SUMÁRIO:
I. A revogação do acto tributário que é objecto principal do pedido de pronúncia arbitral, mesmo após o decurso do prazo estabelecido pelo art.º 13.º do RJAT, e já depois da constituição do tribunal arbitral, importa a inutilidade superveniente da lide no que respeita ao pedido de declaração de ilegalidade desse acto tributário.
II. É, nesse caso, a Requerida responsável pelas respectivas custas.
III. Declarando os Requerentes o seu interesse na continuação do processo, uma vez que a revogação do acto tributário impugnado não abrangeu o pedido de juros indemnizatórios, que foi expressamente indeferido, conclui-se que a inutilidade superveniente da lide abrange apenas o pedido de pronúncia arbitral principal, devendo o tribunal apreciar, no mérito, a pretensão dos Requerentes que sobreviveu à revogação do acto tributário objecto do processo, a saber, o pedido de juros indemnizatórios.
IV. Nos termos do n.º 1 do art.º 43.º da LGT, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, por não haver erro imputável aos serviços, quando se promove a liquidação do imposto em conformidade com o declarado, erroneamente, pelo contribuinte. Contudo, deve ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 43.º da LGT, a partir do período de um ano após a apresentação de reclamação graciosa.
DECISÃO ARBITRAL
-
Relatório
A - Geral
-
A... e B..., contribuintes fiscais n.º ... e n.º..., respetivamente, com domicílio na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa (de ora em diante designados “Requerentes”), apresentaram no dia 14.02.2024 um pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, que foi aceite, visando, em termos imediatos, a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023..., que teve por objeto a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (de ora em diante “IRS”) n.º 2023..., referente ao período de tributação de 2022, no montante de € 114.614,18 (cento e catorze mil, seiscentos e catorze euros e dezoito cêntimos), como adiante melhor se verá.
-
Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante, “RJAT”), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou comos árbitros os signatários, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.
-
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído a 29.04.2024.
-
No dia 30.04.2024 foi notificado o dirigente máximo dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”) para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo que pudesse existir e, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.
-
Por email dirigido ao CAAD no dia 24.05.2024, notificado no dia 27.05.2024, a Requerida informou o Tribunal de que, por despacho da Senhora Subdiretora-geral de 24.05.2024, havia sido revogado o acto de liquidação de IRS nº 2023..., referente ao ano 2022, ora mediatamente impugnado.
-
Por despacho de 31.05.2024, foram os Requerentes convidados a informarem se haviam sido directamente notificados do despacho de revogação e, ainda, se mantinham interesse na continuação do processo.
-
Por requerimento de 17.06.2024, informaram os Requerentes não terem ainda sido directamente notificados do despacho de revogação e que pretendiam que o processo prosseguisse, “uma vez que entendem existir o direito a juros indemnizatórios”, fundando-se esse entendimento no “facto de a AT ter tido oportunidade em sede de reclamação graciosa dar razão aos Requerentes”, tendo optado “por indeferir a mesma”.
-
Por despacho de 26.06.2024, conclui-se que não se verifica a inutilidade superveniente da lide, devendo este tribunal apreciar, no mérito, as pretensões dos Requerentes que sobreviveram à revogação, em 24 de Maio de 2024, dos actos tributários objecto do processo – especificamente, o pedido de juros indemnizatórios, que foi expressamente indeferido. Por essa razão, foi à Requerida concedido novo prazo de 30 dias para apresentar resposta, e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.
-
No dia 30.08.2024, a Requerida apresentou a sua resposta, cingindo-se ao dissídio que subsiste, a saber, o direito à percepção de juros indemnizatórios por parte dos Requerentes.
-
Por despacho arbitral de 02.09.2024, por serem essencialmente de direito as questões que subsistem, foi dispensada a reunião do art.º 18º do RJAT, tendo as partes sido convidadas a apresentarem alegações escritas, o que nenhuma fez.
B – Posição dos Requerentes
-
Entendem os Requerentes que a declaração de ilegalidade dos actos tributários impugnados deve ser acompanhada do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios sobre a quantia indevidamente liquidada e paga, isto é, sobre €114.614,18 (cento e catorze mil, seiscentos e catorze euros e dezoito cêntimos), contados desde a data em que ocorreu o pagamento voluntário até efetivo e integral reembolso.
C – Posição da Requerida
-
A 18.05.2023, os Requerentes submeteram a declaração modelo 3 de IRS (...-2022-...-...), relativa aos rendimentos do ano de 2022, cumprindo a obrigação declarativa constante do artigo 57.º do Código do IRS.
-
Na referida declaração, os Requerentes declararam rendimentos prediais (categoria F, anexo F), pensões, rendimentos de capitais e incrementos patrimoniais auferidos no estrangeiro (anexo J) e abrangidos pelo regime dos residentes não habituais (anexo L).
-
A 28.07.2023 foi emitida a liquidação de IRS n.º 2023..., tendo sido apurado um imposto a pagar no montante de € 114.614,18 (cento e catorze mil, seiscentos e catorze euros e dezoito cêntimos).
-
Atendendo a que a menos-valia resultante das operações declaradas pelos Requerentes no quadro 9.2 do anexo J, não foram tidas em consideração na liquidação efetuada, os Requerentes entregaram, a 09.08.2023, uma declaração de substituição (...-2022-...-...).
-
A dita declaração de substituição ficou na situação de “declaração não liquidável” e foi convolada em reclamação graciosa, à qual foi atribuído o n.º ...2023... .
-
No âmbito desse procedimento, foi solicitado aos Requerentes documentação comprovativa, dos rendimentos declarados no anexo J, tendo os requerentes enviado a documentação requerida, acompanhada de exposição em que esclareciam que a indicação do país da contraparte no quadro 9.2. do anexo J se tratava de um lapso.
-
Por despacho de 18.12.2023 do Diretor de Finanças de Lisboa, a reclamação graciosa foi indeferida e, consequentemente, manteve-se a liquidação n.º 2023..., impugnada no presente processo arbitral.
-
Por despacho da Subdiretora-Geral de 24.05.2024, foi revogada a liquidação acima indicada.
-
Foi, assim, considerado que a informação inicialmente declarada pelos Requerentes na declaração de rendimentos n.º ...-2022-...-... se fundara num lapso, tendo sido consequentemente anulada a liquidação de IRS n.º 2023... e validada a declaração de substituição n.º ...-2022-...-..., apresentada pelos Requerentes no dia 09.08.2023.
-
Não houve qualquer “erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. O erro existiu, mas é imputável aos Requerentes que se viram na necessidade de entregar uma declaração de substituição, para corrigir o lapso em que incorreram no preenchimento da primeira declaração de rendimentos apresentada.
-
A liquidação impugnada pelos Requerentes foi efetuada pela AT com base nos elementos inscritos pelos próprios na declaração modelo 3 de IRS.
-
Assim, não estão preenchidos os requisitos que conferem a atribuição de juros indemnizatórios aos Requerentes.
D – Conclusão do Relatório e Saneamento
-
O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
-
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e do art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, estão regularmente representadas, não padecendo o processo de qualquer nulidade.
-
Matéria de facto
2.1. Factos provados
Com interesse para a prolação da presente decisão arbitral, mostram-se provados os seguintes factos:
2.1.1. A 18.05.2023, os Requerentes submeteram a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS (...-2022-...-...), relativa aos rendimentos do ano de 2022 (documento n.º 11, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.2. Na referida declaração, os Requerentes declararam rendimentos qualificados como incrementos patrimoniais, auferidos no estrangeiro (anexo J), nomeadamente a alienação dos seguintes valores mobiliários, tendo indicado como país da contraparte Hong-Kong (código 344):
Respeitantes ao Requerente marido (pág. 9 do documento n.º 11, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral):
Respeitantes à Requerente mulher (pág. 13 do documento n.º 11, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral):
2.1.3. A 28.07.2023 foi emitida a liquidação de IRS n.º 2023..., que não considerou as menos-valias resultantes da alienação dos valores mobiliários indicados nos quadros constantes do 2.1.2, tendo consequentemente sido apurado um imposto a pagar no montante de € 114.614,18 (cento e catorze mil, seiscentos e catorze euros e dezoito cêntimos) (documento n.º 2, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.4. Os Requerentes, no dia 09.08.2023, entregaram uma declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS de substituição (...-2022-... -...) da que haviam entregue a 18.05.2023, optando por não preencher os campos referentes ao código do país da contraparte (documento n.º 12, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.5. A declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS de substituição (...-2022-... -...) foi convolada em reclamação graciosa.
2.1.6. Os Requerentes foram notificados do projeto de decisão da reclamação graciosa a 27.11.2023 para, querendo, exercerem o direito de audição prévia (documento n.º 13, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.7. Os Requerentes exerceram o direito de audição prévia a 07.12.2023 (documento n.º 14, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.8. Os Requerentes foram notificados da decisão de indeferimento da reclamação graciosa a 04.01.2024 (documento n.º 1, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a prolação da decisão que tenham sido dados como não provados.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de pronunciar-se sobre tudo quanto é alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de seleccionar os factos que se mostrem relevantes para a prolação da decisão, identificando os factos que se consideram provados e os que, por seu turno, não se acham demonstrados (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 e n.º 4, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Assim, os factos que importam para a decisão são apurados em função do objecto do litígio, tal como se apresenta depois da revogação do acto tributário que constituía o pedido principal formulado pelos Requerentes (artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições que assumiram nos articulados por si apresentados.
-
Matéria de direito
3.1. Questão a decidir
Resulta do que acima se deixou dito, que a questão a apreciar é a de saber se os Requerentes, depois da revogação do acto tributário que constituía o seu pedido principal, têm direito a juros indemnizatórios, calculados desde a data em que ocorreu o pagamento voluntário até efetivo e integral reembolso.
3.2. Inutilidade superveniente parcial da lide
O artigo 13.º, n.º 1 do RJAT prescreve o seguinte:
“Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º”
A Requerida tomou conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral em data não posterior ao dia 22.02.2024, dispondo, nos termos do preceito acabado de transcrever, de 30 dias (úteis) para proceder à revogação dos actos tributários cuja ilegalidade foi suscitada. Sucede que só em momento posterior ao da constituição do tribunal arbitral (que ocorreu a 29.04.2024), a Requerida revogou o acto tributário controvertido. Apenas depois da constituição do tribunal arbitral essa revogação teve lugar, por despacho de 24.05.2024, data em que foi levada ao conhecimento do CAAD.
Como é evidente, a Requerida poderá, para além do prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, proceder à revogação do acto tributário[1]. Dessa revogação têm de extrair-se todos os efeitos processuais e jurídico-tributários que ela implica, nomeadamente no que se refere à restituição das quantias exigidas pelo acto revogado, caso hajam sido pagas, ao pagamento das custas processuais e, bem assim, se isso se justificar, ao pagamento de juros indemnizatórios.
Por força da revogação do acto tributário, deixa de haver objecto do litígio, devendo ser tida por extinta a instância quanto ao pedido formulado pela Requerente, nos termos do disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT[2], se a pretensão do requerente tiver sido integralmente satisfeita com a dita revogação.
Com o pedido de pronúncia arbitral, recorde-se, os Requerentes pugnavam pela declaração de ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023..., em que se convolou a declaração de rendimentos que pretendia substituir a ...-2022-...-..., apresentada no dia 18.05.2023 e, ainda, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios sobre a quantia indevidamente liquidada e paga, isto é, sobre €114.614,18 (cento e catorze mil, seiscentos e catorze euros e dezoito cêntimos), contados desde a data em que ocorreu o pagamento voluntário dessa quantia até efetivo e integral reembolso.
Forçoso é reconhecer que o pedido principal formulado pelos Requerentes no presente processo arbitral foi plenamente atendido pela Requerida com a revogação dos actos tributários ora impugnados. Assim, deixou de haver litígio quanto a esse pedido, razão por que, nos termos do disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT, o tribunal dele não tem de se pronunciar.
O dissídio subsiste, porém, quanto aos juros indemnizatórios, sustentando os Requerentes terem direito a eles, ao passo que a Requerida entende não serem devidos. Quanto a esta matéria, por terem os Requerentes declarado expressamente ser sua intenção o prosseguimento do processo arbitral, terá o tribunal de a apreciar.
3.3. Dos juros indemnizatórios
A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está de harmonia com o previsto no art.º 100.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.
Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios. Mesmo quando a apreciação do pedido principal se tenha mostrado supervenientemente inútil, como é o caso presente.
Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Aliás, nos termos do n.º 5 do art.º 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento Tributário”, o que remete para as manifestações desse princípio que encontramos no n.º 1 do art.º 43.º da LGT e no art.º 61.º do CPPT.
Assim, justifica-se a apreciação do pedido de pagamento de juros indemnizatórios feito pelos Requerentes, aliás em conformidade com a vontade que expressaram no sentido de o processo continuar, apesar da revogação do acto tributário que era objecto do pedido principal.
São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Dispõe o n.º 1 do art.º 43.º da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Considera-se erro imputável aos serviços aquele que não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos, de facto ou de direito, que não sejam da responsabilidade do contribuinte.
Ora, a liquidação mediatamente impugnada no presente processo arbitral teve na sua base uma declaração de rendimentos apresentada pelos Requerentes no dia 18.05.2023. Não se ignore que, nos termos do n.º 1 do art.º 75.º da LGT, “presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei”. Na verdade, a AT tomou por boa a declaração apresentada pelos Requerentes e procedeu à liquidação do imposto que, com base nela, se mostrava devido. A AT, neste sentido, fez o que não podia deixar de fazer.
Naturalmente que, depois de tomar consciência do erro em que laboraram, os Requerentes procuraram substituir a declaração de rendimentos de 18.05.2023 por outra, expurgada dos erros que inquinaram a primeira. E apresentaram a dita declaração de substituição no dia 09.08.2023, convolada, como se disse, em reclamação graciosa, a qual foi indeferida no dia 05.01.2024.
Como se viu também, no dia 24.05.2024, a AT procedeu à revogação do indeferimento da reclamação graciosa.
Não houve, pois, erro imputável aos serviços da Requerida quando promoveu a liquidação do imposto que se mostrava devido caso a declaração de rendimentos dos Requerentes não estivesse, por causa imputável aos Requerentes, errada. Assim, nos termos do n.º 1 do art.º 43.º da LGT, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios aos Requerentes.
Contudo, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 3 do mesmo preceito, são ainda devido juros indemnizatórios “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”. Ainda que esta disposição pareça circunscrever-se à “revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte”, não há razões que autorizem a inaplicabilidade deste regime à reclamação graciosa tempestivamente apresentada[3], como é o caso.
Pelo exposto, é de concluir que deve ser reconhecido aos Requerentes o direito a juros indemnizatórios, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 43.º da LGT, a partir do período de um ano posterior à apresentação do pedido de reclamação graciosa e até ao respetivo reembolso. Tendo os Requerentes apresentado o que se tem por reclamação graciosa no dia 09.08.2023, só no dia 09.08.2024 começam a poder ser calculados os juros indemnizatórios, isto no caso de não ter a AT procedido já ao reembolso do montante pago em excesso, facto que o tribunal ignora.
-
Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
-
Declarar parcialmente extinta a instância arbitral por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi o artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, no que respeita ao pedido principal, ou seja, em termos imediatos, a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023... e, mediatamente, a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2023..., respeitante ao ano de 2022, no montante de € 114.614,18 (cento e catorze mil, seiscentos e catorze euros e dezoito cêntimos);
-
Reconhecer o direito de os Requerentes perceberem juros indemnizatórios sobre a quantia indevidamente paga, à taxa legal, contados a partir de um ano após a apresentação da reclamação graciosa, caso o montante pago em excesso pelos Requerentes não tenha sido reembolsado até ao termo do referido prazo de um ano;
-
Condenar a Requerida nas custas.
-
Valor do processo
De harmonia com o disposto no n.º 4 do art.º 299.º e no n.º 2 do art.º 306.º, ambos do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 114.614,18 (cento e catorze mil, seiscentos e catorze euros e dezoito cêntimos).
-
Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 5 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar, como se disse, integralmente pela Requerida.
Lisboa, 11 de Outubro de 2024
O Presidente do Tribunal Arbitral,
Fernando Araújo
O Árbitro Adjunto,
José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora
O Árbitro Adjunto (Relator),
Nuno Pombo
Texto elaborado em computador, e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Veja-se, p. ex., a decisão prolatada no âmbito do Processo n.º 491/2022-T, com ampla referência a decisões que acompanham este juízo.
[2] V. CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – anotado, Almedina, 2016, pág. 337.
[3] V. Acórdão do STA, de 30.09.2009, prolatado no processo n.º 0520/09.