Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 119/2024-T
Data da decisão: 2024-10-15  IRC  
Valor do pedido: € 1.768.435,20
Tema: IRC – Menos-valias decorrentes da transmissão de unidades de participação em fundo de investimento imobiliário subscritas / adquiridas antes da entrada em vigor do DL 7/2015 (01-07-2015). Regime transitório.
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SUMÁRIO

  1. Por força das alterações produzidas pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (em vigor desde 01-07-2015), o n.º 13 do artigo 22.º-A do EBF passou a dispor o seguinte: “Para efeitos da aplicação deste regime, os rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário e as participações sociais em sociedades de investimento imobiliário, incluindo as mais-valias que resultem da respetiva transmissão onerosa, resgate ou liquidação, são considerados rendimentos de bens imóveis.”
  2. O n.º 13 do artigo 22.º-A do EBF passou, assim, a remeter (ainda que implicitamente) para o artigo 47.º do Código do IRC, sob a epigrafe “Correcção monetária das mais-valias e das menos-valias”, do qual resulta que, nas circunstâncias nele descritas, o valor de aquisição de bens imóveis é atualizado mediante aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda para o efeito publicados em portaria do Ministro das Finanças, não sendo, no entanto, tal atualização aplicável a instrumentos financeiros que não partes de capital (aqui se incluindo as unidades de participação em fundos de investimento).
  3. Do regime transitório contido do n.º 9 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, retira-se que, para efeitos de determinação de mais-valias ou menos-valias resultantes da transmissão onerosa das unidades de participação (incluindo a respetiva liquidação ou resgate), considera-se, como valor de aquisição, o mais elevado dos seguintes valores: (a) o valor de mercado à data de início da produção de efeitos da redação dada ao artigo 22.º do EBF pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (01-07-2015), ou (b) o valor de aquisição das mesmas.
  4. Não havendo dúvida de que o n.º 13 do artigo 22.º-A do EBF, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, se aplica à transmissão de unidades de participações subscritas / adquiridas e transmitidas em 01-07-2015 ou posteriormente, a conclusão lógica é que o legislador pretendeu, ao introduzir o n.º 9 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (regime transitório), regulamentar a tributação dos rendimentos respeitantes a unidades de participações subscritas ou adquiridas antes de 01-07-2015 e transmitidas nessa data ou posteriormente, sem distinguir entre fundos de investimento mobiliários e fundos de investimento imobiliários.
  5. Do princípio de que “o legislador se exprimiu de forma correta e completa” (consagrado no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil) imana o princípio de que “onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir” (“Ubi lex non distinguir nec nos distinguere debemus”), ambos aceites pelos Tribunais Superiores como regras clássicas da hermenêutica.
  6. Em consequência, para efeitos de cálculo das mais-valias e as menos-valias decorrentes da transmissão de unidades de participações em fundos de investimento imobiliário subscritas ou adquiridas antes de 01-07-2015 (data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro) e transmitidas nessa data ou posteriormente, o valor de aquisição das mesmas é determinado nos termos do n.º 9 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (regime transitório), sem aplicação do disposto no n.º 13 do artigo 22.º-A do EBF, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, ou dos coeficientes de desvalorização da moeda ao abrigo do artigo 47.º do Código do IRC.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Dr. Hugo Freire Gomes e a Dra. Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral no processo identificado em epígrafe, acordam no seguinte:

 

I.       RELATÓRIO

  1. A..., SGPS, S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede em ..., ..., ...-..., Maia (“a Requerente”), veio, em 29-01-2024, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a), e 15.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“AT” ou “Requerida”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação parcial do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023..., apresentada com referência à autoliquidação de IRC relativa ao período de tributação de 2021 (“Autoliquidação Contestada”), e da mesma autoliquidação de IRC.
  2. Cumpridos os necessários e legais trâmites processuais, designadamente os previstos no RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, foi constituído Tribunal Arbitral Coletivo, em 09-04-2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
  3. Notificada nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, veio a AT apresentar resposta em 14-06-2024, defendendo-se por impugnação e suscitando a exceção dilatória de incompetência do tribunal arbitral tributário em razão da matéria.
  4. Em 11-09-2024, as partes foram notificadas do seguinte despacho arbitral:

“1. Ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da livre determinação das diligências de prova necessárias (cf. artigo 16.º, alíneas c) e e), do RJAT), e considerando a inexistência de prova testemunhal por produzir, o Tribunal Arbitral dispensa a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT.

2. Notifique-se as partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas (simultâneas) no prazo de 10 dias, devendo a Requerente pronunciar-se sobre a exceção suscitada pela AT Requerida juntamente com as mesmas.

3. Notifique-se a Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente no prazo referido no ponto anterior.

4. Notifique-se as partes de que a decisão arbitral será proferida até ao final do prazo do artigo 21.º, n.º 1, do RJAT”.

  1. A Requerente apresentou alegações em 19-09-2024, tendo a Requerida apresentado as suas alegações em 26-09-2024.

 

II.    SANEADOR

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
  2. Na resposta, a Requerida invocou a incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer e deferir o recálculo das mais-valias ou menos-valias fiscais relativas ao resgate das unidades de participação subscritas ou adquiridas em período anterior a 30 de junho de 2015, visto que, nos termos RJAT e da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março, o Tribunal Arbitral apenas tem competência para declarar a ilegalidade de atos de autoliquidação, e já não para condenar a AT ao reconhecimento de uma quantia certa.

Cumpre apreciar.

  1. Com o PPA, a Requerente peticiona a declaração de ilegalidade e anulação parcial de um ato de indeferimento de reclamação graciosa e de uma autoliquidação de IRC, com fundamento em erro no cálculo de uma menos-valia fiscal.
  2. Ora, não obstante a Requerente referir, no PPA, as consequências de tal declaração de ilegalidade e anulação, a lei é clara no sentido de que o Tribunal Arbitral é competente para apreciar pedidos de declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação (cf. resulta do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março), sendo também competente para apreciar a legalidade dos atos de indeferimento de reclamações graciosas apresentadas com referência aos mesmos.
  3. Improcede, assim, a suscitada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer e apreciar o PPA apresentado pela Requerente em 29-01-2024.
  4. O PPA é tempestivo uma vez que foi apresentado em 29-01-2024, i.e., no prazo de 90 dias previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, contado a partir da notificação do ato de indeferimento de reclamação graciosa impugnado (07-11-2023).
  5. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 
  6. Não se verificam nulidades. As partes não suscitaram outras exceções ou questões previas suscetíveis de obstar à apreciação do mérito do PPA.

 

  1. QUESTÕES DECIDENDAS

 

  1. As partes contendem quanto ao montante da menos-valia decorrente da liquidação Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado B... (“Fundo B...”) em 2021. A Requerente e as sociedades do respetivo grupo inscreveram, nas respetivas Modelos 22 relativas ao período de 2021, uma dedução no montante de € 977.358,37, correspondente à diferença entre os resultados contabilístico (€ 10.516.070,42) e fiscal (€ 11.493.428,79) associados à extinção das 141.000 unidades de participação do referido fundo.
  2. Por considerar que o montante da menos-valia fiscal em apreço (€ 11.493.428,79) não se encontra corretamente apurado, à luz das disposições constantes do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, que introduziu o novo regime fiscal dos Organismos de Investimento Coletivo (“OIC”), assim como o regime aplicável aos rendimentos obtidos pelos participantes em OICs (nos quais se incluem os rendimentos decorrentes da alienação, liquidação e resgate de unidades de participação), a Requerente apresentou reclamação graciosa peticionando a anulação (parcial) da mesma, na parte relativa ao montante da menos-valia fiscal resultante da extinção do Fundo B... .
  3. A AT indeferiu parcialmente esta reclamação graciosa, designadamente, quanto ao pedido de recálculo da menos-valia fiscal relativa às unidades de participação subscritas ou adquiridas em período anterior a 30 de junho de 2015. A Requerente apresentou o PPA que deu origem aos presentes autos, pugnando pela ilegalidade e anulação (parcial) do ato de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou, e da autoliquidação de IRC a ele subjacente, porquanto, no seu entender, a AT incorreu simultaneamente em erro nos pressupostos de facto e erro na aplicação do Direito.
  4. Com base na posição das partes refletida nos respetivos articulados, cumpre ao Tribunal Arbitral apreciar e decidir a seguinte questão:
  1. Se, para efeitos de cálculo das mais-valias e menos-valias decorrentes da liquidação de fundos de investimento imobiliário e das respetivas unidades de participação (instrumentos financeiros que não partes de capital), quando estas sejam subscritas ou adquiridas em período anterior a 30-05-2015 (ou seja, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro) e liquidadas / extintas após esta data, o valor de aquisição das unidades de participação deverá ser determinado:
  1. Sem aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda previstos no artigo 47.º do Código do IRC, correspondendo ao maior dos valores estabelecidos no n.º 9 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro: (A) o valor de mercado à data de início da produção de efeitos da redação dada ao artigo 22.º do EBF pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (01-07-2015), ou (B) o valor (histórico) de aquisição das mesmas, como defende a AT Requerida; ou
  2. Com aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda previstos no artigo 47.º do Código do IRC, por força do disposto no n.º 13 do artigo 22.º-A do EBF (na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro), como defende a Requerente.
  1. A título subsidiário, caso o entendimento da Requerente seja acolhido pelo Tribunal Arbitral, cumpre determinar o montante da menos-valia fiscal que deveria ter sido deduzido na declaração Modelo 22 respeitante ao período de 2021, sendo que a Requerida disputa que a Requerente tenha junto elementos que permitam aferir dos cálculos em que se baseou.

 

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

§1.     Factos provados

  1. Com relevo para a decisão, considera-se provada a seguinte matéria de facto:
  1. A Requerente dedica-se à gestão de participações sociais como forma indireta de exercício de atividades económicas, atuando como sociedade dominante de um grupo de sociedades que se encontra enquadrado, em termos de IRC, no Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (cf. alegado nos artigos 1.º e 2.º do PPA, e referido no ato de indeferimento da reclamação graciosa junto ao PPA como Documento 5).
  2. Do aludido grupo fiscal faziam parte, por referência ao período de tributação de 2021, as seguintes sociedades (“Grupo”) (cf. alegado no artigo 3.º do PPA, e referido no ato de indeferimento da reclamação graciosa junto ao PPA como Documento 5):

- C..., S.A., pessoa coletiva n.º ... (“C...”);

-D…, S.A., pessoa coletiva n. º … (“D…”); 

- E..., S.A., pessoa coletiva n.º E... (“E...”);

- F... S.A., pessoa coletiva n.º ... (“F...”).

  1. No âmbito da sua atividade, sociedades do Grupo realizaram diversos investimentos, tendo, designadamente, subscrito unidades de participação do Fundo B..., registado junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (“CMVM”) e identificado pelo NIF n.º..., o qual se encontra abrangido pelo regime especial aplicável a estas entidades previsto no artigo 22.º do EBF (cf. alegado no artigo 10.º do PPA, e referido no ato de indeferimento da reclamação graciosa junto ao PPA como Documento 5).
  2. Em 2021, o Fundo B... foi liquidado, tendo as sociedades do Grupo contabilizado uma menos-valia contabilística no montante de € 10.516.070,42 e menos-valia fiscal no montante de € 11.493.428,79, decorrente da extinção das 141.000 unidades de participação do referido fundo (cf. alegado no artigo 11.º do PPA, e referido no ato de indeferimento da reclamação graciosa junto ao PPA como Documento 5).
  3. Qualificadas enquanto instrumentos de capital próprio nos termos da Norma Internacional de Contabilidade (“NIC”) 32 – Instrumentos Financeiros, estas unidades de participação foram mensuradas ao justo valor através de resultados, nos termos da International Financial Reporting Standard 9, mas, para efeitos fiscais, os rendimentos e gastos de justo valor das mesmas não foram considerados, em cumprimento do disposto no n.º 9 do artigo 18.º do Código do IRC (cf. alegado nos artigos 32.º a 35.º do PPA, e não contestado pela Requerida).
  4. Em 01-06-2022, a Requerente submeteu a sua declaração individual de rendimentos (Modelo 22) do IRC, com referência ao período de tributação de 2021, tendo apurado um resultado fiscal negativo no montante de € 6.996.315,75 (cf. Documento n.º 2 junto ao PPA).
  5. Em 03-06-2022, a Requerente submeteu a declaração de rendimentos (Modelo 22) do IRC do Grupo, com referência ao período de tributação de 2021, tendo apurado um resultado fiscal negativo no montante de € 42.215.569,03, decorrente da soma algébrica dos resultados fiscais das empresas que o compõem (cf. Documentos n.ºs 1 e 5 juntos ao PPA).
  6. Nas suas declarações individuais de rendimentos (Modelo 22) do IRC, com referência ao período de tributação de 2021, as sociedades do Grupo efetuaram uma dedução no montante de € 977.358,37, correspondente à diferença entre o resultado contabilístico (€ 10.516.070,42) e o resultado fiscal (€ 11.493.428,79) decorrentes da extinção das 141.000 unidades de participação do Fundo B... (cf. alegado no artigo 12.º do PPA e Documento n.º 3 junto ao PPA).
  7. Em 16-06-2023, a Requerente apresentou reclamação graciosa peticionando a anulação parcial da autoliquidação de IRC que submeteu com referência ao período de tributação de 2021, por entender que, erradamente, não aplicou os coeficientes de desvalorização monetária no cálculo das mais-valias e menos-valias fiscais decorrentes da liquidação do Fundo B... (cf. referido no ato de indeferimento da reclamação graciosa junto ao PPA como Documento 5).
  8. Em 07-11-2023, a Requerente foi notificada da decisão final da reclamação graciosa, na qual a AT:

- Deferiu o pedido de recálculo das mais ou menos-valias fiscais relativas ao resgate das unidades de participação subscritas ou adquiridas em período posterior a 30 de junho de 2015 (i.e., com a produção de efeitos do regime explanado no Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro), e

- Indeferiu o pedido de recálculo das mais ou menos-valias fiscais relativas ao resgate das unidades de participação subscritas ou adquiridas em período anterior a 30 de junho de 2015, com os seguintes fundamentos:

 

 

 

(cf. Documento n.º 5 junto ao PPA)

  1. A Requerente apresentou o PPA que deu origem aos presentes autos em 29-01-2024.

§2.     Factos não provados

  1. Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados.

§3.     Motivação quanto à matéria de facto

  1. Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  2. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental junta aos autos pelas partes.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

§1.     Legislação relevante

Reforma na tributação dos rendimentos obtidos em virtude de distribuição, resgate ou alienação das unidades de participação (2015)

  1. Os OIC beneficiam de um regime especial de tributação que se encontra previsto no artigo 22.º do EBF, artigo este que sofreu profundas alterações em 2015 com a aprovação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, com efeitos a partir de 01-07-2015. Em traços gerais, os rendimentos típicos dos OIC deixaram de ser objeto de um encargo efetivo em sede de IRC, sendo, no entanto, os seus participantes tributados em sede de IRS e de IRC quanto aos rendimentos que dos fundos sejam obtidos. Consequentemente, o legislador introduziu o artigo 22.º-A do EBF, com a epígrafe “Rendimentos pagos por organismos de investimento coletivo aos seus participantes”, em que a tributação na esfera dos participantes incide essencialmente nos rendimentos obtidos em virtude de distribuição, resgate ou alienação das unidades de participação.

 

Reforma da tributação dos rendimentos respeitantes a unidades de participação em fundos de investimento imobiliário

  1. O artigo 22.º, n.º 7, do EBF, na redação anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, dispunha o seguinte: “Aos rendimentos respeitantes a unidades de participação em fundos de investimento imobiliário aplica-se o regime fiscal idêntico ao estabelecido nos n.os 2, 3, 4 e 5 para os rendimentos respeitantes a unidades de participação em fundos de investimento mobiliário”.
  2. Por força das alterações produzidas pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, o n.º 13 do referido artigo 22.º-A do EBF passou a dispor o seguinte: “Para efeitos da aplicação deste regime, os rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário e as participações sociais em sociedades de investimento imobiliário, incluindo as mais-valias que resultem da respetiva transmissão onerosa, resgate ou liquidação, são considerados rendimentos de bens imóveis.”

Regime transitório

  1. O regime transitório previsto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, na parte relevante, determina, para efeitos de tributação nos termos do novo artigo 22.º-A do EBF, o seguinte:

“9 – A tributação dos rendimentos das unidades de participação ou das ações auferidos pelos participantes ou acionistas dos organismos de investimento coletivo nos termos do novo artigo 22.º-A do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, incide apenas sobre a parte dos rendimentos gerados a partir da data de início de produção de efeitos deste diploma, considerando-se, para efeitos de determinação de mais-valias ou menos-valias resultantes da transmissão onerosa das unidades de participação ou das participações sociais, como valor de aquisição o valor de mercado à data de início da produção de efeitos da redação dada ao artigo 22.º do EBF pelo presente decreto-lei ou, se superior, o valor de aquisição das mesmas.

10 – Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se distribuídos ou resgatados aos participantes, em primeiro lugar e até à sua concorrência, os rendimentos gerados até à data de início da produção de efeitos da redação dada pelo presente decreto-lei e que, até essa data, não tenham sido distribuídos ou resgatados, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 2 a 5, 7, 10 e 14 do artigo 22.º, na redação anterior.”

Tributação das mais-valias e menos-valias em sede de IRC

  1. O artigo 46.º do Código do IRC, sob a epigrafe “Conceito de mais-valias e de menos-valias”, na parte relevante, dispõe o seguinte:

“1 — Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a:

 

a) Ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis, ativos biológicos não consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes ativos tenha sido reclassificado como ativo não corrente detido para venda; (Rectificada pela Dec.Rectificação n.º 67-A/2009 - 11/09)

 

b) Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º

 

2 — As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.º-A, 31.º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31.º-A.

(...)”

  1. O artigo 47.º do Código do IRC, sob a epigrafe “Correcção monetária das mais-valias e das menos-valias”, na parte relevante, dispõe o seguinte:

“1 — O valor de aquisição corrigido nos termos do n.º 2 do artigo anterior é actualizado mediante aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda para o efeito publicados em portaria do Ministro das Finanças, sempre que, à data da realização, tenham decorrido pelo menos dois anos desde a data da aquisição, sendo o valor dessa actualização deduzido para efeitos da determinação do lucro tributável.

2 — A correcção monetária a que se refere o número anterior não é aplicável aos instrumentos financeiros, salvo quanto às partes de capital.”

 

Concluindo...

  1. Da conjugação destes preceitos, retira-se, para efeitos de cálculo das mais-valias e menos-valias decorrentes da liquidação de fundos de investimento e das respetivas unidades de participação (instrumentos financeiros que não partes de capital), retira-se o seguinte:
  1. Antes da aprovação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (em vigor desde 01-07-2015), o valor de aquisição das unidades de participação não era atualizado mediante aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda para o efeito publicados em portaria do Ministro das Finanças, nos termos do artigo 47.º, n.º 2, do Código do IRC;

 

  1. Após a aprovação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (em vigor desde 01-07-2015):

 

  1. O valor de aquisição das unidades de participação em fundos de investimento mobiliário mantém-se inalterada, ou seja, sem a atualização prevista no artigo 47.º do Código do IRC;

 

  1. O valor de aquisição das unidades de participação em fundos de investimento imobiliário é determinado segundo as regras aplicáveis aos bens imóveis (cf. o n.º 13 do referido artigo 22.º-A do EBF, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro), ou seja, com aplicação da correção monetária prevista no artigo 57.º do Código do IRC.

 

  1. As partes contendem quanto à aplicação do 47.º do Código do IRC, por força do n.º 13. do artigo 22.º-A do EBF, na determinação do valor de aquisição das unidades de participação do Fundo B... que a Requerente e as sociedades do Grupo subscreveram ou adquiriram antes de 01-07-2015.

§2.     Posição das partes quanto valor de aquisição das unidades de participação subscritas ou adquiridas em período anterior a 01-07-2015 (i.e., antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro), quando o respetivo fundo seja liquidado após 01-07-2015.

  1. Na sua declaração de rendimentos (Modelo 22) relativa ao período de 2021, a Requerente procedeu ao apuramento de mais-valias e menos-valias fiscais com referência às unidades de participação no Fundo B... (liquidado em 2021), nos termos do artigo 46.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código do IRC, sem aplicar os coeficientes de desvalorização da moeda ao valor de aquisição de tais ativos ao abrigo do artigo 47.º do Código do IRC.
  2. Alega a Requerente que considerou, erradamente, como valor de aquisição das unidades de participação no Fundo B..., o valor de mercado das participações a 30-06-2015 (porque superior ao valor de aquisição das mesmas), em conformidade com o n.º 9 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015. Porquanto a Requerente e as sociedades do Grupo sofreram uma menos-valia associada à liquidação de um fundo de investimento imobiliário, entende a Requerente que deveria ter aplicado o disposto no n.º 13 do artigo 22.º-A do EBF, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, e considerado o disposto no artigo 47.º do Código do IRC, que determina a aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda ao valor de aquisição de imóveis. Argumenta a Requerente que a data de aquisição ou subscrição de unidades de participação nada diz sobre a data em que os rendimentos pelas mesmas foram gerados: o facto de a data de aquisição de uma unidade de participação ser anterior a 01-07-2015 não implica, nem pode implicar, que todo e qualquer rendimento que venha a advir dessa unidade de participação remonte à data de aquisição da mesma.
  3. A Requerida defende que o n.º 13. do artigo 22.º-A do EBF, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, apenas se aplica à liquidação de unidades de participação subscritas ou adquiridas após 30-06-2015, cujos rendimentos se consideram como gerados a partir do início da produção de efeitos do diploma (01-07-2015). Isto porque, segundo a Requerida, nos termos do n.º 9 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, o novo regime é apenas aplicável aos rendimentos gerados após 01-07-2015. Contrariamente, aos rendimentos gerados ao abrigo do regime anterior são aplicáveis as regras anteriormente aplicáveis.

§3.     Apreciação do Tribunal Arbitral

  1. Considerando o teor da decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa apresentada pela Requerente e a posição das partes vertida nos articulados, cumpre ao Tribunal Arbitral determinar se o n.º 13 do artigo 22.º-A do EBF, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (em vigor desde 01-07-2015), e por esta via, se a correção monetária prevista no artigo 47.º do Código do IRC, são aplicáveis no cálculo de:

(1) Mais-valias e menos-valias associadas a todas as unidades de participação de fundos de investimento imobiliário liquidados após 30-06-2015, independentemente de saber se as respetivas unidades de participação foram subscritas ou adquiridas antes ou depois de 30-06-2015 (como defende a Requerente), ou

(2) Mais-valias e menos-valias associadas a todas as unidades de participação de fundos de investimento imobiliário liquidados após 30-06-2015, apenas quando as mesmas tenham sido subscritas ou adquiridas apenas após 30-06-2015 (como defende a Requerida).

  1. Não havendo dúvida de que o artigo 22.º-A do EBF, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor desde 01-07-2015, se aplica à transmissão de unidades de participações subscritas ou adquiridas e transmitidas nessa data ou posteriormente, a conclusão lógica é que o legislador pretendeu com o n.º 9 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, regulamentar a tributação dos rendimentos respeitantes a unidades de participações subscritas ou adquiridas antes de 01-07-2015 e transmitidas nessa data ou posteriormente.
  2. Da letra do n.º 9 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, resulta também claro que, para efeitos de determinação de mais-valias ou menos-valias resultantes da transmissão onerosa das unidades de participação (aqui se incluindo a respetiva liquidação ou resgate), considera-se, como valor de aquisição, o mais elevado dos seguintes valores: (a) o valor de mercado à data de início da produção de efeitos da redação dada ao artigo 22.º do EBF pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (01-07-2015), ou (b) o valor de aquisição das mesmas.
  3. Com relevância para o diferendo entre as partes, note-se primeiramente que o n.º 9 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, não distinguiu entre unidades de participação em fundos de investimento mobiliário e imobiliário, opção esta que não se pode ignorar à luz das regras clássicas da hermenêutica.
  4. Do princípio de que “o legislador se exprimiu de forma correta e completa” (consagrado no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, onde se pode ler: “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”) imana o princípio de que “onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir” (“Ubi lex non distinguir nec nos distinguere debemus”), ambos aceites pelos Tribunais Superiores como regras clássicas da hermenêutica (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.6.1993, processo n.º 084774; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.3.2015, processo n.º 4/2015; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17.6.2021, processo n.º 931/10.0BELSB; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 8.6.2012, processo n.º 01901/10.3BEBRG; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 17.2.2022, processo n.º 00419/12.4BEPRT).
  5. Visto que o regime transitório contido nos n.ºs 9 e 10 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, nada refere a propósito de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário, ou das mais-valias que resultem da respetiva transmissão onerosa, resgate ou liquidação, resta concluir que o legislador não pretendeu aplicar o regime fiscal das mais-valias e menos-valias derivadas da transmissão de imóveis, em geral, e o disposto no artigo 47.º do Código do IRC, em especial, a rendimentos respeitantes a unidades de participações em fundos de investimento imobiliário adquiridas antes de 01-07-2015 e transmitidas nessa data ou posteriormente.
  6. Acresce que não deslumbramos razão substantiva imperiosa para nos afastarmos do teor literal dos preceitos em causa. Quanto, em momento anterior a 01-07-2015, a Requerente e as sociedades do Grupo subscreveram ou adquiriram unidades de participação no Fundo B..., tinham conhecimento que, aquando da transmissão das mesmas, o valor de aquisição não seria atualizado nos termos do artigo 47.º do Código do IRC, nem determinado com referência às regras aplicáveis às mais-valias e menos-valias imobiliárias. Assim, a não aplicação destes preceitos no caso sub judice não frusta quaisquer expetativas legítimas da Requerente e das sociedades do Grupo.
  7. Pelo exposto, resta ao Tribunal Arbitral julgar o PPA totalmente improcedente.

§4.     Questões de conhecimento prejudicado

  1. Considerando que o Tribunal Arbitral não acolheu o entendimento subscrito pela Requerente, fica prejudicada a apreciação da questão relativa ao montante da menos-valia fiscal que deveria ter sido deduzido na declaração Modelo 22 respeitante ao período de 2021.

 

  1. DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar integralmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.768.435,20.

 

  1. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 23.256,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida em razão do decaimento.

Notifique-se.

 

CAAD, 15 de outubro de 2024    

 

Os árbitros,

 

 

 

Rita Correia da Cunha

(Presidente)

 

 

 

Hugo Freire Gomes

 

Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho