Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 202/2024-T
Data da decisão: 2024-10-23  IRC  
Valor do pedido: € 187.146,00
Tema: IRC – Juros de fonte portuguesa pagos a OICs com residência noutro Estado-Membro – artigo 22.º do EBF. Livre circulação de capitais – artigo 63.º do TFUE. Neutralização do tratamento discriminatório através de CDT.
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SUMÁRIO

  1. Nos termos do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF e do artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea h), do Código do IRS (rendimentos de capitais), os juros de fonte portuguesa pagos a OICs residentes em território português não são tributados em sede de IRC, nem sujeitos a retenção na fonte. Não estender o mesmo tratamento aos juros de fonte portuguesa pagos a OICs com residência fiscal noutro Estado-Membro da União Europeia pode constituir uma discriminação negativa dos mesmos, e, na esteira da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, constituir uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE.

 

  1. À luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Estado da Fonte (in casu, Portugal) pode manter uma retenção na fonte de juros aparentemente discriminatória se a tributação do detentor do rendimento pelo Estado de Residência (in casu, Alemanha) for “neutralizada”, na totalidade, através de um crédito de imposto atribuído ao abrigo de uma Convenção para Eliminar a Dupla Tributação (CDT).

 

  1. A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquela.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente e relatora), Dr. Ricardo Rodrigues Pereira e Dr. Martins Alfaro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral no processo identificado em epígrafe, acordam no seguinte:

 

I.       RELATÓRIO

  1. A... GMBH, sociedade de Direito alemão, com sede em ..., ..., ... ..., Alemanha, titular dos números únicos de Identificação de Pessoa Coletiva alemão ... e português ... (“a Requerente”), na qualidade de entidade gestora do Fundo B... (“Fundo”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 137.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), e 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de tribunal arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) com vista à apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidentes sobre o pagamento de juros realizado entre agosto de 2021 e agosto de 2022, no montante total de € 187.146,00, e, bem assim, da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra aqueles atos tributários.
  2. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, e automaticamente notificado à Requerida.
  4. Em 23 de abril de 2024, foi comunicada, pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, a constituição do presente tribunal arbitral coletivo, nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 11.º do RJAT.
  5. No PPA, a Requerente pretende, em síntese, a anulação do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa previamente apresentada pela Requerente e, em consequência, a anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC sindicados por vício de violação de lei, e, bem assim, o reconhecimento do direito à restituição da quantia de € 187.146,00, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre juros pagos entre agosto de 2021 e agosto de 2022, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do Código do IRC e 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), com as demais consequências legais, mormente o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
  6. Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alegou, em resumo, que impondo o regime interno a aplicação de retenção na fonte a juros pagos a um OIC não residente – como o Fundo – enquanto se prevê que os juros pagos a OIC residentes estão isentos dessa retenção, é incompatível com o Direito da EU. A Requerente conclui que se mostram ilegais os atos de retenção na fonte de IRC incidentes sobre o pagamento de juros relativos aos anos de 2021 e 2022, por violação do princípio do primado consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
  7. Em 23 de abril de 2024, foi proferido despacho arbitral tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da AT para (i) apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, e, bem assim, (ii) remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo, em cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.º 2, do RJAT.
  8. A Requerida apresentou resposta ao PPA, alegando, em síntese, que as alegadas diferenças de tratamento em sede de IRC encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português, designadamente da tributação dos OICs residentes em Portugal em sede de Imposto do Selo, e que se encontra subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não poderia aplicar de forma direta e automática as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional. Por conseguinte, a Requerida conclui que a retenção na fonte contestadas devem ser mantidas na ordem jurídica.
  9. Ambas as partes apresentaram alegações finais.

II.    SANEADOR

  1. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação de atos de retenção na fonte de IRC e de ato de indeferimento de reclamação graciosa apresentada contra os mesmos (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 5.º do RJAT).
  2. O PPA apresentado em 12 de fevereiro de 2024 é tempestivo porquanto foi cumprido o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, a contar da data da presunção do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra os atos tributários impugnados (que se formou em 14 de novembro de 2023, ao abrigo do artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT).
  3. É admitida a cumulação de pedidos, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, porquanto, como sucede in casu, a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
  4. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  5. Não foram identificadas nulidades ou exceções que obstem ao conhecimento do mérito.
  1. QUESTÃO A DECIDIR

 

  1. A questão decidenda nos presentes autos reconduz-se à apreciação da legalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa em referência e, nessa medida, da legalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte acima referidas, que incidiram sobre os juros de fonte portuguesa auferidos pelo Fundo nos anos de 2021 e 2022. 
  2. A legalidade destes atos tributários depende essencialmente da questão de saber se o regime especial de tributação previsto no artigo 22.º do EBF para os OIC constituídos de acordo com a legislação nacional, interpretado no sentido de excluir desse regime os OIC constituídos de acordo com a legislação de outro Estado Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE.

 

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

§1.     Factos provados

  1. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
    1. O Fundo é uma sociedade de direito alemão, revestindo a forma jurídica de fundo de investimento imobiliário especial, e atuando a coberto de um contrato celebrado entre a sua entidade gestora atual (a Requerente), os investidores e a instituição financeira responsável pela custódia dos valores mobiliários (cf. Documento 6 e alegado nos artigos 14.º e 15.º do PPA – facto não controvertido).
    2. O Fundo não dispõe de sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, sendo residente para efeitos fiscais na Alemanha, aí se encontrando sujeito (e não isento) a tributação em sede de “imposto sobre o rendimento das sociedades”, sem possibilidade de opção (cf. alegado no artigo 21.º do PPA, e cópias dos certificados de residência emitidos pelas autoridades fiscais alemãs juntas ao PPA como Documento n.º 6 – facto não controvertido).
    3. Em 2011, o C... GMBH – à data, sociedade gestora do Fundo, tendo, nessa medida, atuado em sua representação, e posteriormente, em 2013, fundida na Requerente – celebrou um contrato de financiamento com a sociedade comercial portuguesa D..., S.A. (“D...”), com sede em ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, titular do número único de identificação de pessoa coletiva ... (cf. cópia do contrato junta ao PPA como Documento n.º 3, e cópias de documentos comprovativos da operação societária em apreço, juntas ao PPA como Documentos n.ºs 4 e 5 – facto não controvertido).
    4. Nos anos de 2021 e 2022, o Fundo manteve investimentos em diversos países, entre os quais Portugal, detendo a totalidade do capital social da D... (cf. alegado no artigo 19.º do PPA – facto não controvertido).
    5. Por força do contrato de financiamento acima identificado, o Fundo auferiu, no período compreendido entre agosto de 2021 e agosto de 2022, juros no montante total bruto de € 1.247.639,98, que foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória e entregues nos cofres do Estado, no montante de € 187,146,00 (cf. Documentos n.ºs 1, 7 e 8 junto ao PPA).
    6. Em 13 de julho de 2023, o Requerente apresentou reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2021 e 2022, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal (cf. Documento n.º 9 junto ao PPA – facto não controvertido).
    7. A Requerente apresentou o PPA que deu origem aos presentes autos em 12 de fevereiro de 2024 (facto não controvertido).

§2.     Factos não provados

  1. Com relevo para a decisão, considera-se como não provado que as retenções na fonte relativas aos juros de fonte portuguesa percecionados pelo Fundo não deram lugar a um crédito de imposto na Alemanha.

 

 

§3.     Motivação quanto à matéria de facto

  1. Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
  2. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  3. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental junta aos autos, e considerando as posições assumidas pelas partes, e não contestadas, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.
  4. Quanto ao facto alegado pela Requerente de que as retenções na fonte relativas aos juros de fonte portuguesa percecionados pelo Fundo não deram lugar a um crédito de imposto na Alemanha (artigo 29.º do PPA), a Requerente não juntou quaisquer elementos de prova relevantes, restando ao Tribunal Arbitral dar este facto como não provado.
  5. Na resposta ao PPA apresentada pela Requerida, esta veio alegar que as declarações Modelo 30 submetidas pelo substituto tributário com referência às retenções na fonte contestadas indicam que valores ligeiramente diversos dos contestados pela Requerente nos presentes autos: juros no montante de € 1.249.348,87 (ao invés de € 1.247.639,98) e retenção na fonte no montante de € 187.402,36 (ao invés de € 187,146,00). Ora, tal como referido pela Requerente nas alegações, o valor cuja restituição é peticionada pela Requerente (€ 187,146,00) é inferior ao valor contido na referida Modelo 30 (€ 187.402,36). Temos que esta pequena divergência, da qual não resulta qualquer vantagem para a Requerente, não abala o facto demonstrado pelas guias com os n.ºs ... e ...  juntas ao PPA como Documento 1, ou seja, de que os juros em apreço sofreram uma retenção na fonte no montante de € 187,146,00.
  1. MATÉRIA DE DIREITO

§1.     Legislação relevante

  1. O artigo 22.º do EBF, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de janeiro, estabelece o seguinte:

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando-se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil: a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil; b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.

10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.

12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.

13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.

14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.

15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.

16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.

 

  1. Conforme decorre do n.º 1 do artigo 22.º do EBF, estabelece-se que o regime nele previsto é aplicável aos “fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”. O Fundo é constituído ao abrigo da lei alemã e não da lei nacional, não lhe sendo aplicável o regime do artigo 22.º do EBF.
  2. No que releva para o presente processo, o TFUE dispõe o seguinte:

Artigo 63.º

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.”

 

Artigo 65.º

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.”

 

 

 

 

 

§2.     Apreciação da questão controvertida

  1. Entende este Tribunal que assiste razão à Requerente quando defende que o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a OIC constituídos segundo a legislação nacional, excluindo OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados-Membros da União Europeia, é suscetível de violar o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE, em linha com jurisprudência arbitral recente nesta matéria (e.g., Decisão Arbitral de 26-04-2022, processo n.º 821/2021-T; Decisão Arbitral de 28-06-2022, processo n.º 129/2022-T; Decisão Arbitral de 13-07-2022, processo n.º 115/2022-T; Decisão Arbitral de 15-07-2022, processo n.º 121/2022-T; Decisão Arbitral de 08-08-2022, processo n.º 624/2022-T; Decisão Arbitral de 21-08-2022, processo n.º 83/2022-T; Decisão Arbitral de 04-06-2024, processo n.º 992/2023-T; Decisão Arbitral de 24-06-2024, processo n.º 984/2023-T; Decisão arbitral de 14-05-2024, processo n.º 967/2023-T; Decisão Arbitral de 05-07-2024, processo n.º 998/2023-T; Decisão Arbitral de 13-05-2024, processo n.º 66/2024-T; Decisão Arbitral de 27-05-2024, processo n.º 45/2024-T; Decisão Arbitral de 29-05-2024, processo n.º 89/2024; Decisão de 28-06-2024, processo n.º 1025/2023-T; Decisão de 06-05-2024, processo n.º 1003/2023-T) e também com a jurisprudência do TJUE e do nosso Supremo Tribunal Administrativo.
  2. Com relevância para a questão a decidir no caso sub judice, interessa sublinhar que, no acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, afirma-se que “[o] artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.
  3. No referido acórdão do TJUE pode ler-se:

Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais

36 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 49 e jurisprudência referida).

37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).

40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].

42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].

Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis

43 Para apreciar a comparabilidade das situações em causa, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por um lado, sobre a questão de saber se a situação dos detentores de participações deve ser tida em conta do mesmo modo que a dos OIC e, por outro, sobre a eventual pertinência da existência, no sistema fiscal português, de certos impostos aos quais apenas estão sujeitos os OIC residentes.

44 O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes — a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.

45 Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.°‑A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).

46 Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.

47 Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.

48 Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu‑se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.

49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).

50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, n.° 41).

51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.

52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).

53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek  (C‑252/14, EU:C:2016:402).

55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

58 Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.

59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida).

60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).

61 No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.

62 Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.

63 Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 79).

64 Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado‑Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 53 e jurisprudência referida).

65 Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes.

66 Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida).

67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o.,  C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida).

68 Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 60).

69 Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado‑Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra‑se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 61).

70 É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 62).

71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).

73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

 Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral

75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida].

76  No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.

77 No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.

78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C‑375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).

79 Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 93).

80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.

81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.

82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).

83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida).

84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida.

85 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

 

  1. Mais recentemente, o Douto Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão de 28-09-2023, proferido no processo n.º 93/19.7BALSB, veio uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:

“1 - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;

2 - O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;

3 - A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.”

 

  1. Sendo certo que esta jurisprudência diz respeito a dividendos de fonte portuguesa auferidos por OICs não residentes, não restam dúvidas de que a mesma é aplicável a juros de fonte portuguesa auferidos por OICs não residentes.
  2. Nos termos do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF e do artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea h), do Código do IRS (rendimentos de capitais), os juros de fonte portuguesa pagos a OICs residentes em território português não são tributados em sede de IRC, nem sujeitos a retenção na fonte. Não estender o mesmo tratamento aos juros de fonte portuguesa pagos a OICs com residência fiscal noutro Estado-Membro da União Europeia pode constituir uma discriminação negativa os mesmos, e, na esteira da jurisprudência supra referida, constituir uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE.
  3. Note-se, a título preliminar, que, enquanto fundo de investimento, o Fundo é uma entidade equiparada a um OIC residente em qualquer Estado-membro da União Europeia, nos termos da Diretiva 2011/61/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011, e, por maioria de razão, uma entidade equiparada a um OIC residente em Portugal (cf. Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, a qual transpôs para o ordenamento jurídico português a referida Diretiva). Ao contrário do que entende a Requerida, não releva, nem para efeitos da referida Diretiva, nem para efeitos do artigo 22.º do EBF, se o Fundo é uma entidade transparente ou opaca para efeitos fiscais no respetivo Estado de Residência (in casu, Alemanha).
  4. A questão da neutralização do tratamento discriminatório no Estado da Fonte (in casu, Portugal) através da atribuição de uma vantagem no Estado da Residência (in casu, Alemanha) levanta-se, no caso sub judice, quando as partes discutem se as retenções na fonte relativas aos juros de fonte portuguesa percecionados pelo Fundo deram lugar a um crédito de imposto, parcial ou total, no Estado de residência do Fundo (Alemanha).
  5. Esta questão tem sido discutida em vários Acórdãos do TJUE relativamente à tributação de dividendos pelo Estado da Fonte e, essencialmente, consiste em saber se o Estado da Fonte pode manter uma retenção na fonte sobre dividendos aparentemente discriminatória e não eliminar a dupla tributação económica nacional se a tributação do detentor das participações sociais pelo Estado de Residência for “neutralizada” através de um crédito de imposto atribuído por uma Convenção para Eliminar a Dupla Tributação (“CDT”).

 

  1. Note-se que o TJUE tem sido consistente em rejeitar a neutralização do tratamento discriminatório no Estado da Fonte através da atribuição unilateral de uma vantagem no Estado da Residência (i.e., uma vantagem conferida pela legislação nacional do Estado da Residência, por oposição a uma vantagem conferida ao abrigo de uma CDT), rejeitando, assim, a noção de que o tratamento discriminatório no Estado da Fonte depende de uma análise integrada da situação global do contribuinte, ou seja, de uma análise que combine a tributação resultante da legislação nacional do Estado da Fonte e do Estado da Residência. Este entendimento radica no princípio de que os Estados-Membros não podem exercer a sua soberania fiscal de forma a introduzir uma discriminação contrária às regras do Direito da União Europeia.

 

  1. Todavia, o TJUE tem vindo a reiterar que, para aferir o tratamento discriminatório no Estado da Fonte, é necessário analisar a situação do contribuinte à luz não só da legislação nacional do Estado da Fonte mas também da CDT celebrada entre o Estado da Fonte e o Estado da Residência, dado que os preceitos da dita CDT integram o sistema fiscal do Estado da Fonte, e devem ser considerados para determinar se o Estado da Fonte exerceu a sua soberania fiscal de forma conforme às regras do Direito da União Europeia.

 

  1. Neste sentido, pode ler-se no Acórdão do TJUE de 7 de Outubro de 2005, processo C-379/05 (Amurta v. Inspecteur van de Belastingdienst):

 

“78. Deste modo, o Reino dos Países Baixos não pode invocar a existência de um benefício concedido unilateralmente por outro Estado‑Membro, a fim de se eximir às obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.

79. Em contrapartida, não se pode excluir que um Estado‑Membro consiga garantir o cumprimento das suas obrigações resultantes do Tratado, celebrando uma convenção destinada a evitar a dupla tributação com outro Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdão Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, já referido, n.° 71).

80. Na medida em que o regime fiscal resultante de uma convenção destinada a evitar a dupla tributação faz parte do quadro jurídico aplicável ao processo principal e que foi apresentado como tal pelo órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça deve tomá‑lo em consideração a fim de dar uma interpretação do direito comunitário que seja útil ao juiz nacional (v., neste sentido, acórdão de 19 de Janeiro de 2006, Bouanich, C‑265/04, Colect., p. I‑923, n.° 51; e acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.° 71, Denkavit Internationaal e Denkavit France, n.° 45, assim como Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, n.° 54).

(…)

83. Assim, compete ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração a CDT no litígio no processo principal e, sendo caso disso, verificar se esta convenção permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais salientada no n.° 28 do presente acórdão, no âmbito da resposta à primeira questão

84. Há assim que responder à segunda questão que um Estado‑Membro não pode invocar a existência de um crédito integral de imposto, concedido unilateralmente por outro Estado‑Membro a uma sociedade beneficiária estabelecida neste último Estado‑Membro, a fim de se eximir à obrigação de evitar a dupla tributação económica dos dividendos resultantes do exercício do seu poder de tributação, numa situação em que o primeiro Estado‑Membro evita a dupla tributação económica dos dividendos distribuídos às sociedades beneficiárias estabelecidas no seu território. Quando um Estado‑Membro invoca uma convenção celebrada com outro Estado‑Membro, destinada a evitar a dupla tributação, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção no litígio no processo principal e, sendo caso disso, verificar se esta convenção permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais”. (sublinhado nosso)

 

  1. A questão da neutralização do tratamento discriminatório no Estado da Fonte através da atribuição de uma vantagem no Estado da Residência ao abrigo de uma CDT foi também especificamente discutida no Acórdão do TJUE de 14 de Dezembro de 2006, processo C‑170/05 (Denkavit Internationaal BV v. Ministre de l’Économie):

 

“42     Com as suas segunda e terceira questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se a resposta à primeira questão pode ser diferente por, ao abrigo da convenção franco‑neerlandesa, a sociedade‑mãe residente nos Países Baixos poder, em princípio, imputar no imposto por si devido neste Estado o imposto cobrado em França e, portanto, a retenção na fonte provir simplesmente da repartição das competências fiscais entre os referidos Estados‑Membros, a qual não pode ser criticada à luz dos artigos 43.° CE e 48.° CE, mesmo que a sociedade‑mãe residente nos Países Baixos esteja impossibilitada de proceder à imputação prevista pela referida convenção.

43     A este respeito, há que começar por recordar que, na falta de medidas de harmonização comunitária ou de convenções celebradas entre todos os Estados‑Membros nos termos do artigo 293.°, segundo travessão, CE, os Estados‑Membros continuam a ser competentes para determinar os critérios de tributação dos rendimentos, com vista a eliminar, eventualmente por via convencional, a dupla tributação. Neste contexto, os Estados‑Membros são livres de fixar, no âmbito de convenções bilaterais celebradas para prevenir a dupla tributação, os factores de conexão para efeitos da repartição da competência fiscal (v., neste sentido, acórdãos Saint-Gobain ZN, já referido, n.° 57, e de 19 de Janeiro de 2006, Bouanich, C‑265/04, Colect., p. I‑923, n.° 49).

44     Porém, há também que referir que, no que toca ao exercício do poder tributário assim repartido, os Estados-Membros não podem eximir-se ao respeito das regras comunitárias, tendo em conta o princípio recordado no n.° 19 do presente acórdão (acórdão Saint-Gobain ZN, já referido, n.° 58). Mais especificamente, esta repartição da competência fiscal não permite que os Estados‑Membros introduzam uma discriminação contrária às regras comunitárias (acórdão Bouanich, já referido, n.° 50).

45     No caso em apreço, uma vez que o regime fiscal resultante da convenção franco‑neerlandesa faz parte do quadro jurídico aplicável ao processo principal e que foi apresentado como tal pelo órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça deve tê‑lo em consideração, de modo a dar uma interpretação do direito comunitário que seja útil ao órgão jurisdicional nacional (v., neste sentido, acórdãos de 7 de Setembro de 2004, Manninen, C‑319/02, Colect., p. I‑7477, n.° 21, Bouanich, já referido, n.° 51, e Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, já referido, n.° 71).

46     No que respeita ao tratamento fiscal resultante da convenção franco‑neerlandesa, há que recordar que uma sociedade não residente, como a Denkavit Internationaal, está em princípio autorizada, ao abrigo desta convenção, a imputar no imposto por si devido nos Países Baixos a retenção na fonte de 5% cobrada sobre os dividendos de origem francesa. Esta imputação não pode, todavia, exceder o montante do imposto neerlandês normalmente devido sobre estes dividendos. Ora, é pacífico que as sociedades‑mãe neerlandesas estão isentas pelo Reino dos Países Baixos do imposto sobre os dividendos de origem estrangeira, e portanto de origem francesa, pelo que não é concedida qualquer redução pela retenção na fonte francesa.

47     Assim, há que concluir que a aplicação conjugada da convenção franco‑neerlandesa e da legislação neerlandesa pertinente não permite neutralizar os efeitos da restrição à liberdade de estabelecimento referida no quadro da resposta à primeira questão.

48     Com efeito, em aplicação da convenção franco-neerlandesa e da legislação neerlandesa pertinente, uma sociedade-mãe estabelecida nos Países Baixos, que recebe dividendos de uma filial estabelecida em França, está sujeita a tributação através de retenção na fonte, limitada, é certo, pela referida convenção, a 5% do montante dos dividendos em questão, ao passo que uma sociedade-mãe estabelecida em França, como foi referido no n.° 4 do presente acórdão, está quase totalmente isenta dessa tributação.

49     Seja qual for a sua amplitude, a diferença de tratamento fiscal que resulta da aplicação desta convenção e desta legislação constitui uma discriminação em detrimento das sociedades‑mãe, em razão da localização da respectiva sede, incompatível com a liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado.

50     Com efeito, mesmo uma restrição à liberdade de estabelecimento, com pequeno impacto ou de menor importância, é proibida pelo artigo 43.° CE (v., neste sentido, acórdãos Comissão/França, já referido, n.° 21; de 15 de Fevereiro de 2000, Comissão/França, C‑34/98, Colect., p. I‑995, n.° 49; e de 11 de Março de 2004, De Lasteyrie du Saillant, C‑9/02, Colect., p. I‑2409, n.° 43).

51     A este respeito, o Governo francês alega que, segundo os princípios consagrados pelo direito fiscal internacional e como também decorre da convenção franco‑neerlandesa, é ao Estado de residência do contribuinte, e não ao da fonte dos rendimentos tributados, que incumbe corrigir os efeitos de uma dupla tributação.

52     Esta argumentação não pode ser acolhida, dado que não é pertinente no presente contexto.

53     Com efeito, a República Francesa não pode invocar a convenção franco‑neerlandesa, a fim de escapar às obrigações que lhe incumbem por força do Tratado (v., neste sentido, acórdão de 28 de Janeiro de 1986, Comissão/França, já referido, n.° 26).

54     Ora, a aplicação conjugada da convenção franco-neerlandesa e da legislação neerlandesa pertinente não permite evitar a tributação em cadeia a que está sujeita, diversamente de uma sociedade‑mãe residente, uma sociedade‑mãe não residente, nem, portanto, neutralizar os efeitos da restrição à liberdade de estabelecimento salientada no quadro da resposta à primeira questão submetida, como se concluiu nos n.os  46 a 48 do presente acórdão.

55     Com efeito, enquanto as sociedades‑mãe residentes beneficiam de um regime fiscal que lhes permite evitar uma tributação em cadeia, como foi recordado no n.° 37 do presente acórdão, as sociedades‑mãe não residentes estão, pelo contrário, sujeitas a este tipo de tributação dos dividendos distribuídos pelas suas filiais estabelecidas em França.” (sublinhado nosso)

 

  1. Não obstante alguma inconsistência na aplicação do conceito de neutralização que se discute,[1] vários Acórdãos demonstram que o TJUE tem decidido, de forma consistente, que as CDTs devem ser consideradas para determinar a existência de um tratamento discriminatório: Acórdão do TJUE de 19 de novembro 2009, processo C-540/07 (Commission v. Italy), Acórdão do TJUE de 3 de junho 2010, processo C-487/08 (Commission v. Spain), Acórdão do TJUE de 17 de setembro de 2015, processos C-10/14, C-14/14 and C-17/14 (Miljoen).
  2. Ora, no caso sub judice, a Requerente limitou-se a alegar, sem juntar qualquer elemento de prova, que as “retenções na fonte relativas aos juros de fonte portuguesa percecionados não deram lugar a qualquer crédito de imposto, parcial ou total, no Estado de residência do Fundo”.
  3. Conclui-se, assim, que a Requerente não provou, como lhe competia, que da aplicação da CDT entre Portugal e a Alemanha não resultou a neutralização da diferença de tratamento, resultante da legislação nacional portuguesa, entre OICs com residência em território português e o fundo de investimento em apreço. Para o efeito, a Requerente teria de demonstrar, especificamente, que a diferença de tratamento entre os juros pagos ao Fundo (enquanto OIC estabelecido noutro Estado-Membro) e os juros pagos a OICs residentes em território português não desapareceu totalmente porquanto o imposto retido na fonte ao abrigo da legislação nacional portuguesa não foi deduzido integralmente ao imposto devido na Alemanha.
  4. Relativamente ao ónus da prova quanto aos factos relevantes para a questão da neutralização, temos ser relevante o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, que estatui o seguinte: “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. Tendo a Requerente invocado o tratamento discriminatório do Fundo em violação do TFUE, cumpria-lhe demonstrar a existência do mesmo.
  5. Note-se, ainda, que a tributação dos participantes de um fundo de investimento no respetivo Estado de Residência (ou se os mesmos obtiveram um crédito de imposto), não é relevante para apreciar a questão sub judice, tal como resulta do parágrafo 79 do Acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo C-545/19, supra transcrito e cuja ratio é aplicável, mutatis mutandis, a juros pagos a um fundo de investimento não residente em território nacional: “a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte”. O mesmo entendimento é perfilhado nos parágrafos 91 a 95 do Acórdão do TJUE de 10 de abril de 2014, no processo C‑190/12 (Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company).
  6. Importa aqui recordar o Princípio do Primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, bem como o relevo que assume a jurisprudência do TJUE na garantia de uma aplicação uniforme do direito da União Europeia nos diversos Estados Membros, por via do mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do TFUE.
  7. Deste modo, estando em causa questões de direito da União Europeia, a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais (neste sentido, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26-03-2003, proferido no âmbito do processo n.º 01716/02).
  8. O Princípio do Primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, em que se estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
  9. Daqui se retira que os tribunais nacionais têm o poder-dever de desaplicar as normas de direito interno que se revelem contrárias a normas de direito da União Europeia, desde que estas respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático (v., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-02-2016, proferido no processo n.º 01172/14).
  10. Pelo exposto, considerando que a Requerente não provou, como lhe competia, que da aplicação da CDT entre Portugal e a Alemanha não resultou a neutralização da diferença de tratamento resultante do artigo 22.º do EBF, entre OICs com residência em território português e o fundo de investimento em apreço, temos não ser possível concluir pela existência de uma violação do artigo 63.º do TFUE in casu, e julgamos o PPA integralmente improcedente.
  1. DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 187.146,00.

CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente, em razão do decaimento.

Notifique-se.

 

CAAD, 23 de outubro de 2024.    

 

Os árbitros,

 

 

(Rita Correia da Cunha)

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

(Martins Alfaro)



[1] Veja-se a análise contida no artigo do Professor Georg Kofler, Tax Treaty “Neutralization” of Source State Discrimination under the EU Fundamental Freedoms?, Bulletin for International Taxation (December 2011), pp. 684 et seq.