Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1054/2023-T
Data da decisão: 2024-10-17  IRS  
Valor do pedido: € 59.028,33
Tema: IRS– Residente Não Habitual; Requisitos para aplicação do Regime dos Residentes não Habituais; natureza do pedido de inscrição a que se refere o n.º 10 do artigo 16.º do CIRS.
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DECISÃO ARBITRAL

SUMÁRIO
I.
São pressupostos legais para aplicação do regime do Residente Não Habitual que o sujeito passivo à data que se torne fiscalmente residente em Portugal não tenha sido considerado residente em território nacional em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano em que se deva considerar residente (artigo 16.º n.º 10 do CIRS);

II.A inscrição como residente não habitual a que se refere o n.º 10 do artigo 16.º do CIRS tem natureza meramente declarativa e não constitutiva do direito a ser tributado como tal, por isso, reunidos os requisitos legais para que o sujeito passivo beneficie da aplicação do Regime do Residente não Habitual, deve ser tributado em conformidade com esse regime a partir da data da sua inscrição como residente em território português (n.º 9 do artigo 16.ºdo CIRS).

 

 

 

  1. Relatório

A..., titular do número de identificação fiscal ..., residente em ..., França (doravante “Requerente”) veio, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 95.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), no n.º 1 do artigo 140.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), no artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), e nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º, no n.º 1 do artigo 6.º e nos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), apresentar o pedido de pronúncia arbitral em que é Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira (doravante Requerida ou AT) no qual peticionou a anulação dos seguintes atos :

  1. Ato tributário de liquidação de IRS n.º ..., referente aos rendimentos auferidos durante o ano de 2018, no montante de EUR 59.028,33 e respetiva liquidação de juros compensatórios;
  2. Decisão de indeferimento da reclamação graciosa a que foi atribuído o n.º de processo  ...2023... submetido junto dos Serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), tendo por objeto os atos de liquidação melhor identificados em a) supra e que constitui um ato de segundo grau em relação aos mesmos, fazendo suas as ilegalidades do ato de liquidação.

E

  1. O Reembolso dos montantes pagos a título de imposto acrescidos dos respetivos juros.

 

O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, a qual comunicou a aceitação da designação do encargo no competente prazo.

Em 14.12.2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em conformidade com a al. c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o tribunal arbitral ficou constituído em 03.05.2024.

Notificada para o efeito por despacho de 03.05.2024, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT, apresentou a sua resposta defendendo-se por exceção e impugnação pugnando pela improcedência do pedido.

            O Requerente exerceu o direito ao contraditório, no seguimento do despacho de 04.04.2024, pronunciou-se quanto à matéria de exceção requerendo ao Tribunal que julgue improcedentes as exceções invocadas pela AT.

      Por despacho de 02.07.2024 o Tribunal dispensou a reunião com as Partes prevista no artigo 18.º, prorrogou o prazo da decisão por mais dois meses e notificou as Partes para, querendo, apresentarem alegações.

Ambas as Partes apresentaram alegações, o Requente reiterou e desenvolveu as suas posições quanto à matéria de facto e de direito, a AT deu por reproduzida a argumentação aduzida em sede de Resposta.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março) e estão devida e corretamente apresentadas.

O processo não enferma nulidades.

A apreciação das exceções invocadas pela Requerida, na Resposta que ofereceu, será efetuada na sequência da fixação da matéria de facto

 

  1. POSIÇÃO DAS PARTES

 

ii.a Posição do Requerente

 

O Requerente transferiu a sua residência fiscal para Portugal em 17.12.2013 e, neste mesmo mês, comunicou à AT a alteração da morada para Portugal, como não residiu em Portugal nos 5 anos anteriores àquela data, assumiu que estaria automaticamente abrangido pelo regime dos residentes não habituais, uma vez que preenchia todos os requisitos para usufruir do mesmo, não tendo efetuado o pedido de inscrição como residente não habitual no ano de chegada, nem até ao dia 31 de março do ano seguinte, o que apenas veio a fazer no ano de 2020, depois de se ter apercebido que não estava abrangido pelo regime dos residentes não habituais.

            O Requerente apresentou por duas vezes pedido de inscrição, via eletrónica, no primeiro pedido indicou como data de início da tributação ao abrigo do aludido regime, o ano de 2013, e no segundo, o ano de 2016, ambos os pedidos recusados pela AT, este último com a indicação de que o ano de início do estatuto deverá ser o ano em curso ou o ano anterior (neste caso apenas durante os três primeiros meses do ano).

            O Requerente viu-se assim obrigado a submeter o pedido de inscrição, via eletrónica, ao abrigo do regime dos Residentes Não Habituais (RNH) indicado como ano do início de tributação o ano de 2019, tendo posteriormente solicitado a sua correção para 2013 e, paralelamente, apresentou um pedido de inscrição por escrito, o qual foi indeferido pela AT com fundamento em extemporaneidade, tendo o Requerente reagido com a propositura de ação administrativa especial, ainda pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, na qual sindica o indeferimento da sua inscrição como residente não habitual.

Em 2022 a AT emitiu a liquidação de IRS referente aos rendimentos de 2018, aqui impugnada, na qual foram imputados rendimentos de pensões de fonte estrangeira.

O Requerente aponta como vícios formais da liquidação (i) a preterição de formalidade essencial, por entender que a liquidação deveria ter sido precedida do direito de audição nos termos do artigo 257.º da CRP e artigo 60.º da LGT, e (ii) vício de forma por falta de fundamentação pois a notificação da liquidação não explicita os fundamentos quer de facto, quer de direito que determinaram a sua emissão, sendo apenas indicado um conjunto de valores, sem qualquer identificação quer quanto à sua natureza e origem.

No plano do direito substantivo, o Requerente sustenta a aplicação do regime de tributação dos residentes não habituais desde 2013, data em que se tornou fiscalmente residente em Portugal, uma vez que o direito a ser tributado como residente não habitual dependia apenas do sujeito passivo se tornar fiscalmente residente em Portugal, de acordo com os critérios definidos no artigo 16.º do CIRS, e de não ser considerado residente em território português em qualquer dos 5 (cinco) anos anteriores, não estando a aplicação do regime dos residentes habituais dependente da inscrição/registo como residente habitual, prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, ou do cumprimento de qualquer outra obrigação declarativa.

Para defesa do alegado, o Requerente socorre-se de inúmera jurisprudência arbitral, mormente das decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs 777/2020-T, 188/2020-T, 815/2021-T;319/2022-T, referenciando também que este entendimento foi confirmado pelo coletivo de árbitros no âmbito do processo n.º 67/2023-T que teve por objeto as liquidações de IRS respeitantes aos anos 2015 a 2017 emitidas pela AT ao Requerente.

Mais defende o Requerente que, por força da aplicação do regime dos RNH lhe deveria ter sido aplicado o regime da isenção de tributação dos rendimentos de pensões auferidos de fonte francesa por força do disposto no artigo 81.º do CIRS, na redação em vigor no ano de 2013.

Termina pugnando pela procedência do pedido.

 

II.b Posição da Requerida

           

            Como matéria de exceção a Autoridade Tributária invoca a incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria; a impropriedade do meio processual (erro na forma de processo) e litispendência.

            Começando pela questão prejudicial, a AT alega que para aferir da bondade dos pedidos de declaração de ilegalidade da liquidação de IRS, há que determinar se o Requerente pode usufruir do estatuto de Residente Não Habitual (RNH) e o reconhecimento da aplicabilidade deste regime tem de ser efetuado por via da Ação Administrativa Especial assim sendo, atendendo a que o Requerente interpôs uma ação declarativa junto do TAF de Sintra, pedindo o reconhecimento da qualidade de RNH desde 2013, só após ser decidida esta ação é que o Tribunal Arbitral pode apreciar a legalidade da liquidação aqui impugnada, requerendo pois a suspensão da instância.

            Adicionalmente, sustenta a incompetência material do CAAD para apreciar o indeferimento da reclamação graciosa objeto dos autos, bem como para reconhecer o estatuto de residente não habitual, reconhecimento que reputa como sendo a verdadeira pretensão do Requerente, uma vez que a competência do CAAD se circunscreve à declaração de ilegalidade de atos de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte e de pagamento por conta, de atos de fixação de matéria tributável quando não dê origem a qualquer tributo, pedindo a absolvição da instância nos termos do estabelecido na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT..

            Por impugnação defende que, para efeitos de aplicação do regime dos RNH é pressuposto que o Requerente não tenha residido em Portugal nos últimos 5 anos, por conseguinte estando a ser discutido no TAF se os pressupostos se verificam desde 2013, não pode o Tribunal Arbitral pronunciar-se sobre a legalidade da liquidação sem que o TAF decida a questão do enquadramento.

Relembra a Requerida que o regime do RNH consubstancia um regime especial, que consagra benefícios de natureza excecional e com carácter temporário, que beneficia os sujeitos passivos que cumpram os pressupostos estabelecidos nos n.ºs 8 a 10 do artigo 16.º do CIRS, e que optem, tendo em conta que o regime de RNH é facultativo, pela sua inscrição nesse regime, razão pela qual, o regime não tem justificação para aqueles que, como o Requerente, desconhecia o regime.

Acrescenta a AT que o regime está sujeito ao cumprimento dos requisitos formais para tal, designadamente o pedido de inscrição efetuado no prazo legalmente previsto, prazo que o Requerente confessadamente não cumpriu e que, no entender da AT, é perentório, de caducidade, para a fruição do direito e estatuto de RNH.

 A propósito da alegada ilegalidade do objeto da lide com fundamento na preterição da audição prévia e/ou falta de fundamentação. Defende a AT que, no que respeita à alegada preterição da audiência prévia da liquidação o reconhecimento da condição de residente não habitual, configura um ato prévio e, sobretudo, distinto da liquidação, sendo, pois, manifesto que mesmo que o Requerente fosse convidado a pronunciar-se previamente sobre a liquidação, sempre a conclusão seria a mesma, pela sua improcedência, considerando que o Requerente não acautelou, em tempo, o reconhecimento da condição de residente não habitual. E também não é verdade que a audição prévia tenha sido preterida pois como resulta do PA, em momento prévio à liquidação, o agora Requerente foi interpelado pela Requerida, por ofício GIC-..., emanado no âmbito do procedimento de divergências, identificado sob o número de irregularidade n.º..., que versou sobre a preterição de declaração de rendimentos da categoria H, auferidos no estrangeiro, sendo que nos termos do n.º 3 do artigo 60.º da LGT, tendo o Contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento é dispensada a sua audição antes da liquidação.

Quanto à alegada falta de fundamentação, tratando-se o ato impugnado vertido numa nota de liquidação, o dever de fundamentação é cumprido pela AT de forma padronizada e informatizada, apresentando sucintamente os valores que serviram de base ao cálculo de imposto, as normas jurídicas aplicáveis, assim como os meios de defesa e os prazos para reagir contra o ato e a indicação da entidade que praticou o ato, ou seja, o Requerente tinha os elementos mínimos que lhe permitiram impugnar o ato de liquidação. Tendo o Requerente apreendido as razões que subjazem à liquidação, ou seja, o Requerente percebeu o iter cognoscitivo da Requerida.

Termina pedindo pela improcedência do(s) pedido(s).

 

II. c Resposta às exceções

 

       Quanto à alegada incompetência material do Tribunal Arbitral, tendo o Requerente pedido a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato tributário de liquidação de IRS referente ao ano de 2018, bem como do indeferimento expresso da reclamação graciosa que recaiu sobre o pedido de ilegalidade da liquidação de IRS, tem o pedido acolhimento na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, uma vez que os tribunais arbitrais são competentes para a apreciação da declaração de ilegalidade de atos de tributação.

No que respeita à alegada inidoneidade do meio, sustenta o Requerente que a ilegalidade apontada aos atos impugnados por não aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais encontra-se entre o leque de fundamentos suscetíveis de, em caso de provimento, determinar a errada quantificação dos rendimentos e consequentemente, a ilegalidade do ato tributário de liquidação correspondente, podendo os atos tributários em referência ser sindicados em sede de impugnação judicial, necessariamente se concluirá pela respetiva arbitralidade, na medida em que o processo de arbitragem tributária constitui um meio alternativo ao processo de impugnação, como expressamente afirmado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que consagra a autorização legislativa no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária.

Avocou, por fim, a já existente jurisprudência arbitral nesta mesma matéria.

Por último, no tocante à alegada litispendência, sustenta inexistir identidade de sujeitos do pedido e da causa de pedir, requisitos de cuja verificação cumulativa depende a verificação da exceção.

Salienta o Requerente que os pedidos e as causas de pedir na presenta ação arbitral e na ação administrativa especial, que se encontra pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, não se confundem, pois no presente processo está em causa determinar se as liquidações são ilegais e não qualquer outra decisão como a Requerida defende; já a ação administrativa especial pendente tem por objeto o indeferimento do pedido de inscrição do Requerente como Residente Não Habitual, entendimento também sustentado pela decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 815-2021-T.

Conclui pela improcedência da exceção dilatória de litispendência e pela inexistência de causa prejudicial que determine a obrigação de suspensão da instância invocadas pela Requerida.

 

  1. Decisão da matéria de facto

IV.1 Factos provados

 

  1. O Requerente transferiu a sua morada para Portugal em 17.12.2013 e, em dezembro de 2013 comunicou a alteração da morada à AT. (cfr. Documento n.º 3 junto com o PPA e PA – Facto não controvertido)
  2. O Requerente não residiu em Portugal nos 5 anos anteriores à comunicação da alteração da sua residência para Portugal em dezembro de 2013. (cfr. documento n.º 4 junto com o PPA)
  3. O Requerente não efetuou o pedido de inscrição como residente não habitual no ano de chegada nem até 31de março de 2014. (cfr. confissão e PA – facto não controvertido).
  4. Em 28.01.2020 o Requerente apresentou o pedido de inscrição eletrónico como residente não habitual indicando como data de início de tributação o ano de 2013. (cfr. confissão e PA – facto não controvertido)
  5. O sistema informático da AT recusou a submissão do pedido com a indicação: “O ano de início de estatuto tem de ser superior a 2015”. (Cfr documento n.º 5 junto com o PPA).
  6.  Posteriormente o Requerente submeteu novo pedido eletrónico indicando a data de início o ano de 2016. (cfr. confissão – facto não controvertido)
  7. O sistema informático recusou a submissão do pedido com a indicação: “O ano de início de estatuto não pode ser o indicado. Apenas poderá ser indicado o ano atual ou o ano anterior (neste último caso apenas durante os três primeiros meses do ano)”. (Cfr. Documento n.º 6 junto com o PPA)
  8.  O Requerente submeteu o pedido de inscrição eletrónico como residente não habitual indicando como ano de início de tributação o ano de 2019, tendo sido atribuído ao pedido o número de documento IRNH... . (Cfr. Confissão do Requerente, PA e Documento. n.º 7 junto com o PPA)
  9. Paralelamente, em 03-02-2020, o Requerente apresentou um pedido de inscrição como residente não habitual por escrito com o propósito de se considerar os efeitos dos estatuto desde 2013. (Cfr. Documento n.º 8. igualmente constante do PA a fls. 69– Facto não controvertido)
  10. Em 08.01.2020 o Requerente foi notificado de que a AT “tomou conhecimento, através da troca de informações fiscais previstas na Diretiva 2011/16/EU, transposta para a ordem jurídica nacional pelo Decreto-lei 61/2013, que para o ano de 2015, obteve rendimentos na França., e de cuja informação consta em nome do Requerente:

 

  1. Por carta registada em 30.01.2020, registo RY...PT, a AT notificou o ora Requerente do projeto de decisão de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual submetido eletronicamente (com indicação, portanto, do início de aplicação do regime em 2019), e para exercer, querendo, o respetivo direito de audição (Cfr. Documento n.º XX PA fls 82)
  2. Não se conformando com o sentido do projeto de indeferimento do pedido de inscrição apresentado, o Requerente exerceu o seu direito de audição em 18.02.2020. (Cfr. Documento n.º 9 junto com o PPA e PA a fls. 77).
  3. Por decisão datada de 08.06.2020, foi o Requerente notificado da decisão final de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual com o n.º IRNH..., com fundamento no facto do Requerente (i) se encontrar registado no cadastro da AT como residente em território português desde 2014 e (ii) constar como residente fiscal, em declaração de rendimentos de IRS, relativamente ao(s) ano(s) 2015 (Cfr. Documento n.º 10 junto com o PPA e PA a fls. 93)
  4. No dia 22.06.2020, na sequência do requerimento apresentado em janeiro de 2020 foi o Requerente notificado do despacho do Senhor Direito de Serviços de Registo de Contribuintes no sentido do indeferimento liminar do pedido de inscrição como residente não habitual desde 2013, por extemporaneidade, ao abrigo do n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, mantendo-se ainda o indeferimento do pedido para o ano de 2019. (Cfr. Documento n.º 11 junto com o PPA e PA a fls. 94).
  5. As duas decisões foram objeto de reação pelo Requerente, através da propositura de ação administrativa especial que corre os seus termos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Processo 619/20.3BESNT. (Cfr. Documento n.º 12 junto com o PPA – facto não controvertido)
  6. Em 28.09.2022, a AT emitiu a liquidação de IRS n.º 2022..., referente aos rendimentos auferidos durante o ano de 2018, no montante de EUR 59.028,33 e que constitui o objeto imediato de pronuncia do presente pedido. (Cfr. Documento n.º 1 junto com o PPA e PA)
  7. Em 06.03.2023, o Requerente apresentou reclamação graciosa tendo por objeto a liquidação de IRS relativa ao ano de 2018. (Facto não controvertido e Cfr. PA)
  8. Por ofício datado de 25.09.2023, foi o Requerente notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, tendo sido entendimento da AT que:

 

 

(…)

 

 

 (Cfr. Documento n.º 1 junto com o PPA e PA a fls 94)

  1. O Requerente pagou o imposto. (facto não controvertido) 
  2. Em 26.12.2023 o Requerente apresentou o Pedido de Pronuncia arbitral.

 

IV.2 Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados.

 

IV.3 Motivação da Matéria de Facto

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal e a sua convicção relativamente à matéria de facto resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos, do processo administrativo apenso, e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.

Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

  1. Do Mérito

V.1 Objeto dos autos

 

A questão de direito a decidir respeita à apreciação da (i)legalidade da liquidação de IRS reportada ao ano de 2018 e, por conseguinte, apurar se o regime do Residente Não Habitual seria aplicável aos rendimentos auferidos pelo Requerente no ano de 2018.

Importa, pois, saber se uma vez verificados os pressupostos de aplicação do regime previsto no artigo 16.º n.º 8 do CIRS, o incumprimento do prazo da inscrição como residente não habitual, previsto do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS (na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto), é preclusivo do direito à aplicação deste regime fiscal.

 

V.2  – Do Direito

 

V.2 A – Apreciação das exceções

 

As matérias de exceção invocadas pela AT foram apreciadas, designadamente, nas decisões arbitrais proferidas nos processos 188/2020-T, 815/2021-T, 581/2022-T, 67/2023-T; 648/2023-T, cujas situações de facto e de direito são, em tudo semelhantes à dos presentes autos, pelo que se seguirão de muito perto, transcrevendo-se os excertos relevantes.

 

 

 

Da Competência do Tribunal

 

A competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, pelo que se impõe a sua apreciação previamente à verificação dos demais pressupostos processuais, conforme resulta do cotejo dos artigos 16.º do CPPT e 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA, ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Em abono da exceção aduzida, a Requerida considera que o tribunal arbitral não é materialmente competente para apreciar a questão suscitada pela Requerente, uma vez que, a seu ver, a causa de pedir se baseia na condição de residente não habitual da Requerente, regime fiscal este que a Requerente não requereu em tempo (artigo 16º, n.º 12 do CIRS).

 

 Invoca, em abono de tal exceção, a decisão preferida pelo CAAD no âmbito do Processo 796/2022 T que segue de perto a jurisprudência do STA e do próprio Tribunal Constitucional decorrente do acórdão n.º 718/2017, de 15-11-2017, no qual se concluiu “Não julgar inconstitucional a interpretação normativa retirada do artigo 54.º do CPPT, com o sentido de que a não impugnação judicial de atos de indeferimento de pedidos de reconhecimento do estatuto de residente não habitual impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles;”

 

Como decidido no âmbito do processo n.º 67-2023-T:

(…)

Nesta senda, conclui a Requerida ser o Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar a matéria controvertida nos presentes autos a qual se funda na invocada ilegal desaplicação do regime previsto para os residentes não habituais, sendo certo que a impugnação de ato de indeferimento sobre benefícios fiscais assume natureza autónoma e logo, o meio de reação correto passaria pela Ação Administrativa Especial e não pelo presente meio de reação arbitral.

 

Replicou o Requerente que o PPA deduzido visa a declaração da ilegalidade do ato de liquidação de tributo, o que se insere na previsão normativa do n.º 1 do artigo 2º do RJAT, não podendo assim a exceção por incompetência material deixar de ser julgada improcedente.

 

Do teor do PPA apresentado resulta, sem margem para quaisquer dúbias interpretações, que o peticionado pela Requerente se reconduz à anulação da liquidação de IRS 2019 supra melhor identificada, com todas as consequências dessa anulação advenientes ao nível da indemnização pela prestação de garantia indevida.

 

O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), que concretizou a autorização legislativa e “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no art.º 2.º do RJAT, expressamente consignou como competência dos tribunais arbitrais a pretensão relativa à “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.

 

Através da Portaria n.º 112-A/2011, de 20-04, ficaram vinculados os serviços da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo que a estes serviços corresponde, presentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15-12, que aprova a estrutura orgânica desta Autoridade.

 

Na referida portaria estabelecem-se condições adicionais e limites de vinculação tendo em conta a especificidade das matérias e o valor em causa.

 

Os autores Sérgio Vasques e Carla Castelo Trindade, em Cadernos de Justiça Tributária n.º 00, Abril/Junho de 2013, no artigo “O âmbito material da arbitragem tributária”, referem que “nos termos da alínea a) do n.º 1, os tribunais arbitrais têm competência para apreciar as pretensões que se prendam com a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta. O âmbito material da arbitragem tributária, recortado por esta alínea, corresponde ao previsto no artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), estando-se perante questões que podem simultaneamente ser objecto de arbitragem e impugnação judicial. De facto, pode ler-se neste preceito do CPPT que o processo judicial tributário compreende “a impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta”.

 

Destarte, a competência dos tribunais arbitrais prevista no RJAT é taxativa, razão pela qual é o mesmo competente para decidir questões relacionadas apenas com a ilegalidade dos atos acima enunciados.

Ora, a esta luz, não se vislumbra que o pedido formulado possa extravasar o âmbito da competência material do tribunal arbitral, na medida em que o pedido se reconduz à declaração da ilegalidade de um ato tributário de liquidação e não ao reconhecimento de um qualquer benefício fiscal.

 

A posição deste Tribunal é no sentido de que as exceções de incompetência e inidoneidade do meio não devem proceder

 

Da exceção de litispendência e pedido de suspensão da instância

 

Se quanto ao pedido formulado, o mesmo se tem seguramente como enquadrado no âmbito da competência dos tribunais arbitrais a funcionar junto do CAAD, entende, ainda assim a Requerida que para que se possa apreciar da bondade dos pedidos de declaração de ilegalidade, e consequente anulação da liquidação de IRS de 2018 objeto do autos, há que determinar, previamente, se o Requerente pode, ou não, usufruir do estatuto de não residente habitual, questão prévia que apenas poderá ser decidida em sede de ação administrativa especial.

 

Sustenta a AT que tendo o Requerente interposto ação administrativa junto do TAF de Sintra onde requereu que a aqui Requerida fosse “condenada a aceitar a inscrição do Autor no regime dos residentes não habituais desde o início da sua residência fiscal em Portugal, ie, 2013.”, só depois de decidida esta ação é que o Tribunal Arbitral poderá apreciar a legalidade da liquidação aqui impugnada com fundamento na violação do estatuído no n.º 10 do artigo 16.º, devendo a presente instância ser suspensa nos termos do estatuído no artigo 272.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

A litispendência tem, assim, subjacente a ideia da proibição da repetição e (da proibição) de contradição entre decisões judiciais, visa, por conseguinte, evitar que a causa seja julgada mais do que uma vez, circunstância que contenderia com a força do caso julgado.

Para sabermos se há ou não repetição da ação, deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a ação) fixado e desenvolvido no artigo 581.º do CPC, mas também à diretriz substancial traçada no n.º 2 do artigo 580.º do CPC, onde se afirma que a exceção da litispendência (tal como a do caso julgado) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.”

O artigo 581.º, n.º 1 do CPC exige, cumulativamente, para a verificação da exceção dilatória de litispendência: a identidade de sujeitos, a identidade do pedido e a identidade da causa de pedir.

Esta exceção foi anteriormente invocada e decidida noutros processos interpostos junto do CAAD, tendo este Tribunal, por exemplo, no Processo 815/2021-T assumido a seguinte posição:

(…)

Vejamos, então, se se verifica, em particular, a identidade da causa de pedir e do pedido formulado em cada um dos processos.

O pedido arbitral tem por objeto a liquidação de IRS do ano de 2020 e não o ato de indeferimento da inscrição dos Requerentes como “residentes não habituais”. Ou, dito de outro modo, o que está em causa, no presente processo, é determinar se a liquidação é ilegal e não qualquer outra decisão como a Requerida defende.

Assim, se o pedido – principal – dos Requerentes consiste na declaração de ilegalidade (parcial) da liquidação de IRS do ano de 2020 e na ação anterior os Requerentes peticionam a anulação do ato de inscrição como “residentes não habituais”,  o pedido não é idêntico.

Não se ignora, no entanto, que existe uma relação entre os pedidos, contudo, à correlação entre os dois (pedidos) subjaz um juízo relativamente ao mérito do pedido, a natureza prejudicial do registo como “residentes não habituais” para a aplicação, anual, na liquidação de IRS.

Sucede que, como infra se demonstrará, não resulta da lei, que o registo do sujeito passivo como “residente não habitual”, seja um requisito substantivo para a aplicação do regime em cada ano fiscal.

Se o registo como “residentes não habituais” – objeto da ação administrativa especial n.º 62/21.7BELRS não é prejudicial relativamente à aplicação do regime de “residente não habitual” em cada ano fiscal (ano de 2020, no presente processo arbitral) não existe identidade quanto ao pedido e à causa de pedir, nem interdependência que obste à apreciação do mérito deste processo arbitral.

 

 Conclui-se, assim, pela improcedência da exceção dilatória de litispendência, como também pela inexistência de causa prejudicial que determine a obrigação de suspensão da instância.

 

V.2 B) Enquadramento legal do Regime do Residente Não Habitual

 

            Cabe ao Tribunal apreciar a questão de fundo suscitada pelo Requerente e que consiste em determinar se o registo como RNH tem uma natureza constitutiva do direito a ser tributado segundo este regime, ou se, pelo contrário, essa inscrição tem um efeito meramente declarativa.

            A questão objeto dos presentes autos foi apreciada em diversas decisões arbitrais, nomeadamente, nos seguintes acórdãos 815/2021-T, 319/2022-T, 648/2023-T, e no que concerne à matéria de facto e de direito sub judice foi objeto de decisão no âmbito do processo n.º 67/2023-T[1], por referência aos atos de liquidação de IRS, em que é sujeito passivo o Requerente, no tocante aos anos de 2015 a 2017, que serão tidos em consideração a fim de se garantir uma aplicação e interpretação uniformes do direito, tal qual resulta do disposto no artigo 8.º nº 3 , do Código Civil.

            Ter-se-á também em consideração o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-05-2024, proferido no âmbito do Processo 0843/23.9 BESNT, que estando em sintonia com as decisões arbitrais no que respeita aos pressupostos de aplicação do regime do RNH e quanto à natureza declarativa da obrigação acessória que impende sobre o contribuinte, conclui que a inscrição fora do prazo estabelecido no n.º 8 do artigo 16.º do IRS tem como consequência que o regime só será para o futuro, acórdão que se seguirá de muito perto.

 

Aqui chegados, determinada a natureza meramente declarativa da inscrição no regime dos RNH, importa aferir se essa declaração não sendo feita no ano da fixação da residência em Portugal ou até março do ano seguinte pode ser feita em qualquer altura (dentro dos 10 anos) e os seus efeitos se produzem à data em que o sujeito passivo se tornou fiscalmente residente ou apenas tem efeitos para o futuro.

 

Dispõe o artigo 16º, do CIRS em vigor à data dos factos:

(...) (...)

8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos nºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano. (sublinhados nossos)

Da análise dos n.ºs 8 a 11 do artigo 16.º do CIRS resulta que são pressupostos para a aplicação deste regime que o sujeito passivo à data em que se torne fiscalmente residente em Portugal e não tenha sido considerado residente em território nacional em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano em que se deva considerar residente nos termos dos n.ºs 1 e 2 da aludida norma:

O n.º 10 do artigo 16.º do CIRC determina que o sujeito passivo que reúna os requisitos para aplicação do regime do RNH deve solicitar a sua inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, posteriormente a tornar-se residente e até 31 de março, inclusive, do ano em que se torne residente.

 

Vejamos:

 

É hoje consensual, na jurisprudência arbitral e judicial que a obrigação de inscrição enquanto residente não habitual tem natureza meramente declarativa, não resultando da lei que o registo do sujeito passivo como residente habitual, seja um requisito substantivo para a aplicação deste regime em cada ano fiscal.

 

Neste sentido decidiu-se no processo CAAD n.º 188/2020-T “(…) a norma do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que disciplina a data limite até à qual os sujeitos passivos que reúnam os pressupostos materiais de que depende a tributação de acordo com o regime dos residentes não habituais podem requerer a inscrição como residente não habitual - até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente em território nacional -, deverá entender-se como uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa assegurar sua efectividade e o seu normal funcionamento, sendo, especialmente e desde logo de notar que a norma em causa, não tem subjacentes quaisquer finalidades de evitar a fraude ou a evasão fiscal.E, nem se diga, como faz a AT, que não tendo o Requerente respeitado o prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS para requerer a sua inscrição como residente não habitual, não pode beneficiar desse regime em qualquer um dos dez anos a que teria direito se tivesse apresentado o pedido dentro do prazo. Tratando-se a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, de uma obrigação meramente declarativa e, portanto não constitutiva do direito a beneficiar daquele regime, o atraso na entrega de declarações constitui uma contraordenação tributária prevista e punida nos termos do artigo 116.º do RGIT, e não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do residente não habitual. Do exposto resulta – em suma – que o pedido de inscrição como residente não habitual não tem efeito constitutivo, mas meramente, declarativo, tudo o que, como adiante se verá, será de relevar na solução jurídica a formular no caso concreto”.

O acórdão do STA também é no sentido da natureza meramente declarativa do n.º 10 do artigo 16:º, o que resulta do seguinte excerto: “(…) Na verdade, o transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, inscrição que sempre foi obrigatória para aplicação do regime fiscal, como resulta da redacção inicial da norma, que dispunha “7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos” (Aditado pelo artigo 4º do D.L. nº 249/2009, de 23-09, produzindo efeitos desde 01/01/2009).

Deste modo, temos que o acto de inscrição como residente não habitual é condição de aplicação do respectivo regime fiscal, sendo através desse acto que a AT tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse estatuto e dos respectivos benefícios fiscais.

No entanto, não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa nos termos propostos pela ora Recorrente. (…)”.

Já no que respeita às consequências do incumprimento da obrigação declarativa a jurisprudência arbitral e judicial diferem.

            Veja-se a este propósito o enquadramento e análise da questão feita pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo acima mencionado[2]:

Com este pano de fundo, a questão que se coloca é a de saber quais são as consequências do incumprimento de tal obrigação acessória e qual o seu âmbito, nomeadamente, saber se essas consequências têm efeito preclusivo sobre o exercício do direito em determinado período.

Como já ficou dito noutra sede, o regime fiscal do residente não habitual não prevê qualquer consequência para o não exercício atempado da inscrição como residente não habitual, mas não podemos deixar de salientar que o regime fiscal embora previsse um prazo de 10 anos, o mesmo inicialmente era renovável (nº 7 do artigo 16º do CIRS, na redacção inicial “7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção -Geral dos Impostos”) e não era um prazo contínuo, já que o direito podia ser gozado de forma interpolada caso o sujeito passivo deixasse de reunir os requisitos de residente em território nacional (nº 12 do artigo 16º do CIRS).

Nesta medida, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual.

 

Por seu turno, a jurisprudência arbitral tem decidido de forma consistente, deixando-se a título meramente indicativo, o sumário do acórdão proferido no processo n.º 67/2023-T:

(…)

II- No domínio do regime fiscal aplicável aos residentes não habituais, a inscrição a que se refere o n.º 10 do artigo 16º do Código do IRS assume natureza meramente declarativa e não constitutiva do direito a ser tributado nos termos de tal regime. III – Daí que, no caso de não formalização tempestiva de pedido de inscrição dessa qualidade no cadastro (residente não habitual), o respetivo benefício fiscal opera automaticamente desde que comprovados os respetivos pressupostos.

 

Ou seja, reunidos os requisitos legais para o sujeito passivo beneficiar da aplicação do regime do RNH, comunicação da alteração da residência para Portugal e residência no estrangeiro nos 5 (cinco) anos anteriores a tal comunicação, deve ser tributado em conformidade com esse regime, independentemente da data em que foi solicitada a adesão a esse regime.

 

Efetivamente, esta parece-nos ser a interpretação conforme com a letra do n.º 9 do artigo 16.º do CIRS que dispõe O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir da data da sua inscrição como residente em território português.

 

Por outro lado, nos termos do artigo 12.º do EBF “O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo com a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de modo diferente.”

 

Assim sendo, face ao acima expendido, tendo o Requerente transferido a sua morada para Portugal em dezembro de 2013, alteração comunicada à AT também no mês de dezembro, não tendo residido em Portugal nos 5 anos anteriores a esta comunicação, ou seja, estando reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de RNH, aferidos em função do ano de inscrição como residente, o cumprimento da obrigação declarativa em 2020 produz efeitos em dezembro de 2013, data da comunicação da alteração da morada à AT, data em que o Requerente deverá ser considerado como enquadrado no regime de tributação do RNH, beneficiando da sua aplicação pelo período de 10 anos legalmente previsto.

Pelo exposto, julga-se procedente o pedido formulado pelo Requerente, impondo-se a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como a anulação dos atos de liquidação aqui impugnados na medida em que não consideram a qualidade de RNH do Requerente.

 

V.2 C) Questões de conhecimento prejudicado

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação que é objeto do presente processo, por vício que impede a renovação dos atos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pelos Requerentes.

Na apreciação dos vícios imputados ao ato cuja declaração de ilegalidade é pedida deverá começar-se pelos “vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” (artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), já que “a arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes” (artigo 124.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).

Com efeito, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao ato impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação que é objeto do presente processo, por vício que impede a renovação dos atos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º n.º 2 do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pelo Requerente, a saber, preterição do direito ao exercício do contraditório e falta de fundamentação.

 

  1. Dos Juros indemnizatórios

 

Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, [é] devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Acompanhando o decidido no acima referido Acórdão do CAAD, “(…) nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 67/2023-T, reproduzindo-se a decisão produzida no mesmo: “(…É clara a existência de vícios de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito e de facto.

Todavia, tal ocorre apenas quando se revela admissível um juízo de imputação à AT de erro dos respetivos serviços – artigo 43º, da LGT.

Pois bem, não pode afirmar-se que esse momento coincida com o momento das liquidações sob impugnação porquanto estas ocorreram com base no registo cadastral do Requerente como contribuinte sujeito ao regime normal de tributação.

Ou seja: só quando, perante o pedido de revisão oficiosa das liquidações com a alegação e prova da verificação dos pressupostos do estatuto de residente não habitual, a AT indefere, tacitamente, o pedido formulado é que se pode afirmar a existência de erro dos serviços, gerador do início da contagem de juros indemnizatórios a favor do contribuinte.

Sobre a questão do termo inicial determinante para a contagem dos juros indemnizatórios e, concretamente, na sequência – como é o caso dos autos – de pedido de revisão oficiosa já se pronunciou por diversas vezes o Supremos Tribunal Administrativo (STA), incluindo em acórdãos uniformizadores de jurisprudência (cfr., entre outros, os acórdãos nos processos nºs 0890/16, de 18-1-2017, 099/18.3BALSB (Pleno), de 24-10-2018,  04/19.0BALSB (Pleno) de 3-7-2019 e 21/19.0BALSB, de 23-10-2019.

Dessa jurisprudência resulta o sentido uniforme de que, pedida a revisão oficiosa do ato de liquidação (artigo 78º-1, da LGT) e vindo o ato a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial de indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido e não desde a data do pagamento da quantia liquidada [cfr artigo 43º-1 e 3/c), da LGT].

Aplicando esta Jurisprudência ao caso dos autos, o pedido de juros indemnizatórios procede apenas parcialmente na medida em que os juros deverão ser contados desde 19-8-2023, ou seja, um ano após a apresentação do pedido de revisão, em 19.08.2022.”

           

Considera-se ainda a este propósito a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 29-02-2022, no âmbito do Processo n.º 093/2021, segundo a qual, no caso em que haja lugar a reclamação graciosa, o erro passa a ser imputável à Administração Fiscal depois de operar o indeferimento do procedimento gracioso, efetivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo.

 

Aplicando esta jurisprudência ao caso dos autos, o pedido de juros indemnizatórios procede apenas parcialmente, contados desde 22-09-2023, ou seja, da data do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa, pois, face ao enquadramento do Requerente no registo cadastral, apenas com o indeferimento da Reclamação Graciosa é que se pode afirmar existir erro imputável à AT, gerador do início da contagem dos juros indemnizatórios.

 

  1. Decisão

 

Nestes termos, e de harmonia com o acima exposto, decide este Tribunal Arbitral considerar procedente o pedido de pronuncia arbitral e em consequência:

  1. Julgar improcedentes as exceções de incompetência material, impropriedade do meio e litispendência suscitada pela Requerida;
  2. Indeferir o pedido de suspensão da instância formulado pela Requerida;
  3. Anular a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa;
  4. Anular a liquidação de IRS n.º 2022 ... referente ao ano de 2018;
  5. Condenar a Requerida na devolução da importância paga pelo Requerente, acrescida de juros indemnizatórios contados desde 22-09-2023.

 

  1. Valor do Processo

 

Fixa-se, em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), e n.º 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o valor do processo em € 59.028,33 (cinquenta e nove mil, vinte e oito euros e trinta e três cêntimos) que constitui a importância do imposto objeto de impugnação nas liquidações sindicadas.

 

  1. Custas

 

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e nos artigos 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 4.º, n.º 5 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.

Lisboa, 17 de outubro de 2024

Notifique-se.

 

O Árbitro

 

Cristina Coisinha

 

 



[1] Todos consultáveis em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/

[2] Acórdão do STA de 29-05-2024, prolatado no âmbito do Proc. n.º 0842/23.9BESNT consultável em www.dgsi.pt