DECISÃO ARBITRAL
A Árbitra Sofia Quental, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral singular, constituído a 23 de Abril de 2024, decide o seguinte:
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A... GMBH, com sede em ..., ..., ..., Alemanha, NIPC alemão ... e português ... ( adiante designado por “Requerente”), na qualidade de entidade gestora do Fundo B... (adiante designado por “Fundo”), vem, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º, alínea a), do Código do Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) 137.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“CIRC”), e 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1, 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, abreviadamente identificada por “Autoridade Requerida”, “Autoridade Tributária” ou simplesmente por “AT”), com vista à apreciação da legalidade dos actos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) referentes ao período compreendido entre Junho de 2020 a Março de 2021, no montante total de €30.722,83, e, bem assim, da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra aqueles actos tributários.
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Termina pedindo que o Tribunal:
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“Determine a anulação dos atos tributários e decisório sub judice, nos termos do artigo 163.º do CPA;
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Na medida da procedência do pedido anterior, condene a Entidade Requerida na restituição à Requerente do montante de imposto indevidamente suportado, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, computados a partir do dia 14 de julho de 2024 até à emissão da respetiva nota de crédito, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT; e
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Em qualquer caso, condene a Entidade Requerida no pagamento das custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais”.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular foi aceite em 14 de Fevereiro de 2024, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT nesta mesma data.
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O Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º do RJAT, a ora signatária foi designada pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo a nomeação sido aceite no prazo e nos demais termos legalmente previstos.
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Em 03 de Abril de 2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do Árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
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Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 23 de Abril de 2024.
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A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em 29 de Maio de 2024 e juntou o processo administrativo (“PA”), defendendo-se por excepção e por impugnação, e pugnando pela improcedência dos pedidos constantes no PPA.
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No dia 12 de Junho de 2024, o Requerente veio pugnar pela improcedência da excepção invocada pela AT de “incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT”, invocando as decisões CAAD P 8/2020-T e P 809/2019-T, que decidiram idêntica invocação.
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O Requerente sustenta o pedido que formula alegando, em síntese, que os juros de fonte portuguesa por si auferidos enquanto beneficiário final não devem ser tributados por retenção na fonte em sede de IRC, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), sob pena de tal consubstanciar uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, contrária ao princípio da livre circulação de capitais ínsito no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ("TFUE") e, consequentemente, ao princípio do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa ("CRP") .
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Na sua Resposta a Autoridade Requerida pugna pela manutenção na ordem jurídica dos actos tributários em crise.
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O Tribunal foi regularmente constituído à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é competente.
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As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cf. artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
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O processo não enferma de nulidades. As excepções invocadas pela Requerida serão apreciadas no âmbito da matéria de direito, logo após a fixação dos factos provados e não provados.
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MATÉRIA DE FACTO
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Factos provados
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Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
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O Requerente A... GMBH, é uma sociedade de Direito alemão que se dedica à gestão do Fundo B... (FUNDO) o qual reveste a forma jurídica de fundo de investimento imobiliário especial que actua a coberto de um contrato celebrado entre a sua entidade gestora, os investidores e a instituição financeira responsável pela custódia dos valores mobiliários – conforme artigos 14º e 15º e exórdio do PPA e não impugnação especificada apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT
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O Fundo não dispõe de sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente para efeitos fiscais na Alemanha, aí se encontrando sujeito à lei fiscal alemã, pelo que (1) é sujeito (e não isento) a tributação em sede de “imposto sobre o rendimento das sociedades” no Estado da residência, sem possibilidade de opção e (2) é uma entidade equiparada a um OIC residente em qualquer Estado-membro da União Europeia e uma entidade equiparada a um OIC residente em Portugal – conforme artigos 20º a 21º do PPA, Documento nº 6 em anexo ao PPA e não impugnação especificada apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT
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Em 2009, o Fundo celebrou um contrato de financiamento com a sociedade comercial portuguesa C..., S.A. (“C...”), sociedade comercial anónima (actualmente) com sede em ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, NIPC...– conforme artigo 16º do PPA e Documento n.º 3 em anexo ao PPA e não impugnação especificada apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT
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O contrato de financiamento foi celebrado entre a C... e o D... GMBH – à data, sociedade gestora do Fundo, tendo, nessa medida, actuado em sua representação –, sociedade essa que, em 2013, foi fundida no Requerente – conforme artigo 17º do PPA e Documentos nºs 4 e 5 em anexo ao PPA e não impugnação especificada apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT
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Na sequência da fusão societária, o Requerente adquiriu os direitos e assumiu as obrigações do D... GMBH, tendo assumido, desde então, a função de sociedade gestora do Fundo e nos anos de 2020 e 2021, o Fundo manteve investimentos em diversos países, entre os quais Portugal, detendo a totalidade do capital social da C...– conforme artigos 18º e 19º do PPA e não impugnação especificada apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT
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Por força do contrato de financiamento acima identificado, o Fundo auferiu, no período compreendido entre Junho de 2020 e Março de 2021, juros no montante total bruto de € 204.818,86, os quais enquanto rendimentos de capitais foram sujeitos a retenção na fonte em sede de IRC em Portugal, tendo a C... actuado na qualidade de substituto tributário e deduzido a quantia de € 30.722,83 pelo que o valor líquido auferido foi de € 174.096,03, o qual foi oportunamente entregue ao Requerente – conforme artigos 23º a 26º do PPA, Documento nº 7 em anexo ao PPA e não impugnação especificada apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT
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O montante retido na fonte foi entregue à AT conforme quadro seguinte:
Tipologia de rendimentos
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Data de pagamento
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Montante bruto
(EUR)
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Retenções na fonte (EUR)
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Referências das guias de retenção na fonte
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Juros
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Junho de 2020
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51.625,58
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7.743,84
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...
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Juros
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Setembro de 2020
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51.625,58
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7.743,84
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...
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Juros
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Dezembro de 2020
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51.064,42
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7.659,66
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...
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Juros
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Março de 2021
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50.503,28
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7.575,49
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...
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TOTAL
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204.818,86
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30.722,83
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- conforme artigos 23º, 27º e 28º do PPA e Documentos nºs 1, 7 e 8 juntos co o PPA
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As retenções na fonte relativas aos juros de fonte portuguesa não deram lugar a qualquer crédito de imposto, parcial ou total, no Estado de residência do Fundo e não geraram qualquer crédito de imposto na esfera jurídica dos participantes, tendo o encargo do imposto sido integralmente suportado pelo Fundo – artigos 28º a 31º do PPA e não impugnação especificada apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT
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Em 13 de Julho de 2023 o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, em sede do qual peticionou a anulação dos actos de retenção na fonte e pediu a restituição do imposto retido na fonte, não tendo até à data da entrega do PPA no CAAD recebido qualquer notificação – conforme artigos 32º a 35º do PPA, Documento e n.º 9 em anexo ao PPA e não impugnação especificada apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT
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Em 29 de Maio de 2024 foi apresentado o PPA – conforme registo no SGP do CAAD.
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Factos não provados
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Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
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Fundamentação da decisão da matéria de facto
A matéria de facto dada como provada por este Tribunal Arbitral singular assenta nas posições assumidas pelas Partes e na prova documental apresentada e produzida nos autos e não impugnada por nenhuma das Partes e nos factos admitidos por acordo das Partes, sendo de observar que dos articulados apresentados não emerge discordância das Partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se a divergência à matéria de direito.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo Requerente e considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito [cf. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cf. artigos 13.º do CPPT, artigo 99.º da LGT, 90.º do CPTA e artigos 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação aos factos alegados pelas Partes, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme artigo 16.º, alínea e) do RJAT e n.º 4 do artigo 607.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei [e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil (CC) e havendo documentos, a prova testemunhal (ou, subalternamente, as declarações de parte) cingir-se-á à interpretação do contexto desses documentos, não podendo incidir nos factos que esses documentos provam, conforme artigo 393.º do CC], é que não domina o princípio da livre apreciação da prova (cf. artigo 607.º, n.º 5 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
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Quanto à matéria de excepção
O pressuposto visado pelo artigo 2.º, n.º 1 do RJAT e pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março é o de impor uma filtragem administrativa prévia à via arbitral, que confira à AT a possibilidade de sindicar a legalidade dos actos tributários contestados e, dessa forma, decidir sobre a sua manutenção ou anulação da ordem jurídica.
Assim, a apresentação de revisão oficiosa pelo Requerente permite colmatar a necessidade de apresentar reclamação graciosa, assegurando o mencionado pressuposto.
A este propósito este Tribunal adere ao acórdão proferido no processo CAAD P n.º 560/2023-T, em 15 de Abril de 2024 que refere o seguinte:
“O recurso à via administrativa é exigido como condição de impugnabilidade contenciosa dos atos de retenção na fonte e de autoliquidação nos termos do artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e da remissão por esta operada para o artigo 131.º do CPPT, que dispõe que a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa.”
A alegação da AT é improcedente, pois o pedido de revisão oficiosa constitui um meio administrativo equiparável à reclamação graciosa, tendo sido apresentado previamente à propositura da ação arbitral, entendimento reiterado sucessivamente pela doutrina e jurisprudência portuguesas.
É verdade que os artigos 131.º e 132.º do CPPT, para os quais a Portaria n.º 112-A/2011 remete, fazem referência à reclamação graciosa, mas não à revisão oficiosa dos atos tributários. Não obstante, deve ser entendido como abrangendo, além da reclamação, a via da revisão dos atos tributários aberta pelo artigo 78.º da LGT, pois a finalidade visada pela norma é a de garantir que a autoliquidação e as retenções na fonte (em que os contribuintes atuam em substituição e no interesse da Autoridade Tributária) sejam objeto de uma pronúncia prévia por parte da AT, por forma a racionalizar o recurso à via judicial, que só se justifica se existir uma posição divergente, um verdadeiro “litígio”. Por isso, concede-se à AT a oportunidade (e o direito) de se pronunciar sobre o erro na autoliquidação do contribuinte ou nas retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário e de fundamentar a sua decisão antes de ser confrontada com um processo contencioso.
Efetivamente, a doutrina e a jurisprudência portuguesas (acórdão do STA de 12.07.2006, Processo nº 042/06) veem no pedido de revisão do ato tributário um meio impugnatório administrativo com um prazo mais alargado que os restantes, um mecanismo de abertura da via contenciosa, perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária.
Como referido por Carla Castelo Trindade (“Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado” Coimbra, 2016, Almedina, páginas 96 e 97 “(…) as reclamações graciosas necessárias, previstas nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, justificam-se pela necessidade de uma filtragem administrativa, prévia à via judicial, por estarem em causa actos que não são da autoria da Administração Tributária, mas do próprio sujeito passivo e nos quais esta não teve, ainda, qualquer intervenção. Nesse sentido, o pedido de revisão oficiosa serve o propósito dessa filtragem administrativa, porque aí a Administração já terá possibilidade de se pronunciar sobre o acto de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta. Excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado não foi efectivamente uma reclamação graciosa seria violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, tal como consagrado no artigo 20.º da CRP.
E esta admissibilidade vale, por maioria de razão, tanto para o pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo previsto para a reclamação graciosa necessária (que é de 2 anos nos termos daqueles artigos do CPPT), como para o pedido que é realizado quando ainda era possível a apresentação de reclamação graciosa.”
Não se alcança que deva ser outro o propósito da norma de remissão da Portaria de Vinculação que indica expressamente as pretensões “que não tenham sido precedid(a)s de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, ou seja, referindo-se com clareza a um procedimento administrativo prévio e não, em exclusivo, à reclamação graciosa. Por outro lado, seria incoerente e antissistemático que os artigos 131.º a 133.º do CPPT revestissem distintos significados consoante estivessem a ser aplicados nos Tribunais Administrativos e Fiscais e nos Tribunais Arbitrais.
Aliás, sob idêntica perspetiva se pode afirmar que a alegada falta de suporte literal também se verificaria quanto àqueles Tribunais (administrativos e fiscais), pois as normas interpretadas são as mesmas, o que poria em causa a jurisprudência consolidada do STA, solução a que não se adere, até porque é inequívoco que a revisão oficiosa consubstancia um procedimento de segundo grau que se insere na “via administrativa”, locução empregue pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 122-A/2011, aludindo-se neste sentido às decisões proferida nos processos arbitrais n.º 245/2013-T e 678/2021T.
De igual modo, o Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA Sul”) pronunciou-se sobre a questão no sentido da admissibilidade do recurso à arbitragem tributária quando se reaja a indeferimento de pedido de revisão oficiosa contra ato de liquidação, entre outros, no acórdão de 26.05.2022, no âmbito do processo n.º 96/17.6BCLSB, cujo excerto se transcreve de seguida:
“O que cumpre aqui aferir é se estão ou não abrangidas, na competência material dos tribunais arbitrais tributários, as situações de reação a indeferimento de pedido de revisão de autoliquidação, em relação à qual não foi apresentada reclamação graciosa. Adiantemos, desde já, que a resposta é afirmativa, como, aliás, tem vindo a ser decidido por este TCAS – v. os acórdãos de 11.03.2021 (Processo: 7608/14.5BCLSB), de 13.12.2019 (Processo: 111/18.6BCLSB), de 11.07.2019 (Processo: 147/17.4BCLSB), de 25.06.2019 (Processo: 44/18.6BCLSB) e de 27.04.2017 (Processo: 08599/15). Desde logo, o art.º 2.º do RJAT não exclui casos como o dos autos, devendo considerar-se que são abrangidas as situações em que a liquidação seja o objeto imediato ou mediato da impugnação arbitral. Portanto, por esta via, não há que restringir o alcance desta norma de competência. Por outro lado, a exclusão constante da al. a) do seu art.º 2.º da Portaria de vinculação não tem o alcance que lhe é dado pela Impugnante, porquanto visa salvaguardar as situações em que o legislador consagrou a reclamação administrativa necessária prévia – sendo certo que a nossa jurisprudência admite a possibilidade de se formularem pedidos de revisão de autoliquidações, ao abrigo do art.º 78.º da LGT, ainda que não tenha sido apresentada reclamação graciosa (cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.05.2012 (Processo: 0140/13)(…)”
De referir ainda que o problema deve ser juridicamente analisado na perspetiva das condições de impugnabilidade do próprio ato tributário e não da competência do tribunal, pois o que está em causa é a necessidade de uma (específica) interpelação administrativa prévia. Este requisito configura o pressuposto processual da impugnabilidade do ato (in casu, dos atos de autoliquidação, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4 alínea i) do CPTA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT (sobre esta questão vide Vieira de Andrade, “Justiça Administrativa (Lições)”, 9.ª edição, Almedina, 2007, p. 305 e segs.). Dito de outro modo, se a tese da AT tivesse vencimento, o Tribunal Arbitral seria competente, mas o ato seria inimpugnável, pelo que do mesmo não poderia conhecer (vide decisão do processo arbitral n.º 397/2019-T, de 12 de junho de 2020).
Em qualquer caso, independentemente da qualificação jurídica como incompetência do Tribunal ou como inimpugnabilidade do ato, a exceção suscitada pela Requerida é improcedente, pois não corresponde à melhor interpretação das normas aplicadas, que é a de que se encontram abrangidas pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria de Vinculação as pretensões que se prendam com a ilegalidade de atos de autoliquidação e/ou de retenção na fonte que sejam precedidos de pedido de revisão oficiosa, pelo que este Tribunal Arbitral é competente em razão da matéria, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011.
Por outro lado, este Tribunal Arbitral tem competência para apreciar actos de indeferimento tácito de revisões oficiosas e que o facto de a AT não ter tido intervenção nas retenções na fonte e de não ter apreciado o pedido de revisão não pode significar a inexistência de erro imputável aos serviços.
Se a lei portuguesa viola o Direito da União Europeia existe uma ilegalidade abstracta que é imputável aos serviços e não ao sujeito passivo.
É o sentido que consta dos acórdãos do STA de 08-02-2017, proc. n.º 0678/16 ou de 09-11-2022, proc. n.º 087/22.5BEAVR.
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Quanto à ilegalidade dos actos tributários impugnados
A questão essencial a decidir traduz-se em saber se as liberdades fundamentais previstas no TFUE se opõem à aplicação dos artigos 87.º, n.º 4, e 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 6, do CIRC e 22.º, nºs 1, 3 e 10, do EBF, dos quais resulta a tributação, por retenção na fonte, sobre os rendimentos de capitais pagos por uma sociedade localizada em Portugal a um OIC não residente (que opere no território português) – in casu, o Requerente –, não determinando, contudo, semelhante tributação sobre os rendimentos de capitais pagos, nas mesmas condições, a um OIC constituído e a operar em território nacional.
Entende este Tribunal que assiste razão ao Requerente quando defende que o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a OIC constituídos segundo a legislação nacional, excluindo OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados-Membros da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE, em linha com jurisprudência arbitral recente nesta matéria (e.g., Decisão Arbitral de 26-04-2022, processo n.º 821/2021-T; Decisão Arbitral de 28-06-2022, processo n.º 129/2022-T; Decisão Arbitral de 13-07-2022, processo n.º 115/2022-T; Decisão Arbitral de 15-07-2022, processo n.º 121/2022-T; Decisão Arbitral de 08-08-2022, processo n.º 624/2022-T; Decisão Arbitral de 21-08-2022, processo n.º 83/2022-T; Decisão Arbitral de 04-06-2024, processo n.º 992/2023-T; Decisão Arbitral de 24-06-2024, processo n.º 984/2023-T; Decisão arbitral de 14-05-2024, processo n.º 967/2023-T; Decisão Arbitral de 05-07-2024, processo n.º 998/2023-T; Decisão Arbitral de 13-05-2024, processo n.º 66/2024-T; Decisão Arbitral de 27-05-2024, processo n.º 45/2024-T; Decisão Arbitral de 29-05-2024, processo n.º 89/2024; Decisão de 28-06-2024, processo n.º 1025/2023-T; Decisão de 06-05-2024, processo n.º 1003/2023-T) e também com a jurisprudência do TJUE e do nosso Supremo Tribunal Administrativo.
Este Tribunal adere ao entendimento expresso no referido acórdão do TJUE, cuja fundamentação, na sua parte mais relevante, se reproduz de seguida:
11. “A AllianzGI Fonds AEVN é um organismo de investimento coletivo (OIC) de tipo aberto, constituído ao abrigo da legislação alemã e com sede na Alemanha. É gerido por uma entidade gestora cuja sede também se situa na Alemanha, não sendo essa entidade residente nem possuindo um estabelecimento estável em Portugal.
12. Uma vez que tem residência fiscal na Alemanha, a AllianzGI Fonds AEVN está isenta do imposto sobre o rendimento das sociedades nesse Estado Membro ao abrigo da regulamentação alemã. Este estatuto fiscal impede a de recuperar os impostos pagos no estrangeiro sob a forma de crédito fiscal por dupla tributação internacional, ou de formular um pedido de reembolso desses impostos.
13. Nos anos de 2015 e de 2016, a AllianzGI Fonds AEVN era detentora de participações sociais em diversas sociedades residentes em Portugal. Os dividendos recebidos a este título durante esses dois anos foram sujeitos, em conformidade com o artigo 87. °, n.° 4, alínea c), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25 %, pelo valor total de 39 371,29 euros.
14. Relativamente ao ano de 2015, a AllianzGI Fonds AEVN obteve o reembolso de 5 065,98 euros ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, na qual se prevê a taxa máxima de 15 % para a tributação dos dividendos.
15. Em 29 de dezembro de 2017, a AllianzGI Fonds AEVN apresentou, na Autoridade Tributária e Aduaneira, uma reclamação graciosa dos atos através dos quais esta última procedeu à retenção na fonte do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas relativo aos anos de 2015 e 2016. Pedia a anulação desses atos por violação do direito da União, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal. Essa reclamação foi indeferida por Decisão de 13 de novembro de 2018.
16. Em 12 de fevereiro de 2019, a AllianzGI Fonds AEVN recorreu ao órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal), pedindo a anulação dos atos de retenção na fonte pela quantia remanescente, de 34 305,31 euros.
17. Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a AllianzGI Fonds AEVN alega que, nos anos de 2015 e 2016, os OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa estavam sujeitos a um regime fiscal mais favorável do que aquele a que foi sujeita em Portugal, na medida em que, relativamente aos dividendos pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, esses organismos estavam isentos, ao abrigo do artigo 22. °, n.º 3, do EBF, do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. A AllianzGI Fonds AEVN considera que, sendo tributada à taxa de 25 % sobre os dividendos que lhe são pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, é objeto de um tratamento discriminatório proibido pelo artigo 18. ° TFUE, bem como de uma restrição à liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63. ° TFUE.
18. A Autoridade Tributária e Aduaneira afirma, por sua vez, que o regime fiscal português aplicável aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação nacional e o regime aplicável aos OIC constituídos e estabelecidos na Alemanha não são, por natureza, comparáveis, uma vez que o primeiro destes regimes também não exclui a tributação dos dividendos a cargo dos organismos que abrange, seja através do imposto do selo ou do imposto específico previsto no artigo 88.°, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. Tendo em conta que a tributação dos dividendos é feita segundo modalidades diferentes, nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa seja mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal por um organismo como a AllianzGI Fonds AEVN. A Autoridade Tributária e Aduaneira acrescenta que também não está demonstrado que a parte do imposto não recuperada pela AllianzGI Fonds AEVN não possa ser recuperada pelos investidores desta última.
19. O órgão jurisdicional de reenvio interroga se sobre a questão de saber se, ao isentar do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas os dividendos pagos por sociedades estabelecidas em Portugal a OIC com sede neste Estado Membro e que foram constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa, ao mesmo tempo que tributa à taxa de 25 % os dividendos pagos por essas sociedades a OIC com sede noutro Estado Membro da União, não sendo assim constituídos nem operando de acordo com a legislação nacional, o regime fiscal português é contrário ao artigo 56.° TFUE relativo à livre prestação de serviços ou ao artigo 63.° TFUE relativo à livre circulação de capitais.
20. Nestas condições, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) O [artigo 63.° TFUE], relativo à livre circulação de capitais, ou o [artigo 56.° TFUE], relativo à livre prestação de serviços, opõem se a um regime fiscal como o que está em causa no litígio no processo principal, constante do artigo 22.° do EBF, que prevê a retenção na fonte de imposto com caráter liberatório sobre os dividendos recebidos de sociedades portuguesas a favor de OIC não residentes em Portugal e estabelecidos noutros países da UE, ao mesmo tempo que os OIC constituídos ao abrigo da legislação fiscal portuguesa e residentes fiscais em Portugal podem beneficiar de uma isenção de retenção na fonte sobre tais rendimentos?
2) Ao prever uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção de retenção na fonte, a regulamentação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes, uma vez que a estes últimos não lhes é dada qualquer possibilidade de aceder a semelhante isenção?
3) O enquadramento fiscal dos detentores de participações dos OIC será relevante para efeitos de apreciação do caráter discriminatório da legislação portuguesa, tendo presente que esta prevê um tratamento fiscal autónomo e distinto (i) para os OIC (residentes) e (ii) para os respetivos detentores de participações dos OIC? Ou, tendo presente que o regime fiscal dos OIC residentes não é, de todo, alterado ou afetado pela circunstância de os respetivos participantes serem residentes ou não residentes em Portugal, a apreciação da comparabilidade das situações para fins de determinar o caráter discriminatório da referida regulamentação deve ser realizada apenas por referência à fiscalidade aplicável ao nível do veículo de investimento?
4) Será admissível a diferença de tratamento entre OIC residentes e [OIC] não residentes em Portugal, tendo em conta que as pessoas singulares ou coletivas residentes em Portugal, que sejam detentoras de participações de OIC (residentes ou não residentes) são, em ambos os casos, igualmente sujeitas (e, em regra, não isentas) a tributação sobre os rendimentos distribuídos pelos OIC, sujeitando os detentores de participações em OIC não residentes a uma fiscalidade mais elevada?
5) Tendo em consideração que a discriminação em análise no presente litígio diz respeito a uma diferença na tributação do rendimento relativamente a dividendos distribuídos pelos OIC residentes aos respetivos detentores de participações nos OIC, é legítimo, para efeitos da análise da comparabilidade da tributação sobre o rendimento considerar outros impostos, taxas ou tributos incorridos no âmbito dos investimentos efetuados pelos OIC? Em particular, é legítimo e admissível, para efeitos da análise de comparabilidade, considerar o impacto associado a impostos sobre o património sobre despesas ou outros, que não estritamente o imposto sobre o rendimento dos OIC, incluindo eventuais tributações autónomas?»
“(…)
Quanto às questões prejudiciais.
29. Com as suas cinco questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 56. ° e 63. ° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. Esse órgão jurisdicional interroga se, por um lado, sobre a questão de saber se esse tratamento fiscal diferente em função do local de residência da instituição beneficiária pode ser justificado pelo facto de os OIC residentes estarem sujeitos a outra técnica de tributação e, por outro, se a apreciação da comparabilidade das situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes para efeitos de determinar se existe uma diferença objetiva entre estes, de molde a justificar a diferença de tratamento instituída pela legislação desse Estado Membro, deve ser efetuada apenas ao nível do veículo de investimento ou deve igualmente ter em conta a situação dos detentores de participações sociais.
Quanto à liberdade de circulação aplicável
30. Uma vez que as questões são submetidas à luz tanto do artigo 56. ° TFUE como do artigo 63. ° TFUE, há que determinar, a título preliminar, se e, sendo caso disso, em que medida uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é suscetível de afetar o exercício da livre prestação de serviços e/ou a livre circulação de capitais.
31. A este respeito, resulta de jurisprudência assente que, para determinar se uma legislação nacional é abrangida por uma ou outra das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE, é necessário ter em conta o objetivo da legislação em causa (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C 480/16, EU:C:2018:480, n.° 33 e jurisprudência referida, e de 3 de março de 2020, Tesco Global Áruházak, C 323/18, EU:C:2020:140, n.° 51 e jurisprudência referida).
32. O litígio no processo principal diz respeito a um pedido de anulação de atos que procederam à retenção na fonte dos dividendos pagos à recorrente no processo principal por sociedades estabelecidas em Portugal relativamente aos anos de 2015 e 2016, bem como à compatibilidade com o direito da União de uma legislação nacional que reserva a possibilidade de beneficiar da isenção dessa retenção na fonte aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa ou cuja entidade gestora opera em Portugal através de um estabelecimento estável.
33. Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C 480/16, EU:C:2018:480, nºs 35 e 36).
34. Além disso, admitindo que a legislação em causa no processo principal tem por efeito proibir, perturbar ou tornar menos atrativas as atividades de um OIC estabelecido num Estado Membro diferente da República Portuguesa, onde presta legalmente serviços análogos, esses efeitos seriam a consequência inevitável do tratamento fiscal de que são objeto os dividendos pagos a esse organismo não residente e não justificam uma análise distinta das questões prejudiciais à luz da livre prestação de serviços. Com efeito, esta liberdade afigura se, neste caso, secundária relativamente à livre circulação de capitais e pode estar lhe associada (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C 480/16, EU:C:2018:480, n.° 37).
35. Atendendo às considerações precedentes, há que examinar a legislação nacional em causa no processo principal exclusivamente à luz do artigo 63. ° TFUE.
Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais
36. Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C 252/14, EU:C:2016:402, n.° 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln Aktienfonds Deka, C 156/17, EU:C:2020:51, n.° 49 e jurisprudência referida).
37. No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado Membro não podem beneficiar dessa isenção.
38. Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
39. Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C 480/16, EU:C:2018:480, nºs 44, 45 e jurisprudência referida).
40. Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
41. Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C 480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].
42. O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C 480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].
Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis
43. Para apreciar a comparabilidade das situações em causa, o órgão jurisdicional de reenvio interroga se, por um lado, sobre a questão de saber se a situação dos detentores de participações deve ser tida em conta do mesmo modo que a dos OIC e, por outro, sobre a eventual pertinência da existência, no sistema fiscal português, de certos impostos aos quais apenas estão sujeitos os OIC residentes.
44. O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes — a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.
45. Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.° A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).
46. Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.
47. Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.
48. Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.
49. Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C 575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).
50. Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C 282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C 282/07, EU:C:2008:762, n.° 41).
51. Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C 252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.
52. No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C 342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).
53. A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.
54. Além disso, como salientou a advogada geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C 252/14, EU:C:2016:402).
55. Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.
56. Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.
57. Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.
58. Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.
59. Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C 565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C 252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida).
60. Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C 252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).
61. No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.
62. Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.
63. Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Köln Aktienfonds Deka, C 156/17, EU:C:2020:51, n.° 79).
64. Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C 480/16, EU:C:2018:480, n.° 53 e jurisprudência referida).
65. Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha se à das sociedades residentes.
66. Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C 480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida).
67. Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram-se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C 480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida).
68. Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C 480/16, EU:C:2018:480, n.° 60).
69. Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C 480/16, EU:C:2018:480, n.° 61).
70. É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C 480/16, EU:C:2018:480, n.° 62).
71. No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.
72. Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C 190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).
73. Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.
74. Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.
Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral
75. Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C 480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida].
76. No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.
77. No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.
78. A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C 338/11 a C 347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C 375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C 342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C 641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).
79. Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C 338/11 a C 347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C 190/12, EU:C:2014:249, n.° 93).
80. Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.
81. A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.
82. No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C 575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C 484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).
83. No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C 480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida).
84. Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados Membros também não pode ser acolhida.
85. Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
(…)
86. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:
O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.
A jurisprudência do TJUE citada, muito embora tenha sido proferida num caso de dividendos” é aplicável ao caso aqui em discussão.
Importa aqui recordar o Princípio do Primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, bem como o relevo que assume a jurisprudência do TJUE na garantia de uma aplicação uniforme do direito da União Europeia nos diversos Estados Membros, por via do mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do TFUE.
Deste modo, estando em causa questões de direito da União Europeia, a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais (neste sentido, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26-03-2003, proferido no âmbito do processo n.º 01716/02).
O Princípio do Primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, em que se estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
Daqui se retira que os tribunais nacionais têm o poder-dever de desaplicar as normas de direito interno que se revelem contrárias a normas de direito da União Europeia, desde que estas respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático (v., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-02-2016, proferido no processo n.º 01172/14).
Mais recentemente, o Douto Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão de 28-09-2023, proferido no processo n.º 93/19.7BALSB, veio uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:
“1 - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;
2 - O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;
3 - A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.”
Pelo exposto, e considerando a incompatibilidade do artigo 22.º do EBF, ao excluir do seu âmbito de aplicação os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados-Membros da União Europeia, com o artigo 63.º do TFUE, o Tribunal Arbitral desaplica o mesmo e declara ilegais e anula a liquidação de IRC por retenção na fonte contestada e declara ilegal e anula o indeferimento presumido do pedido de revisão oficiosa apresentada pelo Requerente, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, em conformidade com o artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
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PEDIDO DE REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS E JUROS INDEMNIZATÓRIOS
O Requerente pede o reembolso da quantia de € 30.722,83 retida na fonte, acrescido de juros indemnizatórios.
Na sequência da anulação da retenção na fonte o Requerente tem direito a ser reembolsado da quantia retida, no montante de € 30.722,83, o que é consequência da anulação.
O TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo Acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:
“21. Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).
22. Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).
23. A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida)”.
No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.
O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de contestação da legalidade de actos de liquidação através do procedimento de revisão oficiosa, no acórdão de 29-06-2022, processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos:
“Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr.artº.78, nº.1, da L.G.T.) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, al.c), da L.G.T., mais não relevando o facto de a A. Fiscal o ter decidido, embora indeferindo, em período inferior a um ano.”.
Jurisprudência esta que vale independentemente do tipo de atos contestados, ou seja, vale também para os casos em que o imposto seja cobrado com base no mecanismo da retenção na fonte (v.g. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-07-2024, processo n.º 01890/18.6BELRS).
Tratando-se de jurisprudência uniformizada, ela deve ser acatada, pelo que é de concluir que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa nos termos da alínea c), do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, ou seja, 14-07-2024, uma vez que se provou que foi deduzida revisão oficiosa em 14-07-2023 (alínea I) dos factos provados).
Os juros indemnizatórios devem ser contados, com base no valor de € 30.722,83 desde 14 de Julho de 2024 e até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
De harmonia com o exposto, acorda este Tribunal Arbitral em julgar o pedido de pronúncia arbitral procedente e em consequência:
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Declarar ilegal e anular o acto de retenção na fonte de IRC contestado;
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Declarar ilegal e anular o indeferimento presumido da revisão oficiosa;
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Condenar a AT no reembolso ao Requerente do montante global de € 30.722,83;
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Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios, sobre o montante de €30.722,83 contados desde 14 de Julho de 2024 e até integral pagamento.
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 30.722,83, indicado pelo Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de Outubro de 2024
A Árbitra,
Sofia Quental