SUMÁRIO
-
As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária
-
Relatório
A..., S.A., sociedade comercial anónima com sede em Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, doravante “Requerente”, com o número de identificação fiscal português ..., veio, em 9 de abril de 2024, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA") contra o ato tributário de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (“ASSB”), referente ao ano de 2021, peticionando a declaração de ilegalidade e anulação, bem como o reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”).
A Requerente fundamenta a sua pretensão, em síntese, nos seguintes termos:
-
A Requerente é uma instituição de crédito – em concreto, uma instituição financeira de crédito – residente para efeitos fiscais em território português.
-
A 31 de dezembro de 2021, a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB referente ao ano de 2021, mediante apresentação da respetiva declaração Modelo 57, da qual resultou o montante total a pagar de € 50.972,22 (cinquenta mil, novecentos e setenta e dois euros e vinte e dois cêntimos).
-
A Requerente procedeu ao pagamento integral do tributo por si liquidado.
-
A 6 de dezembro de 2023, por não se conformar com o ato tributário sub judice, a Requerente apresentou reclamação graciosa, em sede da qual peticionou a anulação daquele ato tributário e a consequente restituição do montante indevidamente pago.
-
A 8 de janeiro de 2024, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa.
-
Entende a Requerente enfermar o regime do ASSB – previsto nos artigos 18.º e 21.º, e no Anexo VI, da Lei n.º 27-A/2020, de 27 de julho – de inconstitucionalidade material, pelo que, em conformidade, impor-se-á a anulação dos atos tributário e decisório sub judice.
-
Em concreto, a Requerente estriba a sua posição nos seguintes fundamentos: Na violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade consagrados, respetivamente, nos artigos 13.º, 104.º e 18.º n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”); Na preterição do princípio da especificação orçamental ínsito no artigo 17.º da Lei de Enquadramento Orçamental (“LEO”) e, bem assim, na violação deste diploma normativo, enquanto lei de valor reforçado, nos termos do artigo 112.º, n.º 3, da CRP.
-
O ASSB trata-se efetivamente de um tributo que visa impor um especial (e suplementar) ónus de financiamento sobre um grupo seletivo de contribuintes com vista à concretização de um fim específico.
-
O legislador criou intencionalmente um tributo que reclama uma solidariedade (ou responsabilidade) acrescida de um específico leque de contribuintes, atenta a necessidade de financiamento dos encargos públicos com pensões [garantidas através do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (“FEFSS”)].
-
Em concreto, atribuiu-se esta responsabilidade acrescida às entidades financeiras, uma vez que o legislador considerou que o tributo em referência era legítimo, face à circunstância de a generalidade dos serviços e operações bancárias estar isenta de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”).
-
Entende a Requerente que o ASSB corresponde a um verdadeiro imposto, atenta a sua manifesta unilateralidade.
-
E, enquanto imposto, ainda que se admita ser um imposto especial – atento o facto de incidir sobre o setor bancário –, não poderá deixar de aplicar-se, com as devidas consequências, o respetivo regime jurídico-constitucional.
-
Entende a Requerente ser o Regime ASSB materialmente inconstitucional, bulindo com o princípio da igualdade tributária consagrado nos artigos 13.º da CRP e 5.º, n.º 2, da LGT, na medida em que cria uma imposição injustificada sobre um grupo seletivo de contribuintes, refletindo, perante uma necessidade de financiamento geral, um tratamento discriminatório entre sujeitos passivos colocados na mesma situação.
-
Constata-se ser o Regime ASSB materialmente inconstitucional, (também) por violação do princípio da capacidade contributiva consagrado no artigo 104.º da CRP.
-
Entende a Requerente, que padecerem os atos tributário e decisório sub judice do vício de violação de lei, porquanto foram emitidos nos termos de regime legal (o Regime ASSB) materialmente inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade, consagrados, respetivamente, nos artigos 13.º, 104.º e 18.º n.º 2, da CRP, e, consequentemente, declare tais atos ilegais, anulando-os em conformidade, nos termos do artigo 163.º do CPA, tudo com as demais consequências legais
-
Entende ainda a Requerente colidir o Regime ASSB com o princípio da especificação orçamental consagrado no artigo 17.º da Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, que aprovou a LEO.
-
Conclui a Requerente alegando que padecerem os atos tributário e decisório sub júdice do vício de violação de lei, porquanto foram emitidos nos termos de regime legal (o Regime ASSB) materialmente inconstitucional, por violação do princípio da hierarquia dos atos legislativos consagrado no artigo 112.º, n.º 3, da CRP, e, consequentemente, declare tais atos ilegais, anulando-os em conformidade, nos termos do artigo 163.º do CPA, tudo com as demais consequências legais.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 9 de abril de 2024, e subsequentemente notificado à AT.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou o ora signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 31 de maio de 2024, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 19 de junho de 2024, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.
A Requerida apresentou a sua resposta, defendendo-se por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”) em 6 de setembro de 2024, alegando, em síntese, o seguinte:
-
A criação do ASSB está indissociavelmente relacionada com o contexto histórico da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2.
-
De facto, o ASSB foi uma das várias medidas fiscais previstas no Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 41/2020, de 6 de junho, com vista a mitigar os impactos económicos e sociais decorrentes da resposta pública à crise sanitária.
-
Conceptualmente, o ASSB apresenta-se como um tributo que assume natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras.
-
Da alegada (todavia, inexistente) ilegalidade dos atos por violação do princípio da igualdade Capacidade Contributiva e Proporcionalidade, Entende, erroneamente, a Requerente que as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, violam o princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio e proibição de criação de impostos desproporcionais e não genéricos.
-
Entende no seu ideário argumentativo a Requerente que que a sujeição das instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável às operações e serviços financeiros acarreta uma diferenciação de tratamento arbitrária e desproporcional do setor bancário em relação aos demais setores de atividade, uma vez que assenta num critério distintivo irracional, para o qual não se vislumbra fundamento material razoável, nem se consegue apreender as razões que efetivamente estiveram na base dessa distinção.
-
Entendimento com o qual, salvo o devido respeito, a Requerida não concorda e não pode, de todo, sufragar.
-
Salvo o devido respeito, a Requerida considera ser inequívoco – e, até mesmo, facilmente compreensível – que a opção do legislador de sujeitar as instituições de crédito ao ASSB assenta, tal como a seguir se demonstrará, num critério distintivo objetivo, razoável e materialmente justificado.
-
Pelo que a tributação das instituições de crédito em sede de ASSB não configura qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do setor financeiro em geral e, em particular, das instituições de crédito.
-
No âmbito da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, o legislador entendeu dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no n.º 27 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e, com isso, reduzir a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade sujeitos e não isentos de IVA.
-
Ora, considerando que o IVA constitui, per se, uma das fontes de financiamento da Segurança Social, através da consignação de uma parcela da sua receita para essa finalidade (o denominado “IVA social”), a criação do ASSB como forma de contrabalançar a isenção de IVA associada aos serviços e operações financeiras, com a consequente consignação da sua receita ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), apresenta-se como uma opção natural e, certamente, coerente do legislador.
-
Sendo, por isso, razoável e materialmente justificado que um setor reconhecidamente subtributado em matéria de fiscalidade indireta, como é o caso do setor financeiro e, em concreto, das instituições de crédito, seja, também ele, chamado a contribuir para o sistema de segurança social.
-
A justificação aduzida pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB tem como fundamento material a ideia de justiça fiscal, mais concretamente de reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo-se assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade, atenta a isenção de IVA de que os serviços e operações financeiras beneficiam e que é apenas parcialmente colmatada, em matéria de fiscalidade indireta, pela tributação em sede de Imposto do Selo.
-
Pelo que as instituições de crédito são, também elas, chamadas a contribuir, na medida da sua capacidade contributiva, para as receitas públicas, mais especificamente para o financiamento do sistema de segurança social, tal como sucede, por exemplo, com os restantes setores de atividade através do denominado “IVA social”.
-
Podendo-se concluir que a criação do ASSB apenas violaria o princípio da igualdade se os setores não financeiros não estivessem sujeitos a uma tributação indireta equivalente ou, pelo menos, comparável. O que, não sucede no caso sub judice.
-
Sendo, portanto, evidente que o critério distintivo utilizado pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB não configura qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do setor bancário, uma vez que a diferença de tratamento em causa é justificada com base num fundamento material objetivo, racional e razoável.
-
Não havendo, por isso, razões para concluir que o legislador possa ter extravasado os limites da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa.
-
Pelo que deve o presente PPA ser julgado totalmente improcedente, por se entender que as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, não violam o princípio constitucional da igualdade, em qualquer uma das suas dimensões, designadamente, proibição de arbítrio, criação de impostos desproporcionais e não genéricos, nem qualquer outro princípio constitucional.
-
No que respeita à violação do princípio constitucional da capacidade contributiva, enquanto corolário do princípio da igualdade tributária, em suma, aventa o Requerente que o ASSB viola igualmente o princípio da capacidade contributiva, porquanto os elementos objetivos da sua incidência não têm relação com nenhum dos indicadores demonstrativos dessa mesma capacidade - rendimento, consumo ou património.
-
Sendo por isso, desconforme com o princípio constitucional da igualdade tributária, na vertente da capacidade contributiva, entendimento que a Requerida, com o devido respeito, e salvo melhor opinião, não pode sufragar.
-
A capacidade contributiva concretiza, de facto, o princípio da igualdade fiscal, na sua vertente da uniformidade, pressupondo que todos paguem impostos segundo o mesmo critério, objetivando uma justa repartição dos encargos de acordo com a capacidade real e efetiva de cada um.
-
Por tudo quanto se expôs, deve o presente PPA ser julgado totalmente improcedente, por se entender, também nesta senda, que o art.º 2 do anexo VI a que se refere o art.º 18.º da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, que define a incidência pessoal do Adicional sobre o Sector Bancário, não é inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária, na sua dimensão de exigência da generalidade dos impostos, e por violação do princípio da proporcionalidade legislativa, nem qualquer outro princípio constitucional
-
Assente que o ASSB é consignado, por lei, ao FEFSS, é inequívoco que se enquadra na exceção ao princípio da não consignação de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas, contemplada na alínea c) do artigo 16.º da LEO.
-
Pelo mesmo motivo também não colhe a argumentação expendida na petição inicial relativamente ao carácter excecional e temporário da medida, nos termos da alínea f) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 16.º da LEO.
-
Pelo que, também neste aspeto, improcede a argumentação do Requerente, devendo manter-se na ordem jurídica a autoliquidação impugnada.
-
Sobre a violação da especificação orçamental, assente que o ASSB é consignado, por lei, ao FEFSS, é inequívoco que se enquadra na exceção ao princípio da não consignação de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas, contemplada na alínea c) do artigo 16.º da LEO.
-
Pelo mesmo motivo também não colhe a argumentação expendida na petição inicial relativamente ao carácter excecional e temporário da medida, nos termos da alínea f) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 16.º da LEO.
-
Pelo que, também neste aspeto, improcede a argumentação do Requerente, devendo manter-se na ordem jurídica a autoliquidação impugnada.
-
Do exposto podemos concluir que, em primeiro lugar, tendo em conta o princípio da anuidade, a Assembleia da República concedeu autorização à Administração Tributária para a liquidação e cobrança do ASSB no ano de 2020.
-
Em segundo lugar, a inscrição orçamental do ASSB, enquanto receita, constitui uma autêntica previsão, porquanto não é possível, como pretende a Requerente, a inscrição do valor exato a arrecadar com o ASSB.
-
Conclui-se que o ASSB está devidamente autorizado pelo Orçamento de Estado Suplementar de 2020, e suficientemente discriminada uma vez que se trata de uma receita, o que significa que o valor inscrito é uma previsão do valor a arrecadar para o FEFSS.
-
Assim, se conclui que não tem razão a Requerente, e, por conseguinte, a autoliquidação impugnada deve manter-se válida na ordem jurídica e produtora dos seus efeitos.
-
Quanto ao pagamento de juros indemnizatórios, defende que deve ser indeferido, porque não existe erro imputável aos serviços, nos termos do art. 43º n.º 1 da LGT, e cautelarmente, dado que a aplicação do art. 43º n.º 3 al. d) da LGT é ilegal e inconstitucional, por violar os arts. 281º, 282º e 18º da CRP.
-
Termina a Requerida, peticionando que o presente pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
Por despacho de 9 de setembro de 2024, as Partes foram notificadas da dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. No mesmo despacho foram as partes notificadas para apresentar, alegações escritas (facultativas), concedendo-se um prazo sucessivo de 15 (quinze) dias. Fixou-se o dia 18 de outubro de 2024 como data-limite para a prolação e notificação da decisão final. Por fim foi notificada a Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.°3 do artigo 4° do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributaria, e comunicar o pagamento ao CAAD.
A Requerente apresentou alegações em 30 de setembro de 2023, e a Requerida não apresentou as suas alegações escritas.
-
Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo, dirigido à anulação de atos tributários de autoliquidação de ASSB, tributo enquadrável como um imposto (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
De notar que não é controvertida a qualificação do ASSB como um imposto, aceite por ambas as Partes e consonante com o entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 149/2024-T, de 27 de fevereiro de 2024.
Salienta aquele Tribunal que, apesar das afinidades com a CSB [esta caracterizada como contribuição financeira], “designadamente quanto às respetivas regras de incidência objetiva e subjetiva, o ASSB não comunga das finalidades da primeira”, não sendo possível fazer assentar uma presunção de prestação administrativa provocada ou aproveitada pela Requerente (ou pelo grupo homogéneo de contribuintes em que esta se integra) que o ASSB se destinasse a compensar em torno de uma finalidade como “[…] reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”.
O estabelecimento da necessária conexão não é possível, desde logo, porque não há uma relação de contornos suficientemente definidos entre o regime do IVA no setor financeiro e o sistema de financiamento da Segurança Social. E ainda que essa conexão pudesse ser estabelecida “seria impossível presumir uma qualquer prestação administrativa (ainda que presumida) que suportasse a bilateralidade do tributo”, pois muitas das operações financeiras isentas de IVA “são sujeitas a Imposto do Selo, existindo, inclusivamente, uma regra de incidência alternativa no artigo 1.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo. Assim, o “benefício” da isenção em sede de IVA não corresponde linearmente a uma isenção de tributação”.
“Em segundo lugar, e independentemente da incidência de Imposto do Selo, a “isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras” dificilmente pode ser vista como um benefício para as entidades do setor financeiro, uma vez que, na generalidade das hipóteses contempladas, se trata de uma isenção incompleta, que, como tal, não confere direito à dedução (“[…] no caso das isenções incompletas (que limitam o direito à dedução), a despesa fiscal apenas se traduz no valor acrescentado da última operação da cadeia de valor, por contraposição às isenções completas (que conferem o direito à dedução), em que a despesa contempla todo o valor acrescentado gerado ao longo da respetiva cadeia” – cfr. o relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais, Os Benefícios Fiscais em Portugal, 2019, disponível em https://www.portugal.gov.pt/, p. 51). […]
Acresce que o regime fiscal das operações financeiras é complexo e cobre um conjunto heterogéneo de atos dificilmente reconduzíveis a características comuns que permitam o reconhecimento da tal prestação presumida.
Por fim, a modelação de isenções de operações financeiras não está na total disponibilidade do legislador nacional (cfr., designadamente, os artigos 135.º e ss. da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado).
Não pode falar-se, enfim, de bilateralidade genérica ou difusa – a bilateralidade é simplesmente inexistente, por falta absoluta de elementos objetivos de conexão que a sustentem. […]”.[1]
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 (noventa) dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea b) do CPPT, contado da data de notificação do indeferimento da reclamação graciosa apresentado.
O processo não enferma de nulidades.
-
Matéria De Facto
§3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:
-
A 31 de dezembro de 2021, a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB referente ao ano de 2021, mediante apresentação da respetiva declaração Modelo 57, da qual resultou o montante total a pagar de € 50.972,22 (cinquenta mil, novecentos e setenta e dois euros e vinte e dois cêntimos) – cfr. Documento n.º 1 do PPA.
-
Na sequência da pandemia de COVID-19 o Conselho de Ministros aprovou, a 4 de junho de 2020, o Programa de Estabilização Económica e Social (“PEES”) cuja materialização se dá, entre outras medidas, na aprovação da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, Orçamento Suplementar para 2020, que vem alterar a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020 de 31 de março) – cf. https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/comunicacao/documento?i=programa-de-estabilizacao-economica-e-social.
-
A criação do ASSB pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020 de 24 de julho, surgiu da necessidade de recorrer a fontes adicionais de receita pública por parte do Estado, sendo esta “adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, através da sua consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social” – cf. Resolução do Conselho de Ministros n. º 41/2020, ponto 4.3.5.
-
A Requerente procedeu ao pagamento integral do tributo por si liquidado – cfr. cópia do comprovativo de pagamento. CFR. Documento n.º 4 do PPA.
-
A 6 de dezembro de 2023, por não se conformar com o ato tributário sub judice, a Requerente apresentou reclamação graciosa, a qual foi atribuído o n.º ...2023..., em sede da qual peticionou a anulação daquele ato tributário e a consequente restituição do montante indevidamente pago - cfr Documento n.º 5. do PPA.
-
A 8 de janeiro de 2024, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. Documento n.º 2. do PPA.
§3.2. Factos não provados
Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.
§3.3. Fundamentação da matéria de facto
Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
-
Matéria de Direito
§4.1. Delimitação das questões a decidir:
O Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral peticionando a apreciação da legalidade dos atos tributários objeto do presente PPA, respeitantes ao regime jurídico do adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB), criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de março) e constante do Anexo VI a essa Lei:
Nestes termos, e atentas as posições assumidas pelas Partes pelos argumentos apresentados e a matéria de facto dada como assente, identificam-se em concreto as questões a decidir:
-
Qualificação jurídica-tributária do ASSB como um imposto;
-
Inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, na vertente de violação do princípio da capacidade contributiva.
Dispõe assim o artigo 124.º do CPPT (“Ordem de conhecimento dos vícios na sentença”) que:
«1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.»
Segundo o princípio enunciado no supracitado artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, a tutela mais eficaz e estável dos interesses ofendidos impõe que sejam conhecidas em primeiro lugar as ilegalidades com fundamento em inconstitucionalidades.
Previamente impõe-se tecer algumas considerações teóricas sobre o enquadramento jurídico constitucional do ASSB.
Vejamos.
§4.2. Enquadramento jurídico e constitucional do ASSB
O ASSB foi introduzido na ordem jurídica portuguesa pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de julho, que procede à segunda alteração à Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2020) e à alteração de diversos diplomas. O regime jurídico do ASSB consta do Anexo VI à supramencionada Lei (Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho).
Na determinação do objeto do referido regime jurídico, estabelece-se que o ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, fundamentado a partir da ideia de «compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras», aproximando assim a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores (artigo 1.º, n.º 2). Definem-se como sujeitos passivos as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1).
Estabelece o regime jurídico do ASSB (cf. artigo 3.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho), que este tem como âmbito de incidência objetiva «o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos, com as especificações constantes do artigo 3.º».
Neste âmbito, o artigo 4.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho esclarece os termos de quantificação da base de incidência. No seu n.º 1, define assim como passivo o «conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros”. O mesmo normativo prevê ainda as exceções constantes nas suas diversas alíneas, e, como instrumento financeiro derivado, o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente (artigo 4.º, n.ºs 1, 2 e 3).
Segundo o n.º 4 deste normativo, «a base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.»
A lei define ainda as taxas aplicáveis e os procedimentos de liquidação e cobrança (cf. artigos 5.º a 8.º, todos do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho), consignando integralmente a receita do ASSB ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (artigo 9.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho).
Com referência ao regime jurídico do ASSB, cumpre assim apreciar.
§4.3. Qualificação jurídica-tributária do ASSB e vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, na vertente de violação do princípio da capacidade contributiva
A discussão sobre a qualificação jurídico-tributária do ASSB foi já objeto de análise por vários tribunais a funcionar no CAAD[2], mas seguimos de perto em toda a sua extensão o consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 14/2024-T, por ter em comum o mesmo juiz presidente.
Refere-se ainda que, esta questão não oferece especial controvérsia entre as Partes, devendo aqui considerar-se o entendimento do Requerente, segundo o qual o ASSB apresenta caraterísticas de um verdadeiro imposto sobre o setor bancário e não de uma contribuição ou de um “adicional” da Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), relativamente ao qual esclarece a AT que, não contesta a qualificação jurídica do ASSB como imposto, explicitando apenas que se trata de um tributo que assume a natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras. Neste sentido, veja-se o ponto 15 da Resposta junta aos presentes autos que aqui se replica: «Conceptualmente, o ASSB apresenta-se como um tributo que assume natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras.»
“Neste âmbito, importa, no entanto, ter presente a classificação dos tributos existentes no sistema fiscal nacional. Dispõe o artigo 3.º, n.º 2 da LGT que: «Os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias, criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas». “Cabendo igualmente atender aos pressupostos materiais respeitantes aos diferentes tributos, constantes do artigo 4.º da LGT.
“Ensina a doutrina que o imposto consiste numa prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receita, assentando essencialmente no princípio da capacidade contributiva, revelada nos termos da lei através do rendimento ou da sua utilização (consumo) e do património. SALDANHA SANCHES referiu-se à figura do imposto como «uma prestação pecuniária, singular ou reiterada, que não apresenta conexão com qualquer contra-prestação retributiva e de que é titular uma entidade pública que utiliza as receitas assim obtidas para a cobertura das suas despesas.[3]» Já a Taxa, na sua essência, é uma figura jurídica-tributária caracterizada enquanto prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de uma prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, de tal forma que «a sinalagmaticidade que caracteriza as quantias pagas a título de Taxa somente existirá quando se verifique uma contrapartida resultante da relação concreta com um bem semipúblico, que, por seu turno, se pode definir como um bem público que satisfaz, além de necessidades coletivas, necessidades individuais»[4]. “Por outras palavras, a Taxa constitui, qualitativamente, uma prestação tributária que pressupõe, ou dá origem a uma contraprestação específica, constituída por uma relação concreta (que pode ser ou não de benefício) entre o contribuinte e um sujeito tributário ativo tendo por objeto a utilização privativa um bem do domínio público (taxa de utilização), a prestação de um serviço público (taxa por prestação de serviços públicos), ou a outorga de um título habilitador por motivos de eficiente regulação de um mercado (taxa por emissão de licenças ou autorizações).
“Este entendimento é pacífico, e como se referiu, a questão não é divergente para as Partes nos presentes autos.
“Sobre a figura das contribuições (e sem que aqui se exponham as diferenças entre as contribuições especiais e financeiras), explica SÉRGIO VASQUES que «(…) que as contribuições constituem uma categoria intermédia de tributos públicos, a meio caminho entre a taxa e o imposto, distinguindo-se, quer pelo seu pressuposto, quer pela sua finalidade[5].» “Importará ter em conta que a constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos. Assim, a doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Referindo-se a este tipo de figuras tributárias, ensinava SALDANHA SANCHES que, apresentam como particular distinção, o facto de se encontrarem «afectas ao financiamento de certas entidades públicas que comparticipam no preenchimento de objectivos políticos»[6]. Acrescenta ainda o referido autor que «enquanto os impostos comuns integram o “sistema fiscal (…) que visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado”, estas contribuições, que podemos considerar como tributos especiais, por serem tributos com finalidades financeiras específicas (Sonderagbage), são receitas consignadas à satisfação de fins concretos»[7].
“Desta forma, a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que «aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas».[8]
“Ora, como referido (vd. enquadramento jurídico) o ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e constitui receita geral do Estado que é integralmente consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social. Desta forma, o seu objetivo e propósito difere do que caracteriza a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), que foi consensualmente caracterizada como uma contribuição financeira.[9] No caso do «ASSB não pode ser atribuída essa mesma natureza ao ASSB, na medida em que não existe conexão entre os objetivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário, como também não há uma relação específica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado. E, nesses termos, não se verificam os requisitos típicos de homogeneidade, responsabilidade e utilidade de grupo que possam justificar a caracterização do ASSB como contribuição financeira (idem, págs. 91-96).
E, por maioria de razão, está excluído que o ASSB possa integrar o conceito de taxa, uma vez que não estão em causa qualquer dos pressupostos enumerados no artigo 4.º, n.º 2, da LGT que permitam evidenciar o carácter de bilateralidade do tributo. Em face a todo o exposto, o ASSB constitui um imposto especial sobre o sector bancário, que, não obstante apresentar um âmbito de incidência semelhante à Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), não se limita a estabelecer uma nova taxa sobre a matéria coletável dessa contribuição, nem um novo imposto sobre a coleta, e, nesse sentido, não corresponde a um adicional ou a um adicionamento, mas a um imposto autónomo.»[10] (sobre o conceito de adicional e de adicionamento, cfr. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 11.ª edição, Coimbra, pág. 79; no sentido da qualificação do ASSB como imposto, Filipe de Vasconcelos Fernandes, ob. cit., pág. 92, e a decisão arbitral proferida no Processo n.º 504/2021-T).»
“De resto, e como se disse, a própria AT na Resposta considera o ASSB como um imposto indireto que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras.
“Considerando a sua qualificação jurídica-tributária como um imposto, entende o Requerente que é manifesta a violação do princípio da igualdade tributária na vertente da capacidade contributiva, já que o ASSB se assume como um imposto discriminatório incidente sobre o setor bancário com clara discriminação deste setor em relação aos restantes setores da sociedade e, por isso, violador do princípio da igualdade, nas suas vertentes de proibição do arbítrio, do respeito pela capacidade contributiva, da proporcionalidade e do arbítrio.
“Também sobre esta questão acompanhamos a jurisprudência que antecede, no qual, citando CASALTA NABAIS se afirma que: «o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» (Direito Fiscal, 11ª edição, Coimbra, 2021, págs. 154-155). (…)”.
“O princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da (in)admissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adotadas pelo legislador fiscal, tem expressão na ideia, afirmada, entre outros, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, da necessária «a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objeto do mesmo». O Tribunal Constitucional tem vindo a adotar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos, sem descurar a proibição do arbítrio como um elemento relevante para aferir da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema. Seguindo este raciocínio, o princípio da igualdade tributária concretiza-se pela generalidade e uniformidade da lei de imposto (destinada a ser aplicada a todos sem exceção), tratando de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva. Por último, o princípio da igualdade exprime a proibição do arbítrio, e nesse sentido proíbe qualquer discriminação entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional.
“A este propósito e a respeito do ASSB, decidiu-se no Acórdão arbitral proferido no processo n.º 599/2022 – T, de 25.04.2023, pela violação do princípio da igualdade, com a fundamentação que a seguir se transcreve e à qual se adere: «Da leitura da norma de incidência pessoal (subjetiva) deste imposto, resulta claro que apenas as instituições de crédito, ou seja, apenas um sector das empresas (pessoas coletivas) com fins lucrativos, são sujeitos passivos deste imposto. Mais, o carácter sectorial da incidência subjetiva deste imposto não oferece dúvidas, pois é expressamente afirmado pelo legislador: O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores (artº 2 do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho).
Em nosso entender, a expressa previsão, pela revisão constitucional de 1987, da figura das contribuições financeiras decorreu do reconhecimento da necessidade da existência de tributos sectoriais que, antes, estariam feridos de inconstitucionalidade, pois este tipo de tributos não preenche nem as caraterísticas próprias das taxas nem as dos impostos. O mesmo é dizer que entendemos que, à luz da nossa Constituição, os únicos tributos sectoriais admissíveis são as contribuições financeiras.
O certo é que a caraterística generalidade é, pacificamente, aceite pela jurisprudência, e pela doutrina, como essencial a um imposto: O dever de os cidadãos pagarem impostos constitui uma obrigação pública com assento constitucional. Como tal, está sujeito a algumas regras equivalentes às dos direitos fundamentais, designadamente os princípios da generalidade e da igualdade, ou seja, de que devem estar sujeitos ao seu pagamento os cidadãos em geral (artigo 12º, n.º 1), e devem estar sujeitos a ele em idêntica medida, sem qualquer discriminação indevida (artigo 13º, n.º 2), isto constituído o princípio da igualdade tributária.” (acórdão TC n.º 348/97, de 29-04-1997) [sublinhados nossos].
No caso do ASSB, a idêntica medida que este imposto visa tributar são as “realidades” enumeradas no art. 3º do anexo VI da Lei n.º 27-A/2020. Ora, podemos assumir - cremos que incontestavelmente - que existem outros contribuintes detentores dos mesmos índices de capacidade contributiva (assumindo, por mera disciplina de raciocínio, que as “realidades “que constituem a base de incidência do ASSB podem ser entendidas como constituindo índices de capacidade contributiva), os quais não resultam tributados neste imposto.
Com o TC, no acórdão nº 695/2014, de 15 de outubro, diremos: Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (nestes precisos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2010) [sublinhados nossos].
Parece-nos manifesto que, em razão do que antes ficou dito, a definição legal da incidência subjetiva do ASSB não cumpre com a exigência de constitucional de generalidade, o mesmo é dizer, viola o princípio constitucional da igualdade tributária.
Da incidência subjetiva deste imposto resulta que o sector bancário é vítima de uma discriminação negativa face aos restantes sectores de atividade económica, o que é patente e não tem a menor justificação ou fundamento que o possa sustentar. Exige-se mais um imposto ao sector bancário para o financiamento da Segurança Social, mediante a consignação da receita do ASSB ao FEFSS, como se este sector da atividade económica estivesse em alguma situação de vantagem em sede das contribuições (contribuições das entidades bancárias e cotizações dos seus trabalhadores) ou tivesse algum especial dever de financiar a Segurança Social.»
“Com integral relevância para a matéria em apreço, cita ainda este Tribunal o entendimento e consequente decisão proferida pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho, tendo este decido julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o ASSB, por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária. Refere este Tribunal (Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho) que:
«2.4.1. Antes de mais, deve sublinhar-se que, embora os apontados parâmetros não se confundam, encontram-se profundamente interligados – a ideia de igualdade tributária, enquanto manifestação, no âmbito tributário, do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, aponta para a proibição de discriminações ou igualizações arbitrárias, sem fundamento; o princípio da capacidade contributiva, que é por si próprio um critério tendente a assegurar a igualdade tributária, exige que os factos tributários sejam suscetíveis de revelar a capacidade do sujeito passivo para suportar economicamente o tributo. Como se sintetiza no Acórdão n.º 344/2019: “[…]
A conformação legal das várias categorias de tributos está sujeita ao princípio da igualdade tributária, enquanto expressão do princípio geral da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP. A igualdade na repartição dos encargos tributários obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante” – proibição do arbítrio –, e a
socorrer-se de critérios que sejam materialmente adequados à repartição das categorias tributárias que cria.
No tocante aos tributos unilaterais, o critério que se afigura constitucionalmente mais adequado é o da capacidade contributiva, pois, tratando-se de exigir que os membros de uma comunidade custeiem os respetivos encargos, a solução justa é que sejam pagos na medida da força económica de cada um; já quanto aos tributos comutativos e paracomutativos, o critério distintivo da repartição é o da equivalência, pois, tratando de remunerar uma prestação administrativa, a solução justa é que seja paga na medida dos benefícios que cada um recebe ou dos encargos que lhe imputa.
De facto, o Tribunal Constitucional, de forma reiterada e uniforme, considera que em matéria de impostos o legislador está jurídico-constitucionalmente vinculado pelo princípio da capacidade contributiva decorrente do princípio da igualdade tributária consagrado no artigo 13.º e/ou nos artigos 103.º e 104.º da CRP. Consistindo a igualdade em tratar por igual o que é essencialmente igual e diferente o que é essencialmente diferente, não é suficiente estabelecer distinções que não sejam arbitrárias ou sem fundamento material bastante; exige-se ainda que os factos tributáveis sejam reveladores de capacidade contributiva e que a distinção das pessoas ou das situações a tratar pela lei seja feita com base na capacidade contributiva dos respetivos destinatários (Acórdãos n.ºs 57/95, 497/97, 348/97, 84/2013, 142/2004, 306/2010, 695/2014, 42/2014, 590/2015, 620/2015 e 275/16). […]”. [nosso sublinhado]
Refere ainda o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho, em citação que:
«Não se afigura, todavia, que a isenção de IVA constitua “fundamento racional e material suficiente que permite afastar o arbítrio na opção legislativa”, desde logo pelas razões que se consignaram no Acórdão n.º 149/2024, às quais aqui regressamos:” […] [nosso sublinhado]
O estabelecimento da necessária conexão entre uma realidade e outra não é possível, desde logo, porque não há uma relação de contornos suficientemente definidos entre o regime do IVA no setor financeiro e o sistema de financiamento da Segurança Social.
Ainda que essa conexão pudesse ser estabelecida – e não se vê como –, seria impossível presumir uma qualquer prestação administrativa (ainda que presumida) que suportasse a bilateralidade do tributo.
Assim é, em primeiro lugar, porque muitas das operações financeiras não sujeitas a IVA são sujeitas a Imposto do Selo, existindo, inclusivamente, uma regra de incidência alternativa no artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo. Assim, o “benefício” da isenção em sede de IVA não corresponde linearmente a uma isenção de tributação. [nosso sublinhado]
Em segundo lugar, e independentemente da incidência de Imposto do Selo, a “isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras” dificilmente pode ser vista como um benefício para as entidades do setor financeiro, uma vez que, na generalidade das hipóteses contempladas, se trata de uma isenção incompleta, que, como tal, não confere direito à dedução (“[…] no caso das isenções incompletas (que limitam o direito à dedução), a despesa fiscal apenas se traduz no valor acrescentado da última operação da cadeia de valor, por contraposição às isenções completas (que conferem o direito à dedução), em que a despesa contempla todo o valor acrescentado gerado ao longo da respetiva cadeia” – cfr. o relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais, Os Benefícios Fiscais em Portugal, 2019, disponível em ttps://www.portugal.gov.pt/, p. 51). Como refere Raquel Machado Lopes Moreira da Costa, Tributação indireta dos serviços e operações financeiras – a Reforma da Diretiva do IVA, disponível em https://www.isg.pt/, p. 1:
“[…]
Atualmente assiste-se, a nível europeu, a uma grande necessidade de definição do regime de tributação indireta dos serviços financeiros, o qual tem sido objeto de diversas e sucessivas propostas de alteração, sem que se tenha alcançado uma versão verdadeiramente satisfatória para todos os interessados.
A nível nacional, estes serviços sofrem de uma “síndrome multilateral” – são objeto de Imposto sobre o Valor Acrescentado, sendo, no entanto, em grande parte, deste isentos. Esta isenção, sendo incompleta, não possibilita a dedução do IVA pago a montante. Assim, verifica-se o pagamento de imposto oculto que, acrescido ao Imposto do Selo a que é sujeito pela não tributação em sede de IVA, se revela um custo. Dado o caráter complementar que o primeiro tem face ao segundo, gera um aumento significativo dos custos para o operador económico e naturalmente do preço do serviço para o consumidor. […]”.
Acresce que o regime fiscal das operações financeiras é complexo e cobre um conjunto heterogéneo de atos dificilmente reconduzíveis a características comuns que permitam o reconhecimento da tal prestação presumida.
Por fim, a modelação de isenções de operações financeiras não está na total disponibilidade do legislador nacional (cfr., designadamente, os artigos 135.º e ss. da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado). […]”.
Não se trata, assim, de um juízo que careça de verdadeira ponderação entre a razão justificativa que sustenta o tributo e as características desse mesmo tributo, porque essa razão justificativa é manifestamente carecida de sentido, assentando em ligações não verificadas. As entidades do setor financeiro não têm um benefício que justifique o imposto pela circunstância de algumas operações serem isentas de IVA. Desde logo, tratar-se de uma isenção incompleta não é algo secundário nesta análise, uma vez que, ao não ser possível a dedução do IVA suportado a montante, aquelas entidades vê-lo-ão economicamente repercutido sobre si por quem lhes vendeu bens e prestou serviços necessários à sua atividade, sem que por sua vez o possam repercutir sobre os sujeitos a quem prestam serviços e sem que possam compensar esse efeito adverso pela dedução do imposto suportado, o que ocorreria no caso de uma isenção completa. Acresce que a isenção de IVA é, como vimos, tendencialmente alternativa da sujeição a imposto do selo. [nosso sublinhado]
Neste contexto, pode questionar-se em que medida as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1, do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que delimita a incidência subjetiva do imposto) – que já são sujeitas a IRC e à CSB – se encontram numa posição particular, face a outros sujeitos isentos de IVA (alguns com isenções completas) que torne justificada a sujeição a um segundo imposto, sem que se encontre uma resposta minimamente satisfatória, muito menos quando a justificação do legislador passa por “reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social”, que nenhuma relação aparente tem com a isenção de IVA, que, só por si, insiste-se, também não se afiguraria justificação bastante para tributar, ou melhor, para diferenciar tributando.
Com o que terá de se concluir, com a decisão recorrida, que “[…] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.
Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária. [nosso sublinhado]
“Acrescenta ainda o Tribunal Constitucional que,
«As considerações precedentes conduzem, sem dificuldade, à análise da violação do princípio da capacidade contributiva. […]
Na verdade, ao contrário da CSB, que é uma contrapartida da prevenção de riscos sistémicos no sistema financeiro – o que torna justificada e aceitável a incidência sobre o passivo dos sujeitos passivos – o ASSB não encontra, como vimos, uma correspondência com qualquer prestação pública, ou seja, prefigura-se como um tributo puramente destinado à angariação de receita, apresentando-se como problemática a suscetibilidade de, neste contexto, o passivo, só por si, revelar a capacidade de suportar economicamente o imposto. A possível interferência com o princípio da capacidade contributiva compreende-se sem dificuldade, neste contexto, entendido tal princípio nos termos assim resumidos no Acórdão n.º 178/2023. [nosso sublinhado] […]
Não surpreende, pois, que o artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária preveja que os impostos “assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”. […]
Afastada a integração do passivo num dos clássicos indicadores da capacidade contributiva (neste caso apenas o rendimento e o património), a verdade é que as indicações do legislador são, pelas razões atrás explicitadas, inaproveitáveis. Não sobeja, deste modo, qualquer indicador razoável e objetivo da capacidade contributiva dos sujeitos passivos. […]
Em suma: como se afirma na decisão recorrida, “[no] caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”.
Mostra-se, enfim, bem fundado o juízo de censura jurídico-constitucional do acórdão recorrido à violação do princípio da capacidade contributiva. [nosso sublinhado]
“Manifesta assim este Tribunal a sua concordância com o entendimento acima exposto, salientado igualmente o sentido da decisão proferida no Processo n.º 325/2023-T, com a qual se concorda:
«Já o ASSB é um verdadeiro imposto que constitui receita geral do Estado e se encontra consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, e, embora destinado a fazer face de modo indistinto às necessidades de financiamento da segurança social, carateriza-se como um imposto sectorial na medida em que incide exclusivamente sobre o sector financeiro, e, nessa medida, discriminatório e atentatório do princípio da igualdade, nas vertentes já referidas.
No caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam. A criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o sector bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.».
Neste sentido, refere-se ainda a decisão proferida no Processo n.º 329/2023-T: «Pelo que que há que concluir que o ASSB viola, efetivamente, o princípio da igualdade tributária, na sua vertente de generalidade da lei do imposto, que decorre do art.º 13º da CRP.»
Pela análise que se expõe, reiterando este Tribunal a sua concordância com a decisão do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho conclui-se que as normas conjugadas contidas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.
§4.4. Vícios de conhecimento prejudicado
Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, tendo o Requerente obtido total ganho de causa em razão de este tribunal arbitral ter considerado procedente o primeiro vício apreciado em razão da ordem disposta nos termos do artigo 124.º do CPPT, não o tendo sido aqueles cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – artigo 608.º do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT. Fica assim prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados.
§4.5. Juros indemnizatórios
A Requerente, peticiona, como decorrência da anulabilidade do ato de autoliquidação de ASSB, a restituição da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT, que, no seu n.º 1 dispõe que estes são devidos “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
O direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral como resulta do disposto no artigo 24.º, n.º 5 do RJAT e da jurisprudência consolidada.
Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.
O que significa que na execução do julgado anulatório a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que “existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”.
Face ao exposto, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de indeferimento do pedido da Reclamação Graciosa e de autoliquidação do ASSB, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos da citada jurisprudência.
Nestes há que apreciar a inconstitucionalidade alegada pela Requerida, em relação à norma do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT. Uma vez que a aplicação da mesma não se suscita in casu, consequentemente não se verifica a respetiva inconstitucionalidade alegada.
-
Decisão
Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Singular:
-
Julgar procedente o pedido arbitral e julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva;
-
Consequentemente, julgar ilegal e anular o ato tributário de indeferimento da Reclamação Graciosa da autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário referente ao exercício de 2021;
E em consequência:
-
Ordenar a devolução à Requerente dos referidos montantes, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados da data do seu pagamento até efetivo e integral reembolso.
-
Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 50.972,22 (Cinquenta mil, novecentos e setenta e dois euros e vinte e dois cêntimos), indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida.
-
Custas Arbitrais
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, atendendo à procedência do pedido
Registe e notifique-se.
Notifique-se o Ministério Publico nos termos do artigo 17.º n.º3 do RJAT.
Lisboa, 22 de Outubro de 2024
O Árbitro,
Pedro Guerra Alves,
[1] No mesmo sentido da qualificação do ASSB como imposto vejam-se as decisões arbitrais n.ºs 504/2021-T e 598/2022-T.
[2] Vd. entre outras: Acórdão arbitral proferido no processo n.º 325/2023 – T, de 26.02.2024; Decisão arbitral proferida no processo n.º 156/2018 - T, de 10.05.2019; Decisão arbitral proferida no processo n.º 21/2023-T de 29.06.2023; e Acórdão arbitral proferido no processo n.º 599/2023-T de 25.04.2023.
[3] Cfr. SANCHES, J.L. Saldanha (2001), «Manual de Direito Fiscal», p. 22.
[4] Cfr. J.J. TEIXEIRA RIBEIRO (1985), «Noção Jurídica de Taxa», Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 117.º, p. 291.
[5] Cfr. VASQUES, Sérgio (2011), VASQUES, Sérgio, «Manual de Direito Fiscal», Almedina, p. 221.
[6] Cfr. SANCHES, J.L. Saldanha (2007), «Manual de Direito Fiscal», 3.ª Edição, Coimbra Editora, p. 58.
[7] Cfr. SANCHES, J.L. Saldanha (2007), Ob.cit., p. 59.
[8] Gomes Canotilho e Vital Moreira. Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095.
[9] Cfr., entre outros, Acórdão do STA de 25 de janeiro de 2023, Processo n.º 01622/20, in www.dgsi.pt.
[10] Neste sentido, vd. Ac. Arbitral proferido no processo n.º 379/2023, de 18 de dezembro; Decisão arbitral proferida no Processo n.º 504/2021-T.