SUMÁRIO: I – A revogação do ato tributário impugnado após constituição do Tribunal Arbitral, dando satisfação à pretensão formulada pelo Requerente quanto à sua anulação parcial, constitui causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, que se verifica quando “por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por ter encontrado satisfação fora do esquema da providência pretendida”.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros, Conselheira Maria Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Dr. Manuel Lopes da Silva Faustino e Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães, (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A... – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, com o número de identificação fiscal ... (doravante o “Requerente”), aqui representado pela sociedade gestora B... – SOCIEDADE GESTORA DE ORGANISMOS DE INVESTIMENTO COLETIVO, S.A., com o número de identificação fiscal ... (doravante a “Sociedade Gestora”), matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o número ..., com sede no ..., na ..., ..., ..., ...-... Porto, (doravante designado por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), não tendo utilizado a faculdade de designar árbitro.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Ex.mº Senhor Presidente do CAAD em 29 de fevereiro de 2024 e automaticamente notificado à AT, e, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, tendo estes comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável, sem oposição das Partes.
A. Objeto do pedido.
Síntese da posição das Partes.
Tramitação processual.
1. O Requerente peticiona a declaração de ilegalidade e a consequente anulação atos de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) n.ºs 2022..., 2022 ... e 2022..., no montante de € 26.684,44, € 26.684,44 e € 26.684,45, respetivamente, perfazendo o montante global de € 80.053,33, referentes à primeira, segunda e terceira prestações do ano de 2022.
Mais pede o Requerente a condenação da Requerida na restituição do valor por si indevidamente pago nesses anos acrescido de juros indemnizatórios e nas custas arbitrais, atribuindo ao pedido o valor económico de € 76.851,20.
2. Nos termos do previsto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, afigura-se admissível a cumulação de pedidos relativos aos diferentes atos objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, porquanto a procedência destes depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito.
3. O Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado constituído por subscrição particular cuja atividade se iniciou em 2005, sendo atualmente gerido pela Sociedade Gestora suprarreferida. De acordo com o seu regulamento de gestão o fundo tem como objetivo a aplicação das poupanças recebidas dos participantes no investimento efetuado no mercado imobiliário. Para a realização do referido objetivo, o Requerente canaliza os seus investimentos, essencialmente, no desenvolvimento de projetos de construção de imóveis destinados a logística, comércio, habitação e serviços, para posterior venda ou arrendamento, podendo ainda investir em imóveis urbanos ou suas frações autónomas, para valorização ou para arrendamento, consoante as condições de mercado.
3. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º, do RJAT, a Requerida, no âmbito das diligências necessárias à análise da situação apresentada no pedido de pronúncia arbitral, foi informada pelos serviços competentes de que os fundamentos da impugnação apresentados pelo Requerente, quanto à falta de notificação prévia do ato de liquidação (artigo 60º n.º 1 alínea a) da LGT) para efeitos de aplicação da taxa agravada de IMI nos termos previstos no artigoº 112º n.º4 do Código do IMI, bem como à falta de fundamentação do ato de liquidação (artigo 77º n.º 2 da LGT), justificam a anulação das liquidações impugnadas.
4. Em 11.10.2024 remeteu aos autos requerimento de junção do Despacho da Senhora Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira para a Área do IMI, de 12 de setembro de 2024, nos termos do qual se procedeu à revogação parcial do ato tributário impugnado, na medida do peticionado, e se reconheceu o direito do Requerente a juros indemnizatórios.
4. Considera o Tribunal estarem reunidos os pressupostos para a extinção da instância, nos termos do disposto no artigo 277.º, e), do CPC, ex vi artigo 29.º do RJAT, com a condenação da Requerida em custas, na medida em que deu causa à presente ação e bem assim à extinção da instância, nos termos do disposto nos artigos 527.º e 536.º, n.ºs 3 e 4, do CPC.
5. Nos termos do Despacho Arbitral de 03 de outubro de 2024, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, sendo dado prazo para a produção de alegações escritas.
II. SANEAMENTO
1. O Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído em 09 de maio de 2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
4. Quanto ao valor da causa:
a. Nos termos do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, com remissão para o artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), tendo o pedido de pronúncia arbitral por objeto a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, o valor da causa é determinado em função do valor “cuja anulação se pretende” (artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT).
b. O Requerente indica o valor de € 76.851,20 , não contestado pela Requerida;
c. Fixa-se, assim, o valor do processo em € 76.851,20 equivalente ao peticionado e objeto de anulação administrativa, em conformidade com o disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1 MATÉRIA DE FACTO
A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA) e dos elementos remetidos aos autos pela Requerida, fixa-se como segue:
A. Factos Provados:
1. O Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado constituído por subscrição particular cuja atividade se iniciou em 2005, sendo atualmente gerido pela Sociedade Gestora suprarreferida.
2. No que concerne à sua estrutura, 100% das unidades de representação do Requerente são detidas por uma sociedade comercial com domicílio fiscal no Canadá, a qual, por sua vez, é detida em mais de 50% por um cidadão português com domicílio fiscal no Mónaco.
3. O Requerente não foi notificado de qualquer ato, prévio ou posterior à notificação das liquidações objeto destes autos, que fundamente uma sua sujeição à taxa agravada de imposto, por oposição a ser-lhe aplicável a dita taxa normal, prevista no n.º 1 do mesmo artigo, que até então lhe vinha a ser aplicada.
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral data de 29 de junho de 2023 (cfr. registo do CAAD);
11. Em 09 de julho de 2024, deu entrada nos autos requerimento da Requerida, dando notícia de Despacho de anulação proferido pela Senhora Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira competente, de concordância com a informação da Direção de Serviços do IMI, sem contudo, juntar o despacho.
12. Em 01 de outubro de 2024, o Requerente deu notícia do desconhecimento dessa situação mantendo-se o interesse na instância.
13. Em 11.10.2024 veio a Requerida juntar o despacho de anulação acima referido.
B. Factos não provados:
Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.
C. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos dados como provados resultaram da análise crítica dos documentos juntos aos autos, bem como das posições assumidas pelas Partes nos respetivos articulados.
III.2 DO DIREITO
1. Da inutilidade superveniente da lide.
O objeto da presente ação arbitral enquadra-se na previsão do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, já que a pretensão do Requerente era a da “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, da competência dos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD.
Nos termos do n.º 1 do artigo 13.º, do RJAT, a Autoridade Tributária e Aduaneira dispõe de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, para proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, iniciando-se então a contagem do prazo para constituição do tribunal arbitral, de acordo com o artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
A revogação do ato tributário impugnado após constituição do Tribunal Arbitral, dando satisfação à pretensão formulada pelo Requerente quanto à sua anulação parcial, constitui causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, e que, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, se verifica quando, “por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por ter encontrado satisfação fora do esquema da providência pretendida” .
Na situação concreta dos autos, para além do pedido de atos de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) n.ºs 2022..., 2022 ... e 2022 ..., no montante de € 26.684,44, € 26.684,44 e € 26.684,45, respetivamente, perfazendo o montante global de € 80.053,33, referentes à primeira, segunda e terceira prestações do ano de 2022 a Requerente formulou o pedido acessório de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.
Pelo Despacho da Senhora Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira para a Área competente, de 12 de setembro de 2024, foi revogada a liquidação de IMI impugnada, na medida da pretensão do Requerente, tendo-lhe igualmente sido reconhecido o direito a juros indemnizatórios.
Obtida a integral satisfação do pedido, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, conclui-se que a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, porquanto o fim visado pelo Requerente com a presente ação arbitral foi atingido por outro meio (anulação administrativa), encontrando-se, assim, verificados os pressupostos de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.
2. Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
Tal como referido supra, a inutilidade superveniente da lide decorre da verificação de um facto, na pendência da instância judicial (ou arbitral), mediante a qual a solução do litígio deixa de ter interesse e utilidade, designadamente por ter sido satisfeita, por meios extrajudiciais, a pretensão deduzida pelo autor.
Na situação concreta dos autos, verifica-se que a pretensão do Requerente foi voluntariamente satisfeita pela Requerida, por meios administrativos (extrajudiciais), à margem da prolação de qualquer julgado anulatório, devendo-lhe, portanto, ser imputável a inutilidade superveniente da lide.
Em casos que tais, a repartição das custas, a efetuar na decisão final, é feita de acordo com os n.ºs 3 e 4 do artigo 536.º, do CPC, em que se dispõe que:
“Artigo 536.º Repartição das custas
1 – (…)
2 – (…)
3 – Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.
4 – Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas.”
Termos em que não pode a Requerida deixar de ser condenada no pagamento da totalidade da taxa de arbitragem.
IV. DECISÃO
Nos termos acima expostos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:
a) Declarar extinta a presente instância arbitral, por inutilidade superveniente da lide;
b) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 76.851,20 (setenta e seis mil, oitocentos e cinquenta e um euro e vinte cêntimos).
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 2 448,00 (dois mil, quatrocentos e quarenta e oito euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique-se.
Lisboa, 16 de outubro de 2024.
Os Árbitros,
Fernanda Maçãs
(Presidente)
Manuel Faustino
(Vogal)
Vasco Guimarães
(Vogal)
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º, do D.L. n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990