despacho de 18 de setembro de 2024, da Sra. Subdirectora-Geral..., foi revogado o ato de liquidação de IRS contestado.

 

§2 – Factos não provados

 

            15. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que se tenham considerado como não provados.

 

§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

16. Ao Tribunal Arbitral compete selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

17. O ato de liquidação de IRS objeto de contestação pela Requerente foi objeto de revogação pela AT após a constituição do Tribunal Arbitral. Em resultado da referida revogação, veio a Requerente informar que perdeu o interesse no prosseguimento do processo arbitral, por inutilidade da lide, requerendo a extinção do mesmo.

 

18. Por conseguinte, inexiste nesta fase objeto processual sobre o qual deva pronunciar-se o Tribunal Arbitral, de tal modo que carece de sentido útil a manutenção da instância.

 

19. Relativamente a esta temática, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em 30 de julho de 2014, no acórdão proferido no processo n.º 0875/14, nos seguintes termos: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.

 

20. Em idêntico sentido, referem LEBRE DE FREITAS, RUI PINTO e JOÃO REDINHA, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

 

21. Em face do exposto, julga-se procedente a inutilidade superveniente da lide, por ter já obtido a Requerente a plena satisfação dos efeitos pretendidos com o seu pedido, determinando-se consequentemente a extinção da instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e, em consequência, absolver da mesma a Requerida;
  2. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

           

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 11.102,62.

 

VII. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 918,00, a suportar pela Requerida, já que foi esta que deu causa à presente ação, porque apenas comunicou a revogação do ato de liquidação após a constituição do Tribunal Arbitral, em conformidade com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Porto, 21 de outubro de 2024

 

O Árbitro,

 

Francisco Melo