Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 40/2024-T
Data da decisão: 2024-10-17   Outros 
Valor do pedido: € 203.479,05
Tema: CSR - Incompetência material do Tribunal Arbitral; Ilegitimidade da Requerente.
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SUMÁRIO:

1. A competência dos tribunais arbitrais limita-se, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, à apreciação das pretensões de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

2. A Requerente não é parte ilegítima para questionar os atos de liquidação da CSR praticados pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela sua fornecedora de combustíveis.

3. Apenas o sujeito passivo responsável pela introdução dos produtos petrolíferos (gasolina e gasóleo rodoviário) no consumo e pelo pagamento da CSR, tem legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações com fundamento em erro e consequente reembolso do montante correspondente, conforme o artigo 16.º do CIEC.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Prof. Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Dr. António Franco e Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares (Adjuntos) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 05-03-2024, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

1.1. Do pedido

A..., S.A., com o NIPC/NIF ... e sede na ..., ..., ..., Km ..., ...-... OVAR, apresentou pedido de pronúncia arbitral sobre o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão de atos tributários e sobre os atos de liquidação de contribuição de serviço rodoviário emitidos na sequência da emissão das declarações de introdução ao consumo de gasolina e gasóleo, efetuados pela B..., S.A. (C...), referente aos anos de 2019, 2020, 2021 2022, ao abrigo dos artigos 95.º n.º 1 e 2, al. a) e d), da Lei Geral Tributária (LGT), 99.º, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 2.º, n.º 1,  a) e 10.º, n.º1, a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, (AT).

 

A Requerente concretiza a final do PPA o seu pedido:

“Termos em que, devem V.Excias. julgar a presente acção procedente, por provada, declarando-se a nulidade, ou pelo menos, a anulação do acto administrativo tributário de indeferimento tácito do pedido de revisão de actos tributários ora impugnado, bem como, e em consequência, a declaração de nulidade, ou pelo menos, de anulação dos actos de liquidação de contribuição de serviço rodoviário, com todos os legais efeitos daí decorrentes, designadamente, a obrigação de restituição à Requerente do imposto indevidamente suportado no valor global de 203 479,05 € (duzentos e três mil e quatrocentos e setenta e nove euros e cinco cêntimos), acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.”

 

1.2. Do âmbito do pedido

Da análise ao pedido formulado pela Requerente, impõe-se a devida clarificação, considerando que pede o reembolso da CSR acrescido de juros indemnizatórios limitando o seu pedido aos “actos de liquidação de contribuição de serviço rodoviário, com todos os legais efeitos daí decorrentes, designadamente, a obrigação de restituição à Requerente do imposto indevidamente suportado e juros indemnizatórios”.

Estando o tribunal limitado na sua decisão, ao pedido apresentado pela Autor/Requerente na petição inicial, estabelecido no artigo 609.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1 RJAT: “1 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”.

Impõe-se que se proceda à interpretação do pedido em conjugação com a “parte narrativa da petição inicial”, no sentido de delimitar a relação jurídica controvertida.

O nosso sistema judicial tem por base o princípio do pedido, admitindo alguma jurisprudência e doutrina a possibilidade deste princípio basilar do nosso direito adjetivo poder ceder perante o apelidado “pedido implícito”.

De salientar a análise feita no Acórdão da Relação de Lisboa de 05-09-2024 proferido no Processo n.º 6845/20.8T8ALM.L1-6, que determinou a revogação da decisão que considerou o pedido implícito: “Cumpre, pois, apreciar se estamos perante o que a jurisprudência tem vindo a apelidar de “pedido implícito” e aquilatar da sua admissibilidade. Nos termos do artigo 552.º, n.º 1, alínea e) do CPC, na petição inicial, o autor deve formular o pedido, que irá conformar o objecto do processo e condicionar a decisão de mérito, pelo que o tribunal, sob pena de nulidade, não pode condenar em quantidade superior ou objecto diverso (artigos 615.º, n.º 1, alínea e) e 609.º, ambos do CPC) e deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se de outras (artigos 615.º, n.º 1, alínea d) e 608.º do CPC).

Defendia o Professor Antunes Varela (In “Manual de Processo Civil”. Coimbra Editora, 2.ª edição, revista e actualizada, 1985, pág. 245, nota 1.) que o “…pedido deve ser formulado na conclusão da petição, não bastando que apareça acidentalmente referido na parte narrativa dela. O autor deve, no final do seu arrazoado, dizer com precisão o que pretende do tribunal – que efeito jurídico quer obter com a ação”. Mais recentemente – e atendendo à lógica inerente à estrutura do novo Código de Processo Civil, nomeadamente, de preferência do “conteúdo” em detrimento de razões puramente formais -, tem-se observado uma inversão deste entendimento, com autores como o Professor Lebre de Freitas (In “Código de Processo Civil Anotado. Volume II”. Coimbra: Almedina, 3.ª edição, julho de 2017, pág. 490) a admitirem que “…o pedido seja expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez, com o sentido da declaração para o declaratário normal, a intenção de obter o efeito jurídico pretendido, máxime quando o réu o haja entendido correctamente…”. Os Tribunais superiores têm, bem assim, seguido esta linha de raciocínio, “(em primeiro lugar, porque a petição configura uma declaração de vontade tendente a obter um determinado efeito jurídico, devendo ser interpretada segundo o critério estabelecido nos arts. 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1 do CC (cf., por ex., Ac do STJ de 21.4.05, em www.dgsi.pt). Depois porque se não releva a ineptidão por falta ou ininteligibilidade do pedido no caso de o réu haver interpretado convenientemente a petição inicial (art.º 193.º, n.º 3 do CPC), por maioria de razão, ou por aplicação analógica, deve admitir-se um pedido feito no corpo do articulado, máxime se foi correctamente interpretado pelo demandado”( Cfr. Acórdão do TRC, de 10.09.2013, proc. n.º 6/07, disponível em www.dgsi.pt.).

(...)O pedido constitui o elemento identificador das acções, é este o círculo dentro do qual o tribunal se tem de mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir. Nas licões de Anselmo de Castro ( in “Direito Processual Civil Declaratário”, pág. 201 e ss.) por pedido, porém, tanto se pode entender as providências concedidas pelo juiz, através das quais é actuada determinada forma de tutela jurídica (condenação, declaração, etc.) ou seja, a providencia que se pretende obter com a acção; como os meios através dos quais se obtém a satisfação do interesse à tutela, ou seja, a consequência jurídica material que se pede ao tribunal para ser reconhecido. O primeiro é o objecto imediato; o segundo é o objecto mediato, sendo que para determinaro petitum concorrem ambos os aspectos.

(...) o pedido está ligado ao princípio do dispositivo, sendo este um dos princípios nucleares do processo civil e significa que as partes dispõem do processo e da relação jurídica nele controvertida. Como bem aludia Manuel de Andrade ( in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 373 a 374), na visão conservadora e liberal o processo “é uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, em que o juiz arbitra a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado – daí a inércia, inactividade ou passividade do juiz, em contraste com a actividade das partes e, outrossim, que a sentença procure e declare a verdade formal (intra processual) e não a verdade material (extra processual)”.

De mencionar ainda o decidido no Acórdão do STJ de 22-09 -2022 proferido no Processo n.º 605/17.0T8PVZ.P1.S, que afirma no sumário:

I. Como decorrência do princípio do dispositivo, continua a vingar na nossa lei adjectiva o princípio do pedido, de acordo com o qual o tribunal não pode resolver qualquer conflito de interesses que a acção pressupõe sem que essa resolução lhe seja pedida (art. 3º, n.º 1 do CPC).

II. Se é certo que os juízes não devem ser extremamente formalistas na interpretação e aplicação dos princípios em que assenta o processo civil, sob pena de se perder a efectividade da justiça cível, também não devem, sem assento no alegado e peticionado pelo Autor, simplesmente, pôr de lado aquela espécie de mandamento que recai sobre os juízes: «Não dês mais do que aquilo que te é pedido».

III. Quando perante o alegado na petição inicial há dúvidas quanto aos concretos e efectivos pedidos pretendidos pelo Autor ou ao real conteúdo da pretensão, e, recorrendo às regras interpretativas da declaração judicial, se extrai implícita uma outra pretensão petitória não expressamente ali formulada, pode o tribunal levá-la em conta, extraindo os efeitos jurídicos correspondentes, sem dessa forma violar o princípio do pedido.

IV. Porém, como o princípio do pedido se encontra a par do princípio do contraditório, tem este último que ser sempre respeitado, pois uma sentença desrespeitadora do princípio do pedido, traduzir-se-ia numa decisão-surpresa.

V. Pedido implícito é aquele que, com base na natureza das coisas, está presente na acção, apesar de não ter sido formulado expressis verbis, ou seja, o pedido apresentado na petição pressupõe outro pedido que, por qualquer razão, o autor não exprimiu de forma nítida ou óbvia.”

E, na análise do mérito do Recurso o tribunal menciona:

(...) Como o princípio do pedido está ligado ao princípio do dispositivo – princípio este que constitui um dos princípios nucleares do processo civil e significa que as partes dispõem do processo e da relação jurídica nele controvertida – , algumas considerações se justificarão sobre este princípio

Se se nos afigura certo o acabado de enunciar, certo é, também, que no sistema processual civil nacional o princípio do dispositivo se encontra a par do princípio do contraditório, continuando ambos a ser princípios nucleares e fundamentais da lei adjectiva.

(...)

Esta posição foi ancorada “desde logo, no entendimento de um articulado processual, designadamente uma petição inicial, como configurando “[…] uma declaração de vontade tendente a obter determinado efeito jurídico, devendo ser interpretada segundo o critério estabelecido nos artigos 236º, nº 1 e 238º nº 1 do Código Civil […]”, acrescentando-se colher este entendimento algum respaldo no artigo 295º do CC, ao determinar a aplicação aos actos jurídicos que não se configurem como negócios jurídicos das disposições do Código Civil referentes a estes, designadamente das atinentes à interpretação e integração previstas nos ditos artigos 236º, nº 1 e 238º, nº 1, “na medida em que a analogia das situações o justifique”

Analisando o PPA e as Alegações da Requerente, este Tribunal Arbitral conclui que a Requerente faz um pedido claro: pede a anulação das liquidações de CSR refletidas nas faturas, e o reembolso dos valores de CSR os quais só podem ser os atos de liquidação realizados pela AT ao sujeito passivo com a submissão das e-DICs.

Na parte expositiva do PPA a Requerente para justificar a sua legitimidade processual refere:

“A Requerente, apesar de não ser o sujeito passivo do imposto em causa – contribuição de serviço rodoviário – foi o contribuinte de facto, ou seja, quem suportou economicamente o imposto, conforme se demonstrou supra.

Nos termos da LGT, apesar de não ser o sujeito passivo, quem suportou o imposto, por repercussão legal1, pode reclamar, recorrer, impugnar ou apresentar pedido de pronúncia arbitral.

Concomitantemente, nos termos do art. 9.º/1 e 4 do CPPT, os contribuintes têm legitimidade no processo judicial tributário.

Ora, é, assim, indubitável que o contribuinte de facto do imposto (titular da capacidade contributiva) tem interesse em agir no procedimento tributário de revisão das liquidações de CSR, relativamente aos de 2019, 2020, 2021 e 2022, liquidadas à C..., e, por maioria de razão, neste processo arbitral, porque foi ele que suportou economicamente o encargo com o imposto.

Ora, é, assim, indubitável que o contribuinte de facto do imposto (titular da capacidade contributiva) tem interesse em agir no procedimento tributário de revisão das liquidações de CSR, relativamente aos de 2019, 2020, 2021 e 2022, liquidadas à C..., e, por maioria de razão, neste processo arbitral, porque foi ele que suportou economicamente o encargo com o imposto.

(...)

Ora, na sua qualidade de contribuinte de facto a Recorrente tem interesse directo, pessoal e legítimo na anulação dos actos tributários objecto da presente acção, pelo que tem legitimidade activa em agir nos presentes autos,

como já tinha interesse em agir no procedimento de revisão que desencadeou, o que, aliás, lhe é garantido, expressamente, no âmbito da lei ordinária (art. 18.º/4-a) da LGT e 9.º/1 e 4 do CPPT) e constitucional (art. 268.º/4 da constituição da República portuguesa).”

 

 

A Requerente nas alegações menciona que “submeteu a este Centro de Arbitragem Administrativa um pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária para sindicância da legalidade das liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com base nas Declarações de Introdução no Consumo submetidas pela B..., S.A., e consequentes actos de repercussão da referida CSR”.

 

Considerando o disposto no artigo 2.º e) do CPPT, o Código de Processo Civil constitui direito subsidiário a de aplicação supletiva ao procedimento e processo judicial tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos.

Considera este Tribunal Arbitral que está limitado na sua decisão ao princípio do pedido, expressamente consagrado no artigo 609.º, n.º 1 do CPC, o qual é aplicável por disposição do artigo 29.º, n.º 1 e) do RJAT, e ainda por remissão do artigo 2.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 a) do RJAT.

Assim, este Tribunal não pode decidir sobre a validade dos atos de repercussão da CSR, cuja liquidação é realizada nas faturas emitidas pelos seus fornecedores de combustíveis, porque não lhe é feito esse pedido, conforme o artigo n.º 1 do CPC, ex vi artigo 29.º e) do RJAT e só da invalidade dessas liquidações poderia ser decretado o reembolso da CSR alegadamente paga pela Requerente.

Assim, este Tribunal Arbitral adere ao afirmado no mencionado Acórdão do STJ 22-09 -2022 quando refere:

“É certo que os juízes não devem ser extremamente formalistas na interpretação e aplicação dos princípios em que assenta o processo civil, sob pena de se perder a efectividade da justiça cível, que é absolutamente essencial nos tempos que correm. É que um processo que não seja efectivo é um processo amorfo, que nada resolve, que se perde em questiúnculas formais, muitas das vezes dessa forma remetendo para as calendas a resolução do litígio.

Mas também não podemos, simplesmente, pôr de lado aquela espécie de mandamento que recai sobre os juízes: «Não dês mais do que aquilo que te é pedido».”

 

1.3. Dos requerimentos anteriores à constituição do Tribunal Arbitral

 

  1. Requerimento da Requerida

Em 12-01-2024 a Requerida apresentou um Requerimento dirigido ao Exmo. Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa com o seguinte teor:

“Exm.º Senhor

Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa

A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), notificada em 15/01/2024 do pedido de constituição de tribunal arbitral no processo supramencionado, apresentado por A..., S.A., NIPC ..., vem informar, que analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário. Identificação que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária. Tendo em conta, que:

a) A competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT e como se depreende das referências expressas que se fazem na alínea a), do nº 1, do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT;

b) Conforme dispõe expressamente a alínea b), do nº 2, do artigo 10º do RJAT, do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;

c) Sem a identificação, por parte dos interessados, do ato ou atos tributários, cuja ilegalidade é invocada, não pode o dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no artigo 13.º

do RJAT.

Solicita-se que seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação, à Autoridade Tributária e Aduaneira, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.

Tendo o Senhor Presidente do CAAD entendido que seria o Tribunal Arbitral a entidade competente para a pronúncia sobre o requerido pela AT, foi o requerimento integrado nos autos, constando do SGP do CAAD. De mencionar que não cabe ao Tribunal Arbitral praticar quaisquer atos processuais ainda antes da sua constituição e as questões colocadas, mormente quanto à alegada não identificação dos atos tributários impugnados e a legitimidade processual apenas releva no âmbito do saneamento do processo.

E, sendo o referido requerimento da AT dirigido a entidade alheia ao Tribunal Arbitral Coletivo, entendeu-se que a pretensão da Requerida poderia ser respondida pela Requerente nas Alegações, onde afirmou:

“A Requerente submeteu a este Centro de Arbitragem Administrativa um pedido de constituição B..., S.A., como entidade repercutentepara sindicância da legalidade das liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com base nas Declarações de Introdução no Consumo submetidas pela B..., S.A., e consequentes actos de repercussão da referida CSR.

A aludida fornecedora de combustível repercutiu, nas respetivas facturas, a CSR correspondente a cada um dos consumos realizados pela Requerente, conforme comprovativo que a Requerente juntou a estes autos, através de requerimento em 19-01-2024.

Cumpre também notar que, como referido no requerimento arbitral, a Requerente é entidade terceira sobre a qual a CSR foi legalmente repercutida – na qualidade de Contribuinte de facto, sendo que os antecedentes atos de liquidação de CSR foram praticados pela AT e notificados à B..., S.A., como entidade repercutente e Contribuinte de Direito.

De facto, ao contrário do pretendido pela Fazenda Pública, os actos de liquidação da CSR (inerentes aos actos de repercussão sobre a Requerente) são de conhecimento oficioso e, portanto, perfeitamente identificáveis, na medida em que foram emitidos pela própria AT. Com efeito, a Requerente, como mera repercutida da CSR, identificou o tributo, identificou o sujeito passivo do tributo, identificou o respectivo período de tributação, as facturas em que se exigiu do contribuinte o imposto e a confirmação pelo próprio sujeito passivo que repercutiu o imposto – pelo que, nos termos do artigo 74.º n.º 2 da LGT, estão em causa actos tributários facilmente perceptíveis e identificáveis pela AT.

Ora, embora na qualidade de repercutida legal, não seja sujeito passivo da relação jurídica-tributária – na medida em que, nos termos da lei, não é destinatária direta dos actos de liquidação, nem estes lhe são exigíveis senão por força de repercussão – o Contribuinte de facto mantém, no entanto, toda a legitimidade processual para reagir contra os mesmos, na medida em que suporta economicamente o inerente encargo tributário (artigo 18.º, n.º 4, al. a) da LGT).

(...)

Requerente, como entidade terceira sobre a qual a CSR foi legalmente repercutida, vêm, através do presente pedido de pronúncia arbitral, contestar a legalidade dos actos de liquidação de CSR (praticados pela AT e notificados, tão somente, à referida entidade repercutente), atos que estão na origem das repercussões de CSR na Requerente.

Dúvidas restassem acerca da formulação aqui vertida, a Requerente juntou, conforme alegado supra, declaração emitida pela fornecedora de combustível através da qual se declara que repercutiu, nas respetivas faturas, a CSR correspondente a cada um dos consumos realizado pela Requerente.

E a Requerente juntou também aos autos as faturas emitidas pela fornecedora de combustível, que materializam os atos de repercussão cuja legalidade aqui se contesta.”

 

Em 19-01-2024, a Requerente apresentou um requerimento em que pediu a junção de uma declaração emitida pela B..., SA. com o seguinte teor:

“B..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., ..., ...-...Lisboa, pela presente declara, para os devidos efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado, por referência ao combustível rodoviário fornecido à empresa A..., S.A. (NIF -...), nos anos de 2019 a 2022, foi por si integralmente repercutida na esfera da referida empresa.”

 

b) Requerimento da Requerente

A declaração da sociedade B... SA, limita-se a declarar que repercutiu no preço a Contribuição de Serviço Rodoviário, sem identificar as DICs e as liquidações a montante, nem em que períodos, no caso em que diz ter atuado como sujeito passivo de ISP/CSR, o que permitiria a respetiva conexão aos atos tributários que constituem objeto deste processo arbitral;

Considera este Tribunal Arbitral que a declaração emitida pela sociedade D... SA., não pode ser considerada como prova bastante para provar os factos alegados pela Requerente, designadamente que o sujeito passivo de ISP/CSR repercutiu a jusante a CSR que, alegadamente, foi “repassada” à Requerente.

Atendendo a que o n.º 2 do artigo 423.º do CPC consente a juncão de documentos “até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final” (ainda que sujeita à aplicação de uma multa, que seria de duvidosa aplicação na jurisdição arbitral), entende o Tribunal que, até pela sua nula importância para a solução do caso, nada de fundamental obsta à possibilidade de manter nos autos tal documento, em benefício do escrutínio público – e eventualmente jurisdicional – da presente decisão.

 

1.5. Tramitação processual

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral enviado no dia 05-01-2024 foi aceite no dia 09-01-2024 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

Os Árbitros designados em 27-02-2024 pelo Conselho Deontológico do CAAD que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 18-03-2024.

A AT apresentou Resposta em que se defendeu por impugnação e suscitou as seguintes exceções:

- Da incompetência do Tribunal em razão da matéria;

- Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente;

- Da falta de interesse em agir por parte da Requerente;

- Da ineptidão do pedido arbitral – da falta de objeto.

 

Por despacho de 18-04-2024, notificado a 19-04-2024, foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e facultar às Partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, podendo a Requerente pronunciar-se sobre as exceções invocadas pela Requerida na Resposta.

Em 22-04-2024 a Requerida apresentou alegações escritas.

Em 14-05-2024 a Requerente apresentou alegações escrita e respondeu às exceções.

 

2. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º da n.º 112- A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação).

O processo não enferma de nulidades.

Tendo em consideração a matéria de exceção suscitada pela Requerida (da incompetência do Tribunal em razão da matéria, da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, da caducidade do direito de ação, da ineptidão da petição inicial por falta de objeto e falta de pagamento dos valores a título de CSR por parte da Requerente), importa apreciar, preliminarmente, estas matérias, começando pela da incompetência do Tribunal Arbitral, que é de conhecimento prioritário (artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT).

 

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

O Tribunal Arbitral considera provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial com sede em Portugal.
  2. Em 2019, a Requerente adquiriu à fornecedora de combustível, no período compreendido entre 01-01-2019 e 31-12-2019, 472.705 litros de gasóleo rodoviário e 342 litros de gasolina; (cfr. doc. 2, junto com o PPA).
  3. Em 2020, a Requerente adquiriu à fornecedora de combustível, no período compreendido entre 01-01-2020 e 31-12-2020, 454.066 litros de gasóleo rodoviário e 456 litros de gasolina; (cfr. doc. 3 junto com o PPA).
  4. Em 2021, a Requerente adquiriu à fornecedora de combustível, no período compreendido entre 01-01-2021 e 31-12-2021, 456.502 litros de gasóleo rodoviário e 3.518 litros de gasolina; (cfr. doc. 4 junto com o PPA).
  5.  Em 2022, a Requerente adquiriu à fornecedora de combustível, no período compreendido entre 01-01-2022 e 31-12-2022, 454.282 litros de gasóleo rodoviário e 11.756 litros de gasolina; (cfr. doc. 5 junto com o PPA).
  6. A Requerente, apresentou em 15-06-2023, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, pedido de revisão da liquidação da contribuição de serviço rodoviária (CSR), relativamente ao imposto suportado nos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022; (cfr. doc. 1 junto com o PPA).
  7. Sobre o pedido de revisão oficiosa não recaiu, até ao momento, qualquer decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3.2. Factos não provados

O Tribunal Arbitral considera como não provados os seguintes factos:

  1. A fornecedora de combustíveis da Requerente (C..., S.A.), tenha pago o imposto apurado nos atos de liquidação CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas e-DICs por aquela submetidas.
  2. A mencionada fornecedora de combustíveis tenha repercutido nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, nem que a Requerente tenha suportado integralmente este imposto.
  3. Com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou a título de CSR, a quantia global de € 203.479,05.

 

3.3. Motivação da matéria de facto

O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, a) e), do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.

O Tribunal Arbitral formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição inicial e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a Resposta.

Assim, e tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, o como prevê o artigo 110.º do CPPT, a prova documental produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

4. Matéria de direito

4.1. Das exceções

A Requerida na Resposta invoca várias exceções e, a proceder alguma, obstará ao conhecimento do pedido e que, por isso, são de decisão prévia.

Considerando o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT há que iniciar por determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, sendo que o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria. Porém, e dada a sua importância para determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, analisamos a começar, a questão da natureza jurídica da CSR.

 

  1. Da natureza jurídica da CSR

A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e entrou em vigor em 01-01-2008. Teve alterações introduzidas pelas Lei n.ºs 67-A/2007, de 31 de dezembro, 64-A/2008, de 31 de dezembro, 64-B/2011, de 30 de dezembro, 66-B/2012, de 31 de dezembro, 83-C/2013, de 31 de dezembro, 82-B/2014, de 31 de dezembro, 7-A/2016, de 30 de março, sendo substituída pela “Consignação de serviço rodoviário”, pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro.

Considerando o disposto no artigo 1.º e no artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, a CSR visava financiar a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., constituindo a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.

Como determina o artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, em vigor à data dos factos, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), estando estes identificados no artigo 4.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).

O Código dos Impostos Especiais de Consumo, na redação aplicável ao caso em concreto, define como sujeito passivo:

“Artigo 4.º - Incidência subjetiva

1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:

a) O depositário autorizado e o destinatário registado;

(...).

Na tributação dos produtos petrolíferos e energéticos era aplicada uma taxa de ISP, a que acrescia o montante legalmente estabelecido a título de Fator de Adicionamento de CO2 e de CSR.

O artigo 7.º da Lei 55/2007 determina que “As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário.”.

Nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do CIEC o facto gerador do ISP consiste: “A produção em território nacional dos produtos a que se refere o artigo 5.º”; “A entrada em território nacional, quando provenientes de outro Estado -Membro, dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”; e a “A importação dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”.

Os IEC, como o ISP, são exigíveis, conforme decorre do artigo 8.º do CIEC no momento da introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto ou da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o referido Código.

São considerados como introdução no consumo os factos que se enquadrem no descrito no n.º 1 do artigo 9.º, designadamente a saída dos produtos do regime de suspensão, a detenção e armazenagem fora do regime de suspensão sem pagamento do imposto, a produção fora do regime de suspensão, a importação, a entrada dos produtos no território nacional, ainda que em situação irregular, a cessação ou violação dos pressupostos de um benefício fiscal.

A introdução no consumo é formalizada através da Declaração de Introdução no Consumo (DIC), processada por transmissão eletrónica de dados (e-DIC), conforme o artigo 10.º do CIEC.

De acordo artigo 10.º-A do CIEC, com as introduções no consumo efetuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos CIEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática.

Nos termos dos artigos 11.º, e 12.º do CIEC os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto, até ao dia 15 do mês da globalização, devendo aquele ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação.

Como é afirmado no preâmbulo, a CSR é atribuída pelo legislador a finalidade de financiar a Empresa Infraestruturas de Portugal, I.P.

Uma vez descrito o regime jurídico da CSR, importa analisar se é um imposto, uma taxa ou uma contribuição especial.

Por concordamos com o que se afirma no Acórdão do STA, 2.ª Sec. de 04-07-2018, proferido no Processo n.º 01102/17, transcrevemos:

“(...) Dando por adquiridas as inúmeras reflexões doutrinárias e jurisprudenciais produzidas sobre a matéria atinente à distinção entre imposto e taxa [ou seja, que ambos constituem receitas públicas coactivamente impostas, mas enquanto o imposto «... é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos» (Cfr. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, Coimbra, 1977, p. 262.) a taxa tem «carácter sinalagmático, não unilateral, o qual por seu turno deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares» (Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Vol. I, Lisboa, 1981, p. 42.) pressupondo, pois, uma contraprestação por parte do ente público que a exige, a verificar-se na respectiva génese, e que deve concretizar-se naquela prestação de serviço público, naquele acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção do obstáculo jurídico à actividade do particular] (Cfr. Casalta Nabais, Contratos Fiscais, Coimbra 1994, 236.) ressalta na definição legal e doutrinal da taxa a individualização de um aspecto estrutural da mesma (a supra apontada sinalagmaticidade ou bilateralidade) e, em consequência, os respectivos pressupostos da sua cobrança. (...)”

Mencionamos também, o decidido no Acórdão do TC n.º 232/2022 de 31-03-2022, Proc. 105/22, relator J. E. Figueiredo Dias:

“Esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos (...)”

De mencionar ainda a posição do Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, que afirma:

“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.

Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.”

 

Conclui este Tribunal Arbitral que a Contribuição de Serviço Rodoviário é um imposto indireto, um imposto monofásico, em que não estão legalmente previstos quaisquer atos de repercussão. O facto tributário ocorre apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez, com a apresentação da e-DIC, nos termos do CIEC.

 

b) Da incompetência do Tribunal Arbitral

Nestes autos, a AT suscita a questão da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria por considerar, que a CSR é uma contribuição e não um imposto, pelo que as matérias sobre a CSR na sua perspetiva encontram-se, assim, excluídas da arbitragem tributaria, por ausência de enquadramento legal.

A AT alega ainda que os Tribunais Arbitrais não têm competência para sindicarem atos de repercussão de CSR.

A Requerida considera ainda que “Ainda que assim não se entenda, sempre existiria a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, por outra via.

Efetivamente, resulta do teor do pedido de pronúncia arbitral e sua fundamentação, que a Requerente suscita, também, junto desta instância arbitral, a legalidade do regime da CSR, no seu todo.

De facto, ao sustentar o seu pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, não obstante com fundamento na sua desconformidade face ao direito europeu, a Requerente vem questionar todo o regime jurídico desta contribuição.

Pelo que, pretendendo a Requerente, em rigor, a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa, visa, com a presente ação, suspender a eficácia dos atos legislativos.”

Nas alegações, respondendo à matéria de exceção, a Requerente defendeu, a improcedência desta exceção:

“(...) assumindo-se a CSR no ordenamento jurídico-tributário enquanto um imposto e compreendendo a competência conferida ao CAAD a apreciação da ilegalidade de atos de liquidação fica assim, clara, a competência do Tribunal Arbitral para a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a impostos, como a CSR.

Ainda que não se entendesse que a CSR não é qualificada como imposto - o que não se concede – a alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º, do RJAT, prevê que o âmbito material da arbitragem abrange “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos.

(...)

Outro entendimento não deverá retirar-se do exposto, a não ser aquele de que o âmbito material de competência do CAAD abrange a apreciação de pretensões relativas a tributos cuja administração esteja adstrita à AT – tal resulta da leitura conjunta do artigo 2.º do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03 –, com exceção dos casos previstos nos termos do artigo 2.º daquela Portaria.

Logo, ainda que se entendesse qualificar a CSR como “contribuição”, fica claro que a apreciação de pretensões relativas a contribuições administradas pela AT também deverá vincular a sua atuação in casu.

Por outro lado ainda:

ao invés do aventado pela Fazenda Pública, e conforme resulta inequívoco dos autos, a Requerente não pretende, nem peticiona, qualquer pretensa “fiscalização da legalidade de normas em abstracto”.

Outrossim, a Requerente peticiona ao Tribunal a sindicância sobre a conformidade dos actos tributários impugnados com todo o bloco de legalidade vigente no ordenamento jurídico,

o que, como é evidente, inclui, não apenas a violação da lei tributária em causa, mas também de todas as demais fontes de Direito Fiscal: actos legislativos, regulamentos e actos para-regulamentares, princípios constitucionais, convenções internacionais e legislação de Direito Comunitário, princípios gerais de Direito Administrativo e de Direito Fiscal, etc.

(...) Resulta assim demonstrada a competência do Tribunal Arbitral para a apreciação do presente pedido, sendo certo que a alegada inconstitucionalidade de “uma interpretação” do artigo 2.º do RJAT, para além de erroneamente formulada, tampouco resulta minimamente densificada pela Fazenda Pública.”

 

Vejamos,

 

A competência dos Tribunais Arbitrais a constituir no âmbito do CAAD está estabelecida no artigo 2.º do RJAT, Portaria n.º 112-A/2011, e abrange nos temos do n.º 1 a) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;” porém o n.º 2 circunscreveu – ao menos literalmente – tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”.

A Portaria de Vinculação limita deste modo a competência dos Tribunais Arbitrais usando o termo impostos e não tributos.

Como acima concluído, sendo a CSR um imposto não procede a exceção alegada da Requerida que parte do pressuposto que a contribuição de serviço rodoviário deve ser qualificada como contribuição especial, e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.

c) Exceção da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente

Nos presentes autos a Requerente invocando a qualidade de repercutida de facto pede a declaração de ilegalidade das liquidações de CSR do “acto de indeferimento tácito do pedido de revisão de actos tributários (cfr. doct. n.º 1) e sobre os (ii) actos de liquidação de contribuição de serviço rodoviário emitidos na sequência da emissão das declarações de introdução ao consumo de gasolina e gasóleo, efectuados pela B..., S.A. (C...), referente aos anos de 2019, 2020, 2021 2022”.

 

A Requerida em síntese alega:

“Estabelece o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;

Da conjugação do mencionado normativo legal com o vertido no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março,

resulta que a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição;

Para o que ora releva, no caso em apreço está em causa a apreciação da legalidade da CSR e respetivas liquidações;

Ora, tratando-se de uma contribuição e não de um imposto, as matérias atinentes à CSR encontram-se excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.

E a este propósito veja-se o artigo 4º da LGT onde o legislador não só definiu no nº 1 quais os tributos que considera enquadrados na noção de “imposto”, como vem, ainda, atribuir essa qualidade a determinadas contribuições especiais, definindo no nº 3 aquelas que devem também ser consideradas como um imposto.”

(...)

Ainda que assim não se entenda, sempre existiria a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, por outra via.

Efetivamente, resulta do teor do pedido de pronúncia arbitral e sua fundamentação, que a Requerente suscita, também, junto desta instância arbitral, a legalidade do regime da CSR, no seu todo.

De facto, ao sustentar o seu pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, não obstante com fundamento na sua desconformidade face ao direito europeu, a Requerente vem questionar todo o regime jurídico desta contribuição.

Pelo que, pretendendo a Requerente, em rigor, a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa, visa, com a presente ação, suspender a eficácia de atos legislativos.

(...)

Ora, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação;

E este contencioso não consente nem o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação (o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão) – vide artigo 2.º do RJAT.

Não sendo da competência do tribunal arbitral nem a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, nem a execução de sentenças/decisões;

Afigurando-se inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos aqui formulados pela Requerente, quando a letra e o espírito da norma não o permitem.”

 

A Requerente respondendo a esta exceção defende:

 

“Conforme resulta evidente dos autos, tanto pelo pedido, como pela causa de pedir, a Requerente solicitou a intervenção do Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, para efeito da declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos – os quais constituem o objecto mediato do processo arbitral.

De igual modo, e porque não se conforma com o indeferimento, embora silente, do Pedido de Revisão Oficiosa incidente sobre os aludidos actos tributários de liquidação de CSR, a Requerente solicitou a declaração da ilegalidade daquele indeferimento – que constitui o objecto imediato dos autos.

E isto porque, como decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, estão abrangidos no âmbito da jurisdição do Tribunal Arbitral todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através de impugnação judicial, desde que tenham por objeto os actos mencionados no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT – como é claramente o caso, a menos que a Fazenda Pública entenda que os actos tributários em causa são inatacáveis e inimpugnáveis…

No caso concreto, foram impugnados os actos tributários de liquidação de CSR – e, bem assim, os consequentes actos tributários de repercussão de CSR.

Resulta também inequívoco que a apreciação do indeferimento tácito de um procedimento incidente sobre a legalidade de acto tributário se encontra compreendida no âmbito da competência do Tribunal Arbitral e, bem assim, dos atos tributários subjacentes a tal procedimento.”

A Requerente defende que a CSR é um imposto e por isso insere-se na “competência conferida ao CAAD a apreciação da ilegalidade de atos de liquidação fica assim, clara, a competência do Tribunal Arbitral para a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a impostos, como a CSR.”

 

Vejamos

 

O RJAT é omisso quanto à regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso nos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD.

Temos de procurar a resposta nas normas de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

Do artigo 9.º, n.º 1 do CPTA resulta que: “Sem prejuízo do disposto no número seguinte e no capítulo II do título II, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”.

E, determina o artigo 30.º do CPC: “1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer;

2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.

3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.

Assim, a legitimidade processual é definida nestas normas, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por referência à relação material controvertida que no caso dos Tribunais Arbitrais a funcionar no CAAD, terá na sua génese um ato tributário. O sujeito passivo dessa relação jurídica tem de se enquadrar no artigo 18.º, n.º 3 da LGT.

A LGT no artigo 1.º, n.º 2 estabelece que “Para efeitos da presente lei, consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas”.

No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento tributário, a LGT determina no artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.” E, o artigo 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.

Por seu lado, o artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007 estipula: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações”.

 

Consideramos que o legislador se limitou a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma. O referido artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007, remete para o CIEC no que concerne às normas que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.

Entendemos que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, a legitimidade neste caso, para questionar os atos de liquidação da CSR, só poderia advir da comprovação de a Requerente é titular de um interesse legalmente protegido (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).

Neste sentido é de referir a decisão arbitral, de 01-02-2024, proferida no Processo n.º 296/2023-T e Acórdão do STA de 28-10-2020, proferido no Proc. 0581/17.BEALM, nos termos da qual se refere “(...). V - “A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)”.

Por seu lado, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, 3.ª edição, VISLIS Editores, 2003, pág. 121, afirmam: “A exclusão do terceiro repercutido do âmbito de sujeitos passivos tem larga consagração na doutrina (vd., DIOGO LEITE DE CAMPOS e MÓNICA HORTA NEVES LEITE DE CAMPOS, ob. Cit., 2.ª ed. Coimbra, 2000, Parte II, A obrigação tributária) entre ele repercutido e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”

A legitimidade para requerer o reembolso do ISP e, inerentemente, da CSR pertence aos sujeitos passivos do imposto enunciados no n.º 1 e no n.º 1 a) do artigo 4.º do CIEC, ou seja, os operadores que introduzem no consumo os bens sujeitos a IEC e CSR, em virtude da remissão do n.º 1 do artigo 5.º da Lei nº 55/2007, com exclusão dos repercutidos.

A liquidação de CSR é realizada através do Documento de Introdução ao Consumo (e-DIC), que contem todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável, ou seja, é o documento que suporta as quantidades de produtos declaradas para consumo bem como a liquidação do imposto correspondente, o qual a Requerente pretende a sua anulação.

A Requerente não apresenta as DICs correspondentes ao combustível que adquiriu à fornecedora de combustíveis cópia das faturas, (nas quais até inclui uma fatura emitida pelas sociedade E..., F... Unipessoal, Lda. de 11-09-2020, cfr. doc 3 junto com o PPA).

As faturas não fazem prova do alegado pagamento, pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes por si alegados.

Uma fatura é documento fiscalmente relevante, que consubstancia um “documento em papel ou em formato eletrónico que: i) Contenha os elementos referidos nos artigos 36.º ou 40.º do Código do IVA, incluindo a fatura, a fatura simplificada e a fatura-recibo; ii) Constitua um documento retificativo de fatura nos termos legais; cfr artigo 2.º, c) do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro.

Das faturas mencionadas não se pode considerar que delas resultaria qualquer ato imputável à AT, quer tributário, quer administrativo em matéria tributária. Por definição uma fatura é um documento que deve ser emitido pelo fornecedor ou prestador de serviços, sempre esteja em causa a prestação de um serviço ou aquisição de um bem ou prestação de um serviço sujeito a IVA e da DIC resulta um ato tributário stricto sensu, a liquidação de CSR da competência da AT e que é impugnável nos termos do artigo 51.º do CPTA.

Na DIC está em causa um Imposto Especial ao Consumo (IEC), o qual é devido pela introdução no consumo de produtos petrolíferos.

As entidades que introduzem os combustíveis no consumo e que estejam registadas como tal, são os sujeitos passivos da CSR e têm a posição de entidades obrigadas a proceder ao pagamento ao Estado, não a Requerente. E, com base nas faturas juntas com o PPA, não é possível comprovar qual a entidade que procedeu à introdução no consumo, se submeteu as DICs respetivas, se procederam ou não a esse pagamento porque não é junto qualquer documento que se possa considerar como prova desse pagamento.

E, das faturas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas quaisquer referências a montantes pagos a título de ISP ou CSR, (estando a € 0,00 o campo das faturas referentes a ISP/Outras contribuições) pelo que não permitem provar quaisquer pagamentos ao Estado do ISP/CSR, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (e-DIC).

De salientar que impostos especiais sobre o consumo (IECs) são impostos monofásicos e o facto tributário ocorre apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.

O regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação, como resulta do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007.

Como ocorre no âmbito dos IEC, e em outros tipos de impostos, as disposições especiais previstas nos respetivos códigos prevalecem sobre as normas gerais previstas na LGT e no CPPT.

Apenas a entidade que introduziu no consumo os combustíveis e apresentou nas Alfândegas as DICs, o sujeito passivo de ISP/CSR, teria legitimidade para solicitar à AT o reembolso da CSR, (artigos 15.º e 16.º do CIEC), não a Requerente.

Pelo exposto, considera-se que a Requerente não tem legitimidade processual para questionar os atos de liquidação da CSR praticados pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela entidade que introduziu no consumo os combustíveis porque no âmbito dos impostos especiais de consumo. Apenas a entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR, tem legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações e consequente reembolso do montante correspondente, conforme o artigo 16.º do CIEC.

Acresce ainda o seguinte:

O RJAT não contém a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, por via da aplicação do seu artigo 29.º, n.º 1, que remete para as disposições legais de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.

Da regra geral do direito processual, constante do artigo 30.º do CPC, resulta que é parte legítima quem tem “interesse direto” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade ativa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (v. artigo 9.º, n.º 1 do CPTA).

A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um ato tributário, cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da LGT, como “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”.

Neste domínio, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas (v. artigo 1.º, n.º 2 da LGT).

O CPPT consagra uma norma específica à legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).

No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”. E o artigo 78.º da LGT, no âmbito da revisão dos atos tributários, assegura a mesma posição apelando aos conceitos de sujeito passivo e de contribuinte.

Em relação aos sujeitos passivos não originários, o legislador teve a preocupação de justificar, especificadamente, a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual. Assim, quanto aos responsáveis solidários, a legitimidade processual deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (v. artigo 9.º, n.º 2 do CPPT). E, relativamente aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (v. artigo 9.º, n.º 3 do CPPT). Em ambas as situações constitui-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias –, o que sucede igualmente com outra categoria de sujeito passivo (não originário), o substituto.

Compreende-se que o legislador não tenha adotado um conceito irrestrito de legitimidade ativa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o ato de liquidação do imposto, a determinação da sua efetiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. A ser assim, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.

Apesar de a LGT estender a legitimidade ativa ao repercutido legal[1], que, como acabámos de ver, não é sujeito passivo, a CSR não constitui um caso de repercussão legal.

A Lei n.º 55/2007, que institui a CSR, não contém qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo. Basta atentar, para esta conclusão, no seu artigo 5.º, n.º 1: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”. Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, pelo que o artigo 5.º, n.º 1 não remete para o artigo 2.º do Código dos IEC, mas apenas para as normas desse código que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.

Em síntese, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (vide artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil)[2].

De salientar que a mera repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, que reclama, nos termos da lei, a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Sendo que, na situação concreta, nem sequer tal repercussão foi minimamente evidenciada.

Interessa ainda sublinhar que a Requerente não tem a qualidade de consumidor de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”). Na verdade, o combustível adquirido é um fator de produção no circuito económico, pelo que, se a CSR se destina a ser suportada pelo consumidor, à partida, a Requerente não faz parte das entidades potencialmente lesadas, que são os consumidores e não os operadores económicos (v. neste sentido as decisões dos processos arbitrais n.ºs 408/2023-T, de 8 de janeiro de 2024, e 375/2023-T, de 15 de janeiro de 2024).

Ora, ao não revestir a qualidade de sujeito passivo de CSR (seja como contribuinte direto, substituto ou responsável), nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, nem sendo parte em contratos fiscais, a Requerente só teria legitimidade para demandar a Requerida e solicitar o reembolso do imposto [CSR] se comprovasse que é titular de um interesse legalmente protegido (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).

Assim, teria que alegar e demonstrar factos que suportassem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, em concreto, que o sujeito passivo lhe tinha transferido o encargo económico da CSR e, cumulativamente, que esse encargo tinha sido por si suportado a final, ou seja, sem que tivesse sido repassado no âmbito da atividade desenvolvida (por via do preço dos serviços praticado com os seus clientes). 

Conforme antes referido, a Requerente não logrou atestar que foi repercutida e que suportou a CSR contra a qual reage, ou a medida em que a suportou. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente ação arbitral, tendo em conta que não é sujeito passivo, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutido legal.

Por fim, em cumprimento do desiderato do direito nacional e da União Europeia, não se diga que a Requerente ficou desprovida de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma ação civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunir os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspetiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (v. artigo 20.º da Constituição).

De notar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao atual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (v. Acórdão de 1 de outubro de 2003, processo n.º 0956/03).

Em síntese, não tendo ficado provada a repercussão da CSR pelos fornecedores de combustíveis, nem que a Requerente suportou o encargo económico do imposto, falece-lhe legitimidade para pedir a anulação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto, solução que se enquadra numa interpretação conforme à Constituição (v. artigo 268.º, n.º 4), porquanto o direito à impugnação dos atos lesivos não pode deixar de reportar-se aos sujeitos cuja esfera jurídico-patrimonial sofreu a lesão (os lesados) e não a outros.

A conclusão da ilegitimidade da Requerente também se retira da exegese do Código dos IEC, aplicável à CSR na parte referente à liquidação, cobrança e pagamento do imposto (por remissão do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007). Conforme declara o acórdão do CAAD, de 1 de fevereiro de 2024, proferido no âmbito do processo 296/2023-T, “qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”).” (realce nosso)

A referida norma [artigo 15.º, n.º 2, do Código dos IEC] estabelece que “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.”.

Desde a redação inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjetiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.

Quer dizer que só os sujeitos passivos aí identificados (no artigo 4.º), e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre, tal como resulta do n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”. Ora, esta solução apresenta total cabimento face à impraticabilidade que seria fazer a gestão de um sistema demasiadamente aberto a todo o género de reembolsos, com uma duvidosa forma de controlo. A esta mesma conclusão chegaram, entre outras, as decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs 296/2023-T, 408/2023-T, 375/2023-T e 633/2023-T.

Importa, ainda, notar que, contrariamente ao que a Requerente afirma, sem, contudo, indicar qualquer base jurídica, a questão de legitimidade processual não tem de ser analisada à luz da Diretiva 2008/118/CE, nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça. O direito da União Europeia não se projeta no domínio do direito adjetivo, seja procedimental, ou processual, que continua a fazer parte das competências próprias dos Estados-Membros, sem prejuízo do seu controlo (negativo) por conformação aos parâmetros (princípios) do direito da União Europeia, nomeadamente da proporcionalidade, na medida em que afetem posições substantivas regidas por este direito.

A Requerente faz apelo aos princípios (europeus) da equivalência e da efetividade, mas não justifica a sua aplicação e pertinência à situação em análise, nem este Tribunal a consegue alcançar. O enunciado do princípio da equivalência é o de que as regras nacionais não podem tratar de modo mais desfavorável um direito decorrente da ordem jurídica europeia por comparação a direitos decorrentes da ordem jurídica nacional. No caso, não há qualquer tratamento diferenciado.

Por outro lado, o princípio da efetividade postula que as regras nacionais não podem tornar impossível ou excessivamente difícil a efetivação de um direito decorrente da ordem jurídica europeia. Circunstância que também aqui não se verifica, pois o direito de ação contra o credor tributário é assegurado ao sujeito passivo ou a quem demonstre que suportou o imposto (não o tendo demonstrado a Requerente). Acresce que o Tribunal de Justiça, como atrás referido, já se pronunciou no sentido de que nos demais casos o ressarcimento pode ser acedido através de uma ação civil dirigida aos fornecedores.

 

À face do exposto julga-se verificada a exceção de ilegitimidade da Requerente, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado.

 

5. Decisão

a) Julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade da Requerente quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR;

c) Em consequência, absolver a AT da instância, condenando a Requerente nas custas.

 

6. Valor do processo

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 203.479,05, indicado pela Requerente sem oposição da Requerida.

 

7. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 4.284,00 a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

Notifique-se.

 

Lisboa, 17 de outubro de 2024

 

Os Árbitros

 

_____________________

(Regina de Almeida Monteiro – Presidente e Relatora)

 

 

_________________

(António Alberto Franco -Adjunto, com declaração de voto)

 

 

_________________

 (Tomás Castro Tavares – Adjunto)

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Não acompanhamos o sentido da decisão, sintetizada no sumário supra.

A Requerente pretende com o seu pedido a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação, invocando, para o efeito, a sua qualidade de repercutida.

Ora, é nosso entendimento que a legitimidade da impugnação da CSR não está reservada aos sujeitos passivos de ISP, integrando o universo definido no art. 15º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, compreendendo também quem suporta, por repercussão legal, o encargo do imposto. De outro modo, seria incompreensível a alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT, que declara não ser sujeito passivo quem suporta por repercussão legal o encargo tributário, mas sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias.

No presente processo arbitral não está em causa a legalidade de qualquer acto de repercussão que o Tribunal Arbitral não possa conhecer, mas apenas a legitimidade das  Requerentes  para  contestar no âmbito da jurisdição arbitral um conjunto de liquidações da autoria dos serviços aduaneiros.

Essa legitimidade depende de dois requisitos cumulativos e não meramente alternativos: a transferência do encargo da CSR para a esfera do sujeito passivo para a esfera do impugnante e que essa repercussão tenha sido legal e não meramente económica  ou de facto, pelo que o impugnante, independentemente da sua vontade,  está  necessariamente obrigado a suportá-la, requisitos que , segundo essas Decisões Arbitrais e muitas outras no mesmo sentido, o Tribunal Arbitral teria necessariamente de apreciar

Entendemos que o pedido deveria ser julgado procedente e, de modo particular não acompanhamos a decisão ao julgar o Tribunal Arbitral incompetente, em razão da matéria, para conhecer o pedido de apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR.

Como resulta do artigo 3º, a CSR corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional - tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis – e constitui uma fonte de financiamento da mesma no que respeita à respectiva concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras forma de financiamento.

Subscrevendo o decidido, entre outros, no Acórdão 304/2022-T, concluímos que:

- (…) a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007).

Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”

Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.

A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.

No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.

Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.

(…)

Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.

Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira”.

Em conclusão, a CSR é um verdadeiro imposto.

No que respeita à competência, a questão releva do ponto de vista da competência “relativa” do Tribunal Arbitral e não “absoluta”, em razão da matéria, já que a norma que rege a competência, o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, faz referência a “actos de liquidação de tributos”, categoria ampla que compreende a tripartição clássica reflectida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição e no artigo 3.º, n.º 2 da LGT – impostos, taxas e contribuições financeiras –, pelo que aí tem claro enquadramento a CSR.

Mesmo na perspectiva da competência “relativa”, apesar de o artigo 2º da Portaria parecer limitar o âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral aos “impostos” e de o nomen juris da CSR sugerir que estamos perante uma contribuição financeira, a sua natureza é, na realidade, a de um imposto administrado pela AT, ainda que de receita consignada, não sendo a denominação determinante.

Por outro lado, entendemos que a CSR, na versão anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, foi criada tendo em vista a repercussão nos consumidores das quantias cobradas a esse título pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos.

Com efeito, no artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, vigente em 2018 e 2019) estabelece-se que “o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável” e no n.º 3 do mesmo artigo (vigente na redacção inicial) que “a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.

Isto, aliás, na linha do que determina o Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (para onde remete o regime da CSR no artigo 5º da Lei55/2007), no seu artigo 2º quando determina que “os impostos especiais sobre o consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.

Ora, resulta do disposto no artigo 18.º, n.º 4, a), da LGT, que quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os actos de liquidação que geram a repercussão.

De qualquer modo, para além da legitimidade activa da Requerente se encontrar coberta pelo referido preceito, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.

No pedido, a Requerente identifica as facturas emitidas pelos fornecedores de combustíveis em que sustenta ter ocorrido necessariamente repercussão da CSR.

Os actos impugnados encontram-se identificados e documentados pelo único meio possível, qual seja, a emissão de facturas emitidas pelo fornecedor do combustível que consubstancia a repercussão do encargo tributário na esfera jurídica dos adquirentes, estando estes impossibilitados de obter elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade, por não serem eles o sujeito passivo do imposto. Mas, mais do que isso,  a Requerente juntou declaração dos mesmos atestando ter ocorrido efectiva repercussão, documento cujo teor não foi impugnado, pelo que tal factualidade deveria ter sido dado como provada.

Como se refere no texto do acórdão supra, “não tendo a Requerente a qualidade de sujeito passivo da CSR, nem sendo substituto tributário, não lhe é exigível que disponha das liquidações correspondentes, uma vez que não é o destinatário das mesmas nem participou na sua emissão. Aliás, tal exigência comprometeria a sindicabilidade dos atos tributários por repercutidos legais, ou, no caso de retenções na fonte, pelos substituídos, com a consequente contração do acesso ao direito, incompatível com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva e com o princípio da proporcionalidade (v. artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição”.

De qualquer forma, entendemos que a repercussão da CSR se presume, por recurso à livre apreciação dos factos de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros [artigo 16º, e) do RJAT e artigo 607º, n.º 5 do CPC].

Seguimos integralmente neste ponto, o que se decidiu no processo arbitral n.º 1015/2023-T, de 28-05-2024:

- “A repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis é manifestamente pretendida pela lei, ao estabelecer que o financiamento da rede rodoviária nacional «é assegurado pelos respectivos utilizadores» e que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis» ((artigos 2.º e 3.º do CIEC na redacção anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro).

Assim, a existência de repercussão do tributo no consumidor final numa situação em que a lei pretende que ela exista, como sucede com a CSR, tem de se presumir, à face das regras da experiência que os árbitros devem aplicar na fixação da matéria de facto, pois trata-se de uma situação normal, que corresponde ao andamento natural das coisas, quod plerumque accidit.

Neste contexto, deve dizer-se que a presunção de que ocorreu efectivamente repercussão quando ela está prevista na lei e não há qualquer facto que permita duvidar da correspondência do facto presumido à realidade, não é incompatível com o Direito da União, designadamente à face do Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no processo C-460/21.

O que aí se refere, relativamente a prova de uma situação de enriquecimento sem causa, que constitui excepção ao direito ao reembolso de quantias cobradas em violação do Direito da União, é que «o direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42)».

Isto é, o que o TJUE considera incompatível com o Direito da União é a utilização exclusiva de uma presunção de repercussão para prova de uma situação excepcional de enriquecimento sem causa, derivada de omissão de repercussão, impedindo ao operador que devia fazer a repercussão a apresentação de elementos de prova destinados a demonstrar que não ocorreu.

Mas, no caso em apreço, o que esta em causa não é a prova de uma situação de excepção, mas sim a prova da situação normal de ter existido a repercussão pretendida por lei e não há obstáculos a que seja apresentada prova de que a repercussão não ocorreu, abalando a operacionalidade da referida presunção natural. O que sucede, é que nenhuma prova foi apresentada que permita entrever que a repercussão não tenha ocorrido.

Por outro lado, é manifesta a acrescida dificuldade de prova positiva da repercussão, em situação em que a Requerente apenas tem na sua posse as facturas em que apenas se indica o preço em que se presume estar incluída a CSR e essa acentuada dificuldade deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina "iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur".

Por outro lado, «a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» (artigo 58.º da LGT), pelo que tinha o dever de diligenciar, na sequência da apresentação do pedido de revisão oficiosa, no sentido de apurar quais as liquidações que ela própria emitiu e os pagamentos que recebeu relativas ao pagamento de CSR pela fornecedora de combustíveis e confirmar ou não se foram ou não efectuados os pagamentos das facturas pela Requerente, se necessário através de exame à contabilidade da Requerente e informações bancárias.

É apenas nas situações em que, após a produção das provas e a realização de diligências necessárias para apurar a factualidade relevante para a decisão, subsistem dúvidas sobre factos em que deve assentar a decisão que funcionam as regras do ónus da prova, valorando procedimentalmente as dúvidas contra aquele a quem é atribuído o ónus da prova.

As regras do ónus da prova não significam que seja sobre a parte à qual ele é atribuído que recai o dever de trazer ao processo os meios de prova dos factos relevantes para decisão, dispensando a parte contrária de tal tarefa, pois a Administração Tributária nunca está dispensada de, em cumprimento do princípio do inquisitório, antes de aplicar as regras do ónus da prova, «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido», por força do artigo 58.º da LGT.

«No procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares» (artigo 50.º do CPPT), independentemente de o ónus da prova recair ou não sobre o contribuinte.

A expressão «todas as diligências necessárias» não dá margem para interpretação restritiva quanto aos deveres de realização de diligências que a lei impõe a AT.

O princípio do inquisitório, enunciado este artigo 58.º da LGT, situa-se a montante do ónus de prova (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.

Por isso, não podem aplicar-se as regras do ónus da prova contra o sujeito passivo, valorando contra ele as dúvidas sobre a matéria de facto, em situação em que não foi cumprido adequadamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira o princípio do inquisitório: se houve omissão absoluta de diligências no procedimento que tinham potencialidade para esclarecer os factos relevantes para a apreciação da causa, a falta de prova tem de ser valorada contra a Autoridade Tributária e Aduaneira”.

Efectivamente, independentemente do critério de repartição do ónus da prova ao caso aplicável, a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade, constituindo um afloramento deste princípio o disposto no artigo 58.º da LGT. Por outro lado, os órgãos da Administração Pública estão sujeitos a um princípio de colaboração, e, como tal, “devem actuar em estreita colaboração com os particulares, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber as suas sugestões e informações”, princípio esse igualmente consagrado nos artigos 11º, n.º 1, do CPA, 59º da LGT e 48º do CPPT.

Aliás, o contribuinte não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios.

Desse modo, tendo presentes todos os elementos constantes do processo arbitral, consideraríamos o Tribunal Arbitral competente para apreciar o pedido arbitral e, mais do que isso, consideraríamos o pedido procedente.

 

O Árbitro Adjunto

 

 

           

(António A. Franco)

 



[1] Desta forma, a lei implica (e pressupõe) que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT), não o fazendo, porém, em relação ao mero repercutido de facto, pelo que, neste caso, a repercussão tem de ser demonstrada, não se podendo presumir.

[2] De referir que a alteração legislativa do Código dos IEC, ocorrida em dezembro de 2022, que passou a consagrar a repercussão nos IEC, além de não ser subsidiariamente aplicável à CSR, por falta de norma remissiva, mesmo que o fosse, não poderia reger a situação em análise porque é posterior à data dos factos. Esta conclusão não resulta afastada pela atribuição de natureza interpretativa pelo legislador (artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro), pois a retroatividade inerente às leis interpretativas “é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.” (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 16 de dezembro de 2020).