Sumário:
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A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, era um imposto, não se verificando, por isso, na sua apreciação, nem a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, nem a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição arbitral.
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A CSR não prosseguia “motivos específicos”, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118/CE, na medida em que as suas receitas tinham essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontravam consignados no respetivo quadro legal.
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A recusa do reembolso integral do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, apenas é admissível se for feita a prova, tanto de que o imposto foi suportado, na íntegra, por uma pessoa diferente do sujeito passivo, e em nenhuma medida pelo sujeito passivo, como de que o imposto não causou perdas económicas ao sujeito passivo.
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Os sujeitos passivos de ISP/CSR têm legitimidade processual ativa na ação de impugnação através de processo arbitral, independentemente de ter havido, ou não, repercussão do imposto, bem como os repercutidos têm legitimidade processual.
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Não houve nem há repercussão legal da CSR, não se podendo presumir essa repercussão, nem dispensar-se a prova da repercussão efetiva.
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Não pode alcançar-se a anulação de atos de liquidações de CSR, alegando que estes foram objeto de repercussão, sem sequer se identificar, em concreto, os respetivos atos de liquidação e os correlativos sujeitos passivos, nem o efetivo nexo entre as liquidações e as repercussões.
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RELATÓRIO
Os árbitros senhor Juiz José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. Pedro Miguel Bastos Rosado e Dr. Jesuíno Alcântara Martins (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
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A..., LDª., com o número de identificação fiscal ..., e sede social no..., n.º..., ..., ...-... ... (doravante designada por Requerente), apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), (de ora em diante designada por Requerida).
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No pedido de pronúncia arbitral (ppa), apresentado em 07.02.2024, em cumulação de pedidos, a Requerente peticiona que o ato de indeferimento tácito do pedido de Revisão oficiosa, apresentado em 11.07.2023, junto da Alfândega de Viana do Castelo, seja declarado ilegal, bem como os atos de liquidação da Contribuição do Serviço Rodoviário (CSR) suportada pela Requerente entre os períodos de 04 de julho de 2019 e 31 de dezembro de 2022 e resultantes das declarações de introdução no consumo (DIC) apresentadas pela D... S.A., pela B..., SA., e pela C..., SA., (doravante designadas por fornecedoras de combustível) e, bem assim, relativas aos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente àquelas empresas fornecedoras de combustível, no valor total de € 68.146,68, com fundamento em violação do Direito da União Europeia, em concreto o n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16 de dezembro de 2008, que fixa a estrutura comum dos Impostos Especiais sobre o Consumo (IEC).
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A Requerente considera que, uma vez que o valor de € 68.146,68, foi por ela suportado por força da repercussão efetuada pelas empresas fornecedoras de combustível supra identificadas na faturação dos combustíveis que lhe venderam no período compreendido entre 04.07.2019 e 31.12.2022, deve tal valor ser-lhe restituído, com o inerente pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT.
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Em 09.02.2024, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e de imediato foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11 do RJAT, para integrar o Tribunal Arbitral coletivo, o senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou como árbitros os signatários da presente decisão arbitral, os quais, no prazo legal, comunicaram a aceitação do encargo.
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Em 20.02.2024, a requerida dirigiu ao Presidente do CAAD um requerimento, no qual, em síntese, alegou e requereu o seguinte:
a) A competência dos tribunais arbitrais abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade (cf. n.º 1, do artigo 2.º do RJAT e alínea a), do n.º 1, do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT);
b) O pedido de constituição de tribunal arbitral implica que do respetivo requerimento deva constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;
c) Visto que sem a identificação do ato ou atos tributários, o dirigente máximo da AT não pode exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT, a Requerida solicitou que fossem identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade a requerente pretende ver sindicada.
6. Na mesma data, o Presidente do CAAD notificou a Requerente do requerimento apresentado pela Requerida e do despacho em que determinou que o requerimento por ela apresentado fosse enviado ao Tribunal Arbitral a constituir, por ser esse o órgão competente para a sua apreciação.
7. Em 01.04.2024, as Partes foram notificadas e não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD, e, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, em 19.04.2024 verificou-se a constituição do Tribunal Arbitral.
8. Em 25.04.2024 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos previstos nas normas do artigo 17.º do RJAT.
9. Em 15.05.2024, a Requerida apresentou a sua resposta, na qual se defendeu por impugnação e invocou as exceções seguintes: i) Da incompetência do Tribunal em razão da matéria, ii) Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, iii) Ineptidão da Petição inicial – Da falta de objeto, iv) Da caducidade do direito de ação.
10. Por despacho de 21.05.2024, com vista a assegurar o princípio do contraditório, o Tribunal concedeu um prazo de 10 dias à Requerente para se pronunciar sobre as exceções invocadas pela Requerida.
11. Em 03.06.2024, a requerente respondeu às exceções invocadas pela Requerida, cujas razões aqui se dão por integralmente reproduzidas e serão infra apreciadas pelo Tribunal.
12. Em 18.06.2024, atento o disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT e do princípio da proibição da prática de atos inúteis, o Tribunal decidiu dispensar a reunião do Tribunal com as partes prevista no artigo 18.º do RJAT, fixar o prazo simultâneo de 15 dias para as partes apresentarem alegações finais escritas, e decidiu, ainda, fixar o dia 19.09.2024, como data previsível para a prolação e notificação da decisão arbitral final.
13. No mesmo despacho, considerando que (i) se trata de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais e (ii) que foi exercido, por escrito, o direito ao contraditório relativamente às exceções e/ou questões prévias suscitadas, e ainda que a Requerente, na resposta às exceções, vem solicitar prazo para junção aos autos(...) de solicitação e resposta a fornecedores quanto ao fornecimento de combustível realizado e repercussão de preço nas transações em causa nos autos (...)”, bem como requer (...) ao abrigo do disposto no artigo 417.º, n.º 1, do CPC (...) que sejam oficiadas (...)” determinadas entidades para que sejam por estas prestadas informações, em concreto, com vista a apurar se (i) sobre liquidações de CSR entre 01.01.2019 a 31.12.2022, (ii) se requereram reembolso de CSR liquidada nestas datas a compradores e (iii) em especial se determinada entidade (D...) incluiu CSR nos fornecimentos titulados por determinadas faturas (que identifica pelo número) – cfr. art.ºs 56.º a 58.º da resposta às exceções, o Tribunal decidiu indeferir o pedido da Requerente, com os fundamentos, em síntese, infra, enunciados:
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No processo arbitral os documentos devem ser juntos com os articulados, não sendo admissível, em princípio, a junção posterior, salvo se o Tribunal considerar necessária ou útil essa junção – cfr., v. g, artigo 425.º, CPC ex vi artigo 29.º do RJAT e o princípio da livre condução do processo previsto nos artigos 16.º, al. c) e 19.º do RJAT.
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Não se antolha necessária ou útil essa pretendida junção, sem prejuízo de, até ao termo do prazo para as alegações, a Requerente, justificadamente, poder vir a juntar qualquer documento que considere relevante e o Tribunal, ouvida a parte contrária, venha a deferir esse eventual requerimento.
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Em sede de arbitragem, não é aplicável, diretamente, o regime previsto especificamente para os Tribunais estaduais quanto ao poder de intimação de terceiros, maxime, para apresentação de documentos – artigo 417.º, n.º 1 do CPC e artigo 38.º da LAV (Lei da Arbitragem Voluntária).
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A notificação de terceiros para que juntem determinados documentos ou prestem qualquer outro tipo de colaboração em termos probatórios a uma das partes de um processo arbitral, terá, grosso modo, a mesma eficácia que o pedido direto formulado diretamente pela parte interessada.
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Não está demonstrado sequer que a Requerente tivesse sequer tentado ou ensaiado obter os elementos pretendidos e deparasse com a oposição ou recusa das entidades de quem pretendia obtê-los e que estes fossem também relevantes para apreciação das questões fiscais que se discutem nos autos.
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Se a Requerente se deparasse com recusa de necessária colaboração de terceiros na obtenção de provas e o demonstrasse no processo arbitral é que então poderia eventualmente, com prévia autorização do Tribunal Arbitral, solicitar ao Tribunal estadual competente que perante este fosse produzida essa prova com ulterior remessa da mesma para o processo arbitral – cfr citado artigo 38.º da LAV.
14. Em 24.06.2024, a Requerida apresentou as suas alegações e remeteu para as razões invocadas na sua resposta.
15. Em 28.06. 2024, a Requerente apresentou um requerimento a solicitar a junção aos autos de uma declaração emitida pela D..., SA., e em 16.07.2024, apresentou as suas alegações tendo nelas elencados razões que visam reforçar os argumentos aduzidos, quer no pedido de pronúncia arbitral, quer no requerimento de resposta às exceções arguidas pela Requerida.
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RAZÕES ADUZIDAS PELAS PARTES
II.1 Pela Requerente
16. O pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente tem como objeto imediato a declaração de ilegalidade e subsequente anulação do ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado junto da Alfândega de Viana do Castelo, com vista a obter a anulação dos atos de liquidação de CSR e subsequentes atos de repercussão da referida CSR – cfr. Docs. 1 e 2 juntos ao ppa.
17. O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto mediato a anulação dos atos de liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) realizados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) com base nas Declarações de Introdução no Consumo (DIC) submetidas pela D... S.A, pela B..., SA., e pela C..., SA., e, bem assim, relativos aos subsequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido àquelas empresas pela Requerente no período compreendido entre 04 de julho de 2019 e 31 de dezembro de 2022, no valor de € 68.146,68.
18. Neste período, a Requerente adquiriu às empresas fornecedoras de combustível supra identificadas 613.934,10 litros de gasóleo rodoviário, tendo por força de tais aquisições suportado CSR no valor total de € 68.146,68 – cfr. Docs. 3 e seguintes juntos ao ppa.
19.Para demonstrar que as empresas fornecedoras de combustível, em relação aos consumos realizados no período compreendido entre 04 de julho de 2019 e 31 de dezembro de 2022, repercutiram nas respetivas faturas a CSR, a Requerente solicitou a junção ao ppa de uma declaração emitida pela D..., SA., empresa fornecedora de combustível.
20. Em face do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente importa considerar os aspetos seguintes:
i) As empresas fornecedoras de combustível apresentaram as declarações de introdução no consumo (DIC) que deram origem aos atos de liquidação de CSR e entregue nos cofres do Estado;
ii) As empresas fornecedoras repercutiram integralmente o valor da CSR nas faturas que titulam as aquisições de gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no período compreendido entre 04 de julho de 2019 e 31 de dezembro de 2022;
iii) A Requerente ter suportado na íntegra a CSR, por via da repercussão legal da CSR no preço dos combustíveis adquiridos;
iv) Desconformidade entre a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e a Diretiva 2008/118/CE e, consequente, desconformidade das normas legais internas que instituíram a CSR e o Direito da União Europeia;
v) Existência de erro imputável aos serviços;
vi) Dever de anulação de atos tributários objeto do presente ppa e consequente direito da Requerente ao reembolso dos montantes pagos a título de CSR, acrescido de juros indemnizatórios.
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Para fundamentar os diversos aspetos elencados, a Requerente produziu as alegações seguintes;
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A CSR é um imposto, logo o presente litígio é subsumível ao Tribunal Arbitral, conforme art.º 2.º, n.º 1 do RJAT e já decidido, entre outras decisões coletivas, pela decisão proferida pelo CAAD em processos n.ºs 113/2023-T, 24/2023-T, 410/2023-T.
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Os atos de liquidação de CSR estão em desconformidade com o Direito da União Europeia, em concreto com o artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16 de dezembro de 2008 e, outrossim, com a Diretiva n.º 2003/96/CE, de 27 de outubro de 2003. Processo C-460/21.
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A CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), e embora lhe sejam aplicáveis as regras que disciplinam aquele imposto, a CSR caracteriza-se como um imposto distinto, com enquadramento legal, estrutura e finalidade próprias - art.º 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007.
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A CSR é sucessivamente repercutida a jusante pelos agentes económicos intervenientes no circuito económico, e tem por objeto tributar o utilizador da rede rodoviária nacional, cuja utilização é aferida em função do consumo de combustíveis, tal qual decorre do artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto.
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Porquanto, em termos de incidência objetiva, a CSR incide sobre a gasolina, o gasóleo rodoviário e o GPL auto, sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e deles não isentos. E, no que concerne à incidência subjetiva, apesar de serem sujeitos passivos de impostos especiais de consumo os definidos no artigo 4.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, é sobre o consumidor de combustíveis, como a requerente, que recai o encargo daquele imposto.
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A CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental.
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Concluindo o TJUE que “o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que não prossegue “motivos específicos”, na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários”.
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É inequívoco o direito do repercutido demandar o sujeito ativo da liquidação para discutir a legalidade intrínseca da liquidação repercutida. O repercutido tem interesse em agir, processual e substantivo, ao abrigo do artigo 18.º n.º 4, al. a) LGT e artigo 9.º, n.º 1 do CPPT.
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Uma interpretação conjunta dos artigos 18.º, n.º 4, al. a) LGT e 9.º, n.º 1 do CPPT que negue o direito da Requerente afirmado nos artigos precedentes é negatória e violadora do princípio do Estado de Direito Democrático, constante do artigo 2.º da CRP, pois não podem ser os privados a sofrer as consequências da legislação de um imposto contrário ao Direito da UE, não sendo reembolsados.
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A sociedade fornecedora de combustível, cujo objeto social integra a exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos e, consequentemente, introduzem no consumo produtos sujeitos ao ISP e à CSR, sendo, por isso, os sujeitos passivos destes impostos, e quem têm, por força do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IEC, a obrigação legal de apresentar a declaração de introdução no consumo (DIC).
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Em face do Direito Europeu, os Estados‑Membros podem liquidar outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo desde que estejam preenchidos dois requisitos cumulativos: i) Estes impostos sejam cobrados por motivos específicos; ii) Estas imposições estejam em conformidade com as normas da União aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao Imposto sobre o Valor Acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto.
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Que, em relação ao primeiro requisito, importa notar que um motivo específico na aceção do transcrito artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE, não pode ser reconduzida a uma finalidade meramente orçamental, cfr. Acórdão do TJUE de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, Proc. C-82/12.
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Um Estado Membro está, em princípio, obrigado a reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União, ao abrigo das regras processuais nacionais aplicáveis e no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.º 12, e de 1 de março de 2018, Petrotel Lukoil e Georgescu, C 76/17, EU:C:2018:139, n.º 32).
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A AT não pode arguir ilegitimidade dos distribuidores de combustível porque repercutem imposto e ilegitimidade dos repercutidos porque foram repercutidos — é uma posição contrária ao mais elementar princípio de boa-fé e que aposta na assimetria informativa dos Tribunais e individualidade processual para, no fundo, se eximir de devolver aquilo que não é seu.
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A ilegalidade invocada corresponde a um erro imputável aos serviços para os efeitos que aqui se discutem, como o estabeleceu o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, datado de 22.03.2011, processo n.º 01009/10, que estabelece que “Havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (art.º. 266.º, n.º 1 da CRP e 55.º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de urna atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços“.
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Acresce que o facto de um imposto ter um objetivo orçamental, tal como tem a CSR, não é suficiente, sob pena de esvaziar de substância o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE, para excluir que se possa considerar que esse imposto tem também um motivo específico.
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Há que considerar que, para que a afetação predeterminada da receita de um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, tenha um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, será necessário que o produto de tal imposição indireta seja obrigatoriamente utilizado nos invocados fins específicos. Será, pois, necessária uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa.
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Importa considerar que o TJUE já se pronunciou, expressa e especificamente, sobre esta matéria na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal constituído no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), tendo concluído que “(…) embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente (...)”, cfr. Despacho do TJUE de 7 de Fevereiro de 2021, proferido no caso Vapo Atlantic, Proc. C-460-21.
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Em face da repercussão legal que se verifica no regime da CSR, embora o sujeito passivo da CSR seja o que se encontra definido para efeitos de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) – in casu, as fornecedoras de combustível – o seu encargo é suportado pelo consumidor do combustível, in casu, a Requerente, sendo, como tal, parte legítima para peticionar a declaração de ilegalidade dos respetivos atos de liquidação, e consequentes atos de repercussão.
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Consequentemente, a Requerente considera que os atos de liquidação de CSR suportada pela Requerente entre os períodos de 04.07.2019 e 31.12.2022, resultante das declarações de introdução no consumo entregues à AT são ilegais.
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Assim, considerando a desconformidade entre a CSR e o regime geral dos impostos especiais de consumo vertido na Diretiva 2008/118/CE e, consequentemente, a ilegalidade dos atos tributários impugnados, impunha-se à Administração Tributária e Aduaneira proceder à revisão oficiosa dos atos tributários objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.
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E que estando em causa o primado do direito europeu, a Requerente considera que tendo a AT tido conhecimento da declaração da ilegalidade da CSR na sequência de decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, em função do princípio da legalidade e demais princípios aplicáveis ao procedimento tributário, impõe-se-lhe que corrija todas as situações desconformes com o Direito da União Europeia.
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A Requerente – enquanto consumidora/repercutida – considera que tem legitimidade processual ativa para contestar as liquidações de CSR, indevidamente pagas e que se impõe o reconhecimento desta legitimidade para contestar a legalidade das liquidações de CSR cujo encargo suportou, sob pena de clara violação do direito da União Europeia.
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A Requerente invoca diversa jurisprudência do TJUE e decisões arbitrais do CAAD, para concluir que existindo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário (tal qual a CSR) e sendo ela efetuada pelos serviços, é à Administração Tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.
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A Requerente faz notar que o TJUE tem vindo reiteradamente a observar que quando um Estado Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias em dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto.
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A Requerente invoca que o disposto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária implica a inclusão de situações de ilegalidade decorrentes da desconformidade entre a norma de direito nacional e o Direito da União (como é a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto), sob pena de violação do princípio da equivalência firmado pela jurisprudência do TJUE, e conclui que tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
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A Requerente considera que o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e as liquidações de CSR desrespeitam e violam a lei, não prosseguindo os fins plasmados na Diretiva 2008/118/CE, de 16 de dezembro, pelo que devem ser anuladas, com o consequente reembolso da CSR indevidamente paga pela requerente, na qualidade de contribuinte, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios.
II.2 Pela Requerida
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Na sua resposta, que aqui se dá por integralmente reproduzida, a Requerida pugna pela manutenção na ordem jurídica dos atos tributários de CSR impugnados e alega que o pedido de pronúncia arbitral carece de fundamento de facto e de direito, bem como de prova, devendo, consequentemente, ser declarado totalmente improcedente.
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A Requerida, sem prejuízo de ter realizado a sua defesa por impugnação, invocou as exceções seguintes:
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Incompetência do Tribunal em razão da matéria;
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Da legitimidade processual e substantiva da Requerente;
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Ineptidão da petição inicial – Falta de objeto;
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Caducidade do direito de ação.
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Em matéria de competência do Tribunal arbitral, a Requerida considera que a Autoridade Tributária está vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, sendo o objeto desta vinculação definido pelo artigo 2.º que dispõe que “[o]s serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro”.
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A Requerida considera que foi intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD no âmbito de pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, tais como as contribuições, pelo que a apreciação da legalidade dos atos de liquidação da CSR encontra-se excluída da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.
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A Requerida considera que a CSR é uma contribuição e não um imposto, e na defesa desta ideia invoca que no artigo 4.º da LGT o legislador não só definiu no n.º 1 quais os tributos que considera enquadrados na noção de “imposto”, bem como atribuiu essa qualidade a determinadas contribuições especiais, definindo no n.º 3 daquele artigo aquelas que também devem ser consideradas como um imposto. Isto é, independentemente do nomen iuris ou da natureza jurídica da CSR, a verdade é que este tributo não é, por definição, um imposto e, portanto, o CAAD não tem competência material para apreciar e decidir sobre a legalidade dos atos de liquidação deste tipo de tributo.
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A Requerida alega que, não sendo os tribunais arbitrais do CAAD materialmente competentes para conhecer do mérito do pedido de pronúncia arbitral em apreço, nos termos das normas dos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, al. a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi a norma do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, está-se perante uma exceção dilatória que prejudica o conhecimento do mérito da causa.
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Todavia, a Requerida alega que, ainda que assim não se entenda, sempre existirá incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, visto que ao sustentar o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, com fundamento na sua desconformidade face ao direito europeu, a Requerente vem questionar todo o regime jurídico desta contribuição com o propósito de obter a suspensão de eficácia de atos legislativos – Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto – quando a instância arbitral consubstancia um contencioso de anulação.
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Não sendo da competência do tribunal arbitral nem a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, nem a execução de sentenças/decisões, a Requerida alega estar-se perante uma inconstitucionalidade, caso se acolha uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos formulados pela Requerente, quando a letra e o espírito da norma não o permitem.
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Para sustentar o seu entendimento, a Requerida invoca a jurisprudência do Tribunal Constitucional firmada no Acórdão n.º 545/2019, de 16.10.2019, proferido no processo n.º 1067/2018, recentemente confirmada nas Decisões Sumárias n.º 70/2024, de 08.02.2024, n.º 74/2024, de 12.02.2024, n.º 99/2024, de 21-02-2024, proferidas, respetivamente, nos Autos de Recurso n.ºs 1347/23, 137/2024 e 128/24, do Tribunal Constitucional.
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Em matéria de decisões arbitrais, designadamente para sustentar que as contribuições financeiras se encontram excluídas da competência dos tribunais arbitrais tributários, a Requerida invoca as decisões arbitrais proferidas nos processos arbitrais n.ºs 123/2019-T, 138/2019-T, 182/2019-T, 248/2019-T, 585/2020-T, 294/2023-T. 508/2023-T, 520/2023-T e 675/2023-T.
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A Requerida, perante a hipótese do presente Tribunal arbitral se considerar competente para apreciar a legalidade dos atos de liquidação de CSR, considera que o Tribunal arbitral nunca poderá pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de CSR, atos estes que não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto.
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A Requerida considera que encontrando-se a CSR excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição, não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum.
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A Requerida conclui que, quer seja em relação aos atos de liquidação de CSR, quer seja em relação aos atos subsequentes e autónomos de repercussão económica ou de facto, os Tribunais arbitrais não são competentes para conhecer da matéria controvertida e, assim sendo, nos termos das normas dos artigos s 576.º, n.º 1 e n.º 2 e 577.º, al. a) do CPC, aplicáveis por via do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, estamos perante uma exceção dilatória que prejudica o conhecimento do mérito da causa, pelo que o Tribunal arbitral deve declarar-se incompetente, em razão da matéria, e, consequentemente, absolver a Requerida da instância.
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Quanto à ilegitimidade (processual e/ou substantiva) da Requerente, a Requerida começa por salientar que apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago.
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O Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, prevê normativos legais que se fundamentam no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratar de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para introdução no consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez, ao contrário do que ocorre nos impostos plurifásicos, como é o caso do IVA, que incidem em todas as fases do circuito económico, através do crédito do imposto a jusante e do débito a montante.
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Decorre, expressamente, do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR, ao estabelecer que, quanto às matérias de “liquidação, cobrança e pagamento” da CSR, se aplica o CIEC, disciplina regulada no Capítulo II, da Parte Geral, relativo, precisamente, à liquidação, cobrança e pagamento, no qual se inserem as disposições relativas ao reembolso.
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A Requerida salienta que, nos termos do artigo 15.º do Código do Impostos Especiais sobre o Consumo, apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.
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Assim, a Requerida considera que inexiste qualquer dúvida de que, no que concerne aos impostos especiais sobre o consumo, o regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação.
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A Requerida considera que não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica do repercutido económico ou de facto, não podendo a entidade em que alegadamente teria sido repercutido o imposto apresentar pedido de revisão ou de reembolso por erro. Ou seja, não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não tem legitimidade para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.
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Há que salientar que o n.º 1 do artigo 78.º da LGT dispõe que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade ou por iniciativa da administração tributária, o que corrobora o estabelecido no CIEC quanto ao titular do direito de revisão do ato tributário, já que, como decorre do n.º 2 do artigo 15.º, conjugado com o artigo 16.º, do código IEC, só podem solicitar a revisão oficiosa os sujeitos passivos e a administração tributária.
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Estando a revisão dos atos tributários restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia de comercialização de combustíveis (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais), considera a Requerida que não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto, tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica do repercutido económico ou de facto, não podendo a entidade em que alegadamente teria sido repercutido o imposto apresentar pedido de revisão ou de reembolso com fundamento em erro.
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Isto é, a Requerida salienta que não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, nos termos do n.º 2 do artigo 15.º do referido Código, não tem aquela legitimidade para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido de pronúncia arbitral.
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A Requerida salienta que em matéria de fornecimento de combustíveis existem duas relações jurídicas distintas; a relação jurídica tributária de direito público, pela qual o Estado é credor de uma certa quantia de um sujeito passivo, e a relação jurídica de direito privado, pela qual os adquirentes do combustível, na medida em que entendem ser repercutidos, podem vir a ter o direito de exigir uma certa quantia do sujeito passivo, não pode é aquele vir pedir à AT o reembolso de um tributo que nunca entregou ao Estado.
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A Requerida evidencia que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR, à data dos factos, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, sendo reconhecido, do ponto de vista doutrinário, que a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto, porquanto, tal como ocorre nos designados impostos especiais sobre o consumo (v.g. ISP/ISPPE, IABA ou IT) o ónus da CSR é transferível, através do fenómeno financeiro da repercussão económica dos custos (todas as despesas que se repercutem no valor do produto ou serviço: matéria-prima, custos administrativos, impostos, despesas salariais, margem de lucro, etc.) que podem ser tidos em conta na política de definição dos preços de venda.
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Aliás, é este o sentido que se pode retirar do entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc.º C-460/21, ao reconhecer a legitimidade do sujeito passivo do imposto, ao reembolso do tributo indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, quando refere que “(…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos”.
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A repercussão meramente económica ou de facto da CSR, depende da decisão dos sujeitos passivos de, no âmbito das suas relações comerciais (ao abrigo do direito civil) procederem, ou não, à transferência, parcial ou total, da carga fiscal para outrem (os seus clientes), tendo em conta a política de definição dos preços de venda e as consequências para a sua atividade, designadamente, em termos do aumento de preços para o consumidor final, e que, de acordo com a lei da procura, poderá redundar numa diminuição da quantidade procurada e do lucro obtido.
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A Requerida salienta que não existe no âmbito da CSR um ato tributário de repercussão, subsequente e autónomo do(s) ato(s) de liquidação de ISP/CSR, sendo que as faturas não corporizam atos de repercussão de CSR, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis, e que o valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelo adquirente dos combustíveis.
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E alega que a venda do combustível não dá obrigatoriamente origem a uma repercussão, estando esta dependente da política de definição dos preços de venda da empresa vendedora/fornecedora, que pode repercutir uma parte da CSR, o seu total ou não repercutir de todo, o ISP ou, para o que aqui nos interessa, a CSR, atenta, nomeadamente, a existência dos vários intervenientes na cadeia de venda/distribuição até chegar ao consumidor final.
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Dada a natureza da repercussão da CSR, ainda que o sujeito passivo de ISP/CSR “repasse” o custo da CSR, ou parte dele, no preço de venda dos combustíveis, os seus clientes não são, necessariamente, quem suporta, a final, o encargo do tributo, a Requerida considera que a Requerente enquanto sociedade comercial que desenvolve uma atividade com fins lucrativos, pelo que, no âmbito da atividade que exerce, repassa, necessariamente no preço dos serviços praticados, os gastos em que incorre, nomeadamente, com a aquisição de combustíveis, pelo que as entidades potencialmente lesadas com o encargo da CSR são os consumidores finais de tais serviços e não a Requerente.
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A Requerida salienta que a Requerente não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis que adquiriu às empresas fornecedoras, tem incluído o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem que suportou, a final, o encargo de tal tributo, isto é, que não o repassou no preço dos serviços praticados aos seus clientes, enquanto consumidores finais.
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E a verdade é que, contrariamente ao pretendido pela Requerente, as faturas apresentadas não corporizam atos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente enquanto consumidor final, isto é, as faturas não fazem prova do alegado pagamento, pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes alegados pela Requerente e, nessa sequência, efetuou o pagamento e suportou, a final, o encargo da CSR (sem o ter repassado, a jusante, no preço dos serviços praticados ao cliente ou consumidor final).
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A Requerida considera que é de concluir que a Requerente não é sujeito passivo de ISP/CSR e não integra a relação tributária subjacente à liquidação contestada, não sendo devedor, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado, isto é, está a jusante do sujeito passivo na cadeia económica e que, em termos jurídicos, não é um terceiro substituído, que não suporta a contribuição por repercussão legal, nem tão pouco corresponde ao consumidor final, pelo que não tem legitimidade nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral, nos termos do n.º 2, do artigo 15.º do CIEC e dos n.º 3 e 4, al. a), do artigo 18.º da LGT.
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A Requerida salienta que as sociedades fornecedoras de combustível podem elas próprias, enquanto sujeitos passivos de ISP/CSR, vir solicitar o reembolso da CSR que considerarem ilegal, via pedido de revisão oficiosa e/ou impugnação, pelo que, como consta na decisão arbitral proferida no Processo do CAAD n.º 408/2023- T, “assim o contencioso da requerente poderia ser uma duplicação de pedidos; e a requerente não logrou provar que aqueles fornecedores não encetaram esses contenciosos (nem que nunca o encetarão)”.
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Acresce que só os sujeitos passivos de imposto que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago. Por outro, contrariamente ao pretendido pela Requerente, não existe no âmbito da CSR um ato tributário de repercussão legal, mas antes a possibilidade da repercussão económica ou de facto, total ou parcial, sendo que as faturas apresentadas não corporizam atos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente, enquanto consumidor final.
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A Requerida realça que não é possível identificar as liquidações nem as correspondentes alfândegas de liquidação, o que determina uma total impossibilidade de estabelecer qualquer correspondência entre o ato de liquidação praticado pelo efetivo sujeito passivo e as faturas de compra identificadas pela requerente/adquirente.
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A Requerida considera que a requerente não é o sujeito passivo das alegadas liquidações objeto do pedido, não sendo detentor dos estatutos fiscais de Depositário Autorizado e/ou Destinatário Registado (n.º 1, do artigo 4.º do CIEC); como tal não processou qualquer Declaração de Introdução no Consumo de produtos sujeitos a ISP (artigo 10.º do CIEC); também não apresentou quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado da CSR reivindicada no presente pedido, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC); tão pouco identificou as liquidações em causa.
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Assim, a Requerente não é sujeito passivo de ISP/CSR e não integra a relação tributária subjacente à liquidação contestada, não sendo devedora, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado, que está a jusante do sujeito passivo na cadeia económica, que em termos jurídicos, que não é um terceiro substituído, que não suporta a contribuição por repercussão legal, nem tão pouco corresponde ao consumidor final, pelo que não tem legitimidade nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral, nos termos do n.º 2, do artigo 15.º do CIEC e dos n.º 3 e 4, al. a), do artigo 18.º da LGT.
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Quanto à falta de legitimidade, a Requerida sublinha o entendimento que tem vindo a ser defendido pelos doutos Tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD, plasmado nas decisões proferidas no âmbito dos Processos n.ºs 296/2023-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 466/2023-T, 467/2023-T e 490/2023-T, destaca a decisão arbitral proferida em 01.02.2024, no Processo n.º 296/2023-T, em que foi Árbitro Presidente o Senhor Professor Doutor Vitor Calvete, e cita o texto seguinte “Qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originaram a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do nº 2 do art.º 15 (…)”.
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A Requerida, outrossim, sublinha que e das faturas juntas aos autos, como Documentos 3 e seguintes, anexos ao pedido arbitral, apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspeto, bem como não fazem prova do alegado pagamento, visto que não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes alegados pela Requerente.
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A CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, de acordo com o disposto no seu artigo 5.º, era devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), na Lei Geral Tributária (LGT) e no Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), com as devidas adaptações.
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Em face das razões aduzidas, a Requerida evidencia duas conclusões, cuja verificação deverá ocorrer em termos subsidiários e que versam no sentido de que
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inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, a Requerente carece de legitimidade processual, o que, nos termos do vertido nos normativos dos artigos 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, al. e) e 578.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, consubstancia uma exceção dilatória, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância;
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a Requerente carece de legitimidade substantiva, o que, nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 576.º n.º 1 e n.º 3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, consubstancia uma exceção perentória, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida do pedido.
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Quanto à ineptidão da petição inicial – Da falta de objeto – a Requerida alega que o presente pedido arbitral não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento/petição inicial, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido, porquanto, a identificação do(s) ato(s) tributário(s) objeto do pedido é condição essencial para a aceitação do pedido de constituição do tribunal arbitral.
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A Requerida salienta que da análise, quer do pedido de pronúncia arbitral, quer da documentação a ele anexa, se verifica que a Requerente junta os extratos de conta e as faturas relativas à aquisição de combustíveis, mas não identifica os atos tributários de liquidação decorrentes da DIC, situação que não permite que a Requerida possa exercer na plenitude o contraditório e também impede que o Tribunal arbitral possa apreciar o pedido.
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O n.º 2 do artigo 10.º do RJAT dispõe que "[o] pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via eletrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar: a) A identificação do sujeito passivo, incluindo o número de identificação fiscal, e do serviço periférico local do domicílio ou sede do sujeito identificado em primeiro lugar no pedido; b) A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral; (…)”, e, nesta medida, a petição inicial do presente pedido de pronúncia arbitral é inepta, dado que enferma de deficiências que, irremediavelmente, comprometem a sua finalidade, devendo, à luz dos normativos dos artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT, determinar a nulidade de todo o processo e a absolvição da instância.
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A Requerida advoga que o Tribunal não considere a petição inicial e daí retire os respetivos efeitos legais, e que não se pode deixar de considerar que não é possível à AT estabelecer qualquer correspondência entre os atos de liquidação alegadamente praticados pelas sociedades fornecedoras de combustível e as faturas apresentadas pela Requerente.
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A Requerida considera que não é despiciendo referir que, no que concerne à introdução no consumo de combustíveis, as entidades que se apresentam perante a AT como sujeitos passivos de imposto declaram para introdução no consumo grandes quantidades de produtos petrolíferos e energéticos (sujeitos a imposto), mediante o processamento de DIC diárias – as quais são, todavia, globalizadas no mês seguinte pelas alfândegas competentes para efeitos de liquidação, sendo que a alfândega competente para a liquidação – e consequente apreciação das vicissitudes dessa liquidação, incluindo o reembolso com fundamento em alegado erro, se for o caso, não coincide necessariamente com a sede/domicílio do sujeito passivo.
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A Requerida salienta que por práticas operativas usuais conexas com este tipo de atividade, ocorrem com frequência, por interesse e acordo comercial entre empresas, situações em que um operador económico declara para introdução no consumo a partir de um seu Entreposto Fiscal produtos petrolíferos que são propriedade de outrem (outra entidade/petrolífera) e, assim sendo, nada obsta, antes, é perfeitamente possível ou plausível que alguma das sociedades fornecedoras possa ter acordado a colocação dos produtos nos depósitos do entreposto fiscal de outro operador económico, para ser expedido a partir daí, cabendo, neste caso, a este operador económico submeter a DIC relativa às introduções no consumo e assumir perante a AT a posição de sujeito passivo/devedor do ISP.
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A Requerida salienta que estas operações são legítimas do ponto de vista da legislação aplicável e apenas evidenciam e reforçam que os IEC e, em especial, o ISP, cujo regime foi estendido à CSR, têm por base um regime próprio com regras específicas que não podem ser desconsideradas para efeitos de enquadramento da matéria controvertida em apreço.
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De igual modo, a Requerida salienta que é totalmente impossível à AT identificar os atos de liquidação subjacentes à declaração desses produtos para o consumo que vão sendo transacionados ao longo da cadeia comercial, dado que, resultando a liquidação da globalização das declarações de introdução no consumo apresentadas em cada alfândega pelo sujeito passivo de imposto, não há qualquer possibilidade, relativamente às transações posteriores, de identificar o registo de liquidação correspondente, uma vez que as vendas e consequente repercussão das imposições são posteriores ao facto gerador do imposto.
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Assim, atenta a multiplicidade de operações que se verificam (por interesses económicos vários e mediante acordo comercial entre empresas), não é sequer possível afirmar que um fornecedor de combustíveis é, obrigatoriamente, um sujeito passivo de ISP/CSR, sendo que apenas os sujeitos da liquidação, isto é, apenas os sujeitos passivos que declararam os produtos para consumo e efetuaram o pagamento das imposições correspondentes, podem solicitar a revisão das liquidações/reembolso da CSR e do ISP junto da alfândega competente.
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A Requerida salienta que à AT não é possível fazer qualquer correspondência entre as quantidades de produtos introduzidos no consumo pelas empresas fornecedoras de combustível, e as quantidades de produto adquiridas pela Requerente àquelas e que, por isso, se torna imprescindível que a Requerente faça prova dos valores efetivamente pagos por si a título de CSR, como alega, demonstrando de que forma calculou o apuramento daqueles montantes.
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A Requerida ainda salienta que a Requerente não concretiza, fundamenta ou logra provar que as sociedades fornecedoras repercutiram a totalidade ou parte da CSR no valor alegadamente pago pelos combustíveis adquiridos pela Requerente, isto é, em boa verdade, os documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral não contêm uma descrição de valores faturados a título de CSR.
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A Requerida considera que a não identificação de qualquer ato tributário no pedido arbitral violando o requisito da al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, determina que se esteja perante a exceção de ineptidão da petição inicial, situação que, à luz dos normativos artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b) e 278.º, n.º 1, al. b), do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT, determina a nulidade de todo o processo e obsta que o tribunal conheça do mérito da causa, devendo, consequentemente, o Tribunal arbitral absolver a Requerida da instância.
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A Requerida ainda alega que existe contradição entre o pedido e a causa de pedir, a qual é fatal para o prosseguimento da ação, porque o Tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a legalidade de atos de liquidações, mas não pode pronunciar-se sobre a legalidade de atos ou fenómenos de repercussão económica, que não são atos tributários. O pedido poderia ser apreciado por este tribunal, mas não com uma tal causa de pedir. A causa de pedir, além de existir e de ser inteligível, deve estar em conformidade com o pedido, formando com a qualificação jurídica as premissas que constituem o corolário da pretensão formulada. Assim, a contradição entre pedido e causa de pedir torna procedente a exceção de ineptidão da petição do ppa.
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E quanto à caducidade do direito de ação a Requerida sublinha que os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do CIEC. O regime previsto nestes artigos é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos naquelas normas, incluindo o do erro na liquidação.
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A falta de identificação dos atos de liquidação impugnados impede a Requerida de aferir da tempestividade do pedido de revisão oficiosa do ato tributário, apresentado em 11 de julho de 2023, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
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Para apreciação da tempestividade do pedido de pronúncia arbitral apresentado em 07.02.2024, deduzido contra a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa é fundamental, previamente, avaliar e decidir sobre a tempestividade do pedido de revisão, o que não foi possível por falta de identificação dos atos de liquidação na petição inicial.
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A Requerida alega que tomando por referência as aquisições de combustível realizadas pela Requerente no período compreendido entre 04 de julho de 2019 e 31 de dezembro de 2022, impõe-se concluir que há muito se encontrava precludido o prazo de 120 dias para deduzir a reclamação graciosa, ao qual corresponde o prazo previsto no n.º 1, primeira parte, do artigo 78.º da LGT. É por esta razão que a Requerente fundamenta o pedido de revisão oficiosa em erro imputável aos serviços, de modo a poder valer-se do prazo de 4 anos previsto no n.º 1, segunda parte, do artigo 78.º da LGT.
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A Requerida sublinha que está vinculada ao princípio da legalidade e tendo efetuado as liquidações em estrita observância dos normativos legais em vigor à data dos factos, não existe qualquer erro imputável aos serviços e que em 11.07.2023, data de apresentação do pedido de revisão oficiosa, já teria terminado o prazo de três anos previsto no n.º 3 do artigo 15.º do CIEC para requerer o reembolso do valor pago por alegada repercussão económica da CSR.
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A Requerida considera que se verifica caducidade do (alegado) direito de ação por parte da Requerente, o que consubstancia uma exceção perentória, e, assim, deve a Requerida ser absolvida do pedido. Todavia, se o Tribunal assim não entender, a caducidade do direito de ação consubstanciará uma exceção dilatória, por assim ser qualificada especialmente nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.º 1, 2 e 4 al. k) do CPTA, e, nessa medida, a Requerida deve ser absolvida do pedido ou da instância.
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Na sua resposta, a Requerida também se defende por impugnação, e alega que as liquidações de CSR não violam o artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008.
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A Requerida impugna o vertido nos artigos 14.º,19.º, 23.º, 33.º, 34.º, 36.º, 37.º, 55.º, 83.º, 88.º, 91.º, 93.º, 95.º, 97.º, 103.º, 106.º, 113.º, 123.º, 124.º e 125.º do pedido de pronúncia arbitral, coloca em causa e considera que não se pode dar como provada a alegada repercussão da CSR, que deve funcionar plenamente as regras do ónus da prova, e não se deve dar por provados os alegados factos invocados no pedido arbitral. Ainda invoca que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque.
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A Requerida considera que a Requerente tem falta de legitimidade, uma vez que não é sujeito passivo de imposto nos termos dos artigos 15.º, n.º 2 e 16.º do CIEC, não faz prova do facto de ter adquirido e pago combustíveis e, consequentemente, ter suportado o encargo do pagamento da CSR por repercussão.
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A Requerida invoca que não se pode presumir a existência de repercussão, visto estar-se perante uma repercussão que não é legal, mas meramente económica ou de facto, e não se pode dar como provado que a Requerente pagou na integra a CSR alegadamente repercutida na aquisição dos combustíveis indicados no ppa e a que se referem os documentos juntos.
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Exigir que seja a Requerida a fazer prova de que não houve repercussão, isto é, fazer prova de facto negativo, configura uma exigência de prova diabólica, a qual é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade, da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo, do direito ao contraditório e à ampla defesa.
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Atenta a regra geral prevista no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil não é admissível que se possa invocar que incumbe à AT fazer a prova da não repercussão. A jurisprudência entende que, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, a maior complexidade da prova de factos negativos necessitará de ter como resultado uma menor exigência probatória por parte do magistrado, mas não uma inversão do ónus da prova (cf. acórdão do STA de 17.12.2008, proferido no Processo n.º 0327/08).
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Nesta medida, a Requerida sublinha que, de acordo com o artigo 344.º do Código Civil - Inversão do ónus da prova -, as regras do ónus da prova previstas nos artigos 342.º e 343.º do Código Civil só se invertem quando exista presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine ou quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, situações que não se verificam no caso em apreço.
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A Requerida impugna os documentos apresentados, porquanto considera que os mesmos não provam os factos alegados pela Requerente. Isto é, os documentos apresentados não provam que a CSR tenha sido repercutida, não fazem prova do pagamento do referido imposto, nem a conjugação com os extratos de conta permite comprovar o pagamento dos montantes invocados pela Requerente.
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A Requerida sublinha que das faturas apenas constam os valores referentes ao IVA. Aquelas não fazem qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspeto, o que é comprovado pelo sistema e-fatura e pelo sistema SAFT-T, que apenas indicam o IVA associado a cada venda de combustível efetuado, não existe qualquer tipo de informação relevante que permita identificar as DIC e as respetivas liquidações da CSR efetuadas a montante e, por outro lado, também não foram apresentados quaisquer comprovativos de pagamento da CSR.
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A Requerida impugna o vertido no pedido arbitral, coloca o em causa e diz não se poder dar como provado que a Requerente pagou na integra a CSR alegadamente repercutida na aquisição das quantidades de combustível em apreço e a correspondência dos documentos juntos com o pedido arbitral com a realidade dos factos. Outrossim, como já se referiu, a Requerida impugna o teor dos Docs. 3 a 14 juntos ao ppa, porquanto, dos mesmos não se retiram os factos que a Requerente pretende dar como provados, não servindo, assim, como prova dos factos alegados.
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A Requerida considera que impendia sobre a Requerente o ónus de provar que o preço dos serviços que presta não comporta, a jusante, a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo daquele tributo.
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A Requerida invoca que a prova de pagamento da CSR é um facto positivo e que não é prova suficiente justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão desse tributo, à base de meros juízos presuntivos, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas.
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A Requerida realça a circunstância da Requerente afirmar que adquiriu combustíveis à suas fornecedoras, mas não identifica quaisquer atos de liquidação de CSR e/ou datas em que aqueles teriam sido efetuados, em decorrência das DIC submetidas pelos sujeitos passivo de ISP/CSR, de modo a permitir estabelecer uma relação entre os combustíveis adquiridos pela Requerente e as liquidações de CSR suportadas, a montante, pelo sujeito passivo, e essa identificação seria essencial.
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A Requerida sublinha que, ainda que existisse repercussão legal no âmbito da CSR, o que não é o caso, sempre teria a Requerente que identificar os atos de liquidação de CSR referentes ao combustível - quantidade global/total - introduzido no consumo através de uma determinada DIC, ao qual seria de imputar a parte de combustível sucessivamente comercializada e vendida à Requerente, o que só pode ser feito pelo sujeito passivo, algumas das empesas fornecedoras, que ao processar a DIC ou Documento Administrativo Único (DUC)/Declaração Aduaneira de Importação (DAU /DAI), procedeu à introdução no consumo.
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A Requerida destaca a circunstância de, in casu, as empresas fornecedoras de combustível serem sujeito passivo de ISP/CSR, circunstância que poderia conduzir a que o contencioso da Requerente se traduzisse numa duplicação de pedidos e a verificar-se tal factualidade, o presente pedido de pronúncia arbitral não configuraria uma real situação de reembolso, nos termos e para o efeito do disposto no artigo 15.º, n.º 2 do CIEC, mas sim uma violação do princípio da segurança jurídica e do ordenamento jurídico-constitucional.
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A Requerida destaca o facto de ser ainda relevante atender ao teor da redação dos pontos 33.º e 34.º do despacho do douto TJUE datado de 7 de fevereiro de 2022 no âmbito do processo n.º C-460/21, que prescrevem que
“33. Em quarto lugar, os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel (…).
34. Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes.”
118. A Requerida alega que agiu em conformidade com a legislação nacional e europeia em vigor e que, em relação à matéria controvertida, não se verifica qualquer tipo de erro imputável aos serviços. Mais acresce que inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
119. A Requerida sublinha que é inequívoco que existe, e existia à data dos factos, na CSR objetivos/finalidades não orçamentais, estando subjacente à sua criação e afetação motivos específicos distintos de uma finalidade orçamental, nomeadamente finalidades de redução de sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, sendo, portanto, a CSR conforme ao direito comunitário.
120. A Requerida refere o Acórdão do TJUE de 20 de outubro de 2011, proferido no âmbito do processo C-94/10 do TJUE, atinente a matéria de reembolso e repercussão no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo e sublinha que, ainda que a repercussão económica viesse a ser provada no âmbito do presente processo, o TJUE entende que um Estado-Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil.
121. A Requerida considera que o Tribunal arbitral deve decidir no sentido da improcedência do pedido de anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, bem como da anulação das liquidações de CSR, não havendo, consequentemente, lugar ao reembolso da CSR alegadamente repercutida, nem ao pagamento de juros indemnizatórios. Todavia, se o Tribunal arbitral assim não entender, de acordo com a jurisprudência firmada, uma vez que o pedido de revisão foi apresentado na AT em 11.07.2023, os juros indemnizatórios só serão devidos a partir de um ano após aquela data.
122. Numa lógia de subsidiariedade, a Requerida formula as conclusões seguintes:
i) Que face à verificação da exceção de incompetência em razão da matéria e/ou da exceção de ilegitimidade processual, e/ou da exceção de ineptidão da petição inicial/pedido arbitral, deve a instância arbitral ser extinta e a Requerida absolvida da mesma;
ii) Que face à verificação da exceção de caducidade do direito de ação e/ou da exceção de falta de legitimidade substantiva, deve a Requerida ser absolvida do pedido;
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Ser o pedido arbitral julgado totalmente improcedente, por ser infundado e não provado.
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SANEAMENTO
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O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
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O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
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As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).
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O processo não enferma de nulidades.
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FUNDAMENTAÇÃO
IV.1. MATÉRIA DE FACTO
IV.1.1. Factos provados
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Em relação à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, nos termos do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 29.º do RJAT, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar os factos considerados provados e os não provados. O tribunal considera provados e relevantes para a decisão arbitral os factos seguintes:
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A Requerente é uma sociedade comercial de direito português, com sede no ..., n.º ..., ..., ...-..., Arcos de Valdevez.
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A Requerente nos períodos compreendidos entre 04.07.2019 e 31.12.2022 adquiriu 613.934,10 litros de gasóleo. As aquisições de gasóleo foram efetuadas às empresas seguintes:
Empresa fornecedora
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Litros de Gasóleo
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D..., SA.
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613.535,39
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B..., SA.
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55,31
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C..., SA.
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395,26
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TOTAL 613.934,10
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127.3 Em 11 de julho de 2023, a Requerente apresentou, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, junto da Alfândega de Viana do Castelo, pedido de revisão oficiosa a solicitar a anulação dos atos de liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), no valor de € 68.146,68, efetuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) com base nas Declarações de Introdução no Consumo (DIC) submetidas pela D..., S.A., pela B..., SA., e pela C..., S.A., e, bem assim, relativo aos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário àquelas adquiridos pela Requerente no período compreendido entre 04 de julho de 2019 e 31 de dezembro de 2022.
127.4 O procedimento de revisão oficiosa não foi alvo de decisão expressa por parte do órgão competente da Autoridade Tributária e Aduaneira e, por força dos normativos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT, em 11 de novembro de 2023, formou-se o ato de indeferimento tácito do referido procedimento tributário de revisão dos atos tributários de liquidação da CSR.
127.5 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 07 de fevereiro de 2024.
IV.1.2. Motivação - Factos provados e não provados
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Os factos provados baseiam-se nos documentos apresentados pelas Partes e que estão juntos ao processo arbitral e, com relevo para a decisão, devem considerar-se como não provados os factos seguintes:
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Que as sociedades fornecedoras de Combustível –D... S.A., pela B..., SA., e C..., S.A., – entregaram ao Estado, enquanto sujeitos passivos da respetiva relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação da CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC por aquelas submetidas.
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Que as sociedades fornecedoras de combustíveis repercutiram nas faturas emitidas nos períodos supra identificados a CSR correspondente a cada dos consumos realizados, nem que a Requerente tenha suportado integralmente aquele imposto.
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Que a Requerente com a aquisição do referido combustível suportou, a título de CSR repercutido, a quantia de € 68.146,68.
IV.2. MATÉRIA DE DIREITO
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Em face da sua discordância com os atos de liquidação de CSR, a Requerente suscitou a ilegalidade dos atos tributários perante a Autoridade Tributária e Aduaneira através de pedido de revisão oficiosa, deduzido ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, nos termos suprarreferidos.
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Em face da ausência de decisão expressa e perante a formação do ato de indeferimento tácito, a Requerente apresentou no CAAD o pedido de pronúncia arbitral para efeitos de apreciação da legalidade dos atos tributários impugnados. A Requerida na sua resposta veio invocar diversas exceções que importa agora apreciar.
IV.2.1 DO CONHECIMENTO DAS EXCEÇÕES INVOCADAS PELA REQUERIDA
IV.2.1.1 Da incompetência do Tribunal em razão da matéria
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Na resposta a Requerida suscitou a questão da incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria por considerar que a contribuição de serviço rodoviário deve ser qualificada como contribuição financeira, e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
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E a este propósito invoca o entendimento expresso nos acórdãos proferidos nos processos arbitrais n.ºs 123/2019-T, 138/2019-T, 182/2019-T, 248/2019-T, 585/2020-T, 294/2023-T. 508/2023-T, 520/2023-T e 675/2023-T, alegando que com base nesta jurisprudência arbitral será consensual considerar que a sindicância da CSR se encontra excluída da competência dos tribunais arbitrais tributários.
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Importa analisar esta questão considerando que, em face do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT, a competência dos tribunais arbitrais em matéria de arbitragem tributária, compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.
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E que a norma do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT faz depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais de Portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças e da Justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. O diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria n.º 287/2019, de 3 de setembro, dispõe o seguinte:
“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.
138. A referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira.
139. A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa, por conseguinte, um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral. Tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos tribunais arbitrais, mas poderia estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.
140. A este propósito, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 48/2012-T, depois seguido por diversos outros arestos, consignou o seguinte:
“A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT].
Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.
141. Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável no artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral.
142. A Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais, e a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária. Haverá de concluir-se, nestes termos, que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos - com a exclusão de outros tributos - e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.
143. A constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos. A LGT, aprovada em 1998, passou a incluir entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.
144. A doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas” (Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095). Neste sentido, as contribuições são tributos com uma estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 287).
145. Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias, designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa, admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro (cfr., entre outros, o acórdão n.º 365/2008 do TC). Ou seja, não há dúvida que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.
146. A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A., sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º). Esta contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A, no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).
147. Acresce que a contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1). O produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui receita própria da atualmente denominada Infraestruturas de Portugal, S.A. (artigo 6.º).
148. A atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objeto de financiamento através da Contribuição de Serviço Rodoviário foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. E., pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitua receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).
149. Em face do regime jurídico sucintamente descrito, dificilmente se poderia concluir que a Contribuição de Serviço Rodoviário constitui uma contribuição financeira.
150. Importa considerar que no acórdão proferido no Processo n.º 629/2021, corroborado pelo acórdão tirado no Processo n.º 304/2022, se refere que a Contribuição de Serviço Rodoviário não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 3.º, n.º 2), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (artigo 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (artigo 3.º, n.º 2).
151. Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da atividade administrativa que se encontra atribuída à EP - Estradas de Portugal, E. P. E., é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Quando é certo que o artigo 2.º da Lei n.º 55/2007 declara expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E. (...) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”.
152. Assim, o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respetivos utilizadores, que são os beneficiários da atividade pública desenvolvida pela EP - Estradas de Portugal, E. P. E., verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”. Não existe, deste modo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos.
153. Acresce que o regime jurídico da CSR não é equiparável ao previsto para a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB) ou para a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), que são caracterizadas como típicas contribuições financeiras, não tendo qualquer aplicação ao caso a jurisprudência constante dos acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 182/2019-T, 138/2019-T, 123/2019-T, que tiveram por objeto a CSB, nem a dos acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 248/2019-T e 585/2020-T, que incidiram sobre a CESE.
154. A Requerida, outrossim, suscita ainda a exceção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer do presente pedido na medida em que se pretende discutir a legalidade do regime da CSR no seu todo.
155. É fundamental atentar que a Requerente formula um pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade dos atos de liquidação de CSR referente a períodos compreendidos entre 04.07.2019 e 31.12.2022, invocando como causa de pedir a desconformidade da contribuição/imposto com a Diretiva 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao Regime Geral dos Impostos Especiais de Consumo.
156 Estando em causa, in casu, a desconformidade da CSR com a Diretiva 2008/118/CE, não pode deixar de se concluir pela competência contenciosa do Tribunal arbitral para a apreciação do litígio.
157. Há que considerar que as normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8.º da Constituição República Portuguesa).
158. A impugnação judicial e, outrossim, o pedido de pronúncia arbitral, de um ato de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito convencional.
159. É, portanto, claro que não existe qualquer obstáculo a que o Tribunal arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade de atos de liquidação baseados em desconformidade da CSR com o direito europeu, sendo manifestamente improcedente a invocada exceção de incompetência do tribunal em razão da matéria.
160. Em face do exposto, importa concluir pela improcedência da exceção de incompetência do Tribunal arbitral em razão da matéria.
IV.2.1.2 Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente
161. A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações, sujeitos passivos que, in casu, são as empresas fornecedoras de combustíveis.
162. Em relação à CSR não está em causa, não o estava, nem o pode estar retroativamente, um regime de repercussão legal; pelo que importa atentar nalguns pontos relativos à legitimidade. A questão nasce dos efeitos da consideração da hipótese de repercussão plena do imposto, o que faria com que, não obstante o sujeito passivo da CSR ser aquele que se encontra definido para efeitos de ISP, o encargo desta contribuição ser economicamente suportado pelo consumidor do combustível, ou por alguém a jusante do sujeito passivo no circuito económico de distribuição de combustíveis, o que pode sugerir a adoção de uma solução de substituição tributária, passando o contribuinte de facto do ISP/CSR a ser a única parte legítima para peticionar a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação repercutidos, retirando aos “repercutentes” o seu interesse em agir.
163. O artigo 9.º, 1 e 4 do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, 1 do RJAT, é a norma que define a legitimidade ativa no processo arbitral tributário, e nele não se prevê que essa legitimidade se possa perder por efeito de uma repercussão que propiciasse a identificação de um interesse, concorrente ou exclusivo, na esfera de um “repercutido” que não seja o sujeito passivo. Esta conclusão não se modifica com a alteração da redação do artigo 2.º do CIEC pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro, a converter a “repercussão económica” em “repercussão legal”, mesmo que essa alteração tenha alcance interpretativo/retroativo (ou seja, mesmo que não fosse inconstitucional): porque também aí não ocorre, nem passa a ocorrer, substituição tributária, visto que não só não é o consumidor final quem responde pela prestação tributária, como também é a própria lei que exclui do conceito de sujeito passivo quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”. Ou seja, não ocorre nesta situação uma deslocação da obrigação tributária, do contribuinte direto para um terceiro, o contribuinte “de facto” – aquele que, por repercussão, suporta o peso do imposto. E, sem essa deslocação da obrigação, sem essa vinculação jurídica do contribuinte “de facto”, não pode ocorrer uma verdadeira substituição tributária, nos termos dos artigos 20.º e 28.º da LGT.
164. Com efeito, para que exista a substituição tributária a que se refere o artigo 20.º da LGT, é preciso que ocorra a deslocação da obrigação tributária, do contribuinte direto (isto é, de quem se encontra abrangido pelas normas de incidência do imposto) para um terceiro: sendo que a responsabilidade do substituto tributário, nos termos do artigo 28.º da LGT, se traduz na obrigação de dedução das importâncias que estiverem sujeitas a retenção, e da respetiva entrega nos cofres do Estado, em termos que exoneram o substituído da entrega dessas mesmas importâncias.
165. A conjugação do artigo 9.º, 1 e 4 do CPPT com o artigo. 18.º, 3 da LGT dissipa quaisquer dúvidas sobre a ilegitimidade substantiva da Requerente: têm essa legitimidade os contribuintes, e contribuinte é o “sujeito passivo” na relação tributária, a pessoa singular ou coletiva, património ou organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável. Todavia, legitimidade processual é também atribuída a quaisquer outas pessoas que provem interesse legalmente protegido e este interesse foi provado pela Requente.
166. É verdade que a Requerente não é sujeito passivo do ISP, de acordo com a norma de incidência subjetiva constante do artigo 4.º, 1, a), do CIEC, e não é responsável pelo pagamento da CSR, por força do disposto nos artigos 4.º, 1, e 5.º, 1, da Lei n.º 55/2007, não sendo consequentemente, na qualidade de contribuinte direto, titular da relação jurídica tributária, mas tem um interesse direto na anulação dos atos de liquidação da CSR, pelo que é parte legítima no processo arbitral (art.º 29.º, n.º 1, al. a) al. do RJAT e art.º 9.º, 1 do CPTA).
167. É certo que a competência dos Tribunais arbitrais se circunscreve, no que aqui é relevante, à avaliação de atos de liquidação, e os atos de repercussão são, qua tale, inarbitráveis, restando, como únicos factos relevantes para apurar a legitimidade da Requerente para impugnar, os atos de liquidação da CSR, os referentes às relações estabelecidas com o verdadeiro sujeito passivo que interveio nesses atos. Sendo que a Requerente tem legitimidade para impugnar os atos de liquidação da CSR, desde que provasse a efetiva repercussão e procedesse à identificação concreta dos atos de liquidação impugnados.
168. Havendo um regime especial de revisão no CIEC, para o qual remetia o artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, que criou a CSR, o círculo dos potenciais impugnantes dos atos de liquidação da CSR tenderá a convergir com o círculo dos potenciais credores do reembolso delimitado no artigo 15.º, 2 do CIEC: “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto”; ou seja: “o depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado”, ou ainda “a pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação”. Esses círculos de legitimidade tenderão a convergir, mas não necessariamente a coincidir, visto que, como é óbvio, um pedido de revisão não se confunde com um pedido de reembolso – até porque ambos podem cumular-se.
169. É de considerar a circunstância do artigo 15.º, n.º 2 do CIEC se ter mantido inalterado ao longo da história desse Código, e de os artigos 15.º, n.º 2 e 4.º, n.ºs 1 e 2, a) só terem sofrido, também eles, uma única alteração substancial, o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjetiva” – o que só pode significar que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”. Quer isto dizer, muito pragmaticamente, que só os sujeitos passivos aí identificados, e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre erros na liquidação.
O entendimento subscrito quanto à ausência, no caso, de substituição tributária prejudica amplamente a atribuição de relevância à repercussão económica deste tributo (e a questão da retroatividade “interpretativa”, dada a inconstitucionalidade, prejudica o alcance da respetiva requalificação como “repercussão legal”).
170. Se assim não fosse, poder-se-ia admitir que, tendo havido repercussão plena, e provando-se essa repercussão plena (ou não se ilidindo uma eventual presunção de repercussão plena), fossem os repercutidos a ter legitimidade para impugnar os atos que concretizassem a repercussão, ou os atos que a antecedessem (através dos artigos 18.º, n.º 4, a), 54.º, n.º 2, 65.º e 95.º, n.º 1 da LGT, e 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT), pois, num caso desses, apenas os repercutidos seriam afetados nas suas esferas jurídicas pelo ato lesivo, e o substituto só teria legitimidade na medida em que não tivesse repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade (por analogia com o estabelecido no artigo 132.º do CPPT), podendo haver concorrência de legitimidades, a reclamar a solução do litisconsórcio necessário; ou a exclusão de uma legitimidade pela outra, sua concorrente.
171. O interesse em agir deve ser analisado à luz dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à justiça tributária. Por um lado, o acesso ao direito e à justiça implica uma visão necessariamente restrita do âmbito de exigência deste interesse processual, considerando que a verificação da exceção dilatória terá de ser por natureza excecional já que ao contribuinte assiste o direito de expor as suas pretensões em sede judicial e de obter apreciação e decisão sobre elas – artigo 20.º da CRP – n.º 2 do art.º 9.º da LGT e n.º 4 do art.º 268.º da CRP.
172. A natureza escassa dos recursos, a própria consagração do acesso ao direito leva a delimitar tal direito pela necessidade de mobilização dos órgãos jurisdicionais, uma vez que a mobilização acrítica e sem interesse constitui um desvio de recursos que os fará faltar a quem deles necessita. Assim, o interesse em agir consiste assim na verificação da necessidade ou utilidade da ação tal como configurada pelo Autor, sendo definido como a necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação. Este pressuposto apenas tem sentido na parte ativa da lide, uma vez que na parte passiva se confunde com a legitimidade enquanto interesse em contradizer. A necessidade em causa não pode ser meramente subjetiva, confundindo-se com a opção pela demanda, antes tem de apreciar-se objetivamente, em relação à normatividade jurídica e não a nenhuma outra.
173. Nesta medida, o interesse em agir consiste na necessidade e utilidade da demanda considerado o sistema jurídico aplicável às pretensões invocadas. A Requerente considera-se lesada por via do pagamento da CSR, a qual, à luz do direito europeu, entende ser ilegal e, independentemente, de existir ou não repercussão legal da CSR, à luz dos normativos dos artigos 18.º, n.º 4 e 54.º, n.º 2 da LGT e artigo 9.º, n.º 1 do CPPT, a Requerente entende que lhe assiste direito de ação para poder invocar a tutela plena e efetiva dos seus interesses legalmente protegidos.
174. Extrai-se dos princípios constitucionais e do direito de impugnar que o interesse em agir constitui um pressuposto processual e que a sua verificação se basta com a necessidade razoável do recurso à ação judicial a que alude alguma doutrina. Assim, tem de considerar-se que a sua verificação ocorre sempre que o demandante tenha necessidade de intervenção judicial para reconhecimento da sua pretensão, tal como a configura no exercício da sua liberdade de conformação da ação, e que a intervenção judicial que pede seja apta a proporcionar-lhe tal utilidade. Sendo inquestionável que o pedido de revisão oficiosa e o subsequente pedido de pronúncia arbitral eram meios adequados e suficientes para que a Requerente pudesse obter o reembolso e o ressarcimento dos valores que considera indevidamente pagos a título de CSR. Logo, é necessário concluir pelo interesse em agir da Requerente. Tanto mais que o interesse em agir é assim um requisito que tem de ser verificado no momento do exercício do direito de ação e cuja ausência impede o órgão jurisdicional de admitir a ação e consequentemente de examinar o mérito da questão levando a sua falta à pronúncia da absolvição da instância.
175. Acresce que o interesse em agir pode e deve ser reportado ao prejuízo ou ao proveito que o deferimento da pretensão - o reconhecimento judicial do seu direito - evita ou proporciona, daí que o momento que releva para a sua constatação seja o momento em que o autor deduz o pedido, sendo que, quando a Requerente interpôs o pedido de revisão dos atos de liquidação ao abrigo do artigo 78.º da LGT e do respetivo pedido de pronúncia arbitral, ela era titular do interesse legalmente protegido de obter o reembolso da CSR e teve necessidade de recorrer à tutela do tribunal para satisfação de um direito.
176. A doutrina e a jurisprudência é relativamente unanime quanto à natureza processual do interesse em agir como pressuposto processual que, faltando, pode determinar genericamente a verificação de uma exceção dilatória inominada. Pressuposto processual que, por encontrar a sua razão de ser no intuito de obviar a ações inúteis, recolhida da consideração de que, se a lei proíbe expressamente a prática de atos inúteis (art.º 130.º do CPC), por maioria de razão terá de proibir ações inúteis.
177 As exceções dilatórias (artigo 576.º, n.º 1, do CPC) caracterizam-se por obstarem a que o tribunal conheça do mérito do pedido. Pretende-se evitar a existência de ações inúteis, obstando-se justamente a decisão das mesmas, o que autoriza se classifique como tal o pressuposto do interesse processual ou interesse em agir. Esta falta de interesse em agir, como exceção dilatória inominada, tem como consequência a absolvição da instância (art.º 576.º, n.º 1 e 2, e 577.º, alínea b), do CPC), podendo ser conhecida oficiosamente e a todo o tempo.
178.Atente-se na circunstância do CPPT conter uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (art.º 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT). Neste sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.” E o artigo 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.
179. É certo que no caso em apreço não se trata de sujeito passivo originário, mas de mero “repercutido económico”, coloca-se, porém, em relação à Requerente, a questão de saber se se constituiu uma relação jurídico-tributária com o credor tributário Estado; podendo, quando muito, fazer-se apelo à noção de “interesse legalmente protegido” para conferir à Requerente uma legitimidade, via artigos 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT e 18.º, n.º 3 da LGT.
180. A Requerida invoca ainda que a Requerente, não sendo sujeito passivo do imposto, carece não apenas de ilegitimidade processual, mas também de ilegitimidade substantiva, que constitui uma exceção perentória e conduz à absolvição do pedido.
181. É entendimento corrente que a chamada legitimidade substancial ou substantiva se prende com a efetividade da relação material, interessando já ao mérito da causa e, nesse sentido, constitui um requisito da procedência do pedido (cfr. acórdão da Relação do Porto de 4 de outubro de 2021, Processo n.º 10910/20).
182. Não é possível considerar verificada liminarmente a inviabilidade da pretensão deduzida em juízo com base em meras alegações da parte contra quem vem deduzido o pedido, quando essa é a questão de fundo que carece de ser analisada em função do direito aplicável face aos factos que venham a ser dados como provados ou não provados. A alegação aduzida pela Requerida não poderá caracterizar uma exceção perentória. As exceções perentórias consistem na invocação de factos que, em face da lei substantiva, possam integrar uma causa impeditiva, extintiva ou modificativa do direito invocado pelo autor na ação e que assim determinem a improcedência total ou parcial do pedido. São impeditivos os factos que excluem ou impedem a eficácia do direito alegado (incapacidade, falta ou vícios de vontade), modificativos os que alteram a relação jurídica modificando a natureza da prestação ou as condições da sua exigibilidade (alteração das circunstâncias em que foi celebrado um contrato), extintivos os que fazem cessar o direito tornando inviável o respetivo exercício (caducidade, prescrição, cumprimento da obrigação). Assim sendo, o que vem alegado quanto à legitimidade substantiva não integra a defesa por exceção e apenas poderá relevar em sede de apreciação do mérito.
183. O que se acaba de dizer é igualmente aplicável quanto à alegada inexistência de prova de efetiva repercussão da CSR por efeito da aquisição de combustíveis. Essa é matéria de prova que terá de ser analisada no âmbito da decisão arbitral e que não integra, em si, uma qualquer exceção perentória.
184. Em face do exposto, atento o interesse legalmente protegido da Requerente, considera-se improcedente a exceção de ilegitimidade processual da Requerente.
IV.2.1.3 Ineptidão da Petição inicial – Da falta de objeto
185. Ainda que a questão não tivesse sido suscitada pela Requerida, a ineptidão da petição inicial é de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 196.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, 1, e) do RJAT).
186. A Requerida invocou a exceção da ineptidão da petição inicial, por entender que a não identificação do ato ou atos tributários de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral compromete irremediavelmente a finalidade da petição inicial, por violação do artigo 10.º, 2, b) do RJAT:
“Artigo 10.º (Pedido de constituição de tribunal arbitral)
(…)
2. O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via eletrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar:
(…)
b) A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral; (negrito nosso)
(…)”
187. De igual modo, se pode invocar o artigo 78.º do CPTA (aplicável ex vi artigo 29., 1, c) do RJAT):
“Artigo 78.º (Requisitos da petição inicial)
(…)
2 - Na petição inicial, deduzida por forma articulada, deve o autor:
(…)
e) Identificar o ato jurídico impugnado, quando seja o caso; (negrito nosso)
f) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação;
(…)”
188. E ainda o artigo 108.º do CPPT:
“1. A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.” (negrito nosso)
189. Há que considerar que a Requerente não só não identifica os atos tributários de liquidação, como não os comprova, apresentando faturas que a Requerente julga servirem como prova bastante de uma repercussão que ela própria entende, erradamente, ser uma repercussão legal e, logo, presumida.
190. Fica, portanto, por estabelecer a real conexão entre aquilo que a Requerente alega e aquilo que documentou – uma omissão agravada pela circunstância de as repercussões não terem necessária conexão com uma única introdução no consumo, não podendo estabelecer-se, entre liquidações e repercussões de IEC, quaisquer relações biunívocas.
191. A Requerente pode considerar que fez a identificação que lhe competia, e sustentar, no pressuposto (errado) da existência de “repercussão legal”, e de uma relação “causal” entre liquidação e repercussão, que a mera entrega de faturas, a documentar as transações, bastaria como prova da repercussão da CSR.
192. A verdade é que não se verificou uma comprovação suficiente das liquidações de CSR, ainda que a Requerente alegue a sua condição de mera repercutida, para sustentar que não tem acesso a tais atos de liquidação de CSR, alegando que cabe à AT identificar e carrear para os autos as liquidações de CSR impugnadas, procurando contrariar a regra do artigo 74.º, 1 da LGT; como recorre à alegada natureza “legal” ou “presumida” da repercussão para invocar que caberia à AT fazer a prova das liquidações, na medida em que a AT teve intervenção direta nelas.
193. A identificação dos atos de liquidação carece de ser feita pelos verdadeiros sujeitos passivos de CSR, os quais foram os fornecedores dos combustíveis à Requerente, que não são parte no processo, e sobre os quais este Tribunal não dispõe de poderes de autoridade, pelo que não seria possível, no caso, recorrer ao regime previsto no artigo 429.º do CPC.
194 Poder-se-á reconhecer que não estará ao alcance da Requerente identificar os atos de liquidação a serem sindicados, por ser impossível identificar as DIC e os respetivos atos de liquidação que estiveram subjacentes à introdução no consumo dos produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente, mas de idênticas dificuldades beneficia a Requerida.
195. Como a Requerida adverte, a alfândega competente para a liquidação nem sequer é necessariamente a da sede do sujeito passivo, dependendo do lugar onde são apresentadas as DIC, sendo que as fornecedoras de combustíveis podem proceder a introduções no consumo em várias alfândegas, não sendo de excluir, por outro lado, a possibilidade que as fornecedoras de combustíveis têm de acordar a colocação dos produtos nos depósitos do entreposto fiscal de outros operadores económicos, para serem expedidos a partir daí, cabendo, neste caso, a estes operadores económicos submeter a DIC relativa às introduções no consumo e, assim, assumir perante a AT a posição de sujeito passivo do ISP, caso em que as fornecedoras dos produtos não coincidiria sequer com o sujeito passivo que introduziu os produtos no consumo os produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente.
196. Deste modo, torna-se, assim, impraticável estabelecer uma relação biunívoca entre DIC e transações a jusante: o circuito económico envolve uma multiplicidade de destinos e de clientes para os produtos após a introdução no consumo, sendo virtualmente impossível acompanhar todos os passos e transações que vão da introdução no consumo até ao consumo final, sendo raro, e não se podendo presumir que uma única liquidação de ISP e CSR seja referente a uma única transação, aquela que eventualmente teria tido lugar entre o sujeito passivo dos tributos e um seu único cliente. Sendo normal o oposto, ou seja, que haja uma multiplicidade de transações a jusante da introdução no consumo, sendo, portanto, que uma fatura que documente uma qualquer dessas múltiplas transações não terá necessária e inequivocamente uma relação com uma única DIC, correspondente à liquidação praticada por uma única alfândega, ou até com os produtos introduzidos no consumo por uma única fornecedora de combustíveis.
197. Poder-se-á concluir que se verifica uma certa margem de ininteligibilidade na indicação do pedido, porquanto se suscita a dúvida de saber se o que se pretende é a anulação de liquidações, se a anulação de repercussões, sendo que ela poderia ser eventualmente sanada nos termos do artigo 186.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, e) do RJAT), na medida em que a Requerida foi respondendo às questões suscitadas sem se deixar enredar nesse impasse relativo à definição do objeto imediato da ação, apenas realçando as insuficiências probatórias emergentes de tal indefinição de objeto.
198 Ainda, assim, não se negará o princípio de que:
“a petição inicial de impugnação que não identifica o acto tributário impugnado, que não formula a pretensão concreta por referência àquele e que não indica os factos concretos que justificariam a adopção da providência judiciária requerida é inepta” (Acórdão do TCAS de 30-06-2022, Proc. nº 138/17.5BELRS).
199. A Requerente não trouxe para os autos a documentação que, ao menos, pudesse comprovar a liquidação conjunta de ISP e de CSR pelos verdadeiros sujeitos passivos, nomeadamente as Declarações de Introdução no Consumo (DIC, art.º 10.º do CIEC), ou o Documento Administrativo Único/Declaração Aduaneira de Importação (DAU/DAI), de forma a, subsequentemente, permitir imputar, a esses valores totais da introdução no consumo, a parte de combustível vendida a ela Requerente, antes mesmo de qualquer prova, igualmente necessária, relativa ao quid e ao quantum da repercussão económica.
200. Na ausência desses elementos mínimos, como fazer, sequer, a prova de liquidação à qual o próprio direito da União obriga, removendo presunções que pudessem prejudicar a legitimidade ativa dos sujeitos passivos – em eventual benefício de uma legitimidade sucedânea de “repercutidos”?
201. A ausência de identificação bastante dos únicos atos tributários relevantes, as liquidações originais de CSR das quais emerge tudo o resto, a própria condição dos “repercutentes”, e a posição dos “repercutidos”, conduz à ineptidão da petição inicial.
202.Com efeito, em face da norma da al. a) do n.º 1 do art.º 186.º do CPC, aplicável ao processo arbitral tributário por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, diz-se inepta a petição inicial “[q]uando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”. Na situação em apreço existe uma causa de pedir que consiste na circunstância do regime jurídico da CSR, aprovado pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, violar o direito da União Europeia, em concreto, o n.º 2 do art.º 1.º da Diretiva 2008/118/CE.
203. Todavia, como vem sendo referido, o pedido efetuado pela Requerente é ininteligível, dado que lhe falta densificação ou concretização de factos essenciais, o que consubstancia uma violação ado artigo 10.º, n.º 2 do RJAT e ainda do artigo 108.º do CPPT, que estabelece que “[a] impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido”.
204. A Requerente formula o pedido de anulação de atos de liquidação de CSR, mas não identifica os atos tributários que pretende que sejam anulados, limitando-se a enunciar uma pretensa correlação entre aquisição de combustíveis, a emissão de faturas e a entrega de DIC pelas entidades fornecedoras dos referidos combustíveis. A circunstância da Requerente ter suportado o imposto por repercussão económica ou de facto não a exonera da obrigação de identificar os atos tributários cuja anulação pretende, bem como não lhe permite invocar a inversão do ónus da prova, porquanto, nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT “[o] ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
205. A circunstância da violação do direito da União Europeia poder consubstanciar um erro imputável aos serviços da AT não exonera a Requerente da obrigação de ter de identificar os atos tributários cuja anulação é pedida. Ora, a Requerente no pedido de pronúncia arbitral não concretiza quais são os atos tributários de liquidação de CSR cuja anulação pretende, o pedido está formulado em termos genéricos e abstratos, circunstância que conduz à ineptidão da petição inicial.
206. A relação que a Requerente estabelece entre as DIC apresentadas pelas entidades fornecedoras dos combustíveis, as faturas, e os períodos de aquisição é manifestamente insuficiente para permitir a identificação dos atos de liquidação de CSR, sendo que também não é provada a efetiva repercussão da CSR.
207. A ideia de que não compete à Requerente o ónus de identificar e de comprovar os atos de liquidação repercutidos (se é que a repercussão efetivamente ocorreu), carece de fundamento legal, porquanto, consubstanciaria a inversão do ónus da prova ao arrepio da lei. Assim, in casu, não pode impender sobre a Requerida o ónus de identificar os atos de liquidação, quando esta não tem qualquer controlo sobre a concreta atividade das fornecedoras de combustíveis e a circunstância de ter acesso às DIC não lhe permite identificar a real e efetiva conexão entre os combustíveis declarados e os combustíveis fornecidos à Requerente, situação que impossibilita a identificação dos atos de liquidação.
208. Deste modo, verifica-se efetivamente uma falta de concretização do pedido, por falta de identificação dos atos de liquidação da CSR, falta que o torna ininteligível, verificando-se, em consequência, a ineptidão da petição inicial, cuja consequência é a nulidade de todo o processo, e que constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso geradora da absolvição da instância, nos termos do art.º 193.º n.º 1, 493.º nºs. 1 e 2, 494.º al. b) e 495.º, do Código de Processo Civil.
209. A procedência da exceção de ineptidão da petição inicial determina a nulidade de todo o processo (art.º 186.º, 1 do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, 1, e) do RJAT). Trata-se de uma nulidade insanável (art.º 98.º, 1, a) do CPPT), e de uma exceção dilatória (art.º 577.º, b) do CPC), que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, não obstando, de imediato, ao conhecimento das demais exceções, nada podendo inferir-se, da sua não consideração por prejudicialidade, quanto à procedência ou improcedência de cada uma delas para efeitos de absolvição da instância ou do pedido.
210. O ppa integra um pedido que encerra a pretensão de anulação de atos de liquidação de CSR, sendo que a falta de identificação dos atos de liquidação impugnados, motiva que o pedido seja ininteligível, dado que lhe falta densificação ou concretização de factos essenciais, o que consubstancia uma violação do artigo 108.º do CPPT e do artigo 10.º, n.º 2, al. b) do RJAT, pelo que se impõe declarar a ineptidão da petição inicial.
IV.2.1.4 Da caducidade do direito de ação
211. A Requerida alega ainda que a falta de identificação dos atos de liquidação impede aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, na medida em que a contagem do prazo para a sua apresentação se inicia a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação. E considera, por outro lado, que o pedido de revisão oficiosa não poderia ser apresentado no prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, porquanto esse prazo apenas é aplicável quando o ato de liquidação seja imputável a um erro dos serviços, e, na situação do caso, encontrando-se a Administração vinculada ao princípio da legalidade e tendo efetuado a liquidação em estrita observância das normas legais, não ocorreu qualquer erro de direito imputável aos serviços.
212. A Requerente deduziu um pedido de pronúncia arbitral contra os atos tributários de liquidação da CSR e consequentes atos de repercussão. E não sendo a Requerente o sujeito passivo do imposto, nem o direto responsável pela sua liquidação, mas apenas a entidade que alegadamente suporta o encargo por efeito da repercussão, não consegue identificar e de comprovar os atos de liquidação repercutidos, porém, não fica prejudicado o seu direito de impugnação para tutela plena e efetiva dos seus direitos legalmente protegidos (art.ºs 20.º, n.º 5, e 268.º, n.º 4 da CRP , art.º 9.º, n.º 2 da LGT e art.º 96.º, n.º 1 do CPPT).
213. Não obstante o princípio do inquisitório, pelas razões já referidas, é difícil admitir que in casu impenda sobre a Requerida o ónus de realizar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, as diligências oficiosas que permitissem identificar os atos de liquidação de CSR impugnados.
214. A causa de pedir da anulação dos atos de liquidação de CSR fundamenta-se na circunstância do regime jurídico da CSR, aprovado pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, violar o direito da União Europeia, em concreto, o n.º 2 do art.º 1.º da Diretiva 2008/118/CE, o que constitui uma ilegalidade que pode derivar de erro de direito imputável aos serviços da AT.
215. Como se afirma, entre outros, nos acórdãos do STA de 14 de Março de 2012 (Processo n.º 01007/11) e de 8 de Março de 2017 (Processo n.º 01019/14), a revisão oficiosa do ato tributário pode ser efetuada a pedido do contribuinte no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago) quando houver erro imputável aos serviços, devendo entender-se como tal o erro material, o erro de facto ou o erro de direito, independentemente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação.
216. É o que resulta do disposto no artigo 78.º, n.º 7, da LGT, pelo qual a revisão oficiosa, nos termos previstos no n.º 1 desse artigo, pode ser desencadeada pelo sujeito passivo mediante requerimento dirigido ao órgão competente da Administração Tributária e com base nos mesmos pressupostos legais: no prazo de quatro anos e com fundamento em erro imputável aos serviços. O que se tem entendido como uma decorrência do princípio da justiça e da verdade material (cfr., neste sentido, Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento Tributário, 5.ª edição, Coimbra, págs. 227-228; Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 605, e Leonardo Marques dos Santos, “A revisão do ato tributário, as garantias dos contribuintes e a fiscalidade internacional”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Economia, Finanças Públicas e Direito Fiscal, Vol. II, págs. 14 e segs.).
217. Conforme é também jurisprudencialmente aceite, existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei.
218. Por outro lado, como é evidente, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela Autoridade Tributária na apreciação do pedido de revisão, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo contribuinte na formulação do pedido de impugnação judicial/ppa. Sendo que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adotado pela Administração na decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.
219. Nestes termos, tendo sido invocado um erro imputável aos serviços e verificando-se que o pedido de revisão oficiosa deu entrada nos serviços da AT em 11 de julho de 2023 e que se reporta a atos de liquidação e de repercussão da CSR relativos aos períodos compreendidos entre 04.07.2019 e 31.12.2022, importa concluir que no momento da apresentação do pedido de revisão oficiosa não tinha ainda decorrido o prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, no que se refere às aquisições de combustível efetuadas pela Requerente, não se verificando-se a intempestividade do pedido de revisão oficiosa e do, consequente, pedido de pronúncia arbitral. Assim, dever-se-á verificar a improcedência da exceção de caducidade do direito de ação invocada pela Requerida.
IV.2.2 DA REPERCUSSÃO DA CSR
220. A CSR foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto. O articulado deste diploma legal não contemplava qualquer mecanismo de repercussão legal, e nem sequer de repercussão meramente económica, ainda que se saiba que, dado o seu escopo lucrativo, as empresas vendedoras tendem a repassar para os adquirentes, através dos preços, uma parte dos gastos em que incorrem, incluindo entre eles, mas não exclusivamente, os gastos tributários.
221. É certo que, entretanto, a repercussão legal veio a ser associada ao ISP e à CSR, por força da nova redação do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC) introduzida pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro, com uma pretensão de retroatividade, acrescentada pelo facto de se atribuir natureza interpretativa a essa nova redação do artigo 2.º do CIEC (art.º 6.º da Lei n.º 24-E/2022).
222. Porém, essa solução é problemática, não apenas porque não parece que seja possível ou juridicamente admissível uma retroatividade desse género, e através desse artifício (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de janeiro de 2021, Proc. n.º 843/19), mas também porque uma tal solução lançaria a AT para os domínios de uma contradição flagrante na abordagem processual deste tema.
223. Essa nova “repercussão legal”, se fosse válida, surgiria desacompanhada de meios de controlo e prova que permitissem a sua gestão e a dissuasão de abusos, como por exemplo ocorre com a repercussão legal prevista no artigo 37.º do CIVA, que, essa sim, surge acompanhada de mecanismos adequados para esses efeitos começando pela obrigatória discriminação do IVA nas faturas que titulam as respetivas operações tributáveis.
224. Acresce que mesmo que tivesse ocorrido repercussão plena da CSR, mesmo que se tivesse provado essa repercussão plena, mesmo que se excluíssem efeitos da CSR sobre o volume de prestação de serviços da Requerente independentemente da repercussão, a ponto de ficar estabelecido que o encargo do tributo foi completa e rigorosamente transferido para a Requerente, ainda assim a legitimidade procedimental e processual da Requerente dependeria, em primeiro lugar, da demonstração de um interesse legalmente protegido, nos termos e para os efeitos do artigo 9.º do CPPT; e dependeria ainda, consequentemente, da demonstração de que ela teria sido o consumidor final de combustíveis sobre o qual recai, ou deve recair, o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo, ou seja, da demonstração de que a própria Requerente, por sua vez, não constituiu um simples elo intermédio do circuito económico, ou seja, não repercutiu economicamente a jusante, ela mesma, a CSR “embutida” no preço, repassando o encargo económico do tributo para a sua própria clientela.
225. Isto é, mesmo a ter havido repercussão, devidamente comprovada, isto não retiraria aos sujeitos passivos “repercutentes” legitimidade processual, ao menos parcial, nem a atribuiria aos “repercutidos”, a menos que estes demonstrassem, para adquirirem legitimidade concorrente e residual:
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a existência de um interesse direto e legalmente protegido na sua esfera, não bastando a invocação e comprovação, pelos repercutidos, da existência de uma repercussão, fosse ela legal, fosse ela meramente económica;
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a ausência de repercussão a jusante no circuito económico, pelos próprios repercutidos, através do preço de bens e serviços entregues ou prestados à sua própria clientela.
226. Todavia, nunca retiraria completamente aos sujeitos passivos a sua legitimidade processual, visto que – insista-se – não ocorria na CSR, à data dos factos, repercussão legal[1].
227. A complicar este raciocínio está o facto de a Lei n.º 55/2007, de 31 de outubro, não fazer qualquer referência a quem deve suportar, do ponto de vista económico, o encargo da CSR, mas apenas estabelecer, no seu artigo 5.º, n.º 1, que
“A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações”.
228. Ou seja, como referido antes, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, não remetendo, o referido artigo 5.º, n.º 1, para o artigo 2.º do CIEC, no qual se prevê a repercussão legal nos IEC, mas somente para as normas do CIEC que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.
229. Compreende-se que o legislador tenha optado por não estabelecer um conceito irrestrito de legitimidade ativa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura dessa legitimidade suscitaria:
-
quer na ligação entre o ato de liquidação do imposto, a determinação da sua efetiva repercussão económica e a determinação do seu quantum;
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quer no potencial de multiplicação de devoluções de imposto indevido, simultaneamente ao sujeito passivo e aos múltiplos repercutidos económicos dentro da cadeia de valor, de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.
230. A ter havido um qualquer grau de repercussão económica, nada impede os repercutidos de buscarem o ressarcimento através de uma ação civil de repetição do indevido instaurada contra as “repercutentes”, seja nos termos gerais do Direito nacional, seja, a nível europeu, nos termos declarados pelo TJUE em Acórdão de 20 de Outubro de 2011 (Proc. C-94/10, Danfoss A/S (§§ 24 a 29), preservando-se, por qualquer das vias, o princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (art.º 20.º da CRP).
231. Acresce que a ter havido verdadeira repercussão, mesmo repercussão plena, entre o terceiro repercutido e o Estado credor (o sujeito ativo), não existe, nem se forma, vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do imposto, não nascendo a sua obrigação da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga a faculdade de repercutir, que cabe ao sujeito passivo, e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo, quando este exerça aquela faculdade.
232. Daqui decorre que as relações entre o sujeito passivo e qualquer repercutido se regem pelo Direito Privado, uma razão suplementar, para lá do que consta dos artigos. 2.º a 4.º do RJAT, para se sustentar a incompetência do Tribunal arbitral para se envolver na ponderação dessas relações “repercutente - repercutido”, e respetivas implicações, isto, não obstante dever enfatizar-se que a circunstância de o repercutido estar à margem da relação jurídica tributária não significa que ele esteja à margem do Direito, e não lhe assista alguma proteção, ainda que num plano subalterno face à tutela reservada aos sujeitos passivos (como resulta do disposto na LGT – por exemplo, do artigo 18.º, n.º 4, al. a), em casos de repercussão legal – ou do artigo 9.º, n.º 1 do CPPT, mediante prova de “interesse legalmente protegido”).
233. Este entendimento foi expressamente acolhido na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, quando eles concluem que, na ausência de repercussão legal:
“o repercutido não tem qualquer direito que possa exercer, diretamente, contra o sujeito ativo da relação jurídica tributária, sendo que os meios de que dispõe, designadamente, para solicitar o reembolso de quantias indevidamente pagas, devem ser exercidos contra o sujeito passivo da concreta relação jurídico-tributária” (Acórdão do STA de 28/10/2020, Proc.º 0581/17.0BEALM).
234. Por outro lado, não consta do RJAT a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, como previsto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, em concreto, e de acordo com a natureza dos casos omissos, das normas de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.
235. A regra geral do direito processual, que consta do artigo 30.º do CPC, é a de que é parte legítima quem tem “interesse direto” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”, sendo a mesma regra reproduzida no processo administrativo, conferindo-se legitimidade ativa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (art.º 9.º, n.º 1 do CPTA).
236. A legitimidade no processo decorre do conceito central de “relação material”, que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um ato tributário, cujo sujeito passivo é delimitado nos termos do artigo 18.º, n.º 3 da LGT. Deste preceito resulta que a figura do “repercutido” não se enquadra na categoria de sujeito passivo, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade do repercutido só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido (n.º 1, in fine, do art.º 9.º do CPPT).
237. O artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, como já se referiu, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, nem sequer no artigo 3.º, n.º 1, quando estabeleceu que a CSR “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”, sendo ainda que, como referimos também, a remissão para o CIEC, na Lei n.º 55/2007, é expressamente circunscrita aos procedimentos de “liquidação, cobrança e pagamento”.
238. Daqui decorre que compete à AT demonstrar, nos procedimentos administrativos ou nas ações instauradas pelos sujeitos passivos da CSR, que se verificou a repercussão efetiva e completa do imposto sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional para, desse modo, evitar um reembolso do imposto indevidamente liquidado que redundasse em enriquecimento sem causa de sujeitos passivos “repercutentes”, e na possibilidade de um duplo reembolso do imposto, que ocorreria se, na ausência de litisconsórcio, os repercutidos lograssem demandar com sucesso a AT para tutela do “interesse legalmente protegido” de não serem o suporte fáctico do encargo económico de um tributo indevido, porque ilegal.
239. Ademais, há mais uma diferença entre sujeitos passivos e terceiros “repercutidos” que não podemos deixar de mencionar, em apoio da legitimidade processual dos repercutidos, como a ora Requerente: tem sido comum que a AT invoque, nos processos referentes à CSR, a ineptidão do pedido de pronúncia arbitral. A Requerida tem tido esta reação habitualmente, e teve-a no presente processo, depois de notificada e antes da constituição do tribunal arbitral, tendo o CAAD, remetido a ponderação de um tal incidente à competência do próprio tribunal arbitral a constituir, o qual deve apreciá-la como questão prévia, prejudicial da pronúncia sobre o mérito, se for o caso.
240. A razão para a AT suscitar essa questão está claramente ligada ao problema que mencionámos: é impraticável fazer prova de quais são os atos de liquidação específicos dos quais derivam, a jusante, cada uma das transações que, após a introdução no consumo, acarretam a repercussão económica por meio da incorporação do tributo nos preços, sendo portanto razoável admitir-se que, por um conjunto de circunstâncias, os repercutidos não reúnam condições para identificar os atos de liquidação, de modo a poderem solicitar a respetiva revisão, mas dever-se-á admitir que a AT também não tem condições para identificar os atos de liquidações efetuados a montante que são conexos com os atos de repercussão que a Requerente invoca.
241. Não sendo a Requerente o próprio sujeito passivo da relação tributária, isto é, quem declarou os produtos para consumo, a quem foi liquidado o imposto, e quem efetuou o correspondente pagamento, pode não estar em condições de proceder a uma identificação completa, e documentada, dos atos de liquidação específicos que pretende impugnar, por exemplo, relacionando os DIC com as faturas das vendas de combustível, e com as liquidações que sobre eles recaíram. Mas, como já se referiu, a Requerida também não está em condições, nem tem o ónus, de proceder a tal identificação.
242. Quando, na verdade, e como ficou estabelecido no Despacho do TJUE proferido no Proc. n.º C-460/21, o reembolso duplicado, ou multiplicado, é evitado pela prova, ou falta de prova, da repercussão: se não tiver havido repercussão ou ela não for provada, só o sujeito passivo tem direito ao reembolso; se tiver havido repercussão integral, e esta for provada, e não existirem efeitos comprovados ao nível de “volume de vendas”, só o repercutido terá direito ao reembolso; e o reembolso será parcial, e reverterá exclusivamente para o sujeito passivo, em caso de ter havido, e ser comprovada, uma repercussão parcial:
“(…) um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido.” [§ 42].
243. Em suma, em relação às CSR, não havia, nem há, porque seria inconstitucional, uma repercussão legal. Mas, mesmo que houvesse, ela não poderia sobrepor-se à exigência de comprovação da repercussão, lapidarmente estabelecida pelo TJUE no despacho proferido em 7 de fevereiro de 2022, no Proc. C-460/21, tendo por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado no âmbito do processo n.º 564/2020-T:
“A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas” (§39) (negrito nosso).
244. Para o caso de subsistirem dúvidas quanto à existência de “repercussões legais” ou de “repercussões presumidas”, o mesmo despacho de 7 de fevereiro de 2022 do TJUE conclui lapidarmente:
“O Direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros (…)”.
245. Atenta a sua relevância, importa aqui transcrever alguma da fundamentação do despacho, que esclarece plenamente a irrelevância, para o direito da União, de “repercussões legais”, ou de “repercussões presumidas”, mesmo quando elas existam no direito interno dos Estados-membros:
“43. Constituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá‑la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo.
44. Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos.
45. Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção.
46. O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão.
47. Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas.”
246. Daqui decorre, novamente em consonância com o decidido pelo TJUE, que o Estado não pode recusar a restituição do imposto com fundamento numa presunção de repercussão do mesmo, e consequente enriquecimento sem causa do sujeito passivo.
247. Não havendo prova concreta de efetiva repercussão, e de repercussão plena, do imposto, mas meros juízos presuntivos, e não havendo prova de que a repercussão que tenha existido não tenha redundado numa quebra de vendas e de receitas dos sujeitos passivos e demais “repercutentes” a montante da Requerente, e que portanto a restituição redunde necessariamente em enriquecimento sem causa dos sujeitos passivos, não existirá fundamento para recusar aos sujeitos passivos o reembolso do imposto indevidamente pago, sendo essa a consequência natural da declaração de ilegalidade das liquidações.
248. Assim, independentemente de haver, ou não, “repercussão legal”, ou “repercussão presumida” na lei portuguesa, que já vimos não ter havido quanto à CSR, nem à data dos factos, nem posteriormente, as pretensões da Requerente só valeriam, nos termos do direito da União, se tivesse sido feita prova de uma repercussão total e efetiva da CSR sobre terceiros, consumada a partir das primeiras transações dos sujeitos passivos com a respetiva clientela a jusante, e adicionalmente a prova de que a Requerente é consumidor final (isto é, sem a possibilidade de também ela repercutir o tributo); e de que o reembolso da CSR paga não constituiria um efetivo enriquecimento sem causa dos “repercutentes” ou dos “repercutidos”.
249. Aqui chegados, há que dizer que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, pela ordem disposta pelo artigo 124.º do CPPT, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – art.º 608.º do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, als. c) e e) do RJAT.
250. Assim, atenta a apreciação que o Tribunal fez das exceções invocadas pela Requerida, pelas razões supra enunciadas, considera-se procedente a exceção de ineptidão da petição inicial – Da falta de objeto.
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DECISÃO
Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:
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Declarar nulo o processo, por ineptidão da petição inicial;
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Absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira;
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Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 68.146,68 (sessenta e oito mil cento e quarenta e seis eurosl e sessenta e oito cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).
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CUSTAS
O valor das custas é fixado em € 2.448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 5 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de outubro de 2024
O Presidente do Tribunal Arbitral
José Poças Falcão
O Árbitro vogal
Pedro Miguel Bastos Rosado
(vencido nos termos da declaração anexa)
O Árbitro vogal
Jesuíno Alcântara Martins
Declaração de voto de vencido
Votei vencido quanto a questão da procedência da exceção de ineptidão da petição inicial, pelas seguintes razões:
A AT defende que o pedido de pronúncia arbitral é inepto por a Requerente não identificar os atos que são objeto do pedido arbitral, como exige a alínea b) o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT.
O artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.
Não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
No artigo 186.º, n.º 1, do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que «se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial».
No caso em apreço é manifesto que a ineptidão arguida pela AT não se enquadra nas referidas alíneas b) e c), pelo que só se pode aventar o seu enquadramento na alínea a).
No que concerne à alínea a), não se estando perante uma situação de falta do pedido ou de causa de pedir, apenas se poderá enquadrar a arguição no conceito de inteligibilidade.
No entanto, percebe-se o que pretende a Requerente com os pedidos que formula:
– declarar a ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;
– anulação, quanto à CSR, das liquidações relacionadas com as facturas, emitidas nos anos de 2019 a 2022, pelas empresas fornecedoras da Requerente.
– reembolso das quantias suportadas a esse título, acrescido de juros indemnizatórios.
A eventual dificuldade que a AT possa ter para identificar as liquidações que ela própria emitiu aos fornecedores de combustíveis relacionadas com as faturas em causa, é um problema de organização dos seus serviços, pelo que é ela própria quem deve suportar os seus hipotéticos inconvenientes
Por outro lado, a liquidação da CSR era efetuada com base nas DIC, que deviam ser processadas até ao final do dia útil seguinte àquele em que ocorra a introdução no consumo (artigo 10.º, n.ºs 1 e 3, do CIEC), pelo que se afigura que não era impossível à AT apurar qual a DIC relacionada com cada fatura e a respetiva liquidação que emitiu.
Para além disso, a falta de indicação das liquidações pela Requerente está perfeitamente justificada, pois elas foram emitidas pela AT às empresas que efetuaram a introdução no consumo e não foram notificadas à Requerente.
Neste contexto, não era exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a AT emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa, nem essa identificação é necessária para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas em causa.
Pelo menos no que respeita às liquidações das empresas que submeteram as DIC e que venderam combustíveis à Requerente.
A exigência de identificação das liquidações, numa situação deste tipo, em que o repercutido não tem possibilidade de as identificar e a identificação não é imprescindível para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade, ínsito no artigo 18.º da CRP, e o direito à tutela judicial efetiva garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnar contenciosamente atos que lhe aplicam tributação e lesam a sua esfera jurídica.
A desproporcionalidade de um juízo no sentido da ineptidão que privaria a Requerente de obter a apreciação jurisdicional para a sua pretensão é especialmente evidente numa situação em que a Autoridade Tributária e Aduaneira, que tem poderes de exigir das empresas fornecedoras de combustíveis os esclarecimentos necessários sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiro (artigo 59.º, n.º 4, da LGT), não mostrou ter efetuado qualquer diligência, na sequência do pedido de revisão oficiosa, para identificação das liquidações conexionadas com as faturas juntas pela Requerente.
Isto é, à face do que consta dos autos, está-se perante uma situação em que a falta de identificação das liquidações de CSR é objetivamente imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, por ser único sujeito processual a quem a lei confere poderes que permitiriam apurar tal identificação. E, por isso não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a AT se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios. A indevida inércia da Autoridade Tributária e Aduaneira não pode ser fundamento da aplicação à Requerente da sanção processual que a ineptidão da petição inicial consubstancia.
Como atrás se referiu, e salvo o devido respeito, que é muito, no caso em apreço é manifesto que a ineptidão arguida pela AT não se enquadra nas referidas alíneas b) e c), pelo que só se poderia aventar o seu enquadramento na alínea a).
No que concerne à repercussão da CSR na Requerente, considera-se que é de presumir, à face das regras da experiência que os Árbitros devem aplicar na apreciação dos factos, de harmonia com o disposto no artigo 16.º, alínea c), do RJAT. Pelo menos no que respeita às liquidações da E..., S.A., que submeteu as DIC e que, pelo menos em parte, vendeu combustíveis à Requerente.
A repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis é manifestamente pretendida pela lei, ao estabelecer que o financiamento da rede rodoviária nacional «é assegurado pelos respectivos utilizadores» e que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis» (artigos 2.º e 3.º do CIEC na redação anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro).
Assim, a existência de repercussão do tributo no consumidor final numa situação em que a lei pretende que ela exista, como sucede com a CSR, tem de se presumir, à face das regras da experiência que os árbitros devem aplicar na fixação da matéria de facto, pois trata-se de uma situação normal, que corresponde ao andamento natural das coisas, quod plerumque accidit.
Neste contexto, deve dizer-se que a presunção de que ocorre repercussão quando ela está prevista na lei e não há qualquer facto que permita duvidar da correspondência do facto presumido à realidade, não é incompatível com o Direito da União, designadamente à face do Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no processo C-460/21.
O que aí se refere, relativamente a prova de uma situação de enriquecimento sem causa, que constitui exceção ao direito ao reembolso de quantias cobradas em violação do Direito da União, é que «o direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42)».
Isto é, o que o TJUE considera incompatível com o Direito da União é a utilização exclusiva de uma presunção de repercussão para prova de uma situação excecional de enriquecimento sem causa, derivada de omissão de repercussão, impedindo ao operador que devia fazer a repercussão a apresentação de elementos de prova destinados a demonstrar que não ocorreu.
Mas, no caso em apreço, o que esta em causa não é a prova de uma situação de exceção, mas sim a prova da situação normal de ter existido a repercussão pretendida por lei e não há obstáculos a que seja apresentada prova de que a repercussão não ocorreu, abalando a operacionalidade da referida presunção natural. O que sucede, é que nenhuma prova foi apresentada que permita entrever que a repercussão não tenha ocorrido.
Por outro lado, é manifesta a acrescida dificuldade de prova positiva da repercussão, em situação em que a Requerente apenas tem na sua posse as faturas em que apenas se indica o preço em que se presume estar incluída a CSR e essa acentuada dificuldade deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina "iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur".
Por outro lado, «a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» (artigo 58.º da LGT), pelo que tinha o dever de diligenciar, na sequência da apresentação do pedido de revisão oficiosa, no sentido de apurar quais as liquidações que ela própria emitiu e os pagamentos que recebeu relativas ao pagamento de CSR pela fornecedora de combustíveis e confirmar ou não se foram ou não efetuados os pagamentos das faturas pela Requerente, se necessário através de exame à contabilidade da Requerente e informações bancárias.
É apenas nas situações em que, após a produção das provas e a realização de diligências necessárias para apurar a factualidade relevante para a decisão, subsistem dúvidas sobre factos em que deve assentar a decisão que funcionam as regras do ónus da prova, valorando procedimentalmente as dúvidas contra aquele a quem é atribuído o ónus da prova.
As regras do ónus da prova não significam que seja sobre a parte à qual ele é atribuído que recai o dever de trazer ao processo os meios de prova dos factos relevantes para decisão, dispensando a parte contrária de tal tarefa, pois a Administração Tributária nunca está dispensada de, em cumprimento do princípio do inquisitório, antes de aplicar as regras do ónus da prova, «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido», por força do artigo 58.º da LGT.
«No procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares»
(artigo 50.º do CPPT), independentemente de o ónus da prova recair ou não sobre o contribuinte.
A expressão «todas as diligências necessárias» não dá margem para interpretação restritiva quanto aos deveres de realização de diligências que a lei impõe a AT.
O princípio do inquisitório, enunciado este artigo 58.º da LGT, situa-se a montante do ónus de prova (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.
Por isso, não podem aplicar-se as regras do ónus da prova contra o sujeito passivo, valorando contra ele as dúvidas sobre a matéria de facto, em situação em que não foi cumprido adequadamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira o princípio do inquisitório: se houve omissão absoluta de diligências no procedimento que tinham potencialidade para esclarecer os factos relevantes para a apreciação da causa, a falta de prova tem de ser valorada contra a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Pelo exposto, é meu entendimento que o Tribunal deveria ter julgado improcedente a exceção da ineptidão de todo o pedido de pronúncia arbitral e apreciado o mérito do pedido. E então, na análise do mérito, decidir-se pela procedência ou improcedência, total ou parcial, do pedido.
Neste sentido, entre outros, o acórdão proferido no âmbito do processo nº 1015/2023-T, que subscrevi.
O Árbitro
Pedro Miguel Bastos Rosado
[1] A jurisprudência do STA já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao actual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tinha legitimidade para impugnar a respectiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (cfr. Acórdão de 1 de Outubro de 2003, Proc. n.º 0956/03).